Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
319/23.2T9OLH.E1
Relator: CARLOS DE CAMPOS LOBO
Descritores: EXECUÇÃO DE COIMAS E CUSTAS
COMPETÊNCIA MATERIAL
AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
IRRECORRIBILIDADE
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Sumário:
I – O despacho que declara a incompetência do tribunal, ao invés de ser passível de recurso, é notificado aos sujeitos processuais, não aguarda o prazo do recurso, determinando imediata e simultaneamente, a remessa do processo ao tribunal considerado competente, o que determina a sua irrecorribilidade pois, contra o mesmo, apenas se pode reagir através do mecanismo do conflito de competência regulado nos artigos 34º a 36º do CPPenal.
II – Todavia, quando se esgrimem no palco em litígio questões relativas à competência entre um tribunal e uma entidade administrativa, a qual como é óbvio, não se rege por as mesmas regras de competência, a via para o atacar é o recurso.
III – Considerando a redação dos artigos 35.º do Regulamento das Custas Processuais e 148.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Tributário, advinda da Lei nº 27/2019, de 28 de março, conjugado com o plasmado nos artigos 131.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, 469.º e 491.º, n.º 2, do CPPenal, à Administração Tributária é conferida a competência para cobrança coerciva de coimas e custas fixadas na fase administrativa do processo de mera ordenação social.
IV - Ao que tudo aponta, o artigo 148.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Tributário, considerando a sua literalidade e dimensão da expressão sanções pecuniárias, passou a incluir a cobrança coerciva de coimas, custas, taxa de justiça e demais encargos legais, cabendo assim à Autoridade Tributária desencadear os respetivos mecanismos legais para a dita cobrança coerciva.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora

I – Relatório

1. No âmbito do processo nº 319/23.2T9OLH da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Olhão – Juiz 1, o Digno Mº Pº apresentou requerimento executivo contra o executado AA, para efeitos de obter pagamento de coima administrativa (€ 375,00) e custas (€ 52,50) num total de € 427,50 em que este havia sido condenado por decisão administrativa de 16/08/2021 pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANRS).
2. Por despacho judicial proferido nos autos, em 24 de maio de 2023, foi decidido ser o Tribunal incompetente para tramitação, apreciação e decisão da execução em causa, cabendo tal à Autoridade Tributária.
3. Inconformado com tal decisão, veio o Digno Mº Pº interpor recurso para o que apresentou as seguintes conclusões que extrai da sua motivação: (transcrição)
1) O Ministério Público promoveu a execução da coima e custas da entidade administrativa, por não terem sido voluntariamente liquidados os valores em dívida por parte do executado.
2) Para o efeito, o Ministério Público submeteu requerimento executivo que deu origem aos presentes autos.
3) Pelo despacho recorrido, o Tribunal a quo decidiu que é absolutamente incompetente em razão da matéria para apreciar a presente acção executiva, considerando que tal competência recai sobre a AT.
4) O legislador não alterou o disposto nos artigos 61.°, 88.° e 89.°, do RCP, mantendo-se a competência para a execução da coima administrativa não paga junto dos Tribunais.
5) Perante a actual redação do artigo 35.°, do RCP, apenas se considera admissível que a AT tenha competência para a execução das custas da entidade administrativa. No que respeita à coima, o legislador não atribuiu essa competência à AT.
6) Ao julgar que é absolutamente incompetente em razão da matéria para apreciar a acção executiva que deu origem aos presentes autos, com o devido respeito por opinião contrária, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 61.°, 88.°, e 89.°, do RGCO, 35.°, do RCP, e 64.°, do CPC, por força do disposto no artigo 4.°, do CPP.
7) Numa interpretação conforme com o disposto nos artigos antecedentes e demais disposições legais aplicáveis, consideramos que o tribunal recorrido nunca se poderia declarar materialmente incompetente para proceder à execução da coima, por se verificar que o Juízo de Competência Genérica de Olhão, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, é territorialmente e materialmente para apreciar a presente acção executiva, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos.
8) Deve, assim, ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se, consequentemente, que prossiga a presente execução relativamente à coima aplicada pela entidade administrativa e, eventualmente, relativamente às custas aplicadas pela entidade administrativa, caso se entenda que o Tribunal recorrido é igualmente competente para a sua execução.
Vossas Ex. as, porém, decidirão como for de
JUSTIÇA !

4. Não foi apresentada qualquer resposta.

5. O Digno Mº Pº junto deste Tribunal, apôs o seu Visto[1].

6. Efetuado exame preliminar, colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, apreciar e decidir.

II – Fundamentação
1. Thema Decidendum
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que neste momento possam ser ainda conhecidas, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº 1 do CPPenal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Assim, a questão que reclama ponderação é a de saber se o tribunal recorrido é o competente para a execução para cobrança de uma coima, e respetivas custas, aplicada por uma autoridade administrativa.

2. Apreciação
2.1. O Tribunal recorrido decidiu da seguinte forma: (transcrição)
Iniciaram-se os presentes autos executivos com requerimento executivo apresentado pelo Ministério Publico, para cobrança de coima, devida à ANSR.
Estabelece o actual art.° 35° do Regulamento das custas processuais (após - Lei n.° 27/2019, de 28/03) o seguinte:
1- Compete à administração tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, promover em execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial.
2- Cabe à secretaria do tribunal promover a entrega à administração tributária da certidão de liquidação, por via eletrónica, nos termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, juntamente com a decisão transitada em julgado que constitui título executivo quanto às quantias aí discriminadas.
3- Compete ao Ministério Público promover a execução por custas face a devedores sediados no estrangeiro, nos termos das disposições de direito europeu aplicáveis, mediante a obtenção de título executivo europeu.
4- A execução por custas de parte processa-se nos termos previstos nos números anteriores quando a parte vencedora seja a Administração Pública, ou quando lhe tiver sido concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
5- Sem prejuízo do disposto no número anterior, a execução por custas de parte rege-se pelas disposições previstas no artigo 626.° do Código de Processo Civil.
Com a actual redacção da sobredita norma, o Ministério Publico no âmbito da jurisdição criminal junto dos Juizos Locais criminais tem competência unicamente para instaurar execução por multa devida nos processos e indemnizações arbitradas aos ofendidos/vitimas dos processos criminais.
Todos os demais valores são cobrados pela A.T. após emissão da competente certidão de divida no processo.
É aliás este o entendimento vertido no parecer n.° 27/2020, de 04-10 do Ministério Publico. Fazendo, como se entende, todo o sentido que se o Ministério Publico junto do tribunal não tem competência para cobrar as custas devidas no próprio processo, não poderá executar custas ou coimas devidas em qualquer outro processo de natureza administrativa, junto de qualquer outra entidade.
Em face do exposto, e tendo em conta o objecto da presente execução, constatamos que este Tribunal é absolutamente incompetente, em razão da matéria, para apreciar e a presente acção executiva, a qual entendemos ser da Autoridade Tributária.
A incompetência absoluta em razão da matéria verificada constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso e a todo o tempo, e importa a absolvição do Executado da instância, nos termos do disposto nos artigos 65°, 97°, 98°, 99° e 577°, al. a) do Código de Processo Civil.
Registe e Notifique.
Após trânsito:
-Existindo alguma penhora nos autos proceda ao seu imediato cancelamento.
-Existindo valores pagos proceda notificação do executado com informação dos respectivos valores.
-Remeta os autos à conta.
2.2. A decidir
A questão recursiva, como se adiantou, prende-se com a competência dos tribunais para processamento e decisão de autos de execução respeitantes à cobrança de coima e custas decorrente de decisão de autoridade administrativa.
Como ponto prévio a salientar e que importa desde já consignar, prende-se com a circunstância de o ora signatário / relator, em Acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Évora, no passado dia 10 de outubro, no processo com o nº 109/23.2T9OLH.E1, e na qualidade de 2º Ajunto, ter subscrito posição que, como se verá adiante, não coincide com a aqui a propalar.
Porém, em virtude de um estudo mais aprofundado da matéria, perante ponderação de diversos argumentos e contra-argumentos, entretanto surgidos e conhecidos, entende o ora signatário / relator rever o entendimento anteriormente tido, o que se transporta para a decisão ora a emitir.
*
Ainda em jeito prévio, e decorrente do estudo e esquadrinhamento mais detalhado acima notados, importa sublinhar que tem havido alguma discussão em redor da recorribilidade da decisão sobre competência.
Com efeito, jurisprudência brota que vem defender que o despacho que declara a incompetência do tribunal, ao invés de ser passível de recurso, é notificado aos sujeitos processuais, não aguarda o prazo do recurso, determinando imediata e simultaneamente, a remessa do processo ao tribunal considerado competente. Tal decisão é, pois, irrecorrível, apenas se podendo reagir contra ela através do mecanismo do conflito de competência regulado nos artigos 34º a 36º do CPPenal[2].
Esta linha de defesa, em muito se ancora em posicionamento doutrinário que a respeito da leitura do artigo 33º do CPPenal sufraga a ideia de que a decisão do tribunal penal que se declara territorialmente incompetente é irrecorrível, já que o meio adequado para tal enfrentar é o instituto do conflito de competência e não o recurso[3].
Ora, atentando ao que aqui subjaz, parece relativamente cristalino que se trata de realidades distintas.
Na verdade, não se esgrimem no palco em litígio questões relativas à competência de tribunais, mas sim entre um tribunal e uma entidade administrativa, a qual como é óbvio, não se rege por as mesmas regras de competência.
Por seu turno, também não emerge um quadro de desentendimento quanto a competência territorial de tribunais.
Face a tal, e como se não prefiguram os pressupostos necessários para se falar em conflito de competências, os quais são de dirimir de acordo com o plasmado no artigo 34º do CPPenal, só resta concluir, como efetivamente se fez no momento do exame preliminar, que aqui é admissível o recurso[4].
Igualmente nesta sede – eventual irrecorribilidade do despacho em sindicância -, poder-se-ia chamar à colação o plasmado no artigo 73º do RGOC que, como do mesmo transparece, apresenta um quadro restrito em matéria recursória em sede de procedimento contraordenacional e, nessa medida, defensável que tudo o que do mesmo dimane, direta ou indiretamente, apresenta igualmente um limitado espetro passível de admissibilidade recursiva.
Conquanto, tendo em atenção o que parece transparecer do estatuído no artigo 89º do mesmo complexo legal, mormente os seus nºs 1 e 2 e, bem assim, que o presente recurso foi admitido neste Tribunal da Relação, importa um debruce sobre o mote essencial aqui em discussão[5].
*
Percorrendo a decisão em dissídio, ao que transparece, assenta a mesma, desde logo, no plasmado no artigo 35º do Regulamento das Custas Processuais (após entrada em vigor da Lei nº 27/2019, de 28/03), ou seja, no que importa daqui reter por força da alteração surgida em 2019 - Compete a administração tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, promover em execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial (nº 1).
E, nessa senda, todo o trajeto encetado, leva à conclusão de que no domínio da jurisdição criminal, e em matéria de execução, os tribunais apenas assumem competência relativamente aos processos de execução por multa aplicada em processos crime e, bem assim, quanto a indemnizações arbitradas aos ofendidos e / ou vítimas nesses processos.
Todo o mais, mormente no que tange a coimas e custas decorrentes de processos contraordenacionais tramitados por autoridades administrativas, exubera como entidade competente neste domínio do processo executivo a Autoridade Tributária (AT).
Reforçando este entendimento, alicerça-se o tribunal a quo, no narrado no Parecer do Ministério Publico - Parecer nº 27/2020, de 04 de outubro – de onde se pode retirar que face ao texto do artigo 148º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Tributário, decorrente das alterações introduzidas pela supra referida Lei - Poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei: (…) Custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial – cabe à Administração Tributária a cobrança coerciva de coimas e custas relacionadas com processos de contraordenação.
Não se desconhece que no regime anterior à Lei nº 27/2019, de 28 de março a jurisprudência - tal como cita o Digno Mº Pº em sede recursiva - mostrava-se pacífica no sentido de considerar como competente para tramitar a execução para cobrança de uma coima e das custas respetivas é o tribunal / secção criminal[6].
Tal ponto de vista decorria, essencialmente, do texto conjugado dos artigos 61º e 89º, nºs 1 e 2 do RGCO, que fixa que a execução pelo não pagamento da coima (…) será promovida perante o tribunal competente, segundo o art.º 61(…) aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Penal sobre a execução da multa…”, e a consideração de que a execução por coima aplicada por autoridade administrativa não reveste natureza cível, mas antes um formato de sanção, com caráter punitivo, decorrente da prática de uma contraordenação, ou seja, uma conduta típica, ilícita e censurável.
Conquanto, a entrada em vigor da Lei nº 27/2019, de 28 de março, de onde desponta como referência - Aplicação do processo de execução fiscal à cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial, procedendo à sétima alteração à Lei da Organização do Sistema Judiciário, trigésima terceira alteração ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, sétima alteração ao Código de Processo Civil, décima terceira alteração ao Regulamento das Custas Processuais, trigésima terceira alteração ao Código de Processo Penal, quarta alteração ao Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro -, veio trazer questões com consequências em matéria de competência para responder às ações executivas para cobrança coerciva de coimas e respetivas custas.
Repescando, a propósito deste diploma e dos efeitos a eventualmente retirar da sua vigência, atente-se a determinados momentos do já citado Parecer do Mº Pº nº 27/2020, de 04 de outubro, na linha da ideia retida no despacho revidendo.
Visitando-o, em primeiro lugar, refira-se que o RGCO remetia a execução das custas para o disposto nos artigos 171º e seguintes do Código das Custas Judiciais, assim atribuindo competência ao Mº Pº para promover a sua execução junto dos tribunais judiciais – artigo 20º, nº 2, daquele Código -, solução esta que se manteve até à entrada em vigor da Lei n.º 27/2019, de 28 de março, relativa à aplicação do processo de execução fiscal à cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial.
Todavia, ao que se pensa, por força desta novel Lei de 2019, o legislador, considerando a natureza tributária das custas e seguindo o exemplo da jurisdição administrativa e fiscal, veio inverter aquele paradigma, remetendo para a execução fiscal a cobrança coerciva das custas fixadas em processo judicial.
E tanto assim é, pensa-se, que a já notada alteração do estatuído no artigo 148º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, advinda da Lei nº 27/2019, de 28 de março, passou a dispor que (p)oderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei: (…) Custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial.
Acresce, que nesse seguimento alterativo, o artigo 35º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais, sob a epígrafe execução, passou a assumir como normação (c)ompete à administração tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, promover em execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial.
Reconhece-se que apesar da Lei nº 27/2019, de 28 de março e as normas que ela alterou, não o dizerem expressamente, sopesando todo o quadro normativo delas emergente, deve entender-se, pensa-se, que este regime é aplicável às coimas e custas fixadas na fase administrativa do processo de mera ordenação social, competindo à Administração Tributária proceder à sua cobrança coerciva.
Desde logo, porque, continuando o artigo 92º, n.º 1, do RGCO, a remeter para os preceitos reguladores das custas em processo criminal, será aqui aplicável o disposto no artigo 35º do Regulamento das Custas;
Ademais, porque, atenta a sua natureza, estão incluídas no âmbito do artigo 148º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, segundo o qual o processo de execução fiscal abrange, entre outros, a cobrança coerciva de taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais;
Diga-se, também, que o legislador, em vez de atribuir competência ao juízo ou tribunal para executar as decisões proferidas e relativas a multas, custas e indemnizações previstas na lei processual aplicável, passou a atribuir-lhe, apenas, competência para a execução das decisões relativas a multas penais e indemnizações previstas na lei processual aplicável - artigo 131º da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
Cabe, igualmente, notar que o legislador restringiu os poderes do Ministério Público, máxime o poder de promover a execução por custas, conferindo-lhe, agora, apenas, competência para promover a execução das penas e das medidas de segurança e, bem assim, a execução por indemnização e mais quantias devidas ao Estado ou a pessoas que lhe incumba representar judicialmente – artigo 469º do CPPenal.
Refira-se, em acrescento, que o legislador eliminou a referência à execução por custas, que constava do artigo 491º, nº 2, do CPPenal, passando a mesma a ser da competência exclusiva da Administração Tributária;
Assim sendo, face a estas alterações, ao que se pensa, para além de ter atribuído à Administração Tributária competência para proceder à cobrança coerciva das custas, o legislador eliminou as normas que antes atribuíam ao Ministério Público competência para promover a sua execução e aos tribunais judiciais competência para a tramitar.
Neste seguimento, ao que tudo aponta, o artigo 148º, nº 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, considerando a sua literalidade e dimensão da expressão sanções pecuniárias, passou a incluir a cobrança coerciva de coimas, custas, taxa de justiça e demais encargos legais, que, por força de disposições legais especiais, antes lhe estava subtraída, pelo que todo o expediente envolvendo quadro como o que ora se apresenta, deverá ser tratado no âmbito da AT.
Em último, ainda que lateralmente, sempre se dirá que não tendo sequer havido, no caso presente, qualquer impugnação da decisão administrativa proferida e, nessa medida, nunca se tendo suscitado a intervenção de qualquer tribunal neste conspecto, mais evidente se torna, ante todo o normativo atualmente em vigor, que caberá à AT e não aos tribunais, tomar pronunciamento.

III – Dispositivo
Nestes termos, e pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo Digno Mº Pº mantendo-se a decisão recorrida.
Sem Custas por o Mº Pº delas estar isento.

Évora, 7 de novembro de 2023
(a presente decisão sumária, foi elaborada e integralmente revista pelo Relator seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º 2, do CPPenal)

Carlos de Campos Lobo - Relator
Ana Bacelar– 1.ª Adjunta (Vencida com Declaração de Voto)
Filipa Costa Lourenço – (2.ª Adjunta)


Declaração de voto – Voto de vencida
Tiveram os presentes autos origem em certidão de dívida extraída do processo de contraordenação n.º 938478591, para cobrança da quantia de € 427,50 (quatrocentos e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos), ao abrigo do disposto no artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, e no artigo 185.º-A do Código da Estrada.
A quantia supra referida resulta da aplicação de coima, pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, a AA.
Porque tal coima foi imposta num processo de contraordenação, o presente processo executivo, que naquele se enxerta, não pode deixar de seguir as regras do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro – Regime Geral das Contraordenações e Coimas.
Em concreto, o que se dispõe no seu artigo 73.º, a pretexto das decisões judiciais que admitem recurso.
Dele decorrendo, de forma isenta de dúvida ou querela, só admitirem recurso para os Tribunais da Relação:
(i) as decisões judiciais finais do processo - sejam sentença ou despacho que decidem matéria contraordenacional sem audiência de julgamento – que apliquem coima superior a € 249,40 (duzentos e quarenta e nove euros e quarenta cêntimos);
(ii) as decisões judiciais finais do processo - sejam sentença ou despacho que decidem matéria contraordenacional sem audiência de julgamento – que apliquem sanções acessórias;
(iii) as decisões judiciais finais do processo - sejam sentenças ou despacho que decidem matéria contraordenacional sem audiência de julgamento – que absolvam ou arquivem o processo em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a € 249,40 (duzentos e quarenta e nove euros e quarenta cêntimos) ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
(iv) as decisões judiciais que rejeitem a impugnação judicial;
(v) as decisões judiciais proferidas nos termos do artigo 64.º do Regime Geral das Contraordenações, quando o recorrente a tal se tenha oposto.
A decisão judicial que suscita a interposição de recurso pelo Ministério Público nos presentes autos, é de incompetência em razão da matéria, proferida por Senhora Juíza do Tribunal de Olhão. E de afirmação da competência da Autoridade Tributária para o processo executivo.
E esta decisão é insuscetível de recurso.
Desde logo face à previsão do artigo 73.º acabado de transcrever.
Depois, porque em processo contraordenacional não é constitucionalmente imposta a consagração da possibilidade de recurso de todas as decisões judiciais – especialmente no que respeita a decisões não condenatórias, como é o caso presente.
E não decorrendo da Constituição a garantia de um grau de recurso em matéria de processos contraordenacionais declarativos, por maioria de razão se deverá entender não decorrer também tal garantia no que respeita à fase executiva das sanções administrativas. – Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 508/2016, de 21 de setembro de 2016 e acessível em www.tribunalconstitucional.pt
Entendimento diverso, como é o propugnado no acórdão de que divirjo, permite que numa fase menos importante do processo contraordenacional – a executiva – se confira aos intervenientes processuais direitos [nomeadamente, o de recurso] que a fase processual anterior e predominante não consente.
Entendo, pois, que a decisão de incompetência material supra referida não consente recurso.
E que a decisão a proferir nestes autos, de forma sumária, deveria ser de rejeição do recurso interposto pelo Ministério Público.

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[1] Cfr. fls. 33
[2] Neste sentido os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 15/12/2015, proferido no Processo n.º 584/12.1TAFAR.E1 e do Tribunal da Relação do Porto de 6/04/2011, proferido no Processo n.º 93/11.5PBMTS-A.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt
[3] Neste sentido ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição actualizada, 2009, Universidade Católica Editora, p. 111 e ainda, SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, I, Nova Edição Revista, 2008,Verbo, p. 211.
[4] Neste sentido, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS; Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário de Código de Processo Penal, Tomo I Artigos 191.º a 310.º, 2.ª Edição, 2022, Almedina, p. 436.
[5] Ver o despacho de fls.26 a 28 da 2ª Secção Cível deste Tribunal.
[6] Neste sentido Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 19/11/2015, proferido no Processo nº 1625/08.1TAFAR.E1, de 26/04/ 2016, proferido no Processo n.º 177/14.8TARMR.E1