Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2024/23.0GBABF – A. E1
Relator: MARGARIDA BACELAR
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
PERIGO DE FUGA
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Relativamente ao perigo de fuga, como se intui da própria denominação legal, o que está em causa é uma probabilidade razoável de verificação do evento que se pretende acautelar [a fuga] e consequente subtracção do agente à acção da justiça. Enquanto probabilidade, a prova do perigo de fuga não será normalmente feita por via directa, antes se evidenciará por comportamentos que o indiciem. E, se é verdade que a gravidade da moldura penal do crime indiciado não pode, em si mesmo, indiciar o perigo de fuga, o que em cada caso concreto há que verificar é se o agente dispõe ou não de meios e condições que lhe permitam subtrair-se à acção da justiça quando puder e quando quiser.
Neste contexto, no caso, importa ponderar, de imediato, que o recorrente reside em França, não tem qualquer ligação com Portugal, nem morada em território nacional.

Tal circunstancialismo não pode deixar de ser negativamente valorado pelo Julgador no que se reporta à real eventualidade do mesmo se ausentar de Portugal para se eximir à respectiva responsabilidade criminal, até porque neste momento o arguido tem plena noção da dimensão do inquérito penal que contra si corre das dosimetrias penais aplicáveis bem como da possibilidade de ser aplicada a provarem-se os indícios, reacção penal detentiva severa.

Existe, pois, com os elementos disponíveis nesta fase do processo, em concreto, perigo de fuga do arguido.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal da Relação de Évora:
No processo nº2024/23.0GBABF – A. E1 do Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo Local Criminal de … - Juiz … o arguido AA interpôs recurso do despacho judicial que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva na sequência de 1.º interrogatório judicial, concluindo as respectivas motivações pela formulação das seguintes conclusões:

«1. Na sequência de 1º Interrogatório Judicial de arguido detido foi aplicada ao arguido AA a medida de coação de prisão preventiva;

2. Decisão, com a qual o arguido não concorda;

3. Visando com o presente recurso que tal medida venha a ser substituída por outra não privativa da liberdade designadamente a de apresentações periódicas diariamente, no posto policial da sua área de residência em França transferindo a responsabilidade para as autoridades francesas para cumprir tal medida de coação de acordo com as directivas comunitárias impostas;

4. Ou, caso assim não se entenda, pela Medida de Coacção de Obrigação de Permanência na Habitação, prevista no art. 201º do Código de Processo Penal, através da Vigilância por Meios Electrónicos à Distância também no âmbito da cooperação internacional entre Portugal e frança;

5. A medida de coacção de prisão preventiva afigura-se excessiva e inadequada no que concerne ao arguido AA;

6. Perante a matéria indiciária até ao momento dada a conhecer, resulta que não existem indícios fortes e suficientes que permitam imputar, em concreto, ao arguido AA a prática dos factos criminosos, de que está a ser alvo;

7. A prisão preventiva tem natureza excepcional, sendo que, para que possa ser aplicada têm que estar reunidos os requisitos previstos nos arts. 204.º, 202.º, n.º 1, al. a) do CPP) e em concreto, verificado que as demais medidas de coacção são inadequadas ou insuficientes;

8. O arguido tem 23 anos de idade, é estudante de electricista e como formando aufere mensalmente o valor de 600,00€ e não tem antecedentes criminais;

9. O arguido reside em casa dos pais desde a sua infância, encontrando-se bem inserido, social, profissional e familiarmente;

10. A reclusão num estabelecimento prisional, com tão parcos indícios, sustentada num momento de confusão onde não se sabe ao certo o tamanho da sua intervenção nos crimes pelo qual vem indiciado, é uma verdadeira violência para o arguido e para toda a sua família e trará, indubitavelmente, consequências irreparáveis para ambos e para a sua ressocialização em sociedade;

11. Considerou, ainda, o tribunal “a quo” que se verificava, em concreto, relativamente ao arguido AA o perigo de fuga, o perigo de continuação da actividade criminosa e o perigo de perturbação do inquérito;

12. Pressupostos que, no nosso modesto entender não se verificam;

13. A lei não presume o dito perigo de fuga, exigindo que esse perigo seja concreto, não bastando, pois, a mera possibilidade de fuga, deduzida de abstractas e genéricas presunções;

14. In casu o arguido AA, em momento algum, demonstrou intenção de se eximir à aplicação da justiça, não tendo adoptado qualquer comportamento que levasse a supor que tinha intenção de o fazer;

15. Reside com os seus pais em França e na morada constante nos autos há cerca de 20 anos;

16. Encontra-se perfeitamente inserido no meio onde vive, sendo aí que tem a sua vida estabelecida e onde mantém laços familiares e de amizade;

17. Além do mais, nunca ofereceu qualquer tipo de resistência á detenção;

18. Tais circunstâncias indiciam a ausência de qualquer intenção de fuga;

19. O despacho é genérico e não imputa ao arguido AA factos concretos que fundamentem a medida da sua real participação nos ilícitos pelos quais se encontra, indevidamente, indiciado;

20. O arguido no momento da pratica dos factos encontrava-se de Ferias em …, sendo que o douto despacho alicerça o perigo de fuga no facto de ser cidadão estrangeiro e residente em França, com as medidas internacionais e mecanismos para fazer cumprir no pais da residência, poderemos afirmar que esse perigo de fuga não existe e nem o mesmo se encontra em concreto devidamente explicitado no despacho no que concerne ao arguido AA.

21. O perigo de continuação da actividade criminosa deve aferir-se em função das circunstâncias referentes ao crime indiciado em concreto e dos elementos da personalidade do arguido;

22. O arguido encontra-se social e familiarmente inserido e com 23 anos de idade não tem quaisquer antecedentes criminais, pelo que se conclui existir em concreto um juízo de prognose favorável em relação ao seu futuro comportamento, não se justificando a aplicação da medida de prisão preventiva, porquanto, inexiste concreto receio de prosseguimento da atividade criminosa;

23. Note-se que, o despacho apenas se refere de forma abrangente a uma generalidade de arguidos, que se verifica perigo de continuação da actividade criminosa, porém, o arguido AA é uma pessoa pacata, recatada e trabalhadora, nunca tendo havido notícia da prática pelo mesmo de qualquer crime, a prová-lo o seu Registo Criminal onde nada consta averbado;

24. A sua conduta, consubstanciada na sua postura e na sua personalidade, não oferecem qualquer tipo de temor, pânico ou insegurança, quer para si quer para a própria sociedade em geral;

25. O arguido sempre pautou a sua conduta pela lei e pelo direito, sendo um cidadão pacato e recatado, a prová-lo o seu Registo Criminal, onde nada consta averbado;

26. O perigo de perturbação do decurso do inquérito é apenas, um perigo futuro de manipulação ou inquinação da prova e consequente perturbação do inquérito o qual não se vislumbra estar preenchido relativamente ao arguido AA;

27. O douto despacho recorrido não fundamenta a existência dos pressupostos do artigo 204º do CPP no caso do arguido AA, não se mostrando fundamentada a tese de que nenhuma das restantes medidas coactivas lhe pudesse ser aplicada em concreto;

28. No que concerne a este arguido e atentos os princípios supra, deve o Tribunal optar por aplicar-lhe outras medidas menos gravosas e não restritivas da liberdade, singular ou cumulativamente, como o TIR já prestado e a medida de apresentações periódicas diárias na sua área de residência em França previstas nos art.ºs 196º e 198º nº 1 do C.P.P, o que desde já se requer;

29. Sem conceder, caso assim V. Exas. não entendam requer-se a aplicação da medida de coacção de Obrigação de Permanência na Habitação, através do recurso aos meios técnicos de controlo à distância (OPHVE) prevista no art. 201º do Código de Processo Penal, através da vigilância por meios electrónicos à distância, regulada pela Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto, alterada pela lei 33/2010 de 2 de Setembro e pela Portaria n.º 109/2005, de 27 de Janeiro, pois que, a mesma igualmente conseguirá satisfazer de forma adequada e suficiente as exigências cautelares obtendo a transferência da responsabilidade de acautelar estas medidas através do imposto pela decisão quadro 2009/829/Jai do Conselho de 23 de Outubro de 2009;

30. O arguido dá o seu consentimento, tal como prevê o n.º 4º, do art. 2º da Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto alterada pela lei 33/2010 de 2 de Setembro e assegura que os seus pais que com ele residem, também o darão;

31. O douto despacho recorrido fez uma incorrecta apreciação dos factos e violou os artigos 18º, n.º 2 in fine e 27º e 28º, n.º 2, 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, bem como os artigos 191º, 193º, 202º nº 1, e 204º todos do Código de Processo Penal;

Verificado tudo quanto supra se expendeu, e o mais que V. Exas. doutamente suprirão,

Deve deferir-se a pretensão do arguido ora recorrente, revogando-se, consequentemente, o douto despacho que lhe aplicou a medida de coacção Prisão Preventiva, proferindo-se outro que a substitua por medida menos gravosa, nomeadamente:

- pelo TIR já prestado, cumulativamente com a medida de coação de apresentações periódicas no posto policial ou entidade mais próxima da sua área de residência em França por transferência da responsabilidade ao estado Francês pelo cumprimentos destas medidas previstas nos art.ºs 196º e 198º nº 1 al. d) do C.P.P

Caso assim não se entenda,

- pela Obrigação de Permanência na Habitação sujeita a vigilância electrónica

Assim se decidindo, será feita a devida e costumada Justiça, como, aliás, é apanágio desse Venerando Tribunal.”

O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu, concluindo pela improcedência do recurso.

Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, emitindo parecer no sentido do não provimento do recurso.

O recorrente, notificado nos termos e para os efeitos previstos no art. 417º, nº 2 do CPP, quedou-se pelo silêncio, nada tendo vindo alegar.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência prevista no art.º 419º do C.P.P., cumpre agora apreciar e decidir.

***

Resulta dos autos que:

- No dia 02-08-2023, o arguido/recorrente AA foi submetido a primeiro interrogatório perante o Mmº Sr. Juiz que, no mesmo dia, proferiu despacho, determinando-lhe a medida de coacção de prisão preventiva.

Como já se referiu, é do mencionado despacho que ora se recorre.

***

O OBJECTO DO RECURSO DO ARGUIDO

Importa agora curar do mérito do recurso, tendo-se em atenção que é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer - Cfr. o Ac do STJ de 3.2.99 in BMJ 484, pág 271; o Ac do STJ de 25.6.98 in BMJ 478, pág 242; o Ac do STJ de 13.5.98 in BMJ 477, pág 263; SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in “Recursos em Processo Penal” cit., págs. 74 e 93, nota 108; GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, pág. 335; JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387; e ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363).«São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal “ad quem” tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem).

A questão essencial suscitada pelo Recorrente (nas conclusões da sua motivação) é a seguinte:

- se o despacho que aplicou ao Arguido a medida de coacção de prisão preventiva violou o disposto nos artigos 18º, n.º 2 in fine, 27º, 28º, n.º 2 e 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, bem como os artigos 191º, 193º, 202º nº 1, e 204º todos do Código de Processo Penal já porque, os elementos carreados para o processo não permitem concluir, desde já, pela existência de fortes indícios da prática pelo arguido da conduta descrita nos tipos criminais que lhe são indiciariamente imputados, já porque falta o perigo de fuga, o perigo de continuação da actividade criminosa e o perigo de perturbação do inquérito, já porque a medida coactiva mais adequada e proporcional seria a de a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à obrigação de se apresentar diariamente, no posto policial da sua área de residência em França ou de obrigação de permanência na habitação com vigilância por meios electrónicos à distância.

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Apreciando:

1. Nos termos do disposto no Art.º 27º da C.R.P., todos têm direito à liberdade e à segurança, exceptuando-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 3 desse preceito.

Do cit. Art.º 27º da Constituição da República resulta que, «em princípio (ressalvadas as excepções previstas no nº 3), as medidas de privação da liberdade, seja total, seja parcial (prisão, semidetenção, regime de prova, liberdade condicional, internamento, etc.), só podem resultar, conforme os casos, de condenação por acto punido com pena de prisão, ou de aplicação de medida de segurança (nº 2), isto é, só podem decorrer de sanção penal ou seu substituto em caso de pessoas inimputáveis» (GOMES CANOTILHO – VITAL MOREIRA, in “Constituição da República Portuguesa anotada”, 2ª Ed., I vol., 1984, p.199).

Por isso, a prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei (art.º 28º, n.º 2, da CRP).

De resto, excepção feita ao termo de identidade e residência, todas as medidas de coacção (e não apenas a prisão preventiva) estão subordinadas aos princípios da adequação e da proporcionalidade (art.º 193º n.º 1, do CPP).

Finalmente, não deve ser aplicada qualquer medida de coacção quando houver fundados motivos para crer na existência de causas de isenção de responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal (art.º 192º, n.º 2, do mesmo Código), «condição negativa que vale tanto para o caso em que existam ou não indícios da prática de crime» (GERMANO MARQUES DA SILVA, in “Curso…” cit., Vol. cit., p.238).

Quanto à prisão preventiva, tem – como vimos – natureza residual, só podendo ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção (cit. art.º 28º, nº 2, da CRP e art.º 193º, n.º 2, do CPP).

Daí que a mesma só possa ser aplicada quando houver fortes indícios da prática de um crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos ou de crime doloso de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos ou, ainda, se se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permanecido irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão – art.º 202º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do C. P. Penal.

Encontra-se, ainda, condicionada (como aliás todas as medidas de coacção, à excepção da prestação de termo de identidade e residência) à verificação objectiva de, pelo menos, um dos requisitos especificados nas três alíneas do Art.º 204º do supra aludido Código.

Assim, a prisão preventiva só pode ser decretada se se verificarem em concreto os requisitos especiais do Art.º 202º, n.º 1, alíneas a) a f) do C. P. Penal e os gerais do Art.º 204º, alíneas a), b) ou c) do mesmo diploma legal, quando se considere inadequada ou insuficiente a aplicação de qualquer outra das restantes medidas de coacção.

Ao arguido ora recorrente foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva porque a Exma. Juiz a quo entendeu inadequadas e insuficientes as demais medidas e verificados os requisitos gerais e especiais da sua imposição.

O recorrente impugna esse despacho, pelas várias razões já elencadas nas conclusões acima transcritas.

«Ora, com interesse para o caso sub judicio, pode-se afirmar que há fortes indícios da prática de infracção quando se encontra comprovada a existência do crime e existem indícios suficientes da sua imputação ao arguido.

A expressão “fortes indícios” significa, pois, que embora não seja ainda de exigir a comprovação categórica, sem qualquer dúvida razoável, é, pelo menos, necessário que face aos elementos de prova disponíveis seja possível formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição (cfr. Acórdão n.º 12179/01-5, de 15-01-2002, da 5ª Secção deste Tribunal)». (Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no Proc.nº118/10.1JBLSB-D.L1) ».

Dos autos resulta, desde logo, que, pelas 6 horas do dia 1 de Agosto de 2023, depois de terem estado em vários locais de diversão nocturna, os arguidos dirigiram-se à zona das escadas que dão acesso à Praia … em …. Nas proximidades desse local estava também BB acompanhado de amigos. A determinado momento a bolsa de um dos arguidos desapareceu pelo que os arguidos decidiram abordar BB. Foi então que um dos arguidos começou violentamente a puxar a bolsa que BB tinha a tiracolo e, de seguida a agredi-lo com a mão fechada em várias partes a cara e cabeça. Em consequência directa e necessária da conduta referida o ofendido BB sofreu dores e diversos cortes nos lábios, tendo sido medicamente assistido e transportada para o Hospital Distrital de …. Porque foram em auxílio do amigo, CC, DD, EE e FF, foram igualmente agredidos pelos arguidos, com pancadas de mão aberta e fechada e com pontapés, em várias partes do corpo. Em consequência directa dessas agressões os referidos ofendidos sofreram dores nas zonas onde foram atingidos. A determinado momento, o arguido AA dirigiu-se a GG, que também se encontrava no local e depois de o questionar sobre uma bolsa, desferiu-se uma cotovelada na face esquerda. Atenta a pancada que sofreu, GG deixou cair o seu telemóvel de marca …, modelo …, havendo o referido arguido pegado nele e levado consigo. A cotovelada de que foi vítima provocou dor a GG. Na mesma ocasião e pelos mesmos motivos os arguidos dirigiram-se a HH, que igualmente estava no citado local com amigos. De imediato, depois de tentarem desferir-lhe murros, os arguidos II e AA amarraram-lhe os braços, enquanto o arguido JJ puxou com força a bolsa que HH trazia consigo, de cor preta marca …, onde transportava um telemóvel …, uma carteira vermelha, uns auscultadores, marca …, um carregador … e um molho de chaves. Os arguidos levaram e fizeram sua a referida bolsa, contra a vontade e HH. Após levarem a cabo, em conjunto e em comunhão de esforços os factos relatados, os arguidos iniciaram fuga para o veículo que usavam, de matrícula …, marca …, modelo …, que estava estacionado junto à rotunda que dá acesso à praia. Local onde estava KK. Enquanto os outros arguidos entraram no carro, o arguido JJ dirigiu-se a KK e, de imediato puxou a mala que aquela trazia consigo. Quando KK lhe pediu a mala o citado arguido desferiu-lhe uma chapada na face esquerda e empurrou-a para o chão. Depois empurrou-a, contra a sua vontade, para o interior do …. Porque também se encontrava perto da viatura, os arguidos forçaram igualmente LL a entrar no dito veículo, e abandonaram o local. Com KK e LL no interior do veículo contra as suas vontades os arguidos circularam por algumas artérias de … e vieram a estacionar o veículo no beco da Rua …, local onde foram surpreendidos pela patrulha da GNR. Em todas as ocasiões descritas, os arguidos agiram de forma concertada, livre e deliberadamente.

Ao puxarem com força a bolsa que BB trazia consigo pretendiam os arguidos, contra a vontade daquele, dela adonar-se e apenas não o conseguiram porque o proprietário resistiu.

Ao agredirem os ofendidos como referido sabiam que atingiam a sua integridade física e que lhe causavam, como aconteceu, dores e lesões. Ao se apoderar do telemóvel … pertencente a GG agiu o arguido AA com o propósito concretizado de o fazer seu, integrando-o no seu património, sem autorização e contra a vontade daquele legítimo proprietário. Os arguidos actuaram em comunhão de esforços quando manietaram violentamente HH e fizeram-no com o propósito concretizado de o colocar na impossibilidade física de resistir para se apoderarem da bolsa que trazia consigo e respectivo recheio. Sabiam que esses objectos não eram seus e que actuavam contra a vontade do proprietário da mesma. Igual conhecimento e vontade tinha o arguido JJ quando, através do exercício da força, retirou a mala a KK e a empurrou para o interior do veículo onde foi transportada, contra a sua vontade. Com as suas actuações, os arguidos perturbaram de modo sério KK e LL no seu sentimento de segurança de tal forma que ficaram intimidados, sendo certo que tal conduta foi idónea a forçar os mesmos a entrar no automóvel e aí permanecerem até os arguidos serem detidos, desta forma os privando da sua liberdade. Os arguidos agiram de forma deliberada, livre e consciente, de comum acordo e em conjugação de esforços, na execução de um plano comum a todos e que em cada caso renovaram.”

Tais indícios resultam dos elementos de prova constantes dos autos, designadamente, auto de notícia; autos de inquirição, auto de apreensão, relatórios fotográficos, autos de Reconhecimentos, fotos, os documentos e o CD com imagens recolhidas.

Como notou a decisão recorrida: “…. Com efeito, os supra descritos factos surgem fortemente indiciados com base, desde logo, dos depoimentos testemunhais efetuados por todas as testemunhas inquiridas, muitas das quais vítimas dos atos dos ora arguidos.

Tais testemunhas descrevem os fatos a que assistiram ou de que foram vítimas, bem como, não conhecendo os Arguidos, descrevem-nos fisicamente, o seu vestuário e referem a circunstância de falarem francês.

Acrescem os autos de Reconhecimento levados a cabo nos presentes autos que certificam a autoria dos factos por parte dos Arguidos.

Note-se que muitas das testemunhas e vítimas não tinham qualquer relação entre si, não se vislumbrando qualquer interesse nos autos nem qualquer indício que lhes afete a credibilidade. Nem qualquer outro meio de prova existe neste momento que abale a convicção sobre a verificação dos fatos, sendo certo que os Arguidos não apresentaram qualquer outra versão ou motivação ou sequer negaram os fatos.”

Perante tal factualidade, só se torna possível concluir que, no momento em que foi feito o interrogatório judicial do arguido/recorrente existiam fortes indícios de que o arguido/recorrente terá praticado, em co-autoria material, sob a forma tentada, um crime de Roubo, p. e p. pelos arts. 210.º n.º 1, do Código Penal (vítima BB); em co-autoria material, um crime de Ofensas à Integridade Física, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do Código Penal (vítima BB); em co-autoria material, quatro (4) crimes de ofensas à integridade física, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do Código Penal (vítimas CC, DD, EE e FF); em co-autoria material, sob a forma consumada, um crime de roubo, p. e p. pelos arts. 210.º n.º 1, do Código Penal (vítima HH); em co-autoria material, sob a forma consumada, dois (2) crimes de sequestro, p. e p. pelo art. 158.º; do Código Penal (vítimas KK e LL); em autoria material, um crime de ofensas à integridade física, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do Código Penal (vítima GG); em autoria material, sob a forma consumada, um crime de furto, p. e p. pelos arts. 203.º n.º 1, do Código Penal (vítima GG);

Destarte, os argumentos aduzidos pelo Recorrente revelam-se insusceptíveis de fazer abalar a indiciação feita, até porque dos elementos de prova que constam dos autos, decorre a existência de indícios sólidos, inequívocos e, por isso, fortes, de que o recorrente praticou os crimes que lhe foram indiciariamente imputados.

Como vimos, o despacho que decretou a prisão preventiva fundou-se nas alíneas a) - perigo de fuga e c) – perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas – do art.º 204º do CPP.

Alega o recorrente, que inexistem in casu os perigos de fuga, de perturbação do decurso do inquérito e de continuação de actividade criminosa

Desde já importa mencionar que, pese embora o recorrente venha alegar não existir perigo de perturbação do decurso do inquérito e de continuação de actividade criminosa, de imediato se extrapola do teor do despacho impugnado que tais perigos não constituíram fundamento para que lhe tivesse sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva.

Nestes termos, mais nada nos resta senão entender que relativamente a estes perigos a questão se encontra manifestamente prejudicada. Porém e quanto aos restantes, não assiste razão ao recorrente.

Os perigos de fuga e de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas estão bem diagnosticados no despacho sob censura e têm apoio no comportamento do arguido.

Relativamente ao perigo de fuga, como se intui da própria denominação legal, o que está em causa é uma probabilidade razoável de verificação do evento que se pretende acautelar [a fuga] e consequente subtracção do agente à acção da justiça. Enquanto probabilidade, a prova do perigo de fuga não será normalmente feita por via directa, antes se evidenciará por comportamentos que o indiciem. E, se é verdade que a gravidade da moldura penal do crime indiciado não pode, em si mesmo, indiciar o perigo de fuga, o que em cada caso concreto há que verificar é se o agente dispõe ou não de meios e condições que lhe permitam subtrair-se à acção da justiça quando puder e quando quiser.

Neste contexto, importa ponderar, de imediato, que o recorrente reside em França, não tem qualquer ligação com Portugal, nem morada em território nacional.

Tal circunstancialismo não pode deixar de ser negativamente valorado pelo Julgador no que se reporta à real eventualidade do mesmo se ausentar de Portugal para se eximir à respectiva responsabilidade criminal, até porque neste momento o arguido tem plena noção da dimensão do inquérito penal que contra si corre das dosimetrias penais aplicáveis bem como da possibilidade de ser aplicada a provarem-se os indícios, reacção penal detentiva severa.

Existe, pois, com os elementos disponíveis nesta fase do processo, em concreto, perigo de fuga do arguido.

Por sua vez, do compulsar do processo sobressai, a real existência de perigo de perturbação grave da tranquilidade pública.

«O perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas deverá sustentar-se em factos dos quais seja possível inferir que a permanência do arguido em liberdade é potencialmente geradora de tal perturbação e deverá reportar-se ao previsível comportamento do arguido no futuro imediato e não ao crime por ele indiciariamente cometido, nem à reação que possa gerar-se na comunidade.».(Ac. Relação de Évora de 23-11-2021, in www.dgsi.pt:)

Com efeito, tendo em conta a personalidade do arguido evidenciada nos autos, é razoável admitir que se outras situações idênticas às dos autos ocorrerem, é concebível admitir a assunção de comportamentos com idêntica violência e igualmente atentatórios da integridade física.

Pelo que, em nossa opinião, se torna patente a possibilidade do mesmo, não obstante ser primário (ser primário não equivale a ser bem comportado, pois o mínimo exigível a qualquer cidadão é que não cometa crimes), perante o mesmo quadro de circunstâncias persistir na prática de crimes, envolvendo, nomeadamente, violência contra as pessoas.

Daí que, por conseguinte, mais nada resta senão concluir pela real existência de perigo de perturbação grave da tranquilidade pública.

Nestes termos, tendo em conta o modo de cometimento dos crimes indiciados e a real existência dos apontados perigos, que importa afastar, sob pena de a confiança dos cidadãos no exercício da actividade punitiva por parte dos órgãos competentes poder vir a desaparecer, na medida em que a prossecução da justiça e a segurança são valores fundamentais da vida em sociedade num Estado que constitucionalmente se assume como de direito democrático, evidencia-se imprópria, no caso sub judice, a aplicação de outra medida de coacção que não a prisão preventiva, designadamente a aplicação (alternativa à prisão preventiva) da obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, falecendo, por isso, toda a argumentação do recorrente em sentido contrário.

Tudo isto para dizer que se não justifica, no caso concreto, a alteração da medida de coacção imposta porque se entende que o despacho recorrido, que se encontra satisfatoriamente fundamentado, avaliou criteriosamente os dados de facto de que dispunha e concluiu justamente que os perigos de fuga e de perturbação grave da tranquilidade pública justificavam a prisão preventiva do recorrente.

Em conclusão: do elenco das medidas de coacção, a única que se mostra proporcional, adequada e suficiente, ponderadas as exigências cautelares do caso, a gravidade dos crimes indiciariamente cometidos e a sanção que previsivelmente virá a ser aplicada, é a prisão preventiva.

Respeitou, pois, a decisão recorrida os princípios da necessidade, da adequação, da proporcionalidade, da subsidiariedade e da precaridade, não tendo sido violados os preceitos indicados, ou quaisquer outros, de natureza processual penal e/ou constitucional.

Eis por que o presente recurso irá improceder.

DECISÃO

Mantém-se o despacho recorrido, negando-se provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente fixando-se em 4UC´s a taxa de justiça devida.

Évora, 07 / 11 / 2023