Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
864/23.0T8STR.E1
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DENÚNCIA DOS DEFEITOS
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Data do Acordão: 11/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1- No âmbito do contrato de empreitada, quer a denúncia dos defeitos quer a resolução do contrato pode ser feita extrajudicialmente.
2- Havendo litígio, a intervenção do tribunal limita-se a verificar se estavam reunidas as condições necessárias para o credor poder romper o contrato por vontade unilateral.
3- O regime previsto nos artigos 1220.º e seguintes do Código Civil é específico do contrato de empreitada para o cumprimento defeituoso.
4- Mas num contrato de empreitada pode também ocorrer uma situação de incumprimento definitivo por parte do empreiteiro, designadamente, verificando-se qualquer uma das circunstâncias referidas no artigo 808.º, n.º 1: perda de interesse ou interpelação admonitória, que transformam a mora em incumprimento definitivo.
5- Havendo incumprimento definitivo por parte do empreiteiro, não há que aplicar o regime dos artigos 1220.º, 1221.º e 1222.º, mas sim as regras gerais do incumprimento contratual: o dono da obra pode resolver o contrato, nos termos dos artigos 432.º e seguintes, sem prejuízo do seu direito a ser indemnizado (artigo 801.º, n.º 2, do CC).
6- A jurisprudência vem afirmando a possibilidade de, numa apreciação casuística, compatibilizar a resolução contratual com a indemnização do interesse contratual positivo, se no caso tal não contender com o equilíbrio da relação e o princípio da boa fé.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 864/23.0T8STR.E1
2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I

Centro (…) de Santarém, Instituição Particular de Solidariedade Social, com sede na (…), n.º 19, 21, 2000-083 Santarém, veio intentar a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra (…) – Comercialização de (…), S.A., com sede na Rua da (…), n.º 1930, sala 3, 4200-024 Porto, pedindo que seja esta condenada (a) a pagar-lhe o montante de € 31.202,39, acrescida de juros moratórios legais, contados desde a data da citação até integral pagamento e, ainda, (b) «em todos os prejuízos que o Autor, na consequência do incumprimento contratual do Réu, se vierem a apurar até à execução de sentença».

Alegou em síntese que, acordou com a Ré a execução de projeto, fornecimento, transporte, instalação e assistência à colocação em serviço de uma Unidade de Produção para Autoconsumo (UPAC), a instalar pela Ré na Unidade (…), pelo valor de € 30.260,00, e uma outra UPAC a instalar na Unidade do (…), pelo valor de € 34.680,00.

Acontece que a Ré instalou nas referidas Unidades do Autor inversores que não correspondiam em número, nem em potência, ao acordado entre as partes.

As diferenças de potências indicadas, em total incumprimento do contratado, limitam a produção fotovoltaica do Autor, nas duas unidades.

As correções a efetuar nas instalações fotovoltaicas, totalizam a quantia de € 25.367,80, acrescida de IVA á taxa de 23%, o que perfaz o valor total de € 31.202,39.

Apesar das múltiplas interpelações efetuadas pelo Autor, à aqui Ré, esta sempre se escusou a cumprir os contratos, alegando sempre vãs desculpas.

Mais invocou que, apesar de ter remetido à Ré uma notificação avulsa, que esta rececionou em 24.01.2023, a conceder-lhe o prazo de 15 dias para retificar os sistemas fotovoltaicos supramencionados, sob pena de considerar definitivamente incumpridos e resolvidos os contratos com ela celebrados, a Ré nada fez.

Entende assim o Autor ter direito a exigir da Ré indemnização correspondente ao montante que precisará de despender com a aludida correção dos sistemas fotovoltaicos.

Citada, a Ré não ofereceu contestação.

Reputaram-se, por isso, confessados os factos alegados na petição inicial, nos termos do artigo 567.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do disposto no artigo 568.º do mesmo Código.

O Autor foi, entretanto, convidado a pronunciar-se sobre a possibilidade de a sua segunda pretensão de condenação da Ré «em todos os prejuízos que o Autor, na consequência do incumprimento contratual da Ré, se vierem a apurar até à execução de sentença», se traduzir num pedido genérico ilegal, a que respondeu em sede de alegações, sustentando a admissibilidade do pedido.

Foi de seguida proferida sentença que decidiu:

a) Julgar verificada a exceção dilatória inominada de pedido genérico ilegal e, em consequência, absolveu a Ré (…) – Comercialização de (…), S.A. da instância, quanto ao pedido de condenação «em todos os prejuízos que o Autor, na consequência do incumprimento contratual da Ré, se vierem a apurar até à execução de sentença»;

b) No mais, julgar a ação procedente e, em consequência, condenar a Ré (…) – Comercialização de (…), S.A. a pagar à Autora Centro (…) de Santarém, Instituição Particular de Solidariedade Social o montante global de € 31.475,95 (trinta e um mil, quatrocentos e setenta e cinco euros e noventa e cinco cêntimos) – correspondendo € 31.202,39 a capital e € 273,56 a juros moratórios vencidos –, acrescido de juros moratórios vincendos, calculados sobre o capital de € 31.202,39, contados diariamente, à taxa supletiva legal a que alude o artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, desde a data de prolação da sentença (06.06.2023) até efetivo e integral pagamento do capital em dívida.

Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer assim concluindo as suas alegações de recurso:

I. Foi a Recorrente condenada ao pagamento do montante global de € 31.475,95 (trinta e um mil, quatrocentos e setenta e cinco euros e noventa e cinco cêntimos), acrescidos de juros moratórios vincendos, calculados sobre o capital de € 31.202,39 (trinta e um mil, duzentos e dois euros e trinta e nove cêntimos), contados diariamente, à taxa supletiva legal a que alude o artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, desde 06.06.2023 e até efetivo e integral pagamento da quantia em dívida, “a título de indemnização positiva pelo incumprimento de cada um dos contratos de empreitada celebrados entre as partes”.

II. É precisamente na fixação de indemnização positiva pelo incumprimento, que se radica a discordância da Recorrente que motiva o presente recurso.

III. Com interesse para esta questão, chamamos à colação o facto dado como provado sob o n.º 11: “O autor remeteu à Ré, que recebeu em 24.01.2023, notificação avulsa com o processo n.º 121/23.1T8PRT, concedendo-lhe o prazo de 15 dias a contar daquela notificação para retificar as UPAC das Unidades (…) e do (…), colocando-as nas condições aludidas em 3 e 5, sob pena de não o fazendo, considerar existir incumprimento definitivo e resolvidos os acordos referidos em 2 e 4”, bem como o facto provado n.º 12, onde consta que a ora recorrente não retificou as UPAC nem nos 15 dias nem em data posterior.

IV. Estando assente que o acordo/contrato celebrado entre as partes foi um contrato de empreitada, é nos artigos 1207.º e seguintes do Código Civil (doravante CC) que encontramos o regime aplicável a esta relação contratual.

V. Tendo como assente que as obras que a recorrente executou estavam defeituosas, nos termos do artigo 1221.º, n.º 1, do CC, o dono da obra tinha o direito de exigir do empreiteiro a eliminação dos defeitos.

VI. Perante a inércia da recorrente, ao não ter procedido à correção dos defeitos, o Autor podia invocar a exceção do não cumprimento do contrato e recusar-se a cumprir a sua parte, ou seja, a entrega do preço.

VII. O CC estabelece uma “ordem” que tem necessariamente de ser respeitada pelo dono da obra, (que resulta obvia, dado a sequência numérica dos artigos em causa: 1221.º, 1222.º e 1223.º),

VIII. Assim, em primeiro lugar o dono da obra terá de exigir a eliminação dos defeitos ou caso não possam ser eliminados uma nova obra; de seguida pode exigir a redução do preço e nos casos em que a obra seja inadequada aos fins a que se destina, a resolução do contrato e só em último lugar pedir indemnização, nos termos gerais.

IX. o artigo 1221.º do CC não confere ao dono da obra o direito de por si ou através de outrem eliminar os defeitos da obra, tendo necessariamente de propor ação judicial que condene o empreiteiro na eliminação dos defeitos da obra, nomeadamente socorrendo-se do prescrito no artigo 828.º do CC.

X. Uma vez obtida a condenação judicial do empreiteiro a eliminar os defeitos ou efetuar obra nova, apenas se o mesmo não obedecer a essa decisão, poderá o dono da obra, encarregar terceiro de levar a cabo a eliminação dos defeitos ou a construção de uma nova obra, o que não se verificou no caso vertente, tendo a Autora resolvido extrajudicialmente o contrato, por incumprimento da recorrente.

XI. Uma vez operada a resolução do contrato de empreitada, os seus efeitos são equiparados à nulidade ou à anulabilidade do negócio jurídico – cfr. n.º 1 do artigo 433.º do CC:

XII. E como é sabido, “a nulidade impede a produção de efeitos e a anulação faz cessar a produção de efeitos jurídicos”.

XIII. Com efeito retroativo, devendo ser restituído tudo aquilo que tiver sido prestado ou o valor correspondente – artigos 433.º e 289.º do CC.

XIV. Em contraste com o constante da sentença proferida, a posição clássica e amplamente dominante, é que no caso de resolução contratual, o credor apenas tem direito a ser ressarcido pelos prejuízos que não teria se não tivesse celebrado o contrato – interesse contratual negativo e não na indemnização pela situação em que o credor estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido – interesse contratual positivo.

XV. É certo que o acórdão do STJ de 12.02.2009, citado na sentença ora objeto de recurso, veio introduzir uma pequena “brecha” no entendimento jurisprudencial que vinha sendo seguido, que considerava que a resolução contratual, em regra, conferia direito a uma indemnização apenas pelos danos negativos, ao colocar a hipótese de, excecionalmente, poder haver lugar a indemnização pelos danos positivos, sendo fundamental uma ponderação casuística dos interesses em jogo, à luz do princípio da boa fé e incumbindo à parte que resolveu o contrato alegar e provar, além do mais, os factos que possam integrar essa situação de excecionalidade.

XVI. A Autora não alegou e muito menos provou uma situação de exceção, o que também resulta cristalino dessa questão não constar dos factos dados como provados.

XVII. No entanto, o Tribunal considerou que a questão em apreço revestia essa excecionalidade, dando provimento ao interesse contratual positivo do Autor, extravasando os poderes que lhe são atribuídos pelo princípio do dispositivo.

XVIII. Este princípio está plasmado no artigo 609.º do CPC, que estabelece os limites da condenação a que o juiz tem de obedecer ao proferir uma sentença e cuja violação determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (artigo 668.°, n.° 1, alínea d), 2.ª parte) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado (artigo 668.°, n.° 1, alínea e)).

XIX. Entende a recorrente que foi o que o Tribunal a quo fez, ao considerar a situação dos autos como excecional, (sem tal ser alegado pelo Autor), único caso em que é possível conciliar a resolução de um contrato com a indemnização pelo interesse contratual positivo.

XX. O que torna a presente sentença nula, o que desde já se invoca.

A final requer que seja proferido Acórdão que revogue a decisão proferida..

Foi a seguinte a pronúncia da Mmª Juíza a quo sob a nulidade invocada em sede de alegações de recurso

«Nas respetivas alegações, a Recorrente invoca a nulidade da sentença recorrida.

Estriba-se para tanto no disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil, segundo o qual a sentença é nula quando o juiz (i) deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento e (ii) condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Todavia, em nossa ótica, os argumentos esgrimidos nas alegações para sustentar a invocada nulidade são na verdade, em abstrato, reconduzíveis a erro de julgamento (de facto e de direito) e não a vício da decisão. Destarte, o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), o que in casu se fez, mas sempre em estrita observância dos limites estabelecidos no artigo 609.º do Código de Processo Civil.

Contudo, V. Ex.ªs melhor decidirão, fazendo a costumada Justiça


II

Do objeto do recurso:

Considerando a delimitação que decorre das conclusões das alegações (artigos 635.º, 3 e 639.º, 1 e 2, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 608.º, in fine), importa apreciar:

1. Se existe nulidade de sentença por excesso de pronúncia ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado.

2. Se o Autor, no caso, tinha que ter pedido judicialmente quer a eliminação dos defeitos da obra quer a resolução do contrato e, de acordo com a ordem definida nos artigos 1221.º, 1222.º e 1223.º do CC.

3. Em caso de resposta negativa, se o montante indemnizatório corresponde a um incumprimento contratual positivo incompatível com a resolução do contrato.


III

O tribunal a quo deu como assente o seguinte julgamento de facto:

Factos provados:

1. O Autor é uma instituição privada de solidariedade social, que se dedica à prestação de serviços e de outras iniciativas de promoção do bem-estar e qualidade de vida das pessoas, família e comunidades, nomeadamente e entre outros, apoio às pessoas idosas, através da estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI), Centro de Dia, Centro de Convívio e apoio domiciliário.

2. Por acordo escrito de 22.04.2021 intitulado «Contrato de Fornecimento e Instalação de Unidade de Produção para Autoconsumo (UPAC)», a Ré comprometeu-se a executar ao Autor, que aceitou, o projeto, fornecimento, transporte, instalação e assistência para colocação em serviço de uma Unidade de Produção de Autoconsumo (UPAC) para a Unidade (…), sita Rua (…), n.º 35, em Santarém, pelo valor de € 30.260,00.

3. Ficou então ajustado que a Ré instalaria nesta Unidade uma UPAC de 34 kw, com uma potência total instalada de 30.26 KWp e 89 painéis (ou módulos) com potência de 340 Wp, com dois inversores de 17 kW, tipo KTL da Huawei.

4. Por acordo escrito de 22.04.2021 intitulado «Contrato de Fornecimento e Instalação de Unidade de Produção para Autoconsumo (UPAC)», a Ré comprometeu-se a executar ao Autor, que aceitou, o projeto, fornecimento, transporte, instalação e assistência para colocação em serviço de uma UPAC, para a Unidade do (…), sita na Quinta do (…), em (…), pelo valor de € 34.680,00.

5. Estabeleceram as partes que a Ré instalaria nesta segunda Unidade uma UPAC de 34 KW, com uma potência total instalada de 34.680 KWp e 102 painéis com potência de 340 W, com dois inversores de 17 kW, tipo KTL da Huawei.

6. A Ré instalou na UPAC de cada uma das Unidades do Autor aludidas em 2 e 4, um único inversor de 20 kW, em vez de dois inversores de 17 kW cada um.

7. O Autor remeteu à Ré carta datada de 22.11.2022 a comunicar a divergência entre o equipamento instalado e aquele que havia sido acordado e a solicitar a resolução do assunto no prazo de 8 dias.

8. As diferenças de potência dos inversores das UPAC aludidas em 6 limitam a produção fotovoltaica do Autor nas Unidades (…) e do (…), encontrando-se desligados nestas Unidades, respetivamente, 3 e 7 painéis solares.

9. A Ré instalou igualmente naquelas Unidades painéis com potência abaixo do ajustado, em consequência do que o número de painéis também teve que aumentar, ocupando mais área e colocando um peso maior nos edifícios.

10. A retificação das UPAC da Unidade (…) e da Unidade do (…), incluindo material e montagem, para que as mesmas passem a ter as características e as potências aludidas em 3 e 5, foi orçamentada em € 12.683,90, acrescido de IVA à taxa legal, para cada uma daquelas Unidades.

11. O Autor remeteu à Ré, que recebeu em 24.01.2023, notificação avulsa com o processo n.º 121/23.1T8PRT, concedendo-lhe o prazo de 15 dias a contar daquela notificação para retificar as UPAC das Unidades (…) e do (…), colocando-as nas condições aludidas em 3 e 5, sob pena de não o fazendo, considerar existir incumprimento definitivo e resolvidos os acordos referidos em 2 e 4.

12. A Ré não retificou as UPAC no mencionado prazo de 15 dias, nem posteriormente até à presente data.

Com pertinência para a boa decisão da causa, inexistem factos por provar.


IV

Conhecendo do recurso, limitado que está a questões de direito

1. Da nulidade da sentença

Pretende a apelante que a sentença é nula, por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.° 1, alínea d), 2.ª parte) e/ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado (artigo 615.º, n.° 1, alínea e), pois que, considerou ocorrer uma situação de excecionalidade justificativa, no caso, de ressarcimento do Autor por interesse contratual positivo, não obstante a resolução do contrato, não tendo essa situação de excecionalidade sido alegada ou provada pelo Autor.

Em resposta a MMº Juíza pronunciou-se, e bem, referindo que tal imputação se reconduz a erro de julgamento (de facto e de direito) e não a vício da decisão.

As nulidades invocadas – nulidade por excesso de pronúncia e conhecimento de pedido diferente – verificam-se quando o julgador conheça de questões jurídicas de que não poderia legalmente conhecer, por não integrarem o thema decidendum, ou seja, por não terem sido suscitadas nem pedidas, nem constituírem questões de natureza oficiosa. O que não é o caso, pois que, sendo a “excecionalidade justificativa da indemnização” do Autor um conceito jurisprudencial assente em determinado circunstancialismo fáctico, não tinha o Autor que o invocar, mas apenas apresentar os factos que o permitissem demonstrar, cabendo ao tribunal a respetiva ponderação e eventual adesão ou rejeição.

Por sua vez a condenação contém-se nos limites do pedido, bastando um confronto com ambos os segmentos de ambas as peças. Assim:

Da petição: “… pedindo que seja esta condenada (a) a pagar-lhe o montante de € 31.202,39, acrescida de juros moratórios legais, contados desde a data da citação até integral pagamento.”

Da sentença: “… condenar (…) o montante global de € 31.475,95 (trinta e um mil, quatrocentos e setenta e cinco euros e noventa e cinco cêntimos) – correspondendo € 31.202,39 a capital e € 273,56 a juros moratórios vencidos –, acrescido de juros moratórios vincendos, calculados sobre o capital de € 31.202,39, contados diariamente, à taxa supletiva legal a que alude o artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, desde a data de prolação da sentença (06.06.2023) até efetivo e integral pagamento do capital em dívida.”

Assim, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, declara-se improcedente qualquer das invocadas nulidades.

Prosseguindo nas demais questões do recurso.

2. Se o Autor, no caso, tinha que ter pedido judicialmente quer a eliminação dos defeitos da obra, quer a resolução do contrato e, de acordo com a ordem definida nos artigos 1221.º, 1222.º e 1223.º do CC.

Não constitui questão controvertida nem a natureza do contrato como contrato de empreitada, nem a existência de defeitos na obra realizada pela Ré. Do mesmo modo, resulta implícito do conjunto da factualidade provada que o preço contratado foi pago.

Está provado que o Autor perante a constatação dos defeitos remeteu à Ré carta datada de 22.11.2022 a comunicar a divergência entre o equipamento instalado e aquele que havia sido acordado e a solicitar a resolução do assunto no prazo de 8 dias (facto 7).

E por não ter logrado qualquer êxito nessa missiva, o Autor remeteu à Ré, que recebeu em 24.01.2023, notificação avulsa com o processo n.º 121/23.1T8PRT, concedendo-lhe o prazo de 15 dias a contar daquela notificação para retificar as UPAC das Unidades (…) e do (…), colocando-as nas condições aludidas em 3 e 5, dos factos provados, sob pena de não o fazendo, considerar existir incumprimento definitivo e resolvidos os acordos referidos em 2 e 4 (facto 11).

A Ré não retificou as UPAC nos mencionados prazos, nomeadamente no prazo de 15 dias concedido na segunda missiva, nem posteriormente até à presente data (facto 12).

Dispõe o artigo 1220.º, n.º 1, do Código Civil que: «O dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu descobrimento.»

A carta de 22.11.2022 comporta esse exercício de denúncia.

Prescreve o n.º 1 do artigo 1221.º do mesmo Código que: «Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção.»

A carta de 22.11.2022 comporta igualmente esse pedido de eliminação dos defeitos.

Idêntico pedido foi feito em 24.01.2023, por via da notificação avulsa com o processo n.º 121/23.1T8PRT, na qual o apelado concede à apelante, ainda, um novo prazo de 15 dias a contar daquela notificação para retificar os defeitos.

Colhe-se do n.º 1 do artigo 1222.º do Código Civil que: «Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.»

Acrescentando o artigo 1223.º do mesmo Código que: «O exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais.»

A lei não exige que o pedido de eliminação de defeitos tenha de ser feito judicialmente.

Sendo, por isso válida a denúncia extrajudicial que as duas missivas comportam.

Dispõe o artigo 436.º do Código Civil que: “1. A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte.»

Logo, também a resolução do contrato, por inexecução (salvo quando a lei o impõe, o que não é o caso), reveste carácter extrajudicial (resolução ope voluntatis).

Significa isto que o credor, para obter a resolução, não tem de recorrer ao tribunal, é ele próprio que resolve o contrato e, havendo litígio, a intervenção do tribunal limita-se a verificar se estavam reunidas as condições necessárias para o credor poder romper o contrato por vontade unilateral.

Assim, do ponto de vista formal, nada impedia o Autor de denunciar os defeitos e de resolver o contrato de empreitada extrajudicialmente.

Questão diferente é se podia resolver o contrato sem um prévio pedido explícito de redução do preço. E, dizemos explícito porque a missiva de 22.11.2022 ao comunicar os defeitos e ao “solicitar a resolução do assunto no prazo de 8 dias”, tem implícito esse pedido.

O regime previsto nos citados artigos 1220.º e seguintes do Código Civil é específico do contrato de empreitada para o cumprimento defeituoso. No entanto, num contrato de empreitada pode também ocorrer uma situação de incumprimento definitivo por parte do empreiteiro, designadamente, verificando-se qualquer uma das circunstâncias referidas no artigo 808.º, n.º 1: perda de interesse ou interpelação admonitória, que transformam a mora em incumprimento definitivo (nesse sentido, entre outros, o Ac. TRG de 17-11-2022, Proc. 70/19.8T8VNC.G1, in www.dgsi.pt)

Havendo incumprimento definitivo por parte do empreiteiro, não há que aplicar o regime dos artigos 1220.º, 1221.º e 1222.º, mas sim as regras gerais do incumprimento contratual: o dono da obra pode resolver o contrato, nos termos dos artigos 432.º e seguintes, sem prejuízo do seu direito a ser indemnizado (artigo 801.º, n.º 2).

As diferenças de potência dos inversores das UPAC instalados pela Ré limitaram a produção fotovoltaica do Autor nas Unidades (…) e do (…), encontrando-se desligados nestas Unidades, respetivamente, 3 e 7 painéis solares.

Porque a Ré instalou igualmente naquelas Unidades painéis com potência abaixo do ajustado, em consequência do que o número de painéis também teve que aumentar, ocupando mais área e colocando um peso maior nos edifícios.

A Ré não se prestou a qualquer resposta, como lhe incumbia, nos sucessivos prazos concedidos pela Autora para resolução do assunto e para eliminação dos defeitos..

A subsistência desta situação sem a devida reparação implicará para o Autor um agravamento contínuo dos danos, por ora, incalculáveis, quer na limitação da produção fotovoltaica, com menos 10 painéis solares, quer no aumento de carga sobre a estrutura dos edifícios.

Entre 22.11.2022, data em que denuncia os defeitos e 24.01.2023, data em que insiste pela eliminação dos mesmos, esses danos já eram notórios.

A redução do preço não supre as consequências que os defeitos implicam.

Numa apreciação objetiva, o decurso do prazo suplementar, a ausência de resposta da Ré e, a natureza dos danos, tornam legítima a perda do interesse do credor na prestação em falta (eliminação dos defeitos por parte da Ré que se mantém indiferente), havendo fundamento para a resolução do contrato, nos termos do artigo 432.º e seguintes e artigo 808.º do Código Civil. Possibilidade que o artigo 1222.º igualmente contempla.

E sendo assim, não tinha o Autor que propor explicita e individualizadamente uma redução do preço.

Passando-se, assim à terceira e última questão do recurso.

3. Considerando a resposta negativa à questão antecedente, importa apreciar se o montante indemnizatório corresponde a um incumprimento contratual positivo incompatível com a resolução do contrato.

Ou, dito de outro modo, se no caso de resolução contratual, o credor apenas tem direito a ser ressarcido pelos prejuízos que não teria se não tivesse celebrado o contrato – interesse contratual negativo e não na indemnização pela situação em que o credor estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido – interesse contratual positivo.

Importa, assim, apreciar se tendo ocorrido resolução contratual, levada a cabo pelo Autor/dono da obra, pode este obter indemnização que corresponde a um interesse contratual positivo (montante que precisará de despender com a correção dos sistemas fotovoltaicos).

A propósito do interesse contratual positivo na resolução contratual, a sentença ponderou:

«Acontece que a resolução do contrato produz efeitos retroativos idênticos aos da nulidade ou anulabilidade: deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (cfr. artigos 289.º e 433.º do Código Civil).

Não obstante, por via desta ação, pretende o Autor a condenação da Ré, não nos efeitos próprios da resolução dos contratos (designadamente, a devolução do preço das empreitadas), mas antes no pagamento de uma indemnização pelo interesse contratual positivo daqueles contratos. Quer dizer: o Autor pretende ser colocado na situação em que estaria se a Ré tivesse executado as obras sem os apontados defeitos.

Por conseguinte, impõe-se aquilatar se este pedido é compatível com a resolução dos contratos feita operar extrajudicialmente pelo Autor.

Vejamos.

Estatui o artigo 801.º do Código Civil: «Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação». E, acrescenta o n.º 2 do mesmo dispositivo: «Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro».

Tradicionalmente, vinha sendo pacificamente defendido pela nossa doutrina e jurisprudência que, optando o credor pela resolução do contrato, o direito à indemnização a que alude este dispositivo legal se restringia ao interesse contratual negativo, i.e., à indemnização que vise compensá-lo pelas perdas conexionadas com a mera celebração do contrato (cfr., nesse sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., pág. 58). Militavam a favor desta tese argumentos como o fim destruidor da resolução, a retroatividade da sua eficácia e a incompatibilidade lógica entre a resolução e uma indemnização positiva.

Todavia, nos últimos anos tem-se assistido a uma inflexão neste entendimento, sendo várias as vozes que tem vindo a admitir a cumulação da resolução contratual com uma indemnização positiva.

Nesse sentido, entendeu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12.02.2009 (cfr. processo n.º 08B4052, relator João Bernardo, in www.dgsi.pt), que, pese embora, por regra, a resolução contratual abra caminho a indemnização apenas pelos danos negativos, em situações excecionais pode haver lugar a indemnização pelos danos positivos.

Identicamente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 15.02.2018 (cfr. processo n.º 7461/11.0TBCSC.L1.S1, relator Tomé Gomes, in www.dgsi.pt), pronunciou-se sobre tal problemática, salientando que «no quadro dos desenvolvimentos mais recentes da doutrina e da jurisprudência, é de considerar, em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado».

Mais recentemente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 10.12.2020 (cfr. processo n.º 15940/16.7T8LSB.L1.S1, relator Nuno Pinto Oliveira, in www.dgsi.pt), escalpelizou diversos argumentos no sentido de se considerar ultrapassada – designadamente, à luz das normas de direito comunitário que conformam o nosso hodierno ordenamento jurídico – a posição que vinha defendendo a incompatibilidade entre a resolução do contrato com a indemnização pelo interesse contratual positivo, dizendo: «O artigo 562.º do Código Civil consagra o princípio de que “quem estiver obrigado a reparar um dano há-de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”; ora, o evento que obriga à reparação consiste no não cumprimento de uma obrigação; logo, quem estiver obrigado a reparar o dano há-de reconstituir a situação que existiria se a obrigação tivesse sido cumprida. Em favor do cúmulo, depõem dois desenvolvimentos recentes: Em 23 de Julho de 2020, foi aprovada para adesão a Convenção das Nações Unidas sobre a venda internacional de mercadorias de 11 de Abril de 1980 — e, de acordo com os artigos 75.º e 76.º da Convenção, a indemnização cumulável com a resolução do contrato é uma indemnização pelo interesse contratual positivo. Em 20 de Maio de 2019, foi publicada a Diretiva 2019/771/UE, sobre a venda de bens de consumo — e, de acordo com o considerando 61 da Diretiva, a indemnização “deverá repor a situação em que o consumidor se encontraria se o bem estivesse em conformidade”. Os termos em que está redigido o considerando 61 aplicam-se a toda a indemnização, incluindo à indemnização cumulável com a resolução do contrato de compra e venda».

In casu, consideramos que a pretensão do Autor quanto a ser indemnizado pelo valor correspondente ao montante que terá de despender com a eliminação dos defeitos nas obras executadas pela Ré – que se apurou ascender a € 31.202,39 – não ofende, nem belisca, o princípio da boa-fé. Talqualmente, não proporciona ao Autor nenhum benefício ou vantagem injustificada, nem se traduz num desequilíbrio grave na relação de liquidação, tanto mais que o Autor não reclama, de todo, a devolução do preço das empreitadas.

Na verdade, a reparação dos defeitos pretendida pelo Autor tem como desiderato colocá-lo na posição em que estaria em caso de bom cumprimento das prestações efetivamente realizadas pela Ré e, nessa medida, dá pleno cumprimento ao princípio geral da obrigação de indemnizar acolhido no artigo 562.º do Código Civil. Quer dizer, pois, que no caso vertente a resolução dos contratos por iniciativa do Autor não é incompatível com a indemnização positiva peticionada.»

Tal ponderação mostra-se conforme a jurisprudência mais recente.

Indemnizar pelo interesse contratual positivo, traduz-se, na prática, em aplicar o princípio geral da obrigação de indemnizar consagrado no artigo 562.º do Código Civil.

Em rigor a declaração de resolução apenas vem por fim à relação negocial, logo, a indemnização que se pretende não contende com qualquer outro efeito resultante da resolução. Já assim não seria se, por exemplo, o dono da obra reclamasse a devolução do preço e o pagamento da reparação.

Por outro lado, é de crer que esta se apresenta como a solução de maior equilíbrio e de menor ofensa dos interesses de ambas as partes se, perspetivarmos um desfecho mais consequente como a retirada dos aparelhos outrora colocados, face ao uso que lhes foi dado e, a devolução integral do preço.

Em defesa deste equilíbrio a jurisprudência, nomeadamente a citada na sentença, vem afirmando a possibilidade de, numa apreciação casuística, compatibilizar a resolução contratual com a indemnização do interesse contratual positivo, se no caso tal não contender com o equilíbrio da relação e o princípio da boa fé.

O recente acórdão do STJ de 18-01-2022, P. 3609/17.0T8AVR.P1.S (Pedro Lima Gonçalves), resume bem essa tendência:

«No quadro dos desenvolvimentos mais recentes da doutrina e da jurisprudência, é de considerar, em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado.»

No caso dos autos a indemnização pela reparação dos defeitos que se traduz numa indemnização pelo interesse contratual positivo não proporciona nenhum benefício ou vantagem injustificada à apelada, não consubstanciando desequilíbrio grave na relação de liquidação.

Pelo que bem andou a MMª Juíza na sua fixação.

Em suma: (…)


V

Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, face ao decaimento.

Évora, 23 de novembro de 2023

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Cristina Dá Mesquita (1ª Adjunta)

Ana Margarida Pinheiro Leite (2ª Adjunta)