Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
594/23.2GBLLE.E1
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
FINS DA PENA
NÃO AUTOMATICIDADE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 11/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. O decretamento de pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é um imperativo legal relativamente a quem seja punido pela prática de um dos crimes indicados no n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, conforme do mesmo expressamente decorre.
II. Esta pena acessória tem um sentido e um conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas de defesa contra a perigosidade individual.
III. A circunstância de dever ser sempre aplicada logo que aplicada pena principal por um dos crimes do catálogo, não implica colisão com a proibição de automaticidade das penas acessórias (artigo 30.º n.º 4 da Constituição) porquanto a aplicação desta - tal como a aplicação da pena principal – se fundamenta na prova do facto típico ilícito e na respetiva culpa, sem necessidade de quaisquer factos adicionais.
IV. A lei não permite que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados seja suspensa na sua execução, desde logo por o artigo 50.º do Código Penal reservar essa possibilidade à pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, mas também por tal suspensão ser contrária aos fins que se gizam alcançar com a aplicação daquela pena acessória.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I.
No processo sumário n.º 594/23.2GBLLE do Juízo Local Criminal de Loulé, Comarca de Faro, o arguido AA foi submetido a julgamento, após ter sido acusado da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo n.º 1, do art.º 292° e al. a), do n.º 1, do artigo 69°, todos do Código Penal.
Realizada a audiência, foi decidido, no que ora releva:
a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º, nº 1, do C. Penal na pena de 120 dias (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de €5,00 euros (cinco) euros
b) Determinar o desconto de 1 (um) dia no cumprimento da pena de multa aplicada ao arguido, nos termos do art. 80.º, n.º 2, do Código Penal, fixando-se a pena a cumprir em 119 (cento e dezanove) dias de multa, à taxa diária de €5,00 euros (cinco) euros.
c) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 8 (oito) meses, nos termos do art. 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.”
Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões:
“A. O Recorrente, foi condenado, por facto praticado em 19 de maio de 2023, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 5,00€ (cinco euros).
B. Nos termos do artigo 80.º, n.º 2 do Código Penal, foi determinado o desconto de 1 (dia) no cumprimento da pena de multa aplicada, fixando-se, assim, a pena a cumprir em 119 (cento e dezanove) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 euros, o que perfaz um montante global de €595,00 (quinhentos e noventa e cinco euros).
C. Foi também condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista e punida no artigo e 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, por um período de 8 (oito) meses.
D. O Recorrente acredita existirem factos relevantes para a decisão da causa, os quais não foram tidos em consideração.
E. Deviam ter sido consideradas as condições pessoais, sociais e económicas do Recorrente, as quais não foram tidas em apreço aquando da audiência de julgamento e prolação da Sentença.
F. Atualmente, o Recorrente encontra-se empregado, exercendo funções de Vendedor, na sociedade BB, S.A, NIPC 508 992 249.
G. O Recorrente, sob direção e orientação da sua entidade patronal, desempenha funções de venda de mercadorias, cabendo-lhe o contacto e deslocação aos clientes, a fim de vender os produtos comercializados pela sua entidade patronal.
H. O Recorrente exerce as suas funções entre Castelo Branco, Lisboa e o Algarve, locais onde a sua entidade patronal dispõe de atividade comercial e armazéns.
I. É, assim, essencial para o Recorrente a sua carta de condução, a qual constitui um verdadeiro instrumento de trabalho.
J. Note-se que sem carta de condução não é possível ao Recorrente exercer as suas funções, pelo que, o mesmo ficaria impedido de trabalhar, podendo até levar ao seu despedimento por justa causa.
K. Além da sua remuneração, a qual corresponde ao salário mínimo nacional, o Recorrente não tem possui qualquer ativo.
L. É do seu trabalho que provém o seu sustento.
M. O Recorrente tem três filhos.
N. Os filhos do Recorrente residem com a mãe, estando reguladas as responsabilidades parentais.
O. O Recorrente paga, atualmente, o montante global de € 400,00 (quatrocentos euros) a título de pensão de alimentos, pelos filhos que ainda estudam e não têm autonomia financeira, nomeadamente, a sua filha CC e o seu filho DD.
P. Porquanto, não só o sustento do próprio Recorrente depende do seu trabalho como também deste depende a pensão de alimentos de ambos os seus filhos financeiramente dependentes.
Q. Acresce que, o Recorrente encontra-se insolvente.
R. No âmbito do processo de insolvência, o rendimento mínimo indisponível do Recorrente encontra-se fixado num montante de 1,5 salários mínimos nacionais.
S. Fácil é de compreender a dependência económica e a necessidade de o Recorrente desempenhar as suas funções laborais, mantendo o seu emprego.
T. A aplicação da sanção acessória não é de aplicação automática como resulta do disposto nos artigos 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) e do artigo 65.º do CP.
U. Há perda de direitos, como efeito automático da pena, quando tal perda se produz ope legis, isto é, quando resulta diretamente da lei.
V. Com o citado preceito constitucional pretendeu-se proibir que, em resultado de certas condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente, ope legis efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos.
W. É certo que não se pretendeu impedir que a sentença condenatória pudesse decretar essa perda de direitos em função de uma graduação do caso, feita casuisticamente pelo juiz.
X. Diz o artigo 40.º do Código Penal (doravante, CP) que “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Y. Por outro lado, dispõe o artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ainda o tribunal, na determinação concreta daquela, atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente as referidas nas várias alíneas do n.º 2 do referido artigo.
Z. Na concretização da pena, a efetuar em função da culpa do agente, deverá ter-se em conta, na verdade, o disposto nesses preceitos legais.
AA. Quanto à execução do facto (pensada em termos globais – artigo 71.º, n.º 2, a), b) e c) do CP), assumirá importância a intensidade da vontade no dolo/negligência, o grau de ilicitude dos factos, onde se considerará a taxa de álcool no sangue registada pelo Recorrente de 1,42 g/l, o grau de violação dos deveres estradais impostos ao arguido e os estímulos externos que determinaram a situação que levou ao crime.
BB. Não obstante, teremos de levar em conta a personalidade do Recorrente (cfr. artigo 71.º, n.º 2, alíneas d) e f) do CP), bem como o seu comportamento enquanto condutor, o seu contexto profissional e pessoal e a sua idade.
CC. Quanto aos fatores relativos à conduta do Recorrente anterior e posterior ao facto (artigo 71.º, n.º 2, e do CP), aponta-se a ausência de antecedentes criminais.
DD. Deste modo, e reportando-nos ao caso, foi dado como provado que o Recorrente, conduzindo com uma taxa de álcool de 1,42 g/l, fazia-o de forma voluntária e livre.
EE. Certo é que, com a sua conduta, o Recorrente não pretendia, e nunca pretendeu, colocar em causa a integridade física e a vida de qualquer pessoa.
FF. O mesmo encontra-se a passar por uma fase de vida complicada.
GG. Como já referido, o Recorrente encontra-se, atualmente, insolvente.
HH. Tal situação tem provocado, ao mesmo, alguma instabilidade.
II. Acresce que, devido ao seu trabalho, o qual implica um elevado número de viagens, o mesmo tem dificuldade em estar com a sua família, nomeadamente, com os seus filhos, o que gera ao Recorrente desconforto emocional.
JJ. O Recorrente não tem por hábito ingerir elevadas quantidades de álcool.
KK. Tal situação constituiu um incidente isolado, tendo em conta que o mesmo é primário, não tendo sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de qualquer crime rodoviário ou por qualquer contraordenação por condução em estado de embriaguez.
LL. Ora, o Recorrente tem plena consciência que o seu comportamento foi, e é, moral e socialmente condenável.
MM. O Recorrente não é reincidente, não se trata de um perigo para a sociedade
NN. A multa aplicada será suficiente e adequada à realização das finalidades da punição.
OO. Em súmula, não foram tidas em consideração, para a aplicação da medida acessória de inibição de conduzir, o comportamento estradal, o contexto profissional e pessoal do Recorrente.
PP. Não é possível ao Recorrente compreender os fatores dentre os quais foi baseada a decisão da aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor durante 8 (oito) meses.
QQ. A sanção acessória de inibição de conduzir, por um período de 8 (oito) meses, revela-se manifestamente excessiva, atento o facto de a moldura da sanção acessória por tal crime se iniciar nos 3 (três) meses de inibição de condução.”
Termina peticionando o provimento do recurso e, por via dele, ser:
a) revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser o Recorrente absolvido da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor;
ou, caso assim não se entenda;
b) revogada a sentença recorrida, sendo declarada suspensa na sua execução a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor;
ou, caso assim não se entenda;
c) revogada a sentença recorrida, sendo substituída por outra, em que a sanção acessória da inibição de conduzir a ser aplicada deve ser de quantum manifestamente inferior à resultante da decisão recorrida e não superior a 3 (três) meses.
O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu concluindo singelamente que “a decisão recorrida não é passível de censura e deverá ser mantida”.
Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos, elaborando parecer no sentido da improcedência do recuso.
Foi dado cumprimento ao artigo 417.º do C.P.Penal, tendo sido oferecida resposta em que o recorrente se pronuncia sobre as razões da oportunidade de apresentação de documentos suscitada em sede de questão prévia na resposta ao recurso, sobre as razões de não comparecimento em audiência e reitera o que alegara em sede de recurso quanto à pena acessória.

II.
Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
Da sentença recorrida consta, com interesse para decisão do recurso, quanto a factos provados e face à forma gravada da mesma, que:
No dia 19.5.2023, pelas 5horas e 30m minutos, na Avenida marechal Pacheco, junto à Galp., Loulé, o arguido conduzia o veículo automóvel matrícula XX-XX-XX com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,349 g/l que corresponde uma taxa de 1,42 g/l deduzida do erro máximo admissível. [E não 19.05.2022, como consta ditado para a gravação, por evidente erro dado que o auto de notícia foi lavrado naquela outra data]
Antes de ter iniciado aquela condução, o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas.
Com efeito, antes de iniciar o exercício daquela condução, o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas.
O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente no exercício da condução daquele veículo na via pública, admitindo que podia estar, como efetivamente estava, influenciado pelo consumo de álcool em limites superiores aos legais.
Sabia que o seu comportamento era proibido e punido por lei penal.
O arguido foi anteriormente condenado no âmbito do P.º 451/18.4GBLLE por decisão de 2018/05/18, transitada em julgado a 2018/06/19, pela prática em 2018/05/12 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 20 dias de multa, à taxa diária de 6,50, que perfaz o total de 130,00 euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, penas extintas pelo cumprimento.
Com interesse para a apreciação do recurso, importa mencionar que o arguido não esteve presente em julgamento, tendo o Mmo. Juiz mencionado na fundamentação o não apuramento das condições pessoais do arguido.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P. (cfr. Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95).
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, a questão suscitada respeita apenas à pena acessória de proibição de conduzir em que o recorrente foi condenado, da possibilidade da absolvição da mesma, ou ser declarada suspensa na sua execução ou ser fixada em medida não superior a 3 (três) meses.
Antes, porém, importa produzir uma breve consideração:
Na resposta ao parecer da autoria da Exma. PGA junto deste tribunal e cumprido que foi o art.º 417º n.º 2 CPP, veio o recorrente pronunciar-se i) sobre a questão prévia suscitada em sede de resposta ao recurso apresentada em primeira instância por parte do M.º P.º; ii) sobre as razões/motivos da sua não comparência na audiência de julgamento e iii) da falta de notificação para o julgamento.
Esta resposta merece-nos, desde já, a apreciação de que a mesma não se mostra admissível na totalidade dos seus termos na medida em que, apesar de os termos da resposta ao recurso terem merecido a concordância da Exma. PGA, sobre a resposta ao recurso apresentada não poderia ser apresentada nova resposta por parte do recorrente, como decorre do disposto no art.º 413º CPP que refere apenas a notificação da resposta aos demais sujeitos processuais.
Admitimos, contudo, a possibilidade de resposta quanto à questão prévia suscitada na resposta do M.º P.º por relação à junção de documentos, por ser uma novidade quanto ao arguido e que, mais à frente, referiremos.
Acresce que os “assuntos” elencados sob os pontos ii) e iii) supra, não têm cabimento nesta fase recursiva e muito menos avançados fora das motivações e conclusões de recurso (mais gritante quanto à “falta de notificação”) na medida em que constituiriam um inadmissível alargamento do recurso e, na nossa perspectiva, deveriam ter sido suscitados junto do tribunal recorrido, seja para justificação da falta à audiência, seja por invocação de nulidade por falta de notificação para a mesma, mas que claramente não ocorreu face à notificação por via postal com registo simples que lhe foi remetida a 22.5.2023 para a morada prestada no TIR que oportunamente havia prestado.
Nesta perspectiva teremos por não escrito todo o alegado quanto aos dois últimos pontos acima elencados.
Questão prévia:
Na sua motivação de recurso e nas conclusões que formulou a final daquelas, o recorrente desenvolve uma série de considerações factuais que, na sua perspectiva, o tribunal não atendeu e deveria tê-lo feito, dizendo as mesmas respeito às suas condições pessoais, familiares, económicas e laborais, admitindo o cometimento do ilícito e juntando certidão de sentença de insolvência pessoal.
Por relação à junção do documento acabado de referir, não podemos deixar de acompanhar a argumentação trazida à resposta por parte do M.º P.º no sentido de a mesma não ser admissível em fase de recurso. Na realidade, tal como se decidiu no acórdão do STJ de 27.10.2010, disponível em www.dgsi.pt/jstj:
I - Como decorre do art. 165.º do CPP, o encerramento da audiência tem de ser considerado o limite temporal máximo para a apresentação de documentos em processo penal: para os documentos que constituam elementos de prova, excepcionalmente (para situações extremas de documentos supervenientes em que estejam em causa as garantias de defesa, cf. Ac. do STJ de 11-12-2009, Proc. n.º 119/04.9GCALQ.S1, e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, em anotação ao art. 430.º, ponto 9); para os documentos que consistam em pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos, sem carácter excepcional.
II - Marques Ferreira propende para a solução de que, na ausência de prova da impossibilidade da sua junção em momento anterior, o documento deve ser junto, mas com submissão do requerente ao pagamento de uma soma em UCs, por aplicação subsidiária do art. 523.º, n.º 2, do CPC (in Jornadas de Direito Processual Penal, CEJ, pág. 260), ideia essa contrariada por Germano Marques da Silva, que entende que, se o documento for tido como relevante, deve ser junto oficiosamente pelo juiz (in Curso de Processo Penal, II, págs. 205 e 206).
III -A jurisprudência dominante considera que os documentos se destinam a fazer prova de factos e dado que para a formação da convicção probatória só relevam as provas que forem produzidas ou examinadas em audiência (cf. art. 355.º, n.º 1, do CPP), os documentos apresentados depois deste limite temporal não podem estar a coberto daquele normativo processual expressivo do princípio fundamental da imediação (cf. Acs. do STJ de 25-03-2004, Proc. n.º 463/04 - 5.ª, e de 20-02-2008, Proc. n.º 4838/08 - 3.ª).
IV -Também se tem considerado que o tribunal superior não pode, em recurso, conhecer de questão nova não conhecida na decisão recorrida, com base em documento junto posteriormente, uma vez que os recursos se destinam exclusivamente ao reexame das questões decididas na decisão recorrida (cf. Acs. do STJ de 11-04-2002, Proc. n.º 1073/02 - 5.ª, e de 21-02-2006, Proc. n.º 260/06 - 5.ª).
V - No caso, o documento foi junto com a motivação do recurso para a Relação, portanto manifestamente fora do momento temporal (encerramento da audiência de julgamento) em que a lei permite a sua apresentação.”
No mesmo sentido Santos Cabral, in Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2.ª edição revista, página 644 “Após o encerramento da audiência em primeira instância não é admissível a junção de documentos. Efectivamente a redacção do número 1 cinge-se aos ciclos processuais, e enquanto o processo se encontra na primeira instância, o que se compreende pois que, a partir do momento em que está fixada a matéria de facto, a admissão de um documento por pertinente, implica que o recurso não verse integralmente sobre as provas produzidas que constituíram o meio de convicção do juiz de primeira instância, mas, também, sobre algo distinto que é o documento”.
Acresce que as demais realidades factuais que o recorrente pretende introduzir e que dizem respeito às suas condições pessoais, mormente a sua condição económica e laboral, postura perante o ilícito por que foi condenado e personalidade, não têm qualquer resquício de menção na matéria de facto provada porque aí – audiência - não foi produzida qualquer prova nesse sentido uma vez que o arguido se manteve ausente da audiência de julgamento para que se encontrava legalmente notificado e, portanto, não poderiam ser apuradas e, posteriormente, ponderadas na sua utilidade imediata na determinação da medida da pena.
Por este motivo tais referências terão de ser tidas como não escritas e, consequentemente, inócuas para a apreciação do recurso interposto.
Passando à questão posta da pena acessória que o recorrente qualifica de manifestamente excessiva, iremos apreciar o primeiro dos aspectos postos em questão pelo recorrente e de que o meso extrai a pretensão de ser “absolvido” dessa pena.
A fundamentação dessa pretensão absolutória mostra-se situada pelo recorrente no raciocínio de que a determinação da medida concreta da sanção inibitória, pautando-se pelos critérios orientadores gerais contidos no mencionado artigo 71.º do CP, não olvida que a sua finalidade (diferentemente da pena principal que tem em vista a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade) reside na censura da perigosidade, embora a ela não seja estranha a finalidade de prevenção geral, tendo o Recorrente plena consciência que o seu comportamento foi, e é, moral e socialmente condenável, não é reincidente, nem constitui um perigo para a sociedade pelo que a multa aplicada será suficiente e adequada à realização das finalidades da punição, mostrando-se as finalidades de prevenção verificadas e salvaguardadas.
Ouvida a gravação da audiência na parte relativa à sentença, o Mmo. Juiz enunciou os elementos e razões que o conduziram a condenar o arguido numa pena não privativa de liberdade (pena de multa) enunciando os factores relativos ao art.º 71º CP na fixação da medida concreta dessa multa: as necessidades de prevenção geral elevada, de prevenção especial premente face à anterior condenação já sofrida pelo arguido (esta ainda para a opção pela pena de multa), a ilicitude e dolo com que o arguido agiu, a taxa mediana de álcool evidenciada, . E continuando, agora já para a aplicação do art.º 69º CP, o Mmo. Juiz menciona expressamente, na tarefa de fixação da pena acessória, que “…ponderados as circunstâncias já tidas em sede de determinação da medida da pena …”, “a pena acessória que já lhe havida sido fixada na anterior condenação”.
Conclui-se desta referência e remessa para os elementos enformadores da pena principal que o Tribunal não atendeu apenas à taxa de álcool e a sua graduação no âmbito do Código da Estrada.
Acerca da necessidade de decretamento de pena acessória, a condenação na mesma é um imperativo legal como decorre do disposto no art.º 69º n.º 1 al. a) CP (É condenado na proibição…como refere o texto legal) e como se decidiu no Assento do STJ n.º 5/1999 in DR I-A de 20.7.1999: “O agente do crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. art.º 292º CP, deve ser sancionado, a titulo de pena acessória, com a proibição prevista no art.º 69º n. 1 a) daquele código.”
Entre nós, a pena acessória tem “um sentido e um conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas de defesa contra a perigosidade individual” – Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, p. 97.
Ainda a propósito da pena acessória de proibição de conduzir prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, tendo sido objecto de várias decisões do Tribunal Constitucional, que firmou jurisprudência no sentido da constitucionalidade das normas em causa, sob o entendimento de que a circunstância de dever ser sempre aplicada a pena acessória de proibição de conduzir, desde que aplicada a pena principal por crime de condução em estado de embriaguez ou por crime de condução perigosa de veículo rodoviário, não implica colisão com a proibição de automaticidade das penas acessórias, porquanto a aplicação da pena acessória, tal como a aplicação da pena principal, fundamenta-se na prova do facto típico ilícito e da respectiva culpa, sem necessidade de quaisquer factos adicionais — cf., entre muitos outros, os Acórdãos de 21 de Fevereiro de 1995, 30 de Maio de 1995, 7 de Junho de 1995, 26 de Junho de 1995, 6 de Julho de 1995, 28 de Março de 2001 e 4 de Novembro de 2004, proferidos nos processos n.ºs 828/93, 375/94, 105/94, 62/95, 63/95, 574/00 e 586/04.
E, embora a sua aplicação dependa da condenação na pena principal – como se diz no Ac. do TC nº 202/2000, DR II Série de 11/10/2000 –, tendo uma “função preventiva adjuvante da pena principal”, a pena acessória não é “automática” (arts. 65º do CP e 30º n.º 4 da CRP), tratando-se de «uma “sanção [penal]” (ainda que acessória, mas submetida aos princípios gerais da pena, como os da legalidade, proporcionalidade, jurisdicionalidade), de duração variável, em função da gravidade do crime e/ou do fundamento que justifica a privação do direito. - Assim Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra Editora, 2005, p. 338.
Daí que, por um lado, a possibilidade de absolvição pretendida pelo recorrente se mostra legalmente afastada na medida em que o recorrente foi condenado como autor do ilícito criminal do art.º 292º, n.º 1, do C. Penal.
Passando á questão da possibilidade de suspensão subsidiariamente apresentada como pretensão do recorrente, essa pretensão não tem qualquer acolhimento legal. Na realidade, enquanto pena acessória – natureza que actualmente parece indiscutível (como decorre do art.º 69 do CP e da sua inserção sistemática no Capítulo III do Título III, este sob a epígrafe “Das Consequências Jurídicas do Facto” e aquele sob a epígrafe de “Penas Acessórias e Efeitos das Penas”) – é-lhe inaplicável o instituto da suspensão da pena (que apenas está previsto para a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, como se extrai do art.º 50 do CP), pois a suspensão da execução da mesma é contrária aos fins que, com aquela pena acessória, se visam atingir (esta é a orientação que temos seguido e que vem sendo seguida pela jurisprudência das Relações, que temos como pacífica, podendo ver-se ainda neste sentido os acórdãos da RG de 10.01.2005, Proc. 1943/04.1, e da RC de 16.11.2011, Proc. 87/11.0GTCTB.C1, ambos in www.dgsi.pt, e Germano Marques da Silva, in Crimes Rodoviários, 1996, 62).
Carece, assim, de fundamento legal a suspensão da pena acessória de proibição de conduzir em que o arguido foi condenado, seja em face do regime de suspensão previsto no Código Penal (art.º 50º), privativo da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, seja em face do regime da suspensão da inibição de conduzir previsto no Código da Estrada, privativo das contraordenações (graves) aí previstas.
Resta-nos apreciar a questão posta sob o aspecto da sua medida concreta e que o recorrente manifesta ser de fixar no seu mínimo de 3 meses.
Como decorre de lei, a tarefa de determinar a medida da pena acessória nos termos do art.º 69º do CP, impõe a observância do disposto no art.º 71º CP, incumbindo ao juiz a sua graduação “em função das circunstâncias do caso concreto e da culpa do agente”- Ac. do TC nº 630/2004, DR II Série de 14/12/2004, 18637.
Por outro lado, face à gravação feita não podemos deixar de concluir, apesar da enxuta fundamentação da determinação da medida da pena, que concordamos com a medida da pena acessória que se mostra fixada, até pela forma sumária que seguiu o procedimento.
O crime de condução em estado de embriaguez previsto no art.º 292º n.º 1 do CP, cometido pelo arguido, é punido, além da pena principal, com pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor fixada entre 3 meses e 3 anos (art.º 69º n.º 1 al. a) do CP).
Repare-se que a pena acessória prevista no art.º 69º n.º 1 do CP apresenta uma moldura variável entre um limite mínimo e um limite máximo.
Apesar de, como se disse, se verificar alguma exiguidade na argumentação espelhada na sentença, quem ouvir com atenção a decisão recorrida logo constata que não se verifica falta de fundamentação quanto ao modo de determinação do quantum da pena acessória imposta.
Com efeito, basta atentar à forma como foi estruturada a sentença ditada sob recurso para qualquer pessoa entender que a fixação da referida pena acessória imposta ao arguido se mostra sustentada com os argumentos aduzidos que presidiram à determinação da pena principal como acima se referiu.
Nesta parte da sentença recorrida, o Mmo. Juiz a quo especificou os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da pena acessória, sendo que as exigências de prevenção, o dolo, a intensidade do ilícito face à taxa de alcoolemia evidenciada (pouco acima do limite mínimo estabelecido para o ilícito criminal) e, mais relevante, o antecedente penal já apresentado pelo arguido em que se refere a aplicação desse mínimo de moldura.
Tendo como limite a medida da culpa do arguido, também foram atendidas, na decisão recorrida, as necessidades de prevenção, tendo em atenção que a pena acessória é, também, uma censura adicional pelo facto que o agente praticou.
Ora, sendo certo que o arguido já tem antecedente criminal exactamente na área de criminalidade rodoviária, embora sem se referir a alcoolemia, as razões de prevenção são aqui mais elevadas, como foi salientado na sentença recorrida, o que exige a necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma penal violada.
Mostra-se, por isso, minimamente fundamentado e justificado (explicado o respectivo processo lógico-racional) o quantum da pena acessória que lhe foi imposta.
Assim, improcede, nesta parte, o recurso em apreço.
Apesar dessa matéria não ter sido suscitada de um modo explicito, o recorrente faz diversas referências às consequências que advêm da manutenção e cumprimento dessa pena acessória para a sua vida económica e pessoal, acerca da essencialidade da condução para o seu desempenho profissional, avançando nas conclusões T, U e V com a menção ao disposto nos artigos 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) e do artigo 65.º do CP, à perda de direitos, como efeito automático da pena, quando tal perda se produz ope legis, isto é, quando resulta diretamente da lei e que com o referido preceito constitucional pretendeu-se proibir que, em resultado de certas condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente, ope legis efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos.
Acerca da (não) automaticidade da condenação em pena acessória já tivemos oportunidade de nos pronunciarmos.
Apesar de não tratada especificamente na decisão recorrida, a invocação feita pelo recorrente do preceito constitucional inserto no art.º 30º n.º 4 CRP, no sentido de que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos, como justificativa da pretensão de, nesta sede de recurso, uma diminuição da medida da pena acessória de proibição em que foi condenado não pode servir para atingir tal desiderato.
Sobre este enfoque da eventual lesão do art.º 30º n.º 4 CRP como decorrência da aplicação do art.º 69º n.º 1 al. a) CP já o Tribunal Constitucional se pronunciou no acórdão de 1 de Fevereiro de 2011, proferido no Processo n.º 528/10, da 2.ª Secção, disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ em que se argumenta: “Foi o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que no âmbito da profunda reforma operada no CP introduziu neste diploma a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, clarificando o cenário das sanções acessórias aplicáveis por violação do direito rodoviário, o qual nas palavras de Figueiredo Dias era na altura caótico (In “Direito Penal Português. Parte Geral. II. As consequências jurídicas do crime”, pág. 502, da ed. de 1993, da Aequitas).
Com a previsão da aplicação desta pena acessória satisfez-se o desejo anteriormente expresso, de lege ferenda, por Figueiredo Dias (na ob. supra cit., pág. 164-165):“Uma tal pena deveria ter como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante; e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável… Se, como se acentuou, pressuposto material de aplicação desta pena deve ser que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano”.
No que respeita à sua natureza jurídica estamos perante uma verdadeira pena e não perante o mero efeito duma pena, embora a sua aplicação seja feita cumulativamente com uma pena principal de prisão ou multa.
A sanção de inibição de condução não é o efeito de qualquer condenação anterior, integrando ela própria a condenação pela prática de um crime.
É uma sanção de estrita aplicação judicial, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, dotada de uma moldura penal própria, permitindo e impondo a tarefa judicial de determinação da sua medida concreta em cada caso (vide, efectuando esta caracterização, João Casebre Latas, em “A pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis”, em Sub Iudice, n.º 17, pág. 77).
O facto de não se exigir a demonstração de qualquer outro requisito adicional, além dos elementos do tipo legal de crime para o qual está prevista a aplicação desta sanção, só acentua que estamos perante uma verdadeira pena a não perante um mero efeito automático da aplicação duma pena.
Ora, o artigo 30.º, n.º 4, da C.R.P., não proíbe a consagração de penas que se traduzam na perda de direitos civis, mas sim que da simples condenação anterior o legislador retire automaticamente esse efeito, sem mediação do julgador.”
O acórdão do TC 440/2002 não afirma nem defende que a condenação em pena acessória de proibição represente uma violação do direito constitucional do direito ao trabalho. Antes pelo contrário, aquele aresto segue o entendimento de que a limitação que porventura resultaria da aplicação da medida sancionatória em causa se apresenta, de um ponto de vista constitucional, como justificada. Como afirma o acórdão “Efectivamente, uma tal justificação resulta das circunstâncias de a sanção de inibição temporária da faculdade de conduzir se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, quer, por um lado, na perspectiva do arguido recorrente a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro lado, na perspectiva da sociedade – a quem, reflexamente, se dirige também aquela medida, - na medida em que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, compensá-la do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool.”
E continua o mesmo aresto: “…o conteúdo essencial do direito ao trabalho que aquele vê ofendido com a aplicação da sanção acessória da inibição de condução (posto que é apenas esta sanção que o recorrente questiona e não já a pena de multa que lhe foi aplicada em alternativa à pena de prisão, a título principal) não é atingido, na medida em que a ponderação que resulte do confronto deste direito ao trabalho com a protecção de outros bens - que fundamentam a sua limitação, através da aplicação das penas principal e acessória infligidas - não redunda na aniquilação ou, sequer, na violação desproporcionada de qualquer direito fundamental ao trabalho.
E assim é, sobretudo, se atentarmos no facto de que o que se visa proteger, também, com a aplicação desta sanção (pena de multa cumulativamente aplicada com a sanção acessória de inibição da condução) - a punição da condução de veículo por quem apresenta uma taxa de alcoolémia superior à permitida por lei - são bens ou interesses (a segurança e a vida das pessoas) constitucionalmente protegidos, sobretudo em face da dimensão do risco que para esses valores uma tal conduta comporta, pondo em causa a vida de todos os que circulam nas estradas.
Daí que a alegada violação do direito a trabalhar sem restrições, tal como é sustentado pelo recorrente, não possa, sem mais, ser valorada em termos absolutos, pois que a limitação que a este direito é imposta com a aplicação da sanção inibitória o é na medida em que o sacrifício parcial que daí resulta não é arbitrário, gratuito ou carente de motivação, mas sim justificado para salvaguarda de outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos pela Lei Fundamental.”
Nesta perspectiva, nenhuma violação do preceito constitucional invocado se mostra evidenciada com a condenação do recorrente naquela concreta pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

III.
Pelo exposto nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC.
Feito e revisto pelo 1º signatário.
Évora, 21 de Novembro de 2023.
João Carrola
Filipa Costa Lourenço
Renato Barroso