Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
81606/21.6YIPRT.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: CONTESTAÇÃO
CONFISSÃO POR FALTA DE CONTESTAÇÃO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
Data do Acordão: 10/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Querendo obstar ao efeito cominatório consagrado no n.º 2 do artigo 574.º do CPC, o Réu terá de defender-se de forma concludente dos factos alegados que reputa de não verdadeiros, o que terá de fazer tempestivamente e de modo processualmente adequado.
II. Não cumpre o ónus de impugnação nos termos prescritos no n.º 1 do artigo 574.º do CPC a Ré que, após ter sido julgada improcedente a por si alegada excepção dilatória da nulidade de todo o processo decorrente da ineptidão da petição inicial por falta/ininteligibilidade da causa de pedir, confrontada com petição inicial aperfeiçoada no acatamento de despacho convite formulado à A., se limita a impugnar genericamente os documentos então juntos.
III. Desentranhados os documentos juntos pela Ré com articulado não admitido não podem ser consideradas autonomamente as traduções dos mesmos documentos juntas posteriormente, conforme naquele articulado protestara fazer.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 81606/21.6YIPRT.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo Local Cível de Loulé – Juiz 1


I. Relatório
(…), Lda., pessoa coletiva com sede na Rua do (…), (…), Vilamoura, instaurou contra (…) – Unipessoal, Lda., pessoa coletiva com sede na (…), n.º 59 – (…), Loulé, procedimento injuntivo, tendo em vista obter a condenação da ré no pagamento da quantia de € 29.128,94, acrescida de juros de mora vencidos à taxa comercial, que liquidou em € 4.849,25, preço dos serviços que a esta foram prestados pela autora no exercício da sua actividade de realização de projectos de arquitectura, engenharia, gestão de obra e construção civil, aluguer de equipamento de construção civil, construção de edifícios residenciais e não residenciais, conforme consta das facturas que identificou, as quais se encontram vencidas.
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Citada a Ré, ofereceu oposição, peça na qual invocou a excepção da nulidade de todo o processo por ser inepta a petição inicial nos termos do artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do CPC, uma vez que não se encontra suficientemente individualizada a causa de pedir, o que constitui obstáculo à sua defesa.
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Por força da apresentação da oposição foram os autos remetidos à distribuição, tendo sido determinado que prosseguissem como acção declarativa, a tramitar segundo o processo comum (artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio).
Por despacho proferido em 13/01/2022, foi a invocada exceção dilatória de ineptidão da petição inicial considerada improcedente e a autora convidada a juntar articulado adicional no qual especificasse “qual o concreto bem e/ ou serviço da sua especialidade fornecido à ré e que está subjacente às faturas por si peticionadas nestes autos”, tendo sido ainda concedido à ré o prazo de dez dias para eventual exercício do contraditório quanto à nova factualidade alegada, contado da notificação do articulado aperfeiçoado.
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Em 25/01/2022, a ré juntou novo articulado denominado ‘Contestação’, no qual se defendeu por impugnação e por excepção, tendo ainda deduzido pedido reconvencional e procedido à junção de 57 documentos, protestando juntar as respectivas traduções legalizadas e outros documentos a obter.

Em 26/01/2022 apresentou a autora petição inicial aperfeiçoada em cumprimento do despacho proferido em 13/01/2022.

A Ré veio tempestivamente impugnar os documentos juntos pela A. no articulado aperfeiçoado, tendo procedido em 14 de Fevereiro à junção de dois novos documentos, alegando tratar-se dos orçamentos efectivamente apresentados pela demandante.

Por requerimento entrado em juízo em 24 de Fevereiro a Ré procedeu à junção de traduções legalizadas de diversos documentos que acompanharam o articulado de 25/1, conforme protestara então fazer.

Por decisão datada de 04/07/2022, transitada em julgado, foi decidido não admitir o articulado da ré de 25/01/2022, determinando-se o seu desentranhamento dos autos.
A Ré insistiu pela admissibilidade do articulado apresentado na qualidade de superveniente, o que foi igualmente indeferido (cfr. despacho de 12 de Janeiro de 2023 – Ref.ª 126834533).
Tendo a Sr.ª juíza anunciado o conhecimento antecipado do mérito, foi cumprido o contraditório, tendo-se ambas as partes pronunciado.
Foi depois proferida sentença que, no decretamento da total procedência da acção, condenou a Ré a pagar à A. a quantia de € 29.128,94 (vinte e nove mil, cento e vinte e oito euros e noventa e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora comerciais à taxa legal, contados desde a data de vencimento de cada uma das faturas constantes dos factos dados como provados, que até à data da entrada do requerimento injuntivo perfaziam a quantia de € 4.849,25 (quatro mil, oitocentos e quarenta e nove euros e vinte e cinco cêntimos), até integral e efetivo pagamento.

Inconformada, apelou a Ré e, tendo desenvolvido nas alegações apresentadas os fundamentos da sua discordância com a decisão, formulou a final as seguintes conclusões:
“A. Considera a Douta sentença que os fatos 3. a 8 encontram-se plenamente provados por acordo por não ter havido impugnação expressa da Ré.
B. A R., na sequência do aperfeiçoamento da petição elaborado pela A., juntou (em data posterior ao aperfeiçoamento) quatro requerimentos probatórios datados de 14.02.2022 com as referências 9779698 e 9779702, bem como datados de 24.02.2022 com as referências 9822604; 9822605 e 9822606, sendo esta prova totalmente desconsiderada em sede de sentença.
C. Resultam dos seguintes documentos prova documental quanto à não conclusão dos trabalhos que fundamentam a emissão das faturas ora peticionadas.
D. A prova deve ser atendida num todo, sendo que será considerada impugnada toda aquela cuja motivação é contra o peticionado pela contraparte.
E. A douta sentença fez total tábua rasa da prova apresentada após o aperfeiçoamento da A. datado de 25.01.2022, desconsiderando-a na íntegra.
F. A douta sentença não faz qualquer alusão à referida prova, quando deveria fazê-lo nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 607.º do CPC.
G. Desta feita, torna-se claro que a sentença se encontra ferida de nulidade cfr. artigo 615.º do CPC.
H. Não obstante, ainda que assim não se entenda, o que não se concebe, refere a douta sentença enquanto fato provado (5. Os Trabalhos foram iniciados na Quinta … em meados de julho de 2018”), contudo, não existe qualquer prova em que os mesmos tenham sido bem realizados ou sequer concluídos.
I. Assim, estamos perante uma exceção de cumprimento clara pela R., designadamente, analisada a prova conforme resulta da própria sentença, não existe nem prova nem indicação da conclusão dos trabalhos, logo, estamos perante a ausência de suporte que fundamente o pedido de pagamento das faturas em questão e a sua respetiva condenação.
J. Pelo exposto, deverá a ação ser tida por improcedente.

Contra alegou a A., pugnando pela manutenção do decidido.
A Sr.ª juíza pronunciou-se pelo desatendimento da arguida nulidade.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões nele suscitadas:
i. da nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
ii. do erro de interpretação e aplicação dos artigos 574.º e 607.º, n.º 4, do CPC.
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i. da nulidade da sentença
Embora não especifique nas conclusões qual o vício que imputa à sentença recorrida do qual decorre a por si invocada nulidade, percebe-se, pelo teor das alegações, que está em causa a omissão de pronúncia, por ter o tribunal a quo, indevidamente, no entender da recorrente, desconsiderado toda a prova documental por si oferecida após a apresentação pela A. da petição inicial aperfeiçoada, da qual resultaria, para além do mais, que os trabalhos facturados não foram concluídos.
Não tem a recorrente razão, conforme se verá.
Conforme é sabido, o vício da omissão de pronúncia, que é a causa de nulidade das sentenças prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, decorre da violação do disposto no artigo 608.º do mesmo diploma legal, preceito que impõe ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e ainda as de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Mas como cremos ser entendimento pacífico, questões, para este efeito, são apenas as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir, bem como as eventuais excepções arguidas pelo réu, não se confundindo com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam as suas posições na controvérsia.
Nos presentes autos a autora invocou a celebração com a Ré de um contrato de empreitada e o incumprimento por esta da obrigação de pagamento de parte do preço, ao passo que a Ré se defendeu com fundamento na excepção dilatória da nulidade de todo o processo assente na ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir (cfr. artigos 571.º, 573.º, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea b), 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea b), todos do CPC). E sobre tais questões o tribunal pronunciou-se, ainda que a descontento da apelante, sendo que eventual erro na interpretação e aplicação de norma de direito processual probatório dá origem a error in judicando ou erro de julgamento, por contraposição a erro de procedimento – e só estes estão abrangidos pela previsão do artigo 615.º –, não provocando a nulidade da sentença.
Improcede, pelo exposto, a arguida nulidade (conclusão G).
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II. Fundamentação
De facto
É a seguinte a factualidade julgada provada na sentença recorrida.
1. A autora é uma sociedade comercial por quotas, tendo por objeto “Projetos de arquitetura, engenharia, gestão de obra de construção civil. Compra e venda de imóveis. Aluguer de equipamentos de construção civil. Construção de edifícios residenciais e não residenciais”.
2. A ré dedica-se à compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, atividades turísticas, consultoria para negócios e gestão.
3. Em 16/07/2018, a ré solicitou à autora a realização de diversos serviços de construção civil, designadamente, escavação de piscina e garagem, obras no interior da moradia, acabamento da piscina e obras do exterior, acabamento de estrada, tudo a realizar na obra denominada Quinta da (…), em Loulé.
4. A ré adjudicou a execução dos trabalhos à autora para realização do serviço solicitado tendo a autora, no âmbito da sua atividade comercial, fornecido à ré o serviço solicitado da sua especialidade.
5. Os trabalhos foram iniciados na Quinta da (…) em meados de Julho de 2018.
6. Do valor acordado entre as partes encontra-se em dívida a quantia total de € 29.128,94.
7. Em 28/12/2018 a autora emitiu a fatura n.º (…), no valor de € 20.000,00, com data de vencimento no mesmo dia.
8. Em 02/05/2019, a autora emitiu a fatura n.º (…), no valor de € 9.128,94, com data de vencimento em 30/05/2019.
9. A presente ação foi intentada pela autora em 27/08/2021.
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ii. Do erro de interpretação e aplicação dos artigos 574.º e 607.º, n.º 4, do CPC.
Conforme resulta da motivação elaborada, o Tribunal julgou assente a factualidade constante dos pontos 3. a 8. por acordo das partes face à consideração de que não tinha havido impugnação expressa por banda da ré da matéria alegada pela A. no requerimento inicial, tendo aquela concentrado a sua defesa na arguição da excepção da nulidade de todo o processo, a qual foi julgada improcedente (artigos 574.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e artigo 358.º, n.º 1, do Código Civil). Acrescentou-se ainda na sentença que, julgada improcedente a excepção invocada, o tribunal poderia ter proferido de imediato decisão mas proferiu, ainda assim, despacho de aperfeiçoamento, acatado pela autora, sem que a ré tivesse impugnado validamente a nova factualidade invocada, face ao desentranhamento do articulado de contestação/reconvenção prematuramente oferecido. Por assim ser, e apesar dos “inúmeros requerimentos da ré a impugnar a documentação junta pela autora”, considerou-se não existir “qualquer articulado nos autos onde a ré se defenda ou por exceção ou por impugnação”, o que conduziu ao assentamento dos factos “constantes do requerimento de injunção e no requerimento de 26/01/2022, não impugnados, e a sua subsunção ao direito aplicável”.
É contra este entendimento das coisas que a apelante se insurge, considerando que os documentos por si juntos aos autos deveriam ter sido considerados, deles resultando ter sido impugnada a factualidade alegada pela A. e julgada assente.
Vejamos, pois, da valia de tal argumentação.
Resulta dos autos que, reconhecidas as deficiências expositivas do requerimento injuntivo apresentado pela A., foi proferido despacho de aperfeiçoamento, na sequência do qual procedeu esta à junção de um articulado aperfeiçoado, aqui tendo procedido à identificação da obra onde foram prestados os serviços facturados, no caso a Quinta da (…) – tal menção, constando das facturas emitidas e posteriormente juntas aos autos, não constava daquele requerimento – que fez acompanhar de um documento designado de “estimativa de custos”, com discriminação dos trabalhos alegadamente adjudicados pela ré (doc. n.º 3, junto em 27/1/2022), que deu por reproduzido – vide artigo 6.º. E é dessa obra, cujo custo total estimado seria de € 932.483,09, que remanescem em dívida, segundo alegado pela A., os valores de € 20.000,00, este constante da factura n.º (…) sob a especificação genérica de “prestação de serviços de construção civil”, e de € 9.128,94, ao qual se reporta a factura n.º (…), aqui com discriminação dos trabalhos executados.
Confrontada com o articulado e documentos juntos, a Ré veio impugnar “expressamente os documentos e o respectivo teor”, alegando nunca terem sido por si recepcionados, tendo posteriormente – decorrido que estava o prazo de 10 dias concedido para responder ao articulado aperfeiçoado – procedido à junção dos únicos orçamentos que diz ter recebido da A., tratando-se de uma estimativa no valor de € 367.360,00 relativa a trabalhos a executar numa outra obra, designada de “(…)”.
Mediante requerimentos entrados em juízo em 24/2 juntou ainda a apelante a tradução de diversos documentos oferecidos com a contestação/reconvenção, aos quais faz apelo no recurso interposto, pretendendo que fazem prova contrária ao alegado pela A., impedindo o assentamento dos factos como tal considerados na decisão. Vejamos se lhe assiste razão quanto a esta fundamento do recurso.
Epigrafado de “Ónus de impugnação”, dispõe o artigo 574.º que “Ao contestar, deve o R. tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor” (vide n.º 1), dispondo o n.º 2 “Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito (…)”.
Daqui não decorre, porém, em nosso entender, a inadmissibilidade legal da contestação mediante junção de documentos. Já o admitia o Prof. A. dos Reis, o qual ensinava que “Quando o réu dentro do prazo concedido para a contestação junta documentos, este acto não pode deixar de significar que aos factos articulados pelo autor o réu opõe os factos que os documentos se destinam a provar. Não é razoável, pois, considerar confessados pelo réu os factos alegados pelo autor que estiverem em oposição com os factos constantes dos documentos.
Até onde os documentos alcançarem, devem ter-se como impugnados especificadamente os factos contrários articulados pelo autor, tal qual como se o réu oferecesse contestação por artigos e atacasse declaradamente os ditos factos do autor. Pretender que a falta de contestação articulada implica necessariamente a confissão de todos os factos expostos pelo autor, parece-nos opinião demasiado formalista. A realidade viva e palpitante é bem outra; o réu comportou-se por maneira a mostrar que, longe de confessar tudo quanto o autor afirmou, impugna e repele determinados factos narrados por este.
Dir-se-á a impugnação não vale, não tem relevância processual, porque não foi feita pela forma que a lei exige.
A objecção não colhe. A lei não formula, para a contestação por junção de documentos, excomunhão semelhante à que o § 2.º do artigo 494.º estabelece para a contestação por negação. É certo que não consagra expressamente a contestação por junção de documentos, como fazia o artigo 396.º do Cód. anterior; mas deste silêncio não e licito inferir que de nada vale tal contestação.
Conforme já observámos, o réu tem o direito de oferecer prova documental respeitante aos factos da causa; o exercício desse direito não está dependente da circunstância ou da condição de contestar por artigos. Desde que o réu, oferecendo documentos no prazo legal da contestação, exerce um direito, a consequência lógica é que esses documentos hão-de ser tomados em consideração pelo tribunal; sendo assim, não pode o juiz ter como confessados pelo réu os factos desmentidos pelos documentos.
A verdade é que a confissão ficta ou tácita, decretada no artigo 488.º, assenta neste pressuposto: o réu tomou conhecimento dos factos articulados pelo autor; se não reage contra eles, se os não repele, é porque os aceita como exactos.
Ora o pressuposto falha no caso que analisamos. O réu não se mantém inactivo perante as afirmações do autor; não se inclina perante pelo contrário, revela por forma inequívoca a sua discordância a sua oposição, oferecendo documentos que as contrariam. Damos, pois, à frase «se não contestar», exarada no art.º 488.º, o sentido amplo, de modo a abranger não só a contestação por artigos, senão também a contestação por junção de documentos, que consideramos equivalente àquela"[1].
Também o Prof. Lebre de Freitas, distinguindo entre contestação em sentido formal e contestação em sentido material, não deixa de concluir dever ser admitida “como contestação, embora não obedeça às exigências do articulado, a mera apresentação, pelo réu, no prazo da contestação, de documentos que provem não ser verdadeiros os factos alegados pelo autor ou provem factos impeditivos, extintivos ou modificativos do efeito dos que o autor tenha alegado, constituindo-se assim contestação em sentido material que não o é em sentido formal”.[2]
Não obstante esta possibilidade alargada de cumprimento do ónus, não deixa a nossa lei processual de impor às partes, designadamente ao R., que tome posição definida quanto aos factos alegados pela contraparte.
Como se assinala no acórdão do STJ de 31/1/2023 (processo n.º “(…) a lei (artigo 574.º, n.º 1, CPC) deixou de se reportar à necessidade de impugnação especificada dos factos articulados pelo autor e à proibição da contestação por negação e à possibilidade de a mesma poder operar por simples menção dos números dos artigos da petição inicial narrativos dos factos contestados. Porém, continua a exigir-se que o réu tome posição definida perante os factos articulados na petição, o que significa, como é natural, que a maleabilização do ónus de impugnação não a dispensa.
A posição definida sobre os factos articulados na petição implica que o impugnante assuma uma posição clara, frontal e concludente sobre eles, embora se não exija que o faça sob a forma especificada, ou seja, facto por facto, podendo efectivar-se pela menção do número dos artigos inerentes dos factos narrados, sem necessidade de reprodução do conteúdo da alegação objecto de impugnação.
Por conseguinte, a impugnação significa contrariar, refutar ou negar a veracidade de um facto, que a tomada de posição definida perante os factos articulados na petição implica a negação dirigida a determinada espécie factual, ou a um conjunto de factos, desde que assuma um recorte definido em função da sua densidade, heterogeneidade e extensão.
Quando os factos alegados pelo autor estão em oposição com o conjunto da defesa, está-se perante uma impugnação indirecta, não se exige agora que a oposição seja “manifesta” bastando que em consequência de uma interpretação razoável do teor global da contestação, o facto não expressamente impugnado deva ter-se por questionado pelo réu. A inobservância do ónus processual de impugnação tem como consequência darem-se como assentes no processo determinados factos alegados pela parte contrária, através da figura da admissão (…)”.
Resulta do que vem de se dizer que, querendo obstar ao efeito cominatório consagrado na lei, o R. terá de defender-se de forma concludente dos factos alegados que reputa de não verdadeiros, só assim impedindo a sua consideração pelo tribunal sem necessidade de os sujeitar a instrução. Terá, no entanto, de o fazer tempestivamente e de modo processualmente adequado. O que, antecipa-se, não ocorreu no caso em apreço.
Encontra-se decidido com trânsito em julgado não ser admissível o articulado de contestação / reconvenção apresentado pela Ré, tendo sido ordenado o seu desentranhamento. Não tendo a decisão excepcionado o conjunto de 57 documentos juntos com o articulado, também eles objecto de desentranhamento, não podem os mesmos ser considerados; consequentemente, também as traduções oferecidas com os requerimentos entrados em juízo no dia 24 de Fevereiro, documentos a que a recorrente faz referência, não detendo valor probatório autónomo, terão de ser igualmente desconsiderados. Acresce que nunca tais documentos poderiam valer como impugnação dos factos alegados pela autora, dado que foram oferecidos muito para além do prazo concedido à apelante para sobre eles se pronunciar.
Subsiste assim apenas e só como conduta processualmente relevante, a impugnação pela Ré dos documentos juntos pela A. com o articulado aperfeiçoado, a saber, duas mensagens electrónicas que lhe foram alegadamente enviadas pelo legal representante da Ré e a denominada “estimativa de custos” que esta alega nunca ter recebido. Sucede, porém, que os documentos em causa não são indispensáveis à prova dos factos alegados pela A. e da impugnação daqueles não resultam contrariados os factos por esta alegados. Idêntico juízo, acrescenta-se, é de fazer em relação ao documentos junto em 14/2, que nem sequer respeita à obra da Quinta da (…), sendo irrelevante para a decisão a tomar nestes autos.
Nos termos do artigo 607.º, n.º 4, do CPC, na fundamentação da sentença o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, como ocorre com aqueles que não foram objecto de uma tomada de posição concludente por banda da parte contrária. Deste modo, não merece censura a decisão recorrida quando considerou provada a factualidade que deixou vertida nos pontos 3. a 8. Não obstante quanto vem de se referir, reconhecendo o teor conclusivo -e decisivo- do ponto 6., a verdade é que quanto dele consta resulta de dois outros factos, igualmente admitidos por acordo, a saber:
“Na sequência do referido em 3. a A. executou na obra da Quinta da (…) os trabalhos da sua especialidade discriminados nas facturas emitidas identificadas em 7. e 8., que enviou à Ré”.
“A Ré não entregou à A. as quantias de € 20.000,00 e € 9.128,94”, facto este, aliás, dispensável, dado que o pagamento, atenta a sua natureza de facto extintivo, teria de ser alegado e demonstrado pela Ré (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC).
Em suma, face ao incumprimento pela Ré do ónus de impugnação consagrado no artigo 574.º do CPC, os factos alegados pelo A. consideram-se admitidos por acordo nos termos do n.º 2 do preceito, havendo de ser tidos em consideração na sentença por imposição do preceituado no n.º 4 do artigo 607.º do CPC. Tal como se verificou ter ocorrido na decisão recorrida, improcedendo, pelo exposto, as conclusões de A) a F).
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Argumenta ainda a recorrente que estando provado em 5. que “Os Trabalhos foram iniciados na Quinta (…) em meados de julho de 2018”, não existe prova de que os mesmos tenham sido bem executados ou sequer concluídos, pelo que “estamos perante uma exceção de cumprimento clara pela R.”, não permitindo a factualidade assente na sentença que se conclua pela sua condenação.
Se bem interpretamos a alegação da apelante, sustenta a mesma que não se encontrando provado que os trabalhos foram bem executados ou sequer concluídos verifica-se insuficiência da matéria de facto para suportar a decisão condenatória. Não tem, porém, ainda aqui, razão.
Quanto a eventuais excepções – de não cumprimento, eventualmente na modalidade de cumprimento defeituoso por deficiente execução dos trabalhos ou inconclusão dos mesmos – sendo ónus da ré a sua invocação, encontra-se precludida a possibilidade de o fazer, atento o princípio da concentração da defesa na contestação – cfr. o artigo 573.º do CPC.
No que se reporta à agora invocada insuficiência da matéria de facto, ela também não se verifica. Com efeito, e independentemente dos trabalhos terem sido ou não concluídos, a verdade é que a A. veio reclamar o pagamento aqueles que executou e facturou e apenas estes a Ré foi condenada a pagar nos termos e com os fundamentos de direito explanados na decisão recorrida, nesta parte sem impugnação por banda da recorrente, que não questionou no recurso o enquadramento jurídico que dos factos apurados foi feito.
Improcedente este derradeiro fundamento do recurso, impõe-se confirmar a sentença recorrida.

Sumário: (…)

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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmado a sentença recorrida.
As custas ficam a cargo da recorrente.
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Évora, 26 de Outubro de 2023
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Leite
Canelas Brás

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[1] CPC Anotado, vol. III, 4.ª edição, págs. 8 e 9.
[2] “A acção declarativa comum à luz do Código Revisto”, 2.ª edição, pág. 92v.º. O entendimento então exposto a propósito do preceito correspondente do CPC cessante mantém plena actualidade.
Na Jurisprudência, o acórdão do TRL de 16/3/2o16, processo 37//13.0TBHRT.L1-4, acessível em www.dgsi.pt., com recenseamento de doutrina e jurisprudência concordantes.