Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2249/22.6T8STR.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
CURADOR ESPECIAL OU PROVISÓRIO
Data do Acordão: 11/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – O despacho que substitui a tramitação legal por outra tida por mais adequada às especificidades da causa ou que adapta o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir – adequação formal – carece de ser fundamentado por forma a demonstrar a ineficiência e/ou ineficácia da forma processual predisposta, segundo o princípio da legalidade, para alcançar os fins impostos pelas especificidades da causa.
II – Em ação de maior acompanhado, verificada a incapacidade de facto do requerente/beneficiário, incumbe ao juiz designar-lhe curador provisório para o representar no processo.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: 2249/22.6T8STR.E1

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1. (…), natural da freguesia de (…), concelho de Santarém, com domicílio no Lar de Idosos da Santa Casa da Misericórdia de (…), instaurou ação especial de acompanhamento de maiores em seu benefício.
Alegou ser portadora de um quadro demencial, decorrente da doença de alzheimer, condição de saúde que vem a agravar-se, nos últimos três meses, e torna necessário a adoção de medidas de acompanhamento.
Indicou para acompanhante (…), sobrinho do seu falecido marido.

2. Houve lugar a perícia médico-legal e à audição pessoal da beneficiária e produzidas outras provas julgadas convenientes seguiu-se decisão.
A considerar:
A Beneficiária não tem, pois, capacidade para estar por si em juízo, nem o tinha à data da interposição da ação.
Deverá então ser determinada a absolvição da instância por falta deste pressuposto processual, conforme propugnado pelo Ministério Público?
Cremos que a resposta é necessariamente negativa. Destarte, em 22.12.2022, … (irmã da Beneficiária, mas também sua sucessora, já que esta não tem cônjuge, ascendentes, nem descendentes – cfr. artigo 2133.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil) veio espontaneamente aos presentes autos principais declarar de forma expressa que aceitava ratificar o pedido de decretamento do acompanhamento de maior da Beneficiária requerido nos presentes autos, bem como todo o processado, incluindo o aproveitamento de todos os atos já praticados. Conforme resulta do acima explicitado, tanto é quanto basta para se reputar suprida a falta de capacidade judiciária da Beneficiária.
Acrescente-se que após a interposição desta ação principal (…) também requereu através da ação que agora constitui o apenso A, o acompanhamento de maior a favor da Beneficiária e o suprimento da autorização desta, o que reforça a estabilidade da instância.
Face ao exposto, deverá reputar-se sanada a falta de capacidade judiciária da Beneficiária para interpor a ação principal e, concomitantemente, suprida a autorização da Beneficiária”.
E a dispor, designadamente, a final:
(…)
1. Determino o acompanhamento de maior a favor da Beneficiária (…), viúva, nascida em 14.08.1948, natural da freguesia de (…), concelho de Santarém, filha de (…) e de (…), residente no Lar da Santa Casa da Misericórdia de (…), sito na Rua Engenheiro (…), n.º 184, em (…), aplicando-se-lhe a medida de acompanhamento de representação geral, incluindo a administração total de bens da Beneficiária.
2. Nomeio como Acompanhantes da Beneficiária (…) e (…), melhor identificados nos autos (cfr. artigo 143.º, n.º 1, do Código Civil);
3. Decido conferir ao Acompanhante (…) poderes para exercer todos os atos compreendidos na representação geral da Beneficiária, salvo quanto às funções abaixo atribuídas à Acompanhante (…);
(…)
6. Declaro que o acompanhamento se tornou conveniente pelo menos desde 14.02.2022 (cfr. artigo 900.º, n.º 1, do Código de Processo Civil);
7. Estabeleço o prazo de cinco anos para a revisão oficiosa das medidas de acompanhamento (cfr. artigo 155.º do Código Civil);
(…)
9. Nomeio para integrarem o Conselho de Família: (…) e (…), melhor identificados nos autos”.
3. O Ministério Público recorre e conclui assim a motivação do recurso:
“1- Vem o presente recurso interposto da sentença que decreta o acompanhamento de (…) impugnando-se, antes de mais, a matéria de facto, notando-se que apesar de constar da parte decisória da sentença que o acompanhamento de (…) “se tornou conveniente pelo menos desde 14.02.2022” (pág. 6 da parte decisória), não consta da matéria apurada qualquer facto que sustente essa decisão.
2- Ainda que não existisse esta contradição, impõe-se que seja acrescentado à matéria provada que (…) “apresenta gravíssimas limitações da sua vida corrente, social afetiva e económica, o que lhe confere uma incapacidade absoluta para a realização de tais atos e que pode afirmar-se com elevado grau de certeza que tal se verifica pelo menos desde a data de admissão no lar, 14.02.2022” – matéria suportada pelo relatório pericial remetido pelo Instituto de Medicina Legal no dia 29.09.2022 e ainda pela prova testemunhal produzida, designadamente declarações prestadas pela Diretora Técnica do Lar da Santa Casa da Misericórdia de (…), Dra. (…) – cfr. sessão de 23.11.2023, momentos 04.24 a 13.00.
3- Este facto deve ser dado como provado por se mostrar relevante à decisão, designadamente para efeito de se determinar que a incapacidade de (…) não era meramente acidental à data em que a ação deu entrada – 01.08.2022 – antes já existia à data em que foi outorgada a procuração forense que acompanhou o requerimento inicial (15.07.2022).
4- Do facto referido nas conclusões 1ª a 3ª resulta à evidência que à data em que foram emitidas as procurações juntas com o requerimento inicial e assinadas por (…), esta já não se encontrava capaz de compreender o sentido e alcance do teor dessas procurações e, consequentemente, não estava capaz de, para além do mais, outorgar a procuração forense pela qual requereu o que seu próprio acompanhamento.
5- Recorre-se ainda por se entender que nestes autos não pode ser decretado o acompanhamento de (…), impondo-se a sua absolvição da instância, por não ser legalmente possível reputar-se sanada a sua falta de capacidade judiciária, designadamente para interpor a presente ação nem pode ser considerada suprida a sua autorização para esse mesmo efeito, muito menos por aplicação analógica do artigo 27.º do NCPC, como sustenta a sentença recorrida.
6- Sustenta a sentença recorrida que “deverá reputar-se sanada a falta de capacidade judiciária da Beneficiária para interpor a ação principal e, concomitantemente, suprida a autorização da Beneficiária”, com fundamento, ao que parece, no entendimento de que é possível “aplicação analógica do disposto no artigo 27.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil” e afirmando “que a irregularidade processual decorrente da falta de capacidade judiciária do beneficiário para intentar a seu favor tal ação pode ser igualmente suprida com a intervenção nos autos do Ministério Público ou de alguma das pessoas a que alude o artigo 141.º, n.º 1, do Código Civil, interveniente esse que, por sua vez, pode ratificar o processado (…)” – cfr. fls. 8 a 10 da decisão recorrida.
7- Dispõe o artigo 27.º do NCPC que “A incapacidade judiciária e a irregularidade de representação são sanadas mediante a intervenção do representante legítimo do incapaz” sendo que a norma está pensada para quando existe representante que possa ratificar o processado.
8- E dispõe o artigo 10.º do NCPC que os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos e que há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
9- A falta de representante não constitui, obviamente, um caso omisso que possa ser suprido por via de uma arrevesada interpretação que passa a conferir legitimidade para ratificação não ao representante do incapaz mas sim a todos – terceiros – que tenham legitimidade para intentar a ação.
10- Previu o legislador que nos processos de acompanhamento de maior, em que por natureza a pessoa incapaz não tem representante legal, o acompanhamento possa ser requerido por terceiro, nos termos do artigo 141.º do Código Civil, ou seja, mediante autorização, podem requerer o cônjuge, o unido de facto, qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, o Ministério Público.
11- Consequentemente, forçoso é concluir que pese embora o artigo 141.º NCPC se refira à legitimidade ativa e o artigo 27.º do mesmo diploma se refira à possibilidade de suprimento do pressuposto processual da capacidade judiciária, não estamos manifestamente perante um caso omisso que careça da rebuscada aplicação analógica que se pretende fazer do artigo 27.º do Novo Código de Processo Civil. 12- Na verdade, o sistema tem resposta clara para a situação em apreço, através do artigo 141.º do Código Civil, não carecendo, como se fez neste processado, de dar cobertura a um ato em tudo ilícito, suportado em procurações outorgadas por quem, manifestamente, não se encontrava capaz de compreender o alcance dessa outorga.
13- A interpretação analógica, pela sua especificidade, deve ser utilizada com cuidado e de forma alguma pode servir de bordão ao prosseguimento de objetivos não tutelados por lei civil e criminal.
14- Ademais, no caso, a “ratificação” ficaria nas mãos de alguém – a irmã – que só por si também não tem plenos poderes para instaurar a ação, dependendo, para tal, de autorização judicial a conceder por via de suprimento do consentimento do incapaz – artigo 141.º do Código Civil.
15- Na verdade, quer a irmã (…), requerente no processo 2783/22.8TBSTR, quer o Ministério Público, têm legitimidade para a propositura da ação mas não são representantes de (…) por força de nenhuma disposição legal que lhes permita, neste momento e legalmente, ratificar um processado construído numa falácia.
16- Entende o Ministério Público – e sempre o entendeu ao longo do processo – que a falta de capacidade de (…) não é ratificável nos termos pretendidos pela Mmª Juiz e que, consequentemente, deve a presente ação ser extinta, por absolvição da instância decorrente da falta de capacidade judiciária, devendo a ação n.º 2783/22.8TBSYTR prosseguir os seus termos, porquanto reúne todos os pressupostos processuais, validamente verificados.
17- Nunca compreendemos qual a técnica e ética jurídica que fizeram optar a Juiz titular do processo pela solução arrevesada de determinar a apensação nestes autos do processo regularmente instaurado, conforme despacho proferido sob a referência n.º 2249/22.6T8STR, não transitado, que aguarda decisão sobre a subida do recurso, porquanto não se pode, com a legitimidade assegurada no 2783/22.8, suprir a incapacidade que se verifica no 2249/22.6, ou seja, nos presentes autos.
18- Também não compreendemos a técnica e a ética jurídicas, ou mesmo a falta de economia e celeridade processuais, subjacentes ao despacho que manda repetir a notificação do requerimento de reclamação para o Juiz Presidente da Relação de Évora, ao invés de mandar subir essa reclamação, proferindo em simultâneo a sentença de que ora se recorre cuja prolação, diga-se, não retira o efeito útil daquele recurso, onde se impugna a decisão que determina apensação dos processos.
19- No processo 2783/22.8 TBSTR, autuado no dia 07.10.2022, a correr termos no juízo local cível-J1 deste mesmo Tribunal, (…) figura como requerente de acompanhamento de maior de (…).
20- O Ministério Público opôs-se à apensação daquele processo nestes autos, pugnando pela absolvição da instância nestes autos com o prosseguimento da ação n.º 2783/22.8TBSTR, onde se encontram verificados os necessários pressupostos processuais, designadamente no que respeita à legitimidade da requerente.
21- E já antes recusara “ratificar” o processado, verificada que estava a incapacidade da requerida – cfr. requerimento entrado a 20 de dezembro de 2022, sob a referência 24260.
22- Na data de 07 de Março de 2023, sob a referência 9269411 é proferido despacho judicial determinando a apensação, despacho do qual o Ministério Público interpõe recurso por não considerar verificados os pressupostos da apensação de processos – artigo 267.º NCPC – recurso que é objeto de despacho de não admissão, proferido na data de 21.04 2023, sob a referência 93152291.
23- Deste despacho de rejeição o Ministério Público reclama para o Sr. Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Évora, por requerimento entrado na data de 04.05.2023, sob a referência 25725, sendo que aqueles Srs. Advogados foram notificados a 08 de Maio de 2023 do respetivo teor e do sentido da reclamação, mas sobre a mesma não se pronunciaram.
24- Temos ainda a acrescentar em termos de legitimidade para se requerer a apensação de processos, que o requerimento assinado pela Sra. Dra. (…) e pelo Sr. Dr. (…), apresentado na data de 13.02.2023, não surge em representação de (…), pois a Sra. Dra. (…) utiliza uma procuração outorgada na data de 15.07.2022, assinada por (…) numa altura em que esta não estava capaz de compreender o seu significado.
25- E, por seu lado, o Sr. Dr. (…), à data da entrada desse requerimento, não representava nenhuma parte deste processo antes era Mandatário de (…), requerente do processo n.º 2783/22.8TBSTR pelo que naquele processo, e apenas nesse, poderia, com legitimidade, ter dirigido um pedido de apensação – cfr. artigo 267.º NCPC.
26- Ou seja, há muito que deveria ter sido declarada cessada a intervenção da Sra. Dra. (…) e, por outro lado, não se vê sentido, neste momento, para que se mantenha a sua intervenção.
27- Acresce que mesmo por sua iniciativa a Mmª Juiz não poderia ter ordenado a apensação porquanto aquele outro processo não era sua titularidade – cfr. artigo 267.º do NCPC.
28- Diga-se ainda que são pressupostos da apensação de processos: que as ações tenham sido propostas separadamente, que se verifiquem entre elas os pressupostos da admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção; que o requerente da apensação revele nela um interesse atendível e que o estado do processo ou outra razão especial não torne inconveniente a apensação.
29- Estes pressupostos não se verificam entre as duas ações apensadas nestes autos, mormente, não se vislumbra entre ambas qualquer situação de litisconsórcio, coligação, oposição ou reconvenção que justifique uma única decisão, por forma a assegurar “uniformidade de julgamento e decisão integrada, sem contradições, defendendo a paz social e o crédito da justiça “, para além da economia processual.
30- Ou seja, não se verificando os pressupostos da apensação, supra enunciados, impunha-se mesmo a extinção destes autos, por absolvição da instância, nos termos que há longo tempo vêm sendo propugnados pelo Ministério Público.
31- Aliás, esta sentença é um exemplo acabado do que não deve ser uma apensação de processos, não só pela falta evidente dos requisitos legais como também – e sobretudo – pela cumplicidade que oferece a tudo a Ordem Jurídica rejeita, tendendo a justificar uma série de graves invalidade, em nome da economia e celeridade processual.
32- Conclui-se, pois, que não há dispositivos legais que permitam o caminho desenfreado deste processo, talhado ao arrepio dos mais elementares princípios de Direito e do que é expectável nos Tribunais, atropelando, inexplicavelmente as mais elementares regras e princípios estruturantes do sistema judicial.
33- Registe-se ainda que se a urgência do pedido de acompanhamento fosse efetivamente crucial neste momento para (…), teriam sido alegados factos que justificassem a aplicação de medidas provisórias, o que não aconteceu porque, de facto, não se justificavam.
34- A sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 10.º e 27.º, ambos do NCPC, que interpretou no sentido de que a interpretação analógica pode ser utilizada para suprir a ausência de representante legal, em caso de incapacidade judiciária, permitindo que essa incapacidade seja suprida por qualquer pessoa desde que tenha legitimidade para propor a ação, quando deveria ter interpretado esses preceitos no sentido de que a interpretação analógica é absolutamente excecional e só deve ser utilizada em situações de vazio legislativo, o que não é manifestamente o caso.
35- Violou ainda o disposto no artigo 267.º do NCPC, que interpretou como podendo ser utilizada a apensação de processos para suprir com a legitimidade que existe num a incapacidade judiciária que existe noutro, quando deveria ter interpretado o preceito no sentido de que a apensação tem pressupostos específicos, que não se confundem com a repetição do pedido em duas ações distintas.
36- E violou ainda o disposto no artigo 141.º do Código Civil, que interpretou no sentido de conferir às pessoas elencadas nesse dispositivo poderes de suprimento de incapacidade judiciária quando tão somente deveria ter interpretado no sentido de que esse normativo se destina a elencar as pessoas com legitimidade para instaurar ação de acompanhamento de maior.
Termos em que alterando a matéria de facto provada por forma a que se inclua que a incapacidade cognitiva grave da requerente ocorre desde, pelo menos, 14.02.2022, declarando a incapacidade judiciária da requerente não suprível e, consequentemente, determinando a sua absolvição da instância, sem prejuízo do prosseguimento do processo n.º 2783/22.8 TBSTR, Farão V.ª Ex.ª a costumada JUSTIÇA!”
Respondeu a Requerente por forma a concluir pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - Objeto do recurso
O recurso vem interposto da sentença – consta ipsis verbis do requerimento de recurso: “A Magistrada do Ministério, notificada do teor da sentença (…) vem interpor o presente recurso” – porém, a motivação e conclusões são mais abrangentes e visam, para além da revogação da decisão recorrida, impugnar o despacho que determinou a apensação aos presentes autos do processo n.º 2783/22.8T8STR a correr termos no Juízo Local Cível de Santarém – Juiz 1 [cclªs 27ª a 33ª e 35ª].
Despacho de que, aliás, o Ministério Público em tempo oportuno recorreu, embora sem êxito, por se haver considerado que o despacho não admitia recurso autónomo e (apenas) poderia ser impugnado com o recurso a interpor da decisão final ou depois dela.
Vistas as conclusões da motivação e sendo estas que delimitam o seu objeto (artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil), cumpre decidir: i) se o despacho que ordenou a apensação de processos não observou a lei, ii) a impugnação da decisão de facto, iii) se a incapacidade judiciária da Requerente não se mostra suprida.

III. Fundamentação
1. Factos
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. A Beneficiária é viúva, nasceu em 14.08.1948, na freguesia de (…), concelho de Santarém e é filha de (…) e de (…).
2. Casou-se em 07.07.1973 com (…), falecido em 23.04.2022.
3. Nunca teve filhos.
4. Trabalhou como tradutora, sendo bilingue.
5. Viveu na Rodésia e na África do Sul.
6. Reside desde 14.02.2022 no Lar da Santa Casa da Misericórdia – Unidade de Demências, sito na Rua (…), n.º (…), em (…).
7. A Beneficiária sofre de síndrome demencial (doença de Alzheimer) pelo menos desde 14.02.2022.
8. Tal doença é irreversível e encontra-se numa fase avançada.
9. Em resultado do seu estado de saúde, a Beneficiária:
a. Mostra-se desorientada no tempo e no espaço;
b. Não tem consciência da doença de que padece;
c. Apresenta um discurso centrado nas vivências passadas;
d. Confabula acerca das suas vivências, apresentando um delírio ocupacional;
e. Apesar de ter ido às cerimónias fúnebres do marido, não se recorda que o mesmo faleceu, nem questiona sobre o seu desaparecimento;
f. Refere viver com os seus pais, já falecidos;
g. Não consegue fazer cálculos matemáticos simples;
h. Precisa de ajuda de terceiros para fazer a sua higiene, para se vestir, alimentar e tomar medicação;
i. Não se consegue deslocar no exterior sozinha, por falta de orientação;
j. Não coloca questões acerca da gestão económica, nem se preocupa com tal situação; e
k. Por vezes não reconhece os seus familiares.
10. A Beneficiária não possui registado testamento vital, nem procuração de cuidados de saúde.
11. Carece de compreensão e juízo crítico para escolher acompanhante.
12. A Requerente (…) é a única irmã da Beneficiária.
13. Nunca estiveram desavindas, mas nas últimas décadas os contactos entre ambas eram esporádicos.
14. Desde que a Beneficiária ingressou no Lar da Santa Casa da Misericórdia em (…), localidade onde a Requerente (…) também reside, esta visita-a pontualmente.
15. A Beneficiária mantém uma relação de grande proximidade com a família do falecido marido, (…).
16. … (doravante …) e … (doravante …) são ambos sobrinhos de (…).
17. (…) nasceu em 20.11.1971, é diretor comercial e reside em Cascais.
18. (…) nasceu em 14.05.1974, é casado, tem cinco filhos, trabalha como gestor de comunicação numa empresa de arquitetura e reside em Lisboa.
19. A Beneficiária nutre especial afeição por (…), que, na adolescência, viveu com a Beneficiária e (…).
20. Tem sido (…) quem tem tratado dos assuntos da Beneficiária, incluindo o pagamento da respetiva mensalidade junto do Lar.
21. Os membros da família de (…), incluindo (…) e (…), têm uma escala organizada entre si para visitar a Beneficiária no Lar, fazendo-o mais de uma vez por semana.
22. (…), (…) e a Requerente (…) não têm antecedentes criminais registados.
23. Os três declararam-se disponíveis para prestar assistência e cuidados à Beneficiária.
24. Na data em que apresentou o requerimento inicial (01.08.2022), os défices cognitivos e o prejuízo das funções nervosas superiores da Beneficiária impediam-na de compreender o sentido e o alcance desse ato.
25. Por requerimento junto aos autos em 22.12.2022, a Requerente (…) declarou expressamente ratificar o pedido de decretamento do acompanhamento de maior da Beneficiária requerido nos presentes autos, bem como todo o processado, incluindo o aproveitamento de todos os atos já praticados.
26. … (doravante …), nascida em 12.01.1994, filha da Requerente (…), mostra-se disponível para integrar o Conselho de Família.

2. Direito
2.1. Se o despacho que ordenou a apensação de processos não observou a lei
A presente ação especial de acompanhamento de maiores, em que é requerente e beneficiária (…), foi instaurada em 1/8/22 e em 7/10/2022, (…), na qualidade de irmã e única herdeira da beneficiária, instaurou nova ação de acompanhamento com vista à proteção da mesma beneficiária.
A causa de pedir em ambas as ações é idêntica – a impossibilidade da Beneficiária, por razões de saúde, exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos e cumprir os seus deveres; o pedido é o mesmo – visam ambas as ações o decretamento da medida de acompanhamento de (…) e a designação de acompanhante [a que acresce, no procedimento instaurado em último lugar, a medida cautelar de suspensão de efeitos de procurações outorgadas pela Beneficiária desde o ano de 2016]; os sujeitos são os mesmos sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica – na presente ação o acompanhamento foi requerido pela beneficiária e na ação intentada em segundo lugar o acompanhamento foi requerido pela parente sucessível da beneficiária, (…), sua irmã, em substituição da beneficiária e mediante autorização dela a suprir pelo tribunal.
As causas são repetidas [artigo 581.º do CPC]; porém, foi ordenada a sua apensação.
Não porque nelas se hajam identificado os elementos de conexão em vista do artigo 267.º, n.º 1, do CPC – os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção – que permitissem a sua reunião num único processo, os quais foram expressamente afastados pelo despacho da apensação, mas por razões de conveniência, oportunidade e uniformidade de julgados.
A apensação foi ordenada nos seguintes termos:
Veio a Beneficiária requerer a apensação a estes autos da ação de acompanhamento de maior que, com o processo n.º 2783/22.8 T8STR, corre termos neste mesmo Juiz 1 do Juízo Local Cível de Santarém, em que é Requerente … (irmã da Beneficiária) e é Requerida a também aqui Beneficiária.
O Ministério Público já se pronunciou sobre a eventual apensação de tais processos (cfr. referência 92311942).
Compulsado o processo n.º 2783/22.8 T8STR, verifica-se que também a ali Requerente pugna pela apensação destas ações (cfr. referência 9251934 daquele processo).
Ora, pese embora não estejamos perante uma situação de litisconsórcio, coligação, oposição ou reconvenção a que alude o artigo 267.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, certo é que aos presentes autos se aplica o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que tange, designadamente, aos poderes do juiz e ao critério de julgamento. Assim sendo, as decisões deste tribunal hão de reger-se, não por critérios de estrita legalidade, mas de conveniência e oportunidade (cfr. artigos 891.º, n.º 1 e 987.º do Código de Processo Civil).
A outro passo, importa destacar que o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo (cfr. artigo 547.º do Código de Processo Civil.).
In casu, afigura-se em nossa ótica cristalino que a apensação imediata destes processos permitirá obter uma decisão concertada sobre respetivo objeto – como, aliás, as partes o reconhecem. Por conseguinte, reputa -se tal apensação conveniente, oportuna e, além do mais, adequada às especificidades da lide.
Tendo estes autos sido instaurados em primeiro lugar, é a estes que o processo n.º 2783/22.8 T8STR deverá ser apenso (cfr. artigo 267.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Face ao exposto, determino a apensação aos presentes autos do processo n.º 2783/22.8T8STR, que corre termos neste mesmo Juiz 1 do Juízo Local Cível de Santarém”.
Fundamentos, em tese, certos, ao menos parcialmente, mas que não determinam, salvo melhor opinião, a solução encontrada.
Aplica-se aos processos de acompanhamento de maior, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes [artigo 891.º, n.º 1, do CPC].
Nos processos de jurisdição voluntária, o juiz pode “investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes e só admitir as provas que considere necessárias” [artigo 986.º, n.º 2, do CPC], nas providências a tomar “não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna” [artigo 987.º do CPC] e tem a faculdade de alterar as resoluções com fundamento em circunstâncias supervenientes, sem prejuízo dos efeitos já produzidos [artigo 988.º, n.º 1, do CPC].
Os critérios de oportunidade e conveniência reportam-se às providências a tomar, isto é, ao conteúdo da decisão, à aplicação do direito material ou substantivo; destas – providências a tomar – distingue-se o processado destinado à sua formação, isto é, o direito processual ou adjetivo, o qual se resolve de acordo com critérios de legalidade estrita, sem prejuízo dos poderes oficiosos de investigação dos factos e recolha de provas, especialmente previstos no n.º 2 do artigo 986.º do CPC e, em geral, dos deveres de gestão processual que a lei atribui ao juiz por forma a simplificar e agilizar o processo com vista a uma justa composição do litígio em prazo razoável [artigo 6.º do CPC].
A decisão que ordena a apensação das causas, em abstrato considerada, não conhece do mérito da causa – não toma nenhuma providência – reconhece, outrossim, que as causas, correndo em separado, devem ser julgadas em conjunto, por ocorrer entre elas determinadas conexões processuais – admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção – que justificariam a sua reunião num só processo.
Assim, o critério de julgamento – oportunidade e conveniência – dos processos de jurisdição voluntária não tem aplicação na decisão que ordena a apensação de causas, decisão de natureza processual a dirimir de acordo com a disciplina do artigo 267.º do CPC.
Ao invés do decidido, a apensação de causas, ainda que sujeitas ao regime dos processos de jurisdição voluntária, não se rege por critérios de conveniência e oportunidade, mas por princípios de legalidade.
Prosseguindo, o despacho que ordenou a apensação fundou-se, ainda, na cláusula geral da adequação formal; considerou: “(…) importa destacar que o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo (cfr. artigo 547.º do Código de Processo Civil). In casu, afigura-se em nossa ótica cristalino que a apensação imediata destes processos permitirá obter uma decisão concertada sobre respetivo objeto – como, aliás, as partes o reconhecem. Por conseguinte, reputa -se tal apensação (…) adequada às especificidades da lide.
Entre os poderes de gestão processual a lei faculta ao juiz “adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo” [artigo 547.º do CPC].
“Quer isto dizer que o juiz não está sujeito, na concretização do artigo 547.º, a qualquer tramitação preestabelecida, podendo construir a tramitação que entenda que, perante os dados factuais e os ditames de um processo equitativo, melhor se adapte à ação em concreto”.[1]
Há, porém, exigências a observar.
Desde logo as destinadas a assegurar um processo equitativo: a observância do princípio do contraditório, da igualdade das partes, da licitude da prova, da imparcialidade do juiz, da motivação das decisões e da publicidade das audiências.[2] A adequação formal não releva se conseguida com violação de direitos processuais das partes.
E, depois, exigências de fundamentação (artigos 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 154.º do CPC).
Consagrando a lei o princípio da legalidade das formas processuais (artigo 546.º do CPC) é de acordo com elas que, em primeira linha, o tribunal resolve o conflito de interesses que a ação pressupõe, isto é, presume-se que o procedimento regulado na lei é aquele que melhor assegura a tutela dos direitos e interesses fundados nas normas substantivas.
Solução diferente carece de fundamentação; considerando o juiz que as especificidades do caso concreto justificam tramitação processual distinta daquela que a lei prevê, impõe-se que o signifique de forma fundamentada.
O despacho que substitui a tramitação legal por outra tida por mais adequada às especificidades da causa ou, num âmbito mais restrito, que adapta o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, há-de demonstrar a ineficiência e/ou ineficácia da forma processual predisposta segundo o princípio da legalidade e explicar a razão pela qual os contornos do caso concreto justificam a simplificação da sequência tipificada ou a inclusão nela de atos não previstos. Não basta, pois, que o juiz invoque a fattispecie normativa e remodele (simplifique ou complexifique) a tramitação, é necessário que expresse as virtudes da alteração face às especificidades da causa que, em concreto, é chamado a dirimir.
No caso, a decisão recorrida invoca a cláusula da adequação formal para ordenar a apensação de causas repetidas argumentando: “afigura-se em nossa ótica cristalino que a apensação imediata destes processos permitirá obter uma decisão concertada sobre respetivo objeto – como, aliás, as partes o reconhecem”.
Ainda que tal motivação não possa haver-se por errada – se julgadas em conjunto causas repetidas é previsível que ambas venham a encontrar a mesma solução – não pode deixar de considerar-se que ela não constitui uma contingência específica dos contornos do caso concreto, pelo contrário, é identificável em todas as causas que se repetem.
Apesar disto, o legislador consagrou solução diferente para obter o resultado em vista do despacho recorrido.
Ocorrendo identidade de ações, estando a anterior ainda em curso, o juiz deve abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância na ação proposta em segundo lugar (artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea i) e 580.º a 582.º do CPC).
Solução legal que obsta ao desencontro de julgados.
O fim visado pelo despacho recorrido – decisão concertada sobre o objeto de ambas as causas – alcança-se com a estrita aplicação da lei; minguam razões para adequar a forma do procedimento.
Doutro lado, o despacho recorrido não adotou qualquer tramitação processual adequada às especificidades da causa – não criou uma tramitação diferente da prevista nos artigos 891.º a 904.º do CPC, nem adaptou o conteúdo e a forma dos atos processuais previstos em tal procedimento – decidiu julgar em conjunto ações idênticas com o propósito de assegurar a uniformidade de julgados.
Apesar de invocar a cláusula da adequação formal o despacho recorrido não dá mostra de a haver aplicado no caso concreto.
Assim, os fundamentos de direito invocadas pelo despacho recorrido não justificam a apensação das causas e ordenada esta fora dos casos em que a lei a admite – o despacho recorrido também o afirma – não se pode, a nosso ver, manter.
O recurso procede quanto a esta questão, restando revogar a decisão que ordenou a apensação aos presentes autos do processo n.º 2783/22.8T8STR, Juiz 1 do Juízo Local Cível de Santarém.

2.2. Se a incapacidade judiciária da Requerente não se mostra suprida e seus efeitos na causa
A decisão recorrida depois de reconhecer que a Beneficiária não tem capacidade para estar por si em juízo, nem o tinha à data da interposição da ação, julgou suprida a incapacidade por efeito da ratificação dos atos praticados pela incapaz de facto; considerou: (…) em 22.12.2022, … (irmã da Beneficiária, mas também sua sucessora, já que esta não tem cônjuge, ascendentes, nem descendentes – cfr. artigo 2133.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil) veio espontaneamente aos presentes autos principais declarar de forma expressa que aceitava ratificar o pedido de decretamento do acompanhamento de maior da Beneficiária requerido nos presentes autos, bem como todo o processado, incluindo o aproveitamento de todos os atos já praticados. Conforme resulta do acima explicitado, tanto é quanto basta para se reputar suprida a falta de capacidade judiciária da Beneficiária.”
Solução diferente encontra o Ministério Público, para quem (…), enquanto sucessora da Beneficiária e mediante autorização desta, tem legitimidade para propor a ação de acompanhamento de maior, mas não é representante da Beneficiária, razão da ineficácia da sobredita ratificação do processado, o qual deverá terminar, considera, com a absolvição da instância enquanto efeito da não sanada – ou sanável – incapacidade de exercício da Beneficiária.
Partindo do pressuposto, inquestionado, que a Beneficiária requerente se mostra incapacitada de facto – e já se mostrava à data da propositura da ação – de estar, por si, em juízo, coloca-se a questão de saber se a incapacidade se mostra sanada ou se é sanável.
Sanável será.
A lei prevê o suprimento da incapacidade judiciária mediante a intervenção ou a citação do representante legítimo do incapaz: “A incapacidade judiciária e a irregularidade de representação são sanadas mediante a intervenção ou a citação do representante legítimo do incapaz [artigo 27.º, n.º 1, do CPC].
Ademais, atribui ao juiz o poder/dever de oficiosamente promover o suprimento da incapacidade [artigo 28.º, n.º 1 e, mais genericamente, artigos 6.º, n.º 2 e 590.º, n.º 2, alínea a), do CPC].
A incapacidade judiciária constitui uma exceção dilatória suprível, designadamente, por iniciativa do juiz e só determinará a absolvição do réu da instância [artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea c), do CPC], v.g. nos casos de falta de colaboração das partes na prática de atos que por elas devam ser praticados com vista ao suprimento.
A incapacidade judiciária é suprível.
Suprível mediante a intervenção do representante do incapaz e não tendo este representante geral, mediante a nomeação de curador provisório, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer parente sucessível, quando o incapaz haja de ser autor, sem prejuízo da imediata designação de um curador provisório pelo juiz da causa, em caso de urgência (artigos 16.º, n.º 1 e 17.º, n.º 1 e 4, do CPC).
Sanada a incapacidade judiciária com a intervenção do curador e ratificando estes os atos anteriormente praticados, o processo segue como se o vício não existisse; no caso contrário e sendo o incapaz o autor, o processo é anulado desde o seu início (artigo 27.º, nºs 2 e 4, do CPC).
No caso, atenta a natureza urgente do processo (artigo 891.º, n.º 1, do CPC), verificada a incapacidade de facto da Beneficiária requerente, incumbia ao juiz suprir a incapacidade com a designação de curador provisório para assegurar a sua representação.
O que se afirma foi ponderado pela decisão recorrida; consignou (ressalvados aspetos de pontuação): “Quer dizer, pois, que a falta de capacidade judiciária não pode redundar, simplesmente e sem mais, na absolvição da instância. Antes, por se tratar de vício processual sanável, o juiz tem o poder-dever de diligenciar pelo suprimento de tal irregularidade. Nesta senda, conforme tem vindo a ser perfilhado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, sempre que na pendência da ação o julgador se aperceba da incapacidade de facto do autor e sendo o processo urgente, deverá nomear-lhe curador provisório com vista a sanar a falta de capacidade judiciária (cfr., nesse sentido e meramente a título de exemplo, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 22.03.2007, processo n.º 192/07-02, relator Espinheira Baltar; acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 27.10.2016, processo n.º 803/14.9T8TMR.E1, relator Batista Coelho, ambos in www.dsgi.pt). Em idêntico sentido e a propósito do caso específico do processo especial de acompanhamento de maior, sustenta Miguel Teixeira de Sousa (in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Regime_Maior_Acompanhado.pdf) «se a ação for proposta pelo beneficiário e se se concluir que este se encontra numa situação de incapacidade acidental, cabe ao juiz a designação de um curador provisório que vai representar em juízo esse beneficiário (artigo 17.º, n.º 1). A urgência que é exigida por este preceito está demonstrada pela própria situação de incapacidade em que se encontra o requerente e, portanto, pela necessidade de decretar uma medida de acompanhamento».
Apesar de assim ponderar, a decisão recorrida afastou-se deste trilho para considerar sanada a incapacidade judiciária da Beneficiária com a declaração de “ratificação” do processado por (…), irmã da primeira e sua sucessora, assente na consideração que “a falta de capacidade judiciária do beneficiário para intentar a seu favor tal ação pode ser igualmente suprida com a intervenção nos autos do Ministério Público ou de alguma das pessoas a que alude o artigo 141.º, n.º 1, do Código Civil, interveniente esse que, por sua vez, pode ratificar o processado (assim se aproveitando os atos processuais já praticados e se evitando a necessidade de interpor nova ação pela mesma pessoa e para os mesmíssimos efeitos).
É certo que, o acompanhamento pode ser requerido pelo beneficiário e mediante autorização dele, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, pelo Ministério Público (artigo 141.º, n.º 1, do CPC) e, assim, (…), irmã da Beneficiária e sua sucessora, munida daquela autorização, podia validamente requerer o acompanhamento.
Mas esta regra reporta-se à legitimidade para propor a ação, como resulta aliás da epígrafe da norma e não à representação do beneficiário, ou seja, mediante autorização do beneficiário, a lei confere legitimidade v.g. aos seus parentes sucessíveis, para propor a ação de acompanhamento, mas não lhes confere poderes de representação do beneficiário.
Poderes de representação do beneficiário terá o acompanhante nos termos a definir pela decisão de acompanhamento (artigo 900.º, n.º 1, do CPC) de acordo com o âmbito e conteúdo do acompanhamento previsto no artigo 145.º do Código Civil.
Como decorre, da lição de Miguel Teixeira de Sousa, aliás, referida pela decisão recorrida: “A hipótese em que o acompanhamento é requerido pelo cônjuge ou unido de facto ou por um parente sucessível do beneficiário merece alguma atenção. Antes do mais, importa ter presente que a autorização concedida pelo beneficiário ao cônjuge, ao unido de facto ou ao parente sucessível nada tem a ver com uma autorização para o representar na ação. O cônjuge, o unido de facto e o parente sucessível não vão atuar como representantes, mas antes como partes, isto é, como requerentes do processo de acompanhamento de maiores. A situação não é, assim de representação, mas de substituição processual voluntária: o beneficiário é a parte substituída e o cônjuge, o unido de facto ou o parente sucessível a parte substituta.”[3]
(…) não representa a Beneficiária e, assim, a incapacidade judiciária não se mostra suprida.
Assim julgamos que é de fazer intervir um curador provisório para representar em juízo a Beneficiária, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do CPC, prosseguindo os autos de acordo com o que resultar da intervenção do curador (artigo 27.º, nºs 2 e 4, do CPC).
Com este alcance, procede o recurso, restando revogar a decisão recorrida.
Solução que prejudica o conhecimento da remanescente questão colocada no recurso – a impugnação da decisão de facto – uma vez que não se altera em função deste conhecimento.

3. Custas
O processo mostra-se isento de custas (artigo 4.º, n.º 2, alínea h), do Regulamento das Custas Judiciais).

Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na procedência parcial do recurso:
a) em revogar a decisão que ordenou a apensação aos presentes autos do processo n.º 2783/22.8T8STR, Juiz 1 do Juízo Local Cível de Santarém;
b) em revogar a decisão que decretou o acompanhamento, a qual deverá ser substituída por outra no sentido de vir a ser designado um curador provisório à Beneficiária, nos termos expostos.
Sem custas.
Évora, 23/11/2023
Francisco Matos
José Manuel Tomé de Carvalho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
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[1] Luís Correia de Mendonça, A Adequação Formal: O Fim de um Princípio, https://portal.oa.pt/media/133310/luis-correia-de-mendonca.pdf
[2] Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 3.ª ed., pág. 123.
[3] O Regime do Acompanhamento de Maiores: Alguns Aspectos Processuais, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Regime_Maior_Acompanhado.pdf