Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
950/10.6PCSTB.E2
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: DADOS DE TRÁFEGO
ACÓRDÃO Nº 268/2022 DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Data do Acordão: 09/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Conforme resulta da fundamentação de facto constante no acórdão recorrido, as ativações das antenas celulares foram essenciais para se chegar à conclusão da intervenção do recorrente nos factos em causa, pois que as mesmas forneceram “o rasto” do telemóvel que se concluiu ser do recorrente (pelas razões que constam nessa fundamentação).
Por virtude da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral decidida pelo Acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional, não podem agora tais dados de tráfego ser tidos em conta. É como se não existissem.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

No âmbito do presente processo foi o arguido AA, e outros, pronunciado pela prática de :

- um crime de Rapto Qualificado p. e p. pelo art. 161º, n.° 1 alíneas a) e c), n.° 2 alínea a) ex vi do disposto no art. 158º n.° 1 e 2 alínea b), todos do Código Penal;

- um crime de Roubo Qualificado (de que foi vítima BB) p. e p. pelos art.s 210º n.°s 1 e 2 alínea b) ex vi do disposto no art. 204º n.° 2 alíneas f) e g), todos do Código Penal;

- um crime tentado de Extorsão, p. e p. pelos artigos 22° 23° e 223°, n°s 1 e 3-a), com referência ao artigo 204°, n° 2-g), todos do Código Penal, todos do Código Penal.

- um crime de Dano (de que foi vítima BB) p. e p. pelo art. 212º do Código Penal;

- um crime de Detenção de Armas e Munições Proibidas p. e p. pelo art. 86° n°1 al. c) e d), com referencia aos art. 2° n° 1 al p) e m)e n° 2 ai 1) e art. 3° n°2 al. f) e art. 5 n° 1, todos da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro;

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Realizado o julgamento, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo (na parte que interessa):

“Nestes termos, e por todas as sobreditas razões, acordam os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial da Comarca de …:

Absolver o arguido AA da prática, como coautor, em concurso real (quanto aos factos de processo nº 950/10.6 PCSTB) de:

um crime de Rapto Qualificado p. e p. pelo art. 161, n.° 1 alíneas a) e c), n.° 2 alínea a) ex vi do disposto no art. 158 n.° 1 e 2 alínea b), todos do Código Penal;

um crime de Roubo Qualificado p. e p. pelos art.s 210 n.°s 1 e 2 alínea b) ex vi do disposto no art. 204 n.° 2 alíneas f) e g), todos do Código Penal;

um crime tentado de Extorsão, p. e p. pelos artigos 22° 23° e 223°, n°s 1 e 3-a), com referência ao artigo 204°, n° 2-g), todos do Código Penal, todos do Código Penal.

um crime de Dano p. e p. pelo art. 212, todos do Código Penal;

um crime de Detenção de Armas e Munições Proibidas p. e p. pelo art. 86° n°1 al. c) e d), com referencia aos art. 2° n° 1 al p) e m)e n° 2 ai 1) e art. 3° n°2 al. f) e art. 5 n° 1, todos da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro;

Condenar o arguido AA pela prática de um crime de rapto p. e p. pelo art. 161º, nº 1, als a) e c) do Cód. Penal na pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.

Condenar o arguido AA pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

*

Em cúmulo jurídico, nos termos do art. 77º do Cód. Penal, decidem condenar o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão.”

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Inconformado, o arguido recorreu, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1.º

O arguido desconhece totalmente em que base e quais os depoimentos de quais testemunhas, e outras provas nas quais a convicção do Tribunal a quo terá assentado, até porque o próprio tribunal reconhece que não foi produzida prova nenhuma na audiência de discussão e julgamento do crime que os arguidos vinham acusados.

2.º

Uma vez que, no acórdão o Tribunal “a quo” não especifica como é sua obrigação, não faz nenhuma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e para condenar o arguido, conforme exige o artigo 374.º n.º2 do CPP.

3.º

Consequentemente, a ausência de fundamentação do acórdão impossibilita a defesa do arguido em sede de recurso, uma vez que o arguido desconhece totalmente quais as provas documentais ou testemunhal que serviram para condenar o arguido.

4.º

Os presentes autos baseiam se em escutas telefónicas, sms alegadamente trocadas entre os arguidos, terceiros bem como a localização celular do arguido AA, ou seja, em meios de obtenção de prova, que por si só não valem como prova.

5.º

Ora, para os meios de prova valerem como prova, será necessário serem complementados com outro tipo de prova como por exemplo prova testemunha ou documental, que nos presentes autos no existe, nem sequer foi produzido qualquer tipo de prova nesse sentido

6.º

Inclusivamente, as testemunhas não confirmaram minimamente a prática pelo arguido AA do crimes de rapto, roubo qualificado entre outros, até porque apenas foi encontrado um telemóvel que a polícia referiu que era do arguido AA mas pertencia ao seu irmão CC, sendo utilizado por este.

7.º

Ora, o acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional, proíbe expressamente como é o caso dos presentes autos, toda a prova baseada em escutas telefónicas e localização celular, bem como todas as trasncrições efectuadas.

8.º

Consequentemente, os meios de prova que o Tribunal entendeu erroneamente como prova são totalmente nulos e inconstitucionais.

9.º

O recorrente vivia na altura dos factos no Luxemburgo, não conhece ninguém à excepção do seu irmão CC.

10.º

Ora, não existindo mais nenhuma prova sem ser envetuais , sms escutas telefónicas e localização celular do telemóvel, não existe prova nem meio de prova que permita condenar o arguido, em caso de dúvidas o arguido terá de ser absolvido por força do princípio “ in dubio pro reo”.

11.º

Pelo exposto, ao abrigo do princípio de in dubio pro reo, existindo dúvidas se o arguido praticou ou não o ilícito criminal em causa, o arguido teria que ser absolvido e jamais condenado.

12.º

Consequentemente, sendo o arguido condenado por violação do princípio in dubio pro reo, a referida decisão é inconstitucional por força da violação do artigo 32.º n.º 2 da CRP e violação do artigo 127.º do CPP, referente à prova produzida.

13.º

Só por mero erro na acusação que nem sequer foi confirmado na audiência de discussão e julgamento é que foi deduzida a acusação e foi provada a acusação e consequentemente o arguido foi condenado, pelo facto de ter sido apanhado um telemóvel que alegadamente pertence ao arguido e o acórdão do Tribunal Constitucional dos metadados, proíbe que seja utilizado sms, escutas telefonicas e localizações celulares como é o caso, não permite que seja utilizado como prova ou meio de obtenção de prova contra o arguido AA.

14.º

Consequentemente, se requerer que face a total ausência de prova e meios de obtenção de prova por causa do acórdão do Tribunal Constitucional referente aos metadados, seja revogada a decisão de condenar o arguido e seja proferida outra que absolva o arguido.

15.º

O recorrente foi condenado em autoria material e na forma consumada, foi condenado pela prática, na pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. * Em cúmulo jurídico, nos termos do art. 77º do Cód. Penal, decidem condenar o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

16.º

O recorrente foi condenado pela prática dos crimes referidos no artigo anterior, mas atenta a matéria de facto apurada na sua globalidade, esta aponta eventualmente para uma situação de alguma diminuição da ilicitude, atento o circunstancialismo da prática dos factos, a idade do arguido, o facto de ter passado muito tempo desde a altura dos factos até a actualidade, estar a morar no …, tem emprego estável e fixo, mulher e filhos que dependem do arguido, sendo que o arguido se socorre do recurso para a instância superior na busca que a pena de prisão seja reduzida até pelo menos 5 anos e a mesma seja suspensa na execução, tendo em conta o percurso fantástico que o arguido estava a fazer na sua vida, foi para o … está a trabalhar há muitos anos, tem filhos menores a seu cargo, esposa tem a vida estavél e por força dessa circunstância recentemente foi alterada a medida de coacção aplicada ao arguido.

17.º

No que à medida da pena respeita, refere o artigo 40.º do Código Penal no seu n.º1 que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

18.º

Consequentemente, importa não esquecer, a idade do arguido, o facto de estar socialmente, econimicamente e familiarmente inserido, estar fora do país a trabalhar, se tivesse de entrar no estabelecimento prisional para cumprir pena, tal situação seria contra prudecente contra o arguido, a última audição do arguido para alterar as medidas de coacção do arguido, que salienta as competências profissionais do arguido e os seus hábitos de trabalho, a sua inserção social e familiar com estabilidade que a apoiam, a sua presença familiar, neste momento se tivesse que entrar para cumprir a pena seria um retrocesso ao arguido na evolução do mesmo.

19.º

Ora, daí que a pena de prisão sofrida para o comportamento global do arguido apareça em alguma medida desproporcionada e desconforme com a jurisprudência, tendo em consideração que a recorrente não tem antecedentes criminais pela natureza pelos quais foi condenado e os mesmos prevêem a condenação em substituição de pena de prisão por pena de multa, dada a baixa ilicitude do alegado crime praticado pelo arguido.

20.º

Consequentemente, ao contrário do alegado pelo tribunal “ a quo”, não existe qualquer tipo de reincidência, uma vez que o recorrente nunca foi condenado por nenhum crime, não percebe o facto de não ter sido dado uma oportunidade a si, quando o mesmo desconhecia o processo e está a fazer um percurso pessoal e profissional no Luxemburgo excelente estando o mesmo integrado socialmente, familiarmente e no mercado de trabalho do Luxemburgo.

21.º

Porém, fixar-se um juízo de censura jurídico – legal haverá que ser ponderado o futuro do agente numa perspectiva de contribuição para a sua recuperação como indivíduo dentro dos cânones da sociedade.

22.º

No entanto, ao invés o cumprimento de uma pena de prisão, longe de ajudar a reinserção do agente estará a atirá-lo irremediavelmente para a marginalidade – com o que a sociedade só virá a perder, e bem como os seus filhos correm o risco de por arrasto irem para a marginalidade, o arguido não conseguirá trabalhar e contribuir para ter direito a uma reforma pelo trabalho e fruto dos descontos para a segurança social no ….

23.º

O recorrente considera ainda que o tribunal a quo andou mal na escolha e determinação da pena que efectuou.

24.º

Atento os factos supra expostos, o recorrente considera que lhe devia ter sido aplicado uma pena de prisão entre 1 a 5 anos devido artigo 25.º do Dec- Lei, próxima do limite mínimo legalmente considerado, mas suspensa na sua execução, tendo em conta todos os seus indicadores positivos a nível de relatório social, que demonstram a boa inserção social, familiar e laboral.

25.º

Pelo exposto, se requerer a alteração de medida da pena aplicada para a pena de prisão ser suspensa na sua execução, e diminuição substancial do número de anos que o recorrente foi condenado, estando desta forma alcançadas as finalidades da pena ao caso em apreço, bem como a prevenção geral e especial aqui exigidos.

26.º

Ora, com a prolação da sentença foram violados Com a prolação da sentença foram violados os artigo 374.º n.º1 alínea d) e do artigo 374.º n.º2 ambos do CPP, artigo 379.º n.º1 alínea c) do CPP; entre outros o n.º 6 do Art. 328° do C.P.P; alínea d) do nº 2 do art.120° do C.P.P.; Art.122°, n.º1 do CPP.; o artigo 379.º n.º1 alínea a) do CPP; artigos 40.º número 2 e 71.º número 2 do Código Penal, artigo 412.º número 2 alíneas a) e b) do Código Processo Penal;. 184º, n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho; p. e p. pelo art. 183º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho pelo art. 186º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho; artigo 21 Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e artigo 25.º Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro , entre outros artigos do Código de Processo Penal ou Código Penal, CRP e outra legislação.

Termos em que, invocando-se o douto suprimento do Venerando Tribunal, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência; serem julgadas procedentes as nulidades invocadas, o arguido ser absolvido da prática dos crimes sobre o quais foi acusado, e condenado pelo artigo 21.º Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por não existirem provas nem meios de prova contra o arguido, sendo revogada a pena aplicada ao arguido e o mesmo seja absolvido dos crimes que foi condenado ou caso assim não se entenda pelo facto a pena aplicada ter sido exagerada, desequilibrada e ajustada e ser substituída por uma pena de prisão suspensa na sua execução porque só desta forma se garante as finalidades de uma pena que são a reinserção social do arguido.

Porém, V. Exas. decidirão como for de Justiça!”

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O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo terminado a resposta com as seguintes conclusões:

“1.

No caso vertente e a título de questão prévia, à exceção dos artigos 374º nº 2, 379º nº1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal e dos artigos 40º nº2 e 71º nº2 do Código Penal, cremos não ter sido dado, pelo arguido, cabal cumprimento ao disposto no artigo 412º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal.

2.

Revertendo para o douto acórdão sob recurso e percorrendo a fundamentação da convicção alcançada, não lográmos perceber nem a fundamentação fáctica, nem o percurso lógico efectuado, subjacente à decisão de condenação do ora Recorrente, em ordem a possibilitar a formulação de um juízo de concordância ou de divergência com o mesmo, não sendo possível acompanhar e entender as razões da convicção do julgador - assente quase exclusivamente em juízos conclusivos -, que se torna deste modo incompreensível, não tendo o Tribunal demonstrado o modo como alcançou, sem quaisquer dúvidas, a convicção plasmada no texto decisório, quanto à intervenção deste arguido nos factos em apreciação.

3.

Com efeito, não se entende qual o raciocínio efectuado que possibilitou a conclusão de que o telemóvel encontrado no interior da viatura …, estava na posse do arguido AA e era pelo mesmo utilizado nas descritas circunstâncias de tempo e de lugar, assim concluindo pela sua intervenção nos factos em apreciação. A localização celular, o sms recebido, a utilização da alcunha DD, parecem-nos claramente insuficientes e genéricos, de conteúdo equívoco, não tendo sido recolhidos, quanto a AA, quaisquer vestígios de ADN, ou produzido qualquer outro tipo de prova – testemunhal, por reconhecimento, documental, declarações dos demais arguidos.

Acresce que o acórdão proferido é totalmente omisso quanto às condições pessoais do ora Recorrente, que não esteve presente na audiência de julgamento.

4.

Pelo que, nesse ponto, deverá o recurso proceder, por considerarmos verificada a nulidade prevista pelas disposições conjugadas dos artigos 379º, nº 1, alínea a) e 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.

5.

O despacho judicial de fls. 304 que autorizou o acesso à listagem digital contendo os números e os cartões de IMEI que activaram as células BTS referidas a fls. 289 e às listagens digitais contendo as identificações das chamadas e mensagens recebidas e efectuadas no período de 01/08/201 a 15/09/2010 referentes aos seis números de telefone móvel indicados a fls. 290 (entre eles, o …), foi proferido ao abrigo do disposto no artigo 189º, nº 2, do Código de Processo Penal, com o fundamento de que os crimes em investigação se compreendiam no âmbito da previsão da alínea a) do artigo 187º, do aludido compêndio normativo, já que se investigava a prática de factos susceptíveis de integrar, em abstracto o crime de rapto, p.p. pelo artigo 161º, nº 1, do Código Penal.

Também o despacho judicial de fls. 340 a 343 autorizou, ao abrigo do artigo 171º, nº 1, do Código de Processo Penal, o acesso para fins exclusivamente de recolha de prova, por parte do OPC, às agendas telefónicas dos telemóveis e SIM’s referidos a fls. 333, ponto 2; e ao abrigo dos artigos 187º, nº 1, al. a), 188º, 189º, nºs 1 e 2, 190º e 269º, nº 1, al. e), do aludido diploma legal, o acesso aos registos relativos ao conteúdo das mensagens enviadas e recebidas, às agendas telefónicas e aos registos de chamadas e mensagens recebidas e enviadas dos telemóveis e SIM’s referidos a fls. 333, ponto 2, devendo as operadoras fornecer, se necessário, os respectivos códigos PIN e PUK (nele se incluindo o telemóvel com o número mencionado, que apresentava o cartão SIM nº … (conforme cota de fls. 150), sendo que na cota de fls. 359, se rectificou o nº para …).

6.

Tais normas não foram declaradas inconstitucionais, pelo Acórdão nº 268/2022, do Tribunal Constitucional, pelo que os elementos obtidos são válidos como meio de prova, já que o regime dos artigos 187º a 190º do Código de Processo Penal mantém a sua aplicação, quando verificados os requisitos previstos no nº 1 do artigo 187º e relativamente aos crimes aí previstos.

Sempre se dirá, contudo, que a análise efectuada, a fls. 375, referente ao telemóvel em causa, não oferece qualquer contributo que permita concluir pela intervenção do arguido AA nos factos em apreciação.

E inexistindo qualquer outra prova, impunha-se a absolvição do arguido AA, por força do princípio in dubio pro reo.

7.

Sem prescindir, sempre se dirá que também se nos afiguram algo excessivas as penas parcelares cominadas ao arguido e naturalmente, a pena única com que foi sancionado, até pela quase ausência de fundamentação, devendo neste segmento deverá o recurso proceder, atentos os fundamentos invocados, considerando também o escasso relevo dos seus antecedentes criminais.

Pelo exposto, deve conceder-se parcial provimento ao recurso interposto nos termos referidos, como acto de inteira e sã JUSTIÇA.”

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Neste tribunal da relação, a Exmª P.G.A. emitiu parecer de concordância com a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância.

Cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., não foi apresentada resposta.

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APRECIAÇÃO

Questões suscitadas no recurso:

- falta de fundamentação do acórdão recorrido;

- consequências do acórdão do T.C. nº 268/2022;

- violação do princípio “in dúbio pro reo”/decisão inconstitucional/violação do artº 127º do C.P.P;

- medida da pena/suspensão da execução da pena.

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No que agora interessa, foram considerados provados os seguintes factos (realçando-se agora o nome do recorrente):

“23 - No dia 18 de Agosto de 2010, após as 01:00 horas, o ofendido BB estacionou a viatura na qual se encontrava a circular (… de matrícula …) junto ao n.°…, da Praceta …, em ….

24 - Os arguidos CC, EE, AA e FF encontravam-se nessa ocasião na viatura de marca … de matricula …, pertencente a GG

25 - Quando o ofendido ainda se encontrava dentro da viatura, alguns dos arguidos que se encontravam no interior da viatura, marca … de matricula …, envergando gorros de tipo passa montanhas, capuzes e luvas, dirigiram-se na direção do mesmo.

26 - De imediato um dos arguidos que empunhava uma arma, de características não concretamente determinadas, fazendo uso da coronha, quebrou o vidro da porta do lado do condutor e, através da abertura assim criada, puxaram o BB para fora da viatura.

27 - Apesar da ausência de qualquer resistência por parte do BB, tais indivíduos , atingiram-no com a coronha da arma na cabeça, deram-lhe socos e pontapés.

28 - Os arguidos, forçaram de seguida o BB a entrar para dentro da bagageira da viatura …, e de imediato a movimentaram, iniciando a sua marcha em direção ao Bairro …, em ….

29 - No interior dessa mesma viatura os arguidos atingiram-no com vários socos na face, cabeça e tronco, procurando sufocá-lo.

30 - Durante esse mesmo transporte, os arguidos, exigiram-lhe que contactasse telefonicamente com os seus familiares, com vista à obtenção da entrega, por parte destes, de um montante em numerário ou produto estupefaciente como condição para a sua libertação.

31 - No decurso desse mesmo trajeto os arguidos, retiraram-lhe, fazendo suas as chaves da sua residência e um telemóvel de marca …, no qual operava o cartão telefónico da … n° …, de valor não concretamente determinado

32 - Chegados a uma zona de mato junto ao Bairro …, em …, tal grupo de indivíduos forçou o ofendido a sair da viatura, continuando a atingir com as mãos e pés o corpo daquele e bateram-lhe com a cabeça na chapa da viatura

33 – Em determinado momento, aperceberam-se da aproximação ao local de uma viatura da Polícia (PSP), pelo que de imediato colocaram novamente o ofendido no interior da viatura de marca … supra identificada e arrancaram com a mesma, assim fugindo do local a alta velocidade, perseguidos pela viatura policial.

34 - Até que, cerca das 01h45 junto à rua do …, no Bairro …, em …, devido à perseguição policial a que se encontravam a ser sujeitos, o arguido CC, assim como os restantes arguidos supra referidos, acabaram por parar a viatura e saíram a correr da mesma, abandonando no seu interior o ofendido, o qual acabou por ser libertado pela PSP e transportado para as Urgências do Hospital de …, onde veio a receber tratamento.

35 - No interior da “…” foi encontrado o telemóvel “…”, pertencente a AA, no qual tinha inserido o cartão com o número …,

36 - Nas imediações do veículo foi encontrado um telemóvel “…” que já havia sido utilizado pelo arguido FF, no qual tinha inserido o cartão com o número ….

37 - No interior da “…” foram encontradas as chaves da viatura “…”, com a matrícula … a qual era propriedade de HH companheira do arguido CC.

38 - O arguido CC, através telemóvel, da operadora …, com o n° …, contactou, por diversas vezes, a proprietária dessa viatura, a sua tia GG, a qual por sua vez utilizava o número ….

39 – A GG apresentou queixa, por furto da viatura, na esquadra da PSP do …, às 08:15 do dia 18.08.2010.

40 - As agressões corporais infligidas ao ofendido, causaram-lhe, como consequência, um ferimento contuso no couro cabeludo com sete centímetros, bem como vários hematomas na cabeça.

41 - Através de violência, designadamente agressões e ameaças com recurso a uma arma de fogo, os arguidos procuraram intimidar e dominar o ofendido BB e priva-lo da sua liberdade, com a expressa intenção de exigirem um resgate pela sua libertação.

42 - Sabiam que agiam contra a vontade em prejuízo da vítima, visando obter um enriquecimento que sabiam ser ilegítimo, através da obtenção de quantia monetária em troca da liberdade do ofendido

43 - Visaram ainda apoderar-se ilicitamente das chaves e do telemóvel do ofendido, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agiam contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo proprietário.

44 - Não estavam autorizados a deter nem a utilizar qualquer tipo de armas,

45 – Os arguidos só não concretizaram os seus objectivos por circunstâncias fortuitas e independentes das suas vontades, designadamente por terem sido impedidos de levar avante o seu plano criminoso, em virtude de entretanto ter surgido um veículo da PSP que iniciou perseguição aos arguidos, o que foi determinante para a decisão que tomaram em libertar a vítima e fugirem.

46 - Agiram livre voluntária e conscientemente, bem sabendo que as descritas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal.

O arguido AA tem antecedentes criminais, porquanto:

Por sentença proferida no processo nº 221/08.8 … do … Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de …, proferida em 19.11.2008, transitada em julgado em 18.01.2010, por factos reportados a 22.10.2008, foi condenado, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de Janeiro na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 5, 00 €, o que perfaz a quantia de 450, 00 € de multa.”

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Na fundamentação de facto refere-se o seguinte no que ao recorrente diz respeito (com realces e sublinhados nossos):

“II, inspetor da PJ, (…) foi confrontado com os autos de visionamento e tráfego telefónico de fls. 368 a 372, 373 a 375, 3216 a 3217, 3218 e 3219, 3330, 450 a 452 do apenso A, 463 e 553 a 555 do apenso A, os quais confirmou, afirmando que houve contactos telefónicos, antes do rapto, entre os telefones do arguido CC e outros. Disse que no local onde foi encontrado o veículo … foram encontrados, dois telemóveis um no interior do veículo e outro no exterior e que um dos telemóveis era pertencente a uma irmã do arguido FF, tendo sido confrontado com as mensagens emitidas às 22:30, 00:13 e 00:28. Explicitou que existem contactos com o telefone do CC, que estava no interior da carrinha, confirmando que este tinha alcunha de “DD”.

(…) o cartão da JJ estava no telemóvel que foi encontrado junto à carrinha (fls. 75).

“Quanto ao arguido AA, conhecido pela alcunha de DD:

Foi encontrado no interior da viatura … um telemóvel (…) com sms recebida, enviada pela sua irmã KK (conhecida por LL), que o trata por DD;

Este telefone tinha cartão com número telefónico …:

O único número nele gravado era o do MM

Entre as 20h46m e as 23h30m de 17/08/20 ativou antenas celulares em … e …;

Às 00h16m de 18/08/20 10 ativou antena celular em…;

A partir das 00h24m de 18/08/2010 ativou antenas celulares em …;

Entre as 01h00m e as 01h16m de 18/08/2010 contacta os números … e … (utilizados respectivamente pelo arguido CC e pelo arguido FF)

Entre as 01h16m e as 02h10m de 18/08/2010 (período em que o ofendido permaneceu raptado) constata-se a inexistência de quaisquer contactos telefónicos;

Entre as 11h58m de 17/08/2010 e as 01h03m de 18/08/2010 contacta o número … por 14 vezes

Às 02h10m e 14h25m de 18/08/2010 recebeu mensagens "SMS" do número … (utilizado por KK, irmã):

Algumas escutas telefónicas confirmam que é conhecido por DD, aliás o arguido na sua identificação também referiu ser essa a sua alcunha.

Não se suscitam dúvidas de que este telemóvel era do arguido AA, e de que o mesmo foi interveniente na prática dos factos.”

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Quanto à falta de fundamentação do acórdão recorrido:

Dispõe o artº 374º, nº 2, do C.P.P. que:

2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Entende o recorrente que o acórdão recorrido “não especifica como é sua obrigação, não faz nenhuma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e para condenar o arguido, conforme

exige o artigo 374.º n.º2 do CPP. Consequentemente, a ausência de fundamentação do acórdão impossibilita a defesa do arguido em sede de recurso, uma vez que o arguido desconhece totalmente quais as provas documentais ou testemunhal que serviram para condenar o arguido.”

Ora, compulsada a fundamentação de facto, constata-se que nela constam as razões que levaram a que se concluísse pela intervenção do recorrente nos termos que se consideraram provados.

Basta ler a transcrição acima feita. Aí se alude ao seguinte: alcunha do arguido, telemóvel encontrado na viatura; sms aí recebido, activação das antenas celulares.

É da conjugação das referidas circunstâncias que resulta a conclusão que o telemóvel era do recorrente e que o mesmo teve intervenção nos factos.

Percebe-se perfeitamente qual foi o raciocínio do tribunal recorrido, em nada estando impedido o direito de defesa do arguido.

A questão é outra: no entender do recorrente o tribunal recorrido não poderia ter chegado à conclusão a que chegou, mas isso tem que ver com a impugnação da matéria de facto, com discordância quanto à que se considerou provada, e não com falta de fundamentação.

Temos, assim, que concluir que não ocorre nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação.

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Quanto ao acórdão do T.C. 268/2022

Decidiu-se no referido acórdão:

“a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição;

b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.”

Os referidos artºs 4º, 6º e 9º da Lei 32/2008 de 17/7 têm a seguinte redacção:

Artigo 4.º

Categorias de dados a conservar

1 - Os fornecedores de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações devem conservar as seguintes categorias de dados:

a) Dados necessários para encontrar e identificar a fonte de uma comunicação;

b) Dados necessários para encontrar e identificar o destino de uma comunicação;

c) Dados necessários para identificar a data, a hora e a duração de uma comunicação;

d) Dados necessários para identificar o tipo de comunicação;

e) Dados necessários para identificar o equipamento de telecomunicações dos utilizadores, ou o que se considera ser o seu equipamento;

f) Dados necessários para identificar a localização do equipamento de comunicação móvel.

2 - Para os efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, os dados necessários para encontrar e identificar a fonte de uma comunicação são os seguintes:

a) No que diz respeito às comunicações telefónicas nas redes fixa e móvel:

i) O número de telefone de origem;

ii) O nome e endereço do assinante ou do utilizador registado;

b) No que diz respeito ao acesso à Internet, ao correio electrónico através da Internet e às comunicações telefónicas através da Internet:

i) Os códigos de identificação atribuídos ao utilizador;

ii) O código de identificação do utilizador e o número de telefone atribuídos a qualquer comunicação que entre na rede telefónica pública;

iii) O nome e o endereço do assinante ou do utilizador registado, a quem o endereço do protocolo IP, o código de identificação de utilizador ou o número de telefone estavam atribuídos no momento da comunicação.

3 - Para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1, os dados necessários para encontrar e identificar o destino de uma comunicação são os seguintes:

a) No que diz respeito às comunicações telefónicas nas redes fixa e móvel:

i) Os números marcados e, em casos que envolvam serviços suplementares, como o reencaminhamento ou a transferência de chamadas, o número ou números para onde a chamada foi reencaminhada;

ii) O nome e o endereço do assinante, ou do utilizador registado;

b) No que diz respeito ao correio electrónico através da Internet e às comunicações telefónicas através da Internet:

i) O código de identificação do utilizador ou o número de telefone do destinatário pretendido, ou de uma comunicação telefónica através da Internet;

ii) Os nomes e os endereços dos subscritores, ou dos utilizadores registados, e o código de identificação de utilizador do destinatário pretendido da comunicação.

4 - Para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1, os dados necessários para identificar a data, a hora e a duração de uma comunicação são os seguintes:

a) No que diz respeito às comunicações telefónicas nas redes fixa e móvel, a data e a hora do início e do fim da comunicação;

b) No que diz respeito ao acesso à Internet, ao correio electrónico através da Internet e às comunicações telefónicas através da Internet:

i) A data e a hora do início (log in) e do fim (log off) da ligação ao serviço de acesso à Internet com base em determinado fuso horário, juntamente com o endereço do protocolo IP, dinâmico ou estático, atribuído pelo fornecedor do serviço de acesso à Internet a uma comunicação, bem como o código de identificação de utilizador do subscritor ou do utilizador registado;

ii) A data e a hora do início e do fim da ligação ao serviço de correio electrónico através da Internet ou de comunicações através da Internet, com base em determinado fuso horário.

5 - Para os efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1, os dados necessários para identificar o tipo de comunicação são os seguintes:

a) No que diz respeito às comunicações telefónicas nas redes fixa e móvel, o serviço telefónico utilizado;

b) No que diz respeito ao correio electrónico através da Internet e às comunicações telefónicas através da Internet, o serviço de Internet utilizado.

6 - Para os efeitos do disposto na alínea e) do n.º 1, os dados necessários para identificar o equipamento de telecomunicações dos utilizadores, ou o que se considera ser o seu equipamento, são os seguintes:

a) No que diz respeito às comunicações telefónicas na rede fixa, os números de telefone de origem e de destino;

b) No que diz respeito às comunicações telefónicas na rede móvel:

i) Os números de telefone de origem e de destino;

ii) A Identidade Internacional de Assinante Móvel (International Mobile Subscriber Identity, ou IMSI) de quem telefona;

iii) A Identidade Internacional do Equipamento Móvel (International Mobile Equipment Identity, ou IMEI) de quem telefona;

iv) A IMSI do destinatário do telefonema;

v) A IMEI do destinatário do telefonema;

vi) No caso dos serviços pré-pagos de carácter anónimo, a data e a hora da activação inicial do serviço e o identificador da célula a partir da qual o serviço foi activado;

c) No que diz respeito ao acesso à Internet, ao correio electrónico através da Internet e às comunicações telefónicas através da Internet:

i) O número de telefone que solicita o acesso por linha telefónica;

ii) A linha de assinante digital (digital subscriber line, ou DSL), ou qualquer outro identificador terminal do autor da comunicação.

7 - Para os efeitos do disposto na alínea f) do n.º 1, os dados necessários para identificar a localização do equipamento de comunicação móvel são os seguintes:

a) O identificador da célula no início da comunicação;

b) Os dados que identifiquem a situação geográfica das células, tomando como referência os respectivos identificadores de célula durante o período em que se procede à conservação de dados.

Artigo 6.º

Período de conservação

As entidades referidas no n.º 1 do artigo 4.º devem conservar os dados previstos no mesmo artigo pelo período de um ano a contar da data da conclusão da comunicação.

Artigo 9.º

Transmissão dos dados

1 - A transmissão dos dados referentes às categorias previstas no artigo 4.º só pode ser autorizada, por despacho fundamentado do juiz de instrução, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, detecção e repressão de crimes graves.

2 - A autorização prevista no número anterior só pode ser requerida pelo Ministério Público ou pela autoridade de polícia criminal competente.

3 - Só pode ser autorizada a transmissão de dados relativos:

a) Ao suspeito ou arguido;

b) A pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou

c) A vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.

4 - A decisão judicial de transmitir os dados deve respeitar os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade, designadamente no que se refere à definição das categorias de dados a transmitir e das autoridades competentes com acesso aos dados e à protecção do segredo profissional, nos termos legalmente previstos.

5 - O disposto nos números anteriores não prejudica a obtenção de dados sobre a localização celular necessários para afastar perigo para a vida ou de ofensa à integridade física grave, nos termos do artigo 252.º-A do Código de Processo Penal.

6 - As entidades referidas no n.º 1 do artigo 4.º devem elaborar registos da extracção dos dados transmitidos às autoridades competentes e enviá-los trimestralmente à CNPD.

Como se refere no sumário do recente acórdão deste tribunal da relação de 9/5/2023 (relatora Exmª Desembargadora Fátima Bernardes e disponível em www.dgsi.pt):

I - Conforme vem sendo frisado pela jurisprudência, em matéria de telecomunicações, há que distinguir os dados de base (elementos de suporte técnico e de conexão estranhos à própria comunicação em si mesma, designadamente os relacionados com a identificação dos titulares de um determinado cartão de telemóvel ou de um IP), os dados de tráfego (elementos que se referem já à comunicação, mas não envolvem o seu conteúdo, por exemplo, referentes à localização do utilizador do equipamento móvel, bem assim como do destinatário, data e hora da comunicação, duração da mesma, frequência, etc.) e os dados de conteúdo (elementos que se referem ao próprio conteúdo da comunicação).

II - Apenas os dados de tráfego e localização conservados/armazenados pelos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas ou das redes públicas de comunicações estão abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade das normas dos artigos 4º, 6º e 9º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, decidida no Acórdão do TC n.º 268/2022, de 19 de abril.

III - Já no referente aos dados de base, relacionados com a identificação do titular de um número de telefone ou de um IMEI, no caso de ser um assinante registado, tratando-se de elementos recolhidos aquando da contratação do serviço de telecomunicações e que se mantêm independentemente de qualquer comunicação efetuada, não respeitando à privacidade da vida da pessoa ou à sua esfera íntima, em termos de encontrarem proteção, no contexto dos bens jurídicos protegidos pela Constituição e, nessa medida, não são abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade emanada do aludido Acórdão do TC n.º 268/2022.

O mesmo se refere no sumário do também recente acórdão de 9/5/2023 (relatado pela Exmª Desembargadora Beatriz Marques Borges, igualmente disponível em www.dgsi.pt)

I. O ordenamento processual penal português previa uma trilogia de fontes de prova digital:

a) A dos artigos 187.º a 190.º do CPP, relativa a interceções digitais visando captar e gravar conversações ou comunicações em trânsito, ou seja, a ocorrerem em tempo real entre presentes (obtenção essencialmente de dados de conteúdo).

b) A da Lei do Cibercrime (Lei 109/2009 de 15.9) atinente a pesquisa de dados eletrónicos preservados e conservados em sistemas informáticos constantes de telemóveis, computadores e outros equipamentos informáticos apreendidos.

c) A da Lei dos Metadados (Lei 32/2008 de 17.7), respeitante a dados de tráfego, decorridos no passado, conservados ou armazenados em arquivo pelas operadoras telefónicas.

II. Os metadados, apesar de não abrangerem “dados de conteúdo das comunicações”, incluem “dados de base” e “dados de tráfego” armazenados.

III. Através dos “dados de base” consegue-se identificar o utilizador de certo equipamento (nome, morada, número de telefone).

IV. Já os “dados de tráfego” abarcam dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação de comunicação e os dados gerados pela utilização da rede permitindo identificar em tempo real ou a posteriori (desde que os dados fiquem armazenados), os utilizadores incluindo os destinatários, a sua localização, a frequência da utilização, a data, a hora e a duração das comunicações efetuadas ou tentadas efetuar.

V. O Acórdão do TC 268/2022 de 19.4.22 declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 4.º, em conjugação com o artigo 6.º, e do artigo 9.º da Lei dos Metadados, pois a conservação generalizada e indiferenciada dos “dados de tráfego” e de todos os dados de localização de quaisquer assinantes e utilizadores registados em relação a todos os meios de comunicação eletrónica revelavam a qualquer momento aspetos da vida privada e familiar de todos os cidadãos, independentemente de serem suspeitos, constituindo uma agressão aos seus direitos fundamentais.

Ora, conforme resulta da fundamentação de facto constante no acórdão recorrido, as activações das antenas celulares foram essenciais para se chegar à conclusão da intervenção do recorrente nos factos em causa, pois que as mesmas forneceram “o rasto” do telemóvel que se concluiu ser do recorrente (pelas razões que constam nessa fundamentação).

Por virtude da referida declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, não podem agora tais dados de tráfego ser tidos em conta. É como se não existissem.

Colocava-se agora a possibilidade de determinar a remessa do processo para a 1ª instância para que o acórdão recorrido fosse reformulado no que ao recorrente diz respeito, tendo em conta as acima referidas consequências do acórdão do tribunal constitucional.

Acontece, porém, que como bem refere o Ministério Público na resposta ao recurso (no que foi secundado pela Exmª P.G.A. neste tribunal da relação), a decisão não pode persistir, uma vez que a conclusão a que se chegou quanto à propriedade do telemóvel é inaceitável.

Com efeito, desde logo a própria testemunha II, inspector da P.J., terá declarado que quem tinha a alcunha de “DD” era o arguido CC, irmão do recorrente, desconhecendo-se em que é que o tribunal recorrido se baseou para referir que este (o recorrente) confirmou ter essa alcunha, quando é certo que o mesmo nunca foi ouvido.

Igualmente não foi ouvida a irmã dos arguidos KK (conhecida por LL) que terá enviado um sms para o telemóvel que se concluiu ser do recorrente.

Ora, tudo isto é manifestamente insuficiente para se concluir que o telemóvel em causa era do recorrente e, menos ainda, para se concluir que, ainda que assim fosse, o mesmo teve intervenção nos factos.

É por isso que se torna inútil a remessa do processo para a 1ª instância com vista à reformulação do acórdão recorrido, mais não restando que não seja concluir pela absolvição do recorrente, como, aliás, é pugnado pelo Ministério Público em ambas as instâncias, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das restantes questões.

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso procedente e, em consequência, absolver o arguido AA, da prática dos crimes de rapto e de roubo pelos quais foi condenado no acórdão recorrido.

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Sem tributação

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Évora, 12 de Setembro de 2023

Nuno Garcia

Artur Vargues

António Condesso