Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA ADELAIDE DOMINGOS | ||
Descritores: | SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA NATUREZA JURÍDICA MONTANTE | ||
Data do Acordão: | 07/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I. A sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829.º-A, n.º 1, do Código Civil (sanção pecuniária compulsória judicial), é aplicável a obrigações de prestação de facto infungível negativo ou positivo. II. Tem natureza coercitiva e prefigura-se como uma condenação acessória da condenação principal, não funcionando automaticamente, pois carece de ser pedida pelo credor e judicialmente decretada segundo critérios de razoabilidade/equidade. III. Visa incitar o devedor ao cumprimento do julgado, sob a intimidação do pagamento de uma determinada quantia por cada dia de atraso no cumprimento da prestação ou por cada infração. IV. A eficácia desta modalidade de sanção pecuniária compulsória judicial depende do seu ajustamento à concreta situação e às razões que subjazem ao incumprimento, pelo que deve ser fixada num montante que seja suficientemente dissuasor para que o devedor cumpra a obrigação o mais rapidamente possível e impeça a prática de novos atos no futuro. V. Não determinando a lei desde quando é devida, a solução que o juiz tome sobre esta questão deve ser atendida desde que exista uma conexão lógica entre o decidido e a fixação desse termo inicial, que respeite a natureza da sanção pecuniária compulsória e a sua relação com a obrigação que a justifica e da qual emerge. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO AA instaurou ação declarativa condenatória, sob a de processo comum, contra BB, formulando os seguintes pedidos: «a) O R ser condenado a reparar o veículo de marca Nissan, modelo Navarra, com a matrícula …HX, na Ilha de Santa Maria, Região Autónoma dos Açores; b) Caso assim não se entenda, o R deve ser condenado na redução do valor do contrato no montante de 6.000,00€ (seis mil euros); c) O R ser condenado no pagamento ao A do valor de 9.000,00 € (nove mil euros), sobre o qual devem acrescer juros de mora até efectivo e integral pagamento, a contar da citação, a título de indenização por privação do uso da viatura, bem como ao pagamento de 50,00 € (cinquenta euros) diários por cada dia que o A continue privado do uso da viatura até à sua reparação; d) Deve ser o R condenado no pagamento ao A do valor de 1.000,00 € (mil euros), sobre o qual devem acrescer juros de mora até efectivo e integral pagamento, a contar da citação, a título de indemnização por danos não patrimoniais.» Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que, em 28-04-2021, acordo com o Réu a aquisição do veículo de marca Nissan, modelo Navarra, do ano de 2006, já usado, importado, cujo processo de legalização se encontrava em curso, mediante o preço de €16.990,00, que seria pago através da entrega de €10.000,00 em dinheiro e entrega de um veículo do Autor, de marca Mitsubishi, modelo L200, com a matrícula …-…-IO, a título de retoma, ao qual atribuíram o valor de €6.990,00. Mais acordaram que o veículo Nissan seria entregue na Ilha de Santa Maria, Açores, suportando o Autor as despesas de transporte marítimo e o Réu, por sua vez, as despesas de transporte marítimo do veículo entregue para retoma. O veículo adquirido ao Réu padecia de defeitos, designadamente no chassis, que o Autor comunicou ao Réu. O veículo mantém-se imobilizado, não tendo o Autor circulado com o mesmo. A imobilização da viatura provoca-lhe danos decorrentes da privação do uso do veículo, sentindo-se enganado, o que lhe causa preocupação, ansiedade e angústia. Contestou o Réu por impugnação, negando que o veículo vendido ao Autor apresentasse defeitos. Também alegou que acordaram que o Réu pagaria o transporte do veículo de retoma dos Açores para o Continente e que o Autor prescindiria de reclamar qualquer reparação de que o Nissan necessitasse. Conclui pela improcedência da ação e pela sua absolvição dos pedidos formulados pelo Autor. Em reconvenção, alegou que, após a aquisição do veículo Nissan, o Autor registou em seu nome o direito de propriedade sobre o veículo automóvel Mitsubishi, que na data do negócio entre as partes ainda estava registado em nome de terceiro, pedindo que o Autor seja condenado a enviar-lhe o documento para registar em seu nome o referido veículo. Consequentemente, pediu a condenação do Autor nos seguintes termos: «D. O A. ser condenado a transferir, ou enviar ao R. os documentos necessários à imediata transferência da propriedade do veículo Mitsubishi, com a matrícula …-…-IO, E. Bem como ser condenado no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor de 50€ diários, desde a data da notificação da presente peça, até efetiva transferência da propriedade para o nome do R.» O Autor apresentou resposta à reconvenção, impugnando o ali alegado e concluindo pela improcedência dos pedidos reconvencionais. Foi admitida e realizada perícia colegial ao veículo, cujo relatório foi proferido por unanimidade, encontrando-se junto a fls. 168 a 178, com data de 04 de novembro de 2022, o qual não foi objeto de reclamações. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos: «Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente, por provada, a acção principal e decide-se condenar o R. na seguinte parte dos pedidos apresentado pelo A.: A-) Para proceder à reparação dos defeitos do veículo, de marca Nissan, modelo Navarra, com a matrícula …HX, na Ilha de Santa Maria, Açores, designadamente no chassis. B-) No pagamento ao A.: 1-) Da quantia de 800 euros, a título de indemnização do dano de privação de uso do veículo que o R. vendeu ao A., para a utilização do transporte de mercadorias, por este último sofrido. 2-) Do valor dos juros de mora que se venceram e se vencerem, contados desde da data da citação do R. para a presente acção até integral pagamento, calculados sobre o montante da indemnização descrito no ponto 1), à taxa legal dos juros civis, que será actualmente de 4%, na medida em que é esta que se encontra actualmente em vigor. Por outro lado, decide-se declarar improcedente a restante parte da presente acção principal em relação aos outros pedidos formulados pelo A. nos presentes autos. Consequentemente, decide-se declarar improcedentes e absolver o R. dos outros pedidos formulados pelo A. Condenam-se ainda o A., de um lado, e o R., do outro, no pagamento das custas da presente acção principal em razão do decaimento ( cfr. artigo 527º, do Código de Processo Civil). Fixa-se a proporção da responsabilidade do A. nas custas da acção principal em 50% e a proporção da responsabilidade do R. nessas custas em 50%. Por outro lado, decide-se declarar a reconvenção deduzida nos autos pelo R. e reconvinte, totalmente procedente, por provada. Consequentemente, decide-se condenar o A. e reconvindo: A-) No envio do formulário necessário para proceder ao registo de aquisição do direito de propriedade sobre o veículo de matrícula …-…-IO, a favor do R., devidamente assinado pelo A., no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença. B-) No pagamento do valor diário de 15 euros, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da ordem dada na alínea A) desta parte da sentença, designadamente de enviar o formulário para alteração do registo de propriedade devidamente assinado por si, para além do prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da presente sentença.» Inconformado, o Réu interpôs recurso de apelação apresentando as seguintes CONCLUSÕES[1]: «O recorrente impugna a sentença em termos da matéria de facto e de Direito. A. O recorrente considera que foram incorretamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto provada: …”23-Na data referida em 22), o veículo referido em 17) tinha partes com ferrugem no chassis. 24- No dia 31 de Julho de 2021, o A. contactou telefonicamente o R., transmitindo-lhe que o veículo referido em 17) tinha vários defeitos e que tinha pedido um orçamento com vista à sua reparação. 26- Na sequência, no dia 8-8-2021, o A. enviou ao R. as fotografias cuja cópia se encontra junta a fls. 32, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, e ainda a seguinte mensagem: “Olhe essas placas de ferrugem são do chassis da carrinha, isso está mesmo mau, tem algumas a bater nos 6 milímetros e além de estar partido do lado direito e vários remendos do lado esquerdo, o chassis está mesmo em mau estado”. 33- Após a data referida em 22), o A. utilizou o veículo referido em 17) para se deslocar para o seu local de trabalho sito a cerca de 15 quilómetros de sua casa, para levar os filhos à escola, para outras deslocações da sua vida pessoal. 34- O A. não utilizou o veículo referido em 17) para realizar o transporte de água e de produtos relacionados com a sua atividade comercial de pecuária e agricultura, na medida em que tinha receio que o chassis quebrasse com o peso da carga transportada. “ B. Sendo certo que os meios probatórios que impõe decisão diversa da que foi proferida são: - Os documentos 4, 8 a 13 e 20 juntos à contestação/reconvenção; - Relatório pericial com a referência 91736483; - Declaração de parte do A., - Depoimentos das testemunhas AA, CC, DD e EE. C. Quanto ao Ponto 23 (“Na data referida em 22), o veículo referido em 17) tinha partes com ferrugem no chassis”.), da matéria de facto provada, devia ter sido considerado como não provado, que o veículo tinha partes com ferrugem no chassis em 31/7/2021. D. Os meios probatórios que impunham tal decisão e que não foram considerados pelo Tribunal “a quo” são: 1.- A prova documental junta à contestação/reconvenção de onde resulta provado: D.1.- As características e origem do veículo, mais concretamente dos documentos 8 e 9; D.2.- Que o veículo obteve a certificação da Auto/informa/ACAP para proceder à inspeção, conforme resulta do documento 10; D.3.- Que o veículo obteve o certificado da aprovação em inspeção técnica para matrícula, conforme resulta do documento 11; D.4.- Que o veículo, com a certificação da Auto/informa/ACAP, e inspecionado, obteve a respetiva aprovação, conforme resulta do documento 12; D.5.- Que o veículo obteve a matrícula …HX do IMT, conforme resulta do documento 13; D.6.-Que o veículo obteve as aprovações legais da alfândega, conforme resulta também do documento 13. Tais documentos , legais e oficiais, não foram impugnados, resultando dos mesmos que o veículo obteve as aprovações necessárias e obrigatórias, estando em condições de circular em segurança, pelo que jamais podia, na data, ter a ferrugem no estado descrito. 2.- O relatório pericial com a referência 91736483, na resposta ao quesito E, quanto à questão de saber se os defeitos que impedem o veículo de circular, são anteriores à data do negócio, isto é, 28 de Abril de 2021, refere: “Resposta: O único documento que nos foi facultado, anterior à data do negócio (28/04/2021), foi o relatório de IPO, efetuado a 29/01/2021, e foi realizada na SPYCAR - Inspeções de Veículos SA - em que a viatura apresentava 196.958 Km. Conforme documentado (ANEXO B) não foi registada nenhuma deficiência. Além do referido, não podemos comentar estas circunstâncias, uma vez que não ocorreu peritagem da viatura aquando da chegada à ilha de Santa Maria.” (o sublinhado é nosso) 3.- O depoimento da testemunha CC, cujo depoimento está gravado através do sistema digital integrado no sistema informático em uso no Tribunal, tendo-se iniciado às 16.05h e terminado às 16.13h, conforme consta da ata de 28/02/2023, com o ficheiro áudio n.º 20230228160521, contados entre os minutos 00:00:00.9 a 00:08:10.9, referiu o seguinte referiu o seguinte: (…) Do depoimento de tal testemunha resulta que não recorda a data em que viu a carrinha e que, circulando pelo monte, não possa acontecer o que a mesma apresenta. 4.- O depoimento da testemunha EE, cujo depoimento está gravado através do sistema digital integrado no sistema informático em uso no Tribunal, tendo-se iniciado às 16.23h e terminado às 16.43h, conforme consta da ata de 28/02/2023, com o ficheiro áudio 20230228162302, contados entre os minutos 00:00:01.2 a 00:23:08.6, referiu o seguinte: (…) Portanto, do depoimento desta testemunha, que o Tribunal não considerou resulta provado o processo de legalização do veículo e a impossibilidade de aprovação do mesmo com o defeito “sub judice”. E. Quanto ao ponto 24 (No dia 31 de Julho de 2021, o A. contactou telefonicamente o R., transmitindo-lhe que o veículo referido em 17) tinha vários defeitos e que tinha pedido um orçamento com vista à sua reparação”), devia ser considerado não provado, sendo certo que para lá da total falta de prova, os seguintes depoimentos impunham tal conclusão: E.1.- A testemunha FF, cujo depoimento está gravado através do sistema digital integrado no sistema informático em uso no Tribunal, tendo-se iniciado às 16.15h e terminado às 16.21h, conforme consta da ata de 28/2/2023, com o ficheiro áudio n.º 20230228161521, contados entre os minutos 00:00:00.6 a 00:06:24.1 referiu o seguinte: (…) E.2.- A testemunha CC, cujo depoimento está gravado através do sistema digital integrado no sistema informático em uso no Tribunal, tendo-se iniciado às 16.05h e terminado às 16.13h, conforme consta da ata de 28/02/2023, com o ficheiro áudio n.º 20230228160521, contados entre os minutos 00:00:00.9 a 00:08:10.9, referiu o seguinte: (…) Portanto, do depoimento de ambas as testemunhas não resulta que foi pedido qualquer orçamento. F. Do ponto 26 (“Na sequência, no dia 8-8-2021, o A. enviou ao R. as fotografias cuja cópia se encontra junta a fls. 32, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, e ainda a seguinte mensagem: “Olhe essas placas de ferrugem são do chassis da carrinha, isso está mesmo mau, tem algumas a bater nos 6 milímetros e além de estar partido do lado direito e vários remendos do lado esquerdo, o chassis está mesmo em mau estado”) devia ser considerado não provado, uma vez que, conforme resulta dos autos, tais documentos foram impugnados e dos mesmos não é possível concluir que pertencem ao veículo “sub judice”. G. Quanto aos pontos 33 e 34 (“ O A. utilizou o veículo referido em 17) para se deslocar para o seu local de trabalho sito a cerca de 15 quilómetros de sua casa, para levar os filhos à escola, para outras deslocações da sua vida pessoal. “O A. não utilizou o veículo referido em 17) para realizar o transporte de água e de produtos relacionados com a sua atividade comercial de pecuária e agricultura, na medida em que tinha receio que o chassis quebrasse com o peso da carga transportada.”) devia ter sido considerado que o A. para lá de utilizar o veículo para deslocações da sua vida pessoal, também o utilizava na atividade pecuária, transportando animais e deslocando-se a diversos pastos. As provas que impunham tal decisão são: G.1.- O depoimento da testemunha DD, , cujo depoimento está gravado através do sistema digital integrado no sistema informático em uso no Tribunal, tendo-se iniciado às 15.37h e terminado às 16.03h, conforme consta da ata de 28/02/2023, com o ficheiro áudio n.º 20230228153705, contados entre os minutos 00:00:00.4 a 00:26:43.2, referiu o seguinte: (…) G.2.- Aliás, tal depoimento está em contradição com as declarações de parte do A. AA, cujas declarações estão gravadas através do sistema digital integrado no sistema informático no Tribunal, tendo-se iniciado às 15.12h e terminado às 15.35h, conforme consta da ata de 28/2/2023, com o ficheiro áudio n.º 20230228151227, contados entre os minutos 00:00:00.1 a 00:22:55.9, referiu o seguinte: (…) H. Acresce que o Tribunal “a quo” não considerou, relativamente aos pontos de facto incorretamente julgados, os seguintes documentos: - A carta que é o documento n.º4 junto à contestação/reconvenção; - A notificação judicial avulsa, que é do documento n.º20 junto à contestação/reconvenção; Não considerando, igualmente, como resulta dos autos: - A total falta de resposta do A., aos mesmos. I. Ora, considerando tais documentos e o silêncio do A. o Tribunal “a quo” tinha de concluir que esta postura fere o senso comum, o espírito do homem médio e bom pai de família, bem como as regras da experiência comum, de onde resulta que os factos dados como provados, e que se consideram incorretamente julgados, com todo o respeito, resultam numa conclusão ilógica. J. Assim, deviam os pontos 23, 24, 26, 33 e 34 ser considerados não provados e o recorrente ser absolvido do pedido. K. Quanto ao pedido reconvencional, atenta a matéria de facto provada e a postura adotada pelo recorrido, devia ser considerado o valor de 50€ diários contados a partir da prolação douta sentença, a título de sanção pecuniária compulsória. L. A douta sentença, ao decidir incorretamente a matéria de facto alegada, violou, necessariamente, as normas jurídicas aplicadas, uma vez que não podia considerar que houve venda de coisa defeituosa e direito a qualquer indemnização por parte do recorrido. M. Assim, a sentença violou o disposto no artigo 607º n.º 4 do C.P.C., 496º, 913º e 829º - A, n.º2 do C. Civil.» O Autor apresentou resposta ao recurso concluindo pela total improcedência do mesmo. Foram colhidos os vistos. II- OBJETO DO RECURSO Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), as questões a decidir no recurso são as seguintes: - Impugnação da decisão de facto quantos aos pontos 23, 24, 26, 33 e 34 dos factos provados; - Caso proceda a impugnação, total ou parcialmente, se daí decorre a alteração da sentença e a absolvição do Réu dos pedidos; - Valor da sanção pecuniária compulsória e data a partir da qual é devida. III- OS FACTOS A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade: FACTOS PROVADOS «1- O R. tem a actividade profissional de vendedor de veículos automóveis. 2- Desde 9 de Setembro de 2016, até, pelo menos, ao final do ano de 2021, o R. explorou um stand de venda de automóveis, com marca registada, com a designação de “CruzCar”, e teve um site na internet, com o link: https://www.cruzcar.pt, onde publicitava os veículos que vendia. 3- Após visitar o site referido em 2) e visualizar o vídeo disponível na plataforma Youtube, o A. interessou-se na compra de um veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, da marca Nissan, modelo Navarra, no estado de usado, do ano de 2006, a gasóleo, de cor preta metalizada, que tinha como preço anunciado o valor de 16.990 euros. 4- No dia 31 de Março de 2021, o A. contactou telefonicamente o R., declarando estar interessado na aquisição do veículo referido em 3). 5- Na ocasião referida em 4), o A. propôs ao R. que parte do preço da venda do veículo referido em 3) fosse pago através da entrega, como retoma, de um veículo da marca Mitsubishi, modelo L200, com a matrícula …-…-IO. 6- Na altura referida em 4) o direito de propriedade sobre o veículo referido em 5) encontrava-se registado a favor de GG. 7- O A. tinha adquirido anteriormente o direito de propriedade sobre o veículo referido em 5) àquele GG. 8- O A. efectuou o registo de aquisição a seu favor do direito de propriedade sobre o veículo referido em 5) em 17 de Agosto de 2021. 9- Entre o dia 31 de Março e o dia 28 de Abril de 2021, o A. e o R. encetaram negociações para estabelecer o valor de retoma ao veículo referido em 5) para efeito do negócio da venda da viatura mencionada em 3). 10- No dia 28 de Abril de 2021, o A. e o R. acordaram a venda do veículo referido em 3), e ainda que o preço dessa venda, corresponderia ao valor total de 16.990 euros, a ser pago pelo A., da seguinte forma: a) Entrega da quantia de 10.000 euros, em dinheiro; b) Entrega do veículo referido em 5), a título de retoma, pelo valor de 6.990 euros. 11- No dia 22 de Julho de 2022, o A. pagou ao R. a quantia de 10.000 euros, referente ao preço de venda do veículo mencionado em 3), acordada para ser paga em dinheiro nos termos mencionados em 10), através de transferência bancária. 12- Na ocasião referida em 10), o R. informou o A. que o veículo referido em 3) era importado e que o processo de legalização, àquela data, ainda não estava concluído. 13- Nessa mesma ocasião referida em 10), o R. e o A. acordaram que o A. suportaria o pagamento das despesas de transporte marítimo do veículo referido em 3) para os Açores. 14- No dia 25 de Maio de 2021, a pedido do A., o R. fez um vídeo a mostrar um veículo da marca Nissan, modelo Navarra, com a matrícula francesa …-…-YK. 15- No dia 14 de Julho de 2021, de modo a atestar a atribuição da homologação e da matrícula, através de mensagem de correio electrónico, o R. enviou ao A. uma fotografia com o veículo referido em 3), com a matrícula portuguesa …HX. 16- O R. enviou ao A. um documento para atestar a atribuição da homologação e da matrícula, onde consta que o veículo em causa tem a matrícula ZW…, proveniente da Alemanha. 17- No dia 22 de Julho de 2021, o veículo de marca Nissan, modelo Navarra, de matrícula …HX, foi enviado do porto de Lisboa para o porto de Vila do Porto, na Ilha de Santa Maria, nos Açores. 18- O A. pagou as despesas relativas ao transporte marítimo de Portugal Continental para a ilha de Santa Maria nos Açores, do veículo referido em 17), no valor de 460 euros. 19- No dia 22 de Julho de 2021, o veículo referido em 5) embarcou do porto de Vila do Porto, com destino a Lisboa, tendo o mesmo sido entregue ao A. quando chegou ao seu destino. 20- Conjuntamente com o veículo referido em 5), no seu interior, o A. enviou ao R., os documentos referentes a tal automóvel, e um requerimento de registo automóvel, com a assinatura do referido GG e o resto dos elementos em branco. 21- Conjuntamente com o veículo referido em 17), o R. enviou ao A. um documento de inspecção técnica periódica, datado de 29 de Janeiro de 2021, respeitante a um veículo com a matrícula ZW…, de origem na Alemanha, onde consta a indicação de ausência de anotações de deficiências. 22- No dia 31 de Julho de 2021, o veículo referido em 17) desembarcou no porto de Vila do Porto, na Ilha de Santa Maria. 23- Na data referida em 22), o veículo referido em 17) tinha partes com ferrugem no chassis. 24- No dia 31 de Julho de 2021, o A. contactou telefonicamente o R., transmitindo-lhe que o veículo referido em 17) tinha vários defeitos e que tinha pedido um orçamento com vista à sua reparação. 25- Em resposta, o R. comunicou ao A. que se ele o pretendesse, estava disposto a dar o negócio sem efeito. 26- Na sequência, no dia 8-8-2021, o A. enviou ao R. as fotografias cuja cópia se encontra junta a fls. 32, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, e ainda a seguinte mensagem: “Olhe essas placas de ferrugem são do chassis da carrinha, isso está mesmo mau, tem algumas a bater nos 6 milímetros e além de estar partido do lado direito e vários remendos do lado esquerdo, o chassis está mesmo em mau estado”. 27- No dia 19 de Outubro de 2022, em que foi efectuada a perícia colegial nos presentes autos, o veículo referido em 17), de marca Nissan, modelo Navarra, com a matrícula …HX, tinha o chassis no seguinte estado: Estágio de corrosão avançada, com danos estruturais ao nível da ausência de material, falta de placas de reforço e parafusos danificados. 28- O estado do chassis referido em 27) impedem o veículo mencionado em 25) de circular e obrigam à substituição do chassis. 29- A substituição do chassis do veículo referido em 27) por um chassis novo, acrescentando o custo de mão-de-obra, terá o custo total de 10.797,10 euros, com IVA incluído. 30- A mão-de-obra mecânica e material para a desmontagem e montagem dos chassis terá uma duração de 35 horas, com um custo por hora de 50 euros mais IVA, o que perfaz o total de 1.750 euros, mais IVA. 31- Para se proceder à reparação das incorrecções que padece, referidas em 27), o veículo mencionado em 27) terá de ficar imobilizado uma semana na oficina, onde for efectuada essa reparação. 32- O A. pretendia utilizar o veículo referido em 3) para se deslocar para o seu local de trabalho sito a cerca de 15 quilómetros de sua casa, para levar os filhos à escola, para outras deslocações da sua vida pessoal, e para realizar o transporte de água e de produtos relacionados com a sua actividade comercial de pecuária e agricultura. 33- Após a data referida em 22), o A. utilizou o veículo referido em 17) para se deslocar para o seu local de trabalho sito a cerca de 15 quilómetros de sua casa, para levar os filhos à escola, para outras deslocações da sua vida pessoal. 34- O A. não utilizou o veículo referido em 17) para realizar o transporte de água e de produtos relacionados com a sua actividade comercial de pecuária e agricultura, na medida em que tinha receio que o chassis quebrasse com o peso da carga transportada. 35- O A. pediu emprestado veículos a amigos para realizar o transporte de água e de produtos relacionados com a sua actividade comercial de pecuária e agricultura, o que faz uma vez por semana, dando como compensação a quantia de 20 euros para fazer face às despesas com o gasóleo. 36- O A. ficou aborrecido quando constatou o estado do chassis do veículo referido em 17), que se encontra mencionado em 23).» FACTOS NÃO PROVADOS «a- O R. tinha conhecimento dos factos referidos em 6) e tinha aceite essa situação. b- Desde o dia 31 de Julho de 2022, o veículo referido em 17) ficou imobilizado, e o A. ficou privado de utilizar o mesmo para se deslocar para o seu local de trabalho sito a cerca de 15 quilómetros de sua casa, para levar os filhos à escola, para outras deslocações da sua vida pessoal. c- A viatura referida em 17) é a única pertencente ao agregado familiar do A. d- A conduta do R. causou ao A. uma grande preocupação, ansiedade e angústia, sentindo-se enganado. e- O A. acordou com o R. que prescindia de reclamar qualquer reparação do veículo referido em 17) e que o aceitava no estado em que ele se encontrava. f- Na resposta referida em 25), o A. transmitiu igualmente ao R. que estava disposto a devolver-lhe o dinheiro que aquele lhe tinha pago, e a serem trocados os veículos automóveis. g- Quanto o R. realizou o filme em vídeo referido em 14), estava aposta no veículo mencionado em 3), por lapso, uma outra matrícula que não lhe correspondia.» IV- CONHECIMENTO DAS QUESTÕES COLOCADAS NO RECURSO 1- Impugnação da decisão de facto quantos aos pontos 23, 24, 26, 33 e 34 dos factos provados (…) (…) improcede na totalidade a impugnação da decisão de facto, considerando que os meios de prova carreados para os autos sustentam de forma segura e credível a factualidade impugnada. Deste modo, nada se alterando quanto à decisão de facto, daqui não resulta fundamento fático-jurídico que permita alterar a sentença nos termos pretendidos pelo Apelante. 2- Valor da sanção pecuniária compulsória e data a partir da qual é devida Alega o Apelante que, em relação ao pedido reconvencional, «atenta a matéria de facto provada e a postura adotada pelo recorrido, devia ser considerado o valor de 50€ diários contados a partir da prolação douta sentença, a título de sanção pecuniária compulsória.» (Conclusão L) A sentença condenou o Autor «No pagamento do valor diário de 15 euros, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da ordem dada na alínea A) desta parte da sentença, designadamente de enviar o formulário para alteração do registo de propriedade devidamente assinado por si, para além do prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da presente sentença.» A sanção pecuniária compulsória aplicada corresponde à prevista no artigo 829.º-A, n.º 1, do Código Civil (sanção pecuniária compulsória judicial diversa da sanção pecuniária compulsória legal prevista no n.º 4 do mesmo preceito[2]), aplicável a obrigações de prestação de facto infungível negativo ou positivo. Tem natureza coercitiva e prefigura-se como uma condenação acessória da condenação principal, não funcionando automaticamente, pois carece de ser pedida pelo credor e judicialmente decretada segundo critérios de equidade. Visa incitar o devedor ao cumprimento do julgado, sob a intimidação do pagamento de uma determinada quantia por cada dia de atraso no cumprimento da prestação ou por cada infração. No caso dos autos, e como se encontra amplamente explicado e fundamentado na sentença recorrida, estão preenchidos os pressupostos da aplicação da sanção pecuniária compulsória do artigo 829.º-A, n.º 1, do Código Civil. As questões controvertidas prendem-se com o valor e com a fixação do termo inicial a partir do qual a sanção é exigível. Quanto ao valor, o n.º 2 do artigo 829.º-A, do Código Civil estipula que será «fixada segundo critérios de razoabilidade.» Como se refere no Acórdão do STJ, de 29-06-2010[3], «Na imposição do montante da sanção pecuniária compulsória, a lei preceitua que o Juiz deve nortear-se por critérios de razoabilidade ( art. 829-A, nº2), ou seja, pelo recurso à equidade (art. 4, al. a) ), a fim de que tomando em consideração os dados concretos da relação jurídica controvertida e a situação das partes, fixe um montante adequado que permita à sanção compulsória ser eficaz na realização dos objectivos que lhe são próprios.» A eficácia desta modalidade de sanção depende do seu ajustamento à concreta situação e às razões que subjazem ao incumprimento, pelo que deve ser fixada num montante que seja suficientemente dissuasor para que o devedor cumpra a obrigação o mais rapidamente possível e impeça a prática de novos atos no futuro. Na sentença recorrida, o valor de €50.00 por dia afigurou-se «excessivo» aos olhos do tribunal, considerando mais «adequado» o valor de €15,00 diários. O Apelante discorda invocando genericamente a matéria de facto provada e a conduta do recorrido. É patente a falta de fundamentação da discordância que permita uma maior ponderação na determinação do valor da sanção, pelo que, apesentando-se o valor fixado na sentença adequado em termos dissuasores do incumprimento, considera-se razoável o valor fixado, sendo, por isso, de manter. Quanto ao momento a partir do qual é devida a sanção, nada dizendo a lei, teoricamente, podem ser vários os momentos a considerar: a data da sentença, a data da notificação da sentença, o trânsito em julgado da sentença ou, ainda, qualquer outro momento que o juiz casuisticamente entenda relevante em face do caso concreto.[4] Atenta a finalidade supra referida e o caráter acessório da condenação como meio de compelir ao cumprimento da obrigação do devedor, faz todo o sentido que seja fixada a partir dos efeitos produzidos pela condenação, ou seja, após o trânsito em julgado da sentença, critério que tem sido seguido em vários acórdãos, embora noutros se admita a fixação de acordo com a situação em concreto.[5] Na doutrina, LEBRE DE FREITAS defende que «(…) só com o trânsito em julgado, que torna indiscutível a existência e o conteúdo da obrigação principal, fica definitivamente injustificado o não acatamento da sentença pelo devedor, que até aí pode, sem culpa grave, esperar uma decisão que revogue a que o condenou; só com o trânsito em julgado é que a inobservância da decisão ganha o caráter de desrespeito pelos tribunais; evita-se assim ainda o risco da restituição das quantias pagas a título de sanção pecuniária compulsória, se a decisão provisoriamente executada vier a ser revogada em recurso; o art. 829.º-A-4 CC consagra o critério do trânsito em julgado para as obrigações pecuniárias e a harmonia da ordem jurídica leva a interpretar o art. 829.º-A-1 CC como consagrando o mesmo critério, a título supletivo, para as obrigações de prestação de facto infungível.»[6] Reconhecendo-se pertinência e razoabilidade ao entendimento supra mencionado, e não existindo na lei um comando normativo que imponha o termo a quo da sanção pecuniária compulsória, a solução que o juiz tome sobre esta questão deve ser atendida desde que exista uma conexão lógica entre o decidido e a fixação desse termo inicial, que respeite a natureza da sanção pecuniária compulsória e a sua relação umbilical com a obrigação que a justifica e da qual emerge.[7] Revertendo à fundamentação da sentença quanto a esta questão, consta da mesma o seguinte: «(…) também não nos parece adequado e consideramos que não tem qualquer base legal a pretensão do R. e reconvinte para que a obrigação para o A. proceder ao pagamento da sanção pecuniária compulsória a partir da data da notificação da contestação. Consideramos que a opção adequada será determinar que o A. passe a estar obrigado a proceder ao pagamento da sanção pecuniária compulsória a partir do termo do prazo que lhe vai ser dado para enviar ao R. o formulário para alteração do registo de propriedade do veículo assinado por si. Na verdade, apenas a partir dessa altura ocorrerá um incumprimento da sua obrigação por parte do A., justificando a aplicação da sanção pecuniária. Esse incumprimento não ocorrerá desde a data da notificação da contestação, como pretende o R.». (sublinhado nosso) O critério utilizado para definir o termo inicial da sanção pecuniária compulsória aplicada é lógico e encontra-se correlacionado com a condenação da obrigação principal (afastando, aliás, uma solução, então, defendida pelo Réu, que deixou cair em sede de recurso). Nestes termos, nenhuma censura merece a sentença recorrida, não tendo violado os normativos indicados pelo Apelante, nem outros que oficiosamente cumpra aplicar, improcedendo a apelação. 4. Dado o decaimento, as custas ficam a cargo do Apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP. V- DECISÃO Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. Custas nos termos sobreditos. Évora, 12-07-2023 Maria Adelaide Domingos (Relatora) Maria da Graça Araújo (1.ª Adjunta) Manuel Bargado (2.º Adjunto) __________________________________________________ [1] Não se extratam os excertos dos depoimentos referidos nas Conclusões, porquanto tal prática não corresponde aos ditames do artigo 639.º, n.º 1, do CPC. [2] Cfr. Ac. STJ, de 12-09-2019, proc. 8052/11.1TBVNG-B.P1.S1 (Tomé Gomes), em www.dgsi.pt [3] Proferido no proc. n.º 214-A/1994.E1.S1 (Azevedo Ramos), em www.dgsi.pt [4] Cfr. JOÃO CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Almedina, 4.ª ed., abril 2002, p. 421 a 428, onde são mencionadas várias hipóteses quanto ao termo inicial da sanção. [5] Cfr., por exemplo, Ac. RE, de 25-02-2021, proc. 714/20.9T8STB-A.E1 (Mata Ribeiro) e Ac. RC, de 15-05-2018, proc. 226/12.YTBALD-A.C1(Luís Cravo), em www.dgsi.pt [6] LEBRE DE FREITAS, Termo Inicial da Sanção Pecuniária Compulsória Judicial - Meio processual para a verificação do incumprimento, quando só se peça a execução da sanção», consultável em https://portal.oa.pt/media/133309/jose-lebre-de-freitas.pdf, p. 209. [7] Neste sentido, veja-se, VÂNIA FILIPE MAGALHÃES, O papel do juiz no cumprimento das obrigações: a sanção pecuniária compulsória, in Revista Julgar Online, dezembro de 2022, p. 20, consultável em: https://julgar.pt/wp-content/uploads/2022/12/20221230-JULGAR-A-san%C3%A7%C3%A3o-pecuni%C3%A1ria-compuls%C3%B3ria-V%C3%A2nia-Filipe-Magalh%C3%A3es.pdf |