Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
149/23.1GJBJA-A.E1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO
COACÇÃO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
ANTECEDENTES CRIMINAIS
PRISÃO PREVENTIVA
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. A verificação de fortes indícios da prática pelo arguido/recorrente de um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a) CP; um crime de violação de domicílio, previsto no artigo 190.º, n.º 1 CP; um crime de coação agravada, previsto nos artigos 154.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, al. a); e um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto no artigo 145.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal, e a necessidade de acautelar o perigo de continuação da atividade criminosa, exige a prisão preventiva do arguido, sendo a aplicação desta medida de coação adequada e proporcional aos crimes indiciariamente praticados.
II. Não se mostrando suficiente nem adequada a aplicação de qualquer outra medida de coação, designadamente a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, prevista no artigo 201.º CPP, face ao concreto perigo de continuação da atividade criminosa, pois esta medida de coação não conseguiria evitar aquele tipo de ocorrências, isto é, não satisfaria as necessidades cautelares que as particularidades do caso evidenciam.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I. RELATÓRIO
A –
Nos autos de Inquérito que, com o nº 149/23.1GJBJA, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo de Competência Genérica de Ourique, por decisão judicial datada de 26 de Julho de 2023, foi decidido aplicar a medida de coacção de prisão preventiva ao arguido:
- AA, melhor identificado nos autos.

Inconformado com esta decisão que determinou a sua sujeição à medida de coacção de prisão preventiva, dela recorreu o arguido extraindo das respectivas motivações de recurso as seguintes anormalmente extensas conclusões, (transcrição):
O Recorrente foi detido no âmbito dos presentes autos no passado dia 25 de julho de 2023, e presente a Primeiro Interrogatório Judicial, no dia imediato.
Ao Recorrente foram-lhe imputados os seguintes fatos:
O Recorrente e a Ofendida BB, viveram em comunhão de mesa, leito e habitação, cerca de um ano, durante 2021.
Antes do dia 15 de julho de 2023, o Recorrente terá falado com a Ofendida BB, na rua, dirigindo-lhe as seguintes expressões; “és uma puta”, “não vales nada” e “vou dar cabo de ti”.
Na noite do dia 15 de julho de 2023, o Recorrente deslocou-se até à casa da Ofendida BB, no Carregueiro, Aljustrel, tendo feito força na porta da rua e quando a mesma cedeu, entrou no interior da casa.
Quando o Recorrente entrou na casa, deparou com o atual companheiro da BB e desferiu-lhe um número não apurado de socos, chapadas e pontapés, provocando-lhe dor e dificuldades auditivas.
De seguida o Recorrente dirigiu-se à BB que estava no corredor e desferiu-lhe um número não determinado de murros e pontapés pelo tronco, membros e cabeça, até esta perder os sentidos, continuando mesmo depois disso.
Com as agressões que foi alvo a Ofendida BB sofreu um vasto número de hematomas em todo o corpo.
O Recorrente terá dito aos Ofendidos que se fizessem queixa na GNR que matava a BB.
A atuação do Recorrente era motivada por ciúmes e pela não aceitação do fim do seu relacionamento amoroso com a Ofendida BB e o novo relacionamento desta.
O Recorrente é consumidor de cocaína e álcool, embriagando-se semanalmente e é uma pessoa que tem acesso a armas.
O Recorrente tem antecedentes criminais pela prática do crime de homicídio.
O Recorrente entrou no interior da casa da Ofendida, sem autorização desta, sabendo que ao fazê-lo ia contra a vontade daquela.
O Recorrente agrediu o CC, atuando com a intenção de molestar o corpo e a saúde deste, provocando-lhe lhe dor, por este ser o atual companheiro da BB.
Tendo o Recorrente prestado declarações, a Mmª Magistrada do Ministério Público, em sede de promoção, pediu a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, para além do TIR já prestado; e
A defesa do Recorrente, entendendo que a medida acima indicada era excessiva e desproporcional, pediu a aplicação de uma medida de coação não privativa da liberdade, mais concretamente a proibição de contactos com as testemunhas e com os ofendidos, bem como o recurso de proteção por teleassistência da ofendida.
A Mmª Magistrada Judicial proferiu a decisão de aplicação ao Recorrente da medida de coação de prisão preventiva porque, na sua opinião “(…) O arguido vem fortemente indiciado da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. no artigo 152º, nºs 1, alínea a) e nºs 2 al. a), do Código Penal, tipo de ilícito punido com pena de prisão de 2 a 5 anos, um crime de violação de domicilio, previsto e punido pelo artigo 190º, nº1 do Código Penal, tipo de ilícito punido com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 240 dias; um crime de coação agravada, previsto e punido pelo artigo 154º, nº 1, 155 nº 1, a) do Código Penal, tipo de ilícito punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, e um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145º, nº 1 al. a), todos do Código Penal, tipo de ilícito punido com pena de prisão até 4 anos.”.
O Recorrente não se conforma com a escolha da medida de coação que lhe foi aplicada, bem como com a respetiva fundamentação e pretende ver o despacho que a aplicou alterado, sendo-lhe aplicada outra medida de coação.
Nos presentes autos, o Recorrente está indiciado por vários crimes, sendo, entre eles, o mais gravoso, o de violência doméstica, contudo aquele entende que não estão preenchidos os elementos do tipo do crime.
Nos termos do art. 152ºdo CP, o crime de violência doméstica é praticado por quem, de uma forma reiterada ou não, infligir maus-tratos físicos ou psicológicos a pessoa com quem tenha, ou tenha tido, uma relação familiar. Acontece que,
O Recorrente e a Ofendida viveram juntos, como se marido e mulher se tratasse, contudo aquele nunca atentou, ou mesmo tentou, contra a integridade física pu psicológica desta, tal como nunca a ameaçou.
Desde a separação, quer o Recorrente, quer a Ofendida BB refizeram a sua vida amorosa com outras pessoas. Mas,
A Ofendida BB, tem difamado o Recorrente, dizendo que este, quando se separou desta, a deixou cheia de dívidas, devido a créditos que esta fez em seu nome e que ele beneficiou.
Por causa destas afirmações da Ofendida, o Recorrente tem tentado falar com ela para que ela deixe de dizer estas coisas, as quais não são verdade.
Na noite do dia 15 de julho de 2023, o Recorrente foi à porta da casa da ofendida, para lhe pedir, mais uma vez, que ela acabasse com este tipo de conversas.
O Recorrente, quando se deslocou a casa da BB, para falar com ela, sabia que o seu atual companheiro estava em casa com ela.
O CC e atual companheiro da BB, abriu a porta da casa e começou imediatamente a agredir o Recorrente, tendo este se defendido.
As agressões mútuas entre o Recorrente e o CC ocorreram no exterior da porta da rua da casa da Ofendida, tendo esta ficado sempre no interior da casa, junto à porta.
A deslocação do Recorrente à casa da ofendida poderia indiciar que estaríamos perante o crime de violência doméstica, se tivesse havido, da parte deste, maus-tratos físicos ou psicológicos aquela, o que não aconteceu.
O despacho que aplicou a medida de coação de prisão preventiva ao Recorrente fundamentou-se na existência de um perigo na continuação da atividade criminal por parte daquele, atenta à sua personalidade, uma vez que ele já tinha antecedentes criminais pelo crime de homicídio.
Segundo o despacho em recurso, a manutenção do Recorrente em liberdade, podendo permitir a continuação da atividade criminal por parte deste, perturba gravemente a ordem e a tranquilidade publicas (art. 204º, al.c) do CPP). E,
A personalidade do Recorrente foi descrita como sendo de uma pessoa conflituosa, impulsiva e perigosa.
Os antecedentes criminais do Recorrente serviram de base para a “classificação” da sua personalidade, de modo a permitir a justificação da aplicação da medida de coação da prisão preventiva.
Esta fundamentação do despacho em recurso vai contra o que a jurisprudência e a doutrina nos diz, de que o perigo da continuação da atividade criminal prende-se apenas com o ou os crimes pelos quais os arguidos estiverem indiciados e não por todo ou qualquer ilícito que este venha a praticar.
Nos termos da alínea c) do art. 204º do CPP, a medida de coação da prisão preventiva só deve ser aplicada se houver perigo concreto de os arguidos voltarem a praticar factos integradores do mesmo tipo de ilícito, havendo assim a necessária conformação prático-normativa da medida de coação de prisão preventiva com os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (art. 193º nº 1 do CPP).
O artigo 193º nº 1 do CPP dispõe que “(…) as medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requere e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas. (….)” E,
Dispõe a CRP, no seu art. 27º nº 1, que “(…) Todos têm direito à liberdade e à segurança (…)” e no art. 18º nº 2 que “(…) A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. (…)”.
Assim sendo, para ser aplicada esta medida de coação o decisor deve concluir que a medida é adequada à prossecução do fim a que se propõe; que para atingir o fim que se pretende (evitar a fuga, a perturbação do inquérito, continuação da atividade criminosa) não é possível adotar outra medida de coação; e a privação da liberdade é a “justa medida” para evitar a sua fuga, a continuação da atividade criminosa e a perturbação do inquérito.
Numa primeira fase, só excluindo todas as demais medidas de coação, não privativas da liberdade, é possível decidir pela aplicação de uma privativa da liberdade, respeitando os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. E,
Numa fase seguinte, decidir pela aplicação da prisão preventiva após excluir a viabilidade, a necessidade, adequação e proporcionalidade da OPHVE.
A escolha da medida de coação a aplicar, caso seja, privativa de liberdade, deve ser devidamente fundamentada através de factos ou indícios fortes e no caso da prisão preventiva carece de invocar os motivos concretos para que não se aplique a OPHVE.
No despacho em recurso, a Mmª Juiz remeteu a fundamentação para os antecedentes criminais do Recorrente e daí justificou que estes atestavam a personalidade deste, como sendo de uma pessoa impulsiva, conflituosa e agressiva.
Quanto ao perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, nada consta nos autos que nos permita concluir que a liberdade do Recorrente poderia pô-las em causa. E
O mesmo se diga quanto ao perigo do Recorrente perturbar o bom andamento dos presentes autos de inquérito e condicionar as testemunhas e os ofendidos, encontrando-se em liberdade a aguardar os trâmites do processo. Aliás,
Essa finalidade poderia ser alcançada com a proibição de contatos entre o Recorrente, ofendidos e testemunhas, ou em última hipótese, através da referida proibição de contatos complementada com a obrigação de permanência em habitação.
Não existe qualquer elemento que indicie o perigo de fuga.
A Mmª Juiz entendeu, no seu douto despacho, que aplicou a medida de coação ao Recorrente da prisão preventiva, que o recurso a esta medida é a último ratio, devendo ser sempre dada a preferência na aplicabilidade das demais medidas de coação constantes no nosso ordenamento jurídico – penal. E que,
Mesmo no que toca a medidas de coação privativas da liberdade, antes de se aplicar a prisão preventiva tem que se assegurar que não se conseguem os mesmos resultados com a aplicação da OPHVE.
Assim sendo “(…) a liberdade das pessoas (…)”, no dizer da Mmª Juiz, “(…) só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função das exigências processuais de natureza cautelares – Cfr. Art. 191º nº 1 CPP – sendo que os princípios constitucionais da exceção e da necessidade de qualquer medida privativa da liberdade (OPH e prisão preventiva), atenta a natureza de medidas gravosas lhe conferem o carácter de meio excecional e subsidiário – nº 2 do art. 193º do CPP. (…)”.
Deste modo para se poder aplicar uma medida de coação temos que atender aos requisitos constantes do art. 191º a 194º do CPP.
A Mmª Juiz continua o seu despacho dizendo que “(…) é necessário que seja possível formular um “juízo de indiciação” da prática de certo crime, pelo que se impõe uma comprovação objetiva face aos elementos probatórios disponíveis. “e que “Por outro lado, não basta a existência de indícios ou fortes indícios da prática do crime e os requisitos específicos definidos na lei para cada uma de tais medidas, importa ainda a verificação do periculum libertatis.”
“É necessário, portanto, que se verifiquem os requisitos ou condições gerais referidas nas várias alíneas do artigo 204º do Código de Processo Penal. “
“Tais requisitos são taxativos, bastando, consequentemente, a existência de algum deles para que a medida possa ser aplicada.
Nos presentes autos, a Mmª Juiz entende que se estamos perante os requisitos que lhe permitiram a escolha da prisão preventiva como medida de coação escolhida. Isto é,
Existe perigo de continuação da atividade criminosa, no entender da Meritíssima Juiz, porque existe perigo da continuação da atividade criminosa, por parte do Recorrente, havendo fortes probabilidades de o Recorrente persistir na prática de crimes da mesma natureza pelos quais está indiciado, com particular relevo para o crime de violência doméstica.
O perigo da continuação da atividade criminosa advém do facto de o Recorrente, já tendo antecedentes criminais pela prática do crime de homicídio, “(…) desvaloriza a sua anterior conduta e condenação e, após o cumprimento de pena, não revelando a anterior condenação ter surtido efeito dissuasor para a prática de novas condutas disruptivas por parte do arguido, mostrando-se agora indiciadas práticas delituosas dirigidas à sua ex-companheira e ao atual companheiro da vítima, mostrando assim nula capacidade de se motivar pelo cumprimento dos normativos que regem a vivência em comunidade.(…)”. E,
Os crimes em causa demonstram que o Recorrente é uma pessoa com uma personalidade impulsiva motivada pelos ciúmes e obsessão pela Ofendida BB.
Quanto ao perigo de perturbação do decurso do inquérito do processo (Art. 204º do Código de Processo Penal), entende a Mmª Juiz que o mesmo existe, podendo o Recorrente perturbar o decurso do processo através de manipulação, da influência e coação dos ofendidos e das testemunhas, uma vez que sabe onde todos estão e facilmente pode aceder aos mesmos. E,
Tendo por base os depoimentos já constantes nos autos, até ao momento do Primeiro Interrogatório, conclui a Mmª Juiz que o Recorrente “(…) é uma pessoa conflituosa e que age por impulso (…), podendo por em causa toda a prova já recolhida através do medo de represálias por parte do Recorrente aos demais intervenientes do processo (testemunhas e ofendidos).
Assim sendo, na escolha da medida de coação a ser aplicada, a Mmª Juiz assentou a sua decisão no facto de as exigências cautelares do caso concreto serem muito elevadas, atendendo a que o Recorrente já possuía antecedentes criminais pelo crime de homicídio, pelo que rapidamente foram afastadas as medidas não privativas da liberdade e até mesmo a OPHVE.
Segundo o despacho em recurso, os atos que indiciam a praticas dos crimes por parte do Recorrente são considerados de elevado risco para os ofendidos, inclusive estando em causa as suas próprias vidas.
“Assim, a prisão preventiva é a única medida coativa que se mostra adequada às exigências cautelares ínsitas nos perigos nos autos, sendo proporcional aos factos praticados e à sua gravidade.”
Desta forma a Mmª Juiz conclui a fundamentação da sua escolha baseando-se nos antecedentes criminais do Recorrente e não pelo perigo de fuga, de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e de perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, ou ainda de perigo em razão da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do Recorrente, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade pública (requisitos do art. 204º do CPP para a prisão preventiva).
O Recorrente está indiciado, nos presentes autos, pela prática de vários crimes, sendo que nenhum destes é igual ou semelhante ao que praticou no passado e foi condenado, pelo que não existe qualquer reincidência.
A existência ou não de antecedentes criminais por parte do Recorrente não condiciona a sua personalidade e não é por esse facto que ele pode ser considerado como tendo uma personalidade impulsiva, conflituosa e agressiva.
Sendo a prisão preventiva a medida de coação mais gravosa do nosso Ordenamento Jurídico, que exceciona um dos maiores direitos constitucionais dos cidadãos, a sua liberdade, não pode a mesma ser aplicada sem que estejam verificados os requisitos processuais penais para esta, como, salvo o devido respeito, mas parece ser o caso do despacho ora em apreço.
A aplicação das medidas de coação não pode ser feita “por medida”, mas sim pelo cumprimento e verificação dos seus requisitos, nos limites das necessidades processuais existentes e fortemente indiciadas do caso concreto, sob pena de ser violado o princípio da presunção da inocência (Art. 32º da CRP).
O Art. 204º do Código Processo Penal estipula que para a aplicação desta medida de coação tem de estar preenchido pelo menos um dos três requisitos nele constantes, sendo que tal preenchimento deve ser devidamente fundamentado, não bastando invoca-lo.
Por não estarem verificados os requisitos processuais penais para a aplicação ao Recorrente da medida de coação da prisão preventiva, esta não deveria ter sido aplicada a este por tal não ser justo, nem legalmente admissível. E,
Porque o Recorrente não pode estar a ser punido à priori por indícios, sem ter havido um julgamento e uma condenação, pelo simples motivo de que já possui, à data, antecedentes criminais.
A escolha da medida de coação deveria ter sido tomada e fundamentada tendo por base BB possibilidade de haver, ou não, perigo de fuga, perigo de perturbação do decurso do inquérito / instrução do processo e perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova ou, por último, de perigo em razão da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do Recorrente, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe, gravemente, a ordem e a tranquilidade pública. Contudo,
A escolha da medida de coação foi tomada tendo por base, como atrás já se disse, os antecedentes criminais do Recorrente e justificada na personalidade deste, que sendo conflituoso, impulsivo e agressivo, podendo perturbar o decurso do inquérito, assim como a recolha e conservação da prova e colocando em risco os ofendidos e as testemunhas.
Assim, se o Recorrente não estiver sujeito à medida de coação de prisão preventiva, os ofendidos e as testemunhas estarão em perigo. Aliás, de acordo com o despacho em recurso, estes estão em “(…) alto risco para a vida (…)”.
Esta fundamentação para a escolha da medida de coação não pode ser aceite atendendo a que o Recorrente esteve com acesso às testemunhas e aos ofendidos desde a noite dos factos, dia 15 de julho até ao dia 25 do mesmo mês, sendo que todos vivem na mesma localidade, no Carregueiro, freguesia e concelho de Aljustrel, a qual tem meia dúzia de ruas, sendo normal e usual que todos se encontrem.
Quanto à personalidade do Recorrente a Mmª Juiz baseou-se nos depoimentos dos ofendidos e nas declarações prestadas por duas testemunhas, em que uma é o pai da Ofendida BB e a outra prima da mesma. E,
Numa frase do depoimento da testemunha DD, que disse que o Recorrente costumava passar pela sua rua e parar à sua porta para falarem um com o outro, cerca de duas ou três vezes por semana.
Como atrás já se disse, a localidade onde o Recorrente vivia e onde a testemunha e a ofendida BB vive é pequena, tendo meia dúzia de ruas, pelos que os seus habitantes se cruzam diariamente.
A Mmª Juiz de Instrução Criminal, salvo o devido respeito, mas foi parcial na sua decisão de escolha da medida de coação, tendo se deixado influenciar apenas por uma das partes, no caso concreto, na dos ofendidos e de duas das testemunhas, em detrimento do Recorrente, bem como pelo tipo de crimes que estavam em causa.
O Recorrente é assim prejudicado com esta decisão, mais a mais que até ao trânsito em julgado da decisão final, este é considerado inocente.
Deste modo, diga-se, mais uma vez que a fundamentação do douto despacho em recurso, para a escolha da medida de coação da prisão preventiva, não é suficiente para se considerar preenchido pelo menos um dos requisitos do Art. 204º do Código de Processo Penal e, por consequência, não existe qualquer possibilidade legal de excecionar o direito constitucional da liberdade do Recorrente.
Assim sendo, sendo a medida de coação de prisão preventiva é excessiva para o caso concreto, devendo ser revogada e substituída por outra medida de coação, que se mostre mais adequada, em última análise, podendo mesmo por passar pela aplicação da medida de OPHVE.
O Art. 27º da CRP consagra o princípio geral do direito à liberdade e segurança, sendo a prisão preventiva uma dessas exceções, só podendo ser aplicada em última análise e depois de esgotadas as possibilidades de aplicação de todas as demais medidas de coação. Mas,
Mesmo assim, a sua aplicação deverá obedecer aos princípios constitucionais da legalidade (art. 29º nº 1 CRP e 191º do CPP), da excecionalidade e necessidade (art. 27º nº 3 e 28º nº 2 CRP e 193º CPP) e da presunção de inocência (art. 32º nº 2 CRP).
Pelo que a aplicação da medida de prisão preventiva requer a verificação dos princípios constitucionais da necessidade, adequação e proporcionalidade, mas também da legalidade, da tipicidade e da subsidiariedade.
Para aplicar esta medida de coação têm que existir factos concretos e objetivos dos perigos de continuação da atividade criminosa, de fuga e de perturbação do inquérito, assim como é necessário que mais nenhuma medida de coação seja suficiente ou adequada ao caso concreto.
Por outro lado, as medidas de coação, privativas da liberdade, têm natureza subsidiária (Cfr. Art. 193º nº 2 CPP) e por isso só podem ser aplicadas quando as restantes medidas de coação forem consideradas insuficientes ou inadequadas no caso concreto. E,
Entre as duas medidas de coação privativas da liberdade também existe uma subsidiariedade, pelo que a prisão preventiva só poderá ser aplicada se a OPHVE não for adequada aos fins pretendidos.
Por tudo o que já ficou dito, no caso sub judice, não constam dos autos a existência de indícios da prática dos crimes pelos quais o Recorrente é suspeito e muito menos do crime de violência doméstica, e a decisão tomada em sede de despacho final de primeiro interrogatório judicial de arguido detido é inconstitucional, por violação dos artigos 18º nº 2, 27º nº 3, 28º nº 2 e 32º nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
Assim sendo, invoca-se esta inconstitucionalidade para os devidos efeitos legais.
Relativamente à inconstitucionalidade:
A factualidade indiciária imputada ao Recorrente no momento da aplicação das medidas de coação reporta-se a uma situação em que o Recorrente se deslocou à porta da casa da Ofendida BB, para falar com ela sobre a situação que esta andava a divulgar de que ele a teria deixado cheia de dividas quando se separaram.
Em face disto, não existe qualquer justificação legal para ser aplicado ao Recorrente a medida de coação mais gravosa do Ordenamento Jurídico Português, já que é escassa a prova indiciária, como anteriormente já mencionamos.
É ainda o entendimento de que a proibição de contatar com os ofendidos, a par de apresentações periódicas em posto policial da área da residência do Recorrente constituem um forte suporte coativo e permitem garantir as exigências cautelares do caso, de forma suficiente, adequada e proporcional. Contudo,
Se se entender aplicar uma medida privativa da liberdade, então, para garantia das exigências cautelares do caso, a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, será adequada e proporcional.
O tribunal a quo não levou em consideração os princípios da equidade, da proporcionalidade e da necessidade a que se sujeita qualquer decisão judiciária.
Determinando a prisão preventiva ao Recorrente, o douto Tribunal violou totalmente os artigos 191º a 193º e 202º do Código de Processo Penal e ainda os artigos 32º, 27º e 28º da Constituição da República Portuguesa.
É esta inconstitucionalidade que se invoca e requer para todos os efeitos legais.
No que se prende ao Princípio da Subsidiariedade, a moldura penal do crime pelo qual o Recorrente está indiciado, de 2 a 5 anos de pena de prisão, por si só, não constitui um fator de determinação da medida de coação a aplicar e, por isso, não é porque a moldura penal admite a aplicação da medida de coação de prisão preventiva que esta tem que ser imperativamente aplicada ao Recorrente.
Como o douto Despacho Recorrido fundamenta a aplicação da medida de coação de prisão preventiva sem concretizar o que quer que seja e, se efetivamente bastasse tal fundamentação inócua, então em todos os casos de crimes de violência doméstica e outros com este relacionados, os arguidos estariam sujeitos à medida de coação de prisão preventiva, já que independentemente das circunstâncias concretas de cada caso, sempre estaríamos perante:
a) Um crime grave;
b) Que provoca grande alarme social;
c) Um perigo de fuga que se baseia meramente na moldura penal que lhe corresponde;
d) Um perigo de continuação da atividade criminosa que sempre se fundamenta no facto de tal conduta estar enraizada na personalidade e maneira de ser do seu agente;
e) Um perigo de perturbação do inquérito, porque se os arguidos não se encontram sujeitos à prisão preventiva irão arranjar forma de alterar a prova e intimidar as testemunhas / ofendidos;
f) Um verdadeiro flagelo familiar e social.
Com base neste raciocínio a medida de coação a aplicar em crimes de violência doméstica e similares não seria outra se não a prisão preventiva, o que é absolutamente ilegal!
Só se pode aplicar a medida de coação de prisão preventiva, com base em factos concretos e objetivos, que demonstrem que as restantes medidas de coação são inadequadas ou insuficientes, já que estamos a restringir-se direitos fundamentais dos cidadãos (Cfr. Art. 18º nº 1 e 32º nº 2 ambos da CRP).
O legislador português, porque estão em causa direitos fundamentais dos cidadãos, consagrou os princípios da necessidade, legalidade, tipicidade, proporcionalidade e adequação, especialidade e subsidiariedade para salvaguardar ao máximo esses direitos.
Esta medida de coação tem uma consagração de natureza excecional e subsidiária, prevista no art. 28º nº 2 da CRP e no art. 202º do CPP.
O mesmo acontece, como já o dissemos, à obrigação de permanência na habitação, conforme dispõe o art. 193º nº2 do CPP, só podendo ambas as medidas serem aplicadas quando as restantes se revelem insuficientes ou inadequadas no caso concreto. E,
A medida de coação de obrigação de permanência na habitação se revelar, no caso concreto, suficiente para assegurar as respetivas exigências cautelares, então não pode ser aplicada a medida de coação mais gravosa que é a prisão preventiva.
O princípio da presunção da inocência determina que as medidas de coação sejam compatíveis com o estatuto processual da inocência inerente à fase em que os arguidos se encontrem e a quem são aplicadas.
O douto Tribunal a quo considerou insuficiente ou inadequada a medida de coação de OPHVE, porque a atividade criminosa do Recorrente poderia continuar a existir mesmo estando em casa, já que este, por ter antecedentes criminais, tem uma personalidade impulsiva, conflituosa e agressiva.
Salvo o devido respeito, mas tal conclusão do douto despacho não tem razão de ser, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.
Estamos sim em face de uma decisão inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, da adequação, da proporcionalidade e da subsidiariedade, como atrás já explanamos.
As duas medidas de coação são privativas da liberdade o que impediriam o Recorrente de se deslocar para procurar os ofendidos, onde quer que estes se encontrem e não existe nenhuma justificação lógica para que tenha sido aplicada a este a medida mais gravosa, quando poderia ter sido perfeitamente aplicada a medida de coação de OPHVE (desde que a habitação indicada para o efeito reunisse as condições necessárias e as pessoas que nela habitam consentissem).
Por tudo isto, o Despacho Recorrido deve ser revogado e substituído por outro que aplique ao ora Recorrente outra medida de coação, sendo em ultima análise a medida de coação de Obrigação de Permanência em Habitação com Vigilância Eletrónica.
A Mmª Juiz do Tribunal a quo, tendo entendido que a aplicação de medidas de coação não privativas da liberdade, não eram suficientes ou adequadas ao caso, por não satisfazerem as exigências cautelares, deveria ter-se recordado de que existem duas medidas de coação privativas da liberdade: a obrigação de permanência na habitação, num primeiro plano; e a prisão preventiva, num segundo plano. E,
Nesse seguimento, deveria ter concluído que a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica é suficiente e adequada ao caso concreto, em vez da prisão preventiva.
Desta forma garantia-se o respeito pelo princípio da proporcionalidade das medidas de coação, pois é esse que nos ensina que a medida a aplicar tem que ser proporcional à gravidade e à sanção que se prevê que venha a ser decretada ao Arguido pela prática do crime.
A medida de coação de prisão preventiva é desproporcional em relação às exigências cautelares no caso sub judice, sendo que a medida de coação de OPHVE é adequada e suficiente às exigências cautelares do caso.
O Recorrente presta, desde já, o seu consentimento na aplicação da medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas., requer-se a substituição da medida de coação de prisão preventiva pela medida de apresentações periódicas perante entidade judiciária ou OPC, bem como a proibição de contatos do Recorrente com os Ofendidos e as Testemunhas.
Caso assim não se entenda,
Requer-se a V. Exas. a substituição da medida de coação de prisão preventiva pela medida de obrigação de permanência em habitação, pelo facto de não se verificarem as condições para aplicação da prisão preventiva, sendo que é uma medida subsidiária.
Deve assim ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido e substituindo-se por outro que aplique ao Recorrente uma medida de coacção menos gravosa, com todas as consequências legais que daí advêm e assim se fazendo a costumada Justiça.

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413º, do Código de Processo Penal, o Ministério Público, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso interposto, concluindo por seu turno, (transcrição), respectivamente:
O arguido encontra-se fortemente indiciado por todos os crimes que lhe são imputados – um crime de violência doméstica, um crime de violação de domicílio, um crime de coação agravada e um crime de ofensa à integridade física qualificada – o que se encontra suportado em abundantes meios probatórios, designadamente, prova documental e testemunhal, revelando-se os depoimentos das testemunhas coerentes entre si e com os demais elementos de prova documentais existentes nos autos, o que, por si, inviabiliza os fundamentos invocados pelo recorrente, bem como a sua versão dos factos que se revelou inverosímil e contraditória, visando desresponsabilizar a sua conduta.
O despacho recorrido aplicou a medida de coação de prisão preventiva ao recorrente com base nos pressupostos dos perigos de continuação da atividade criminosa e do perigo de perturbação do decurso do inquérito do processo – estando tais pressupostos assentes em factos concretos que justificam a aplicação da medida aplicada, designadamente, a personalidade impulsiva e violenta do arguido, que apesar de anterior condenação transitada em julgada por crime de homicídio, retomou comportamentos desconformes ao Direito.
Tal personalidade, conjugada com as demais circunstâncias demonstradas pelo arguido na prática dos factos – motivado por ciúmes agrediu de forma descontrolada uma das vítimas no interior da sua residência, incluindo quando esta se encontrava indefesa no chão e na presença dos filhos menores daquela, em seguida, dizendo às vítimas caso apresentassem queixa mataria uma delas – consubstanciam os perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação do decurso do inquérito do processo, sendo a prisão preventiva a medida necessária, adequada e proporcional à contenção dos aludidos perigos.
O contexto e a forma como foram praticados os factos demonstram uma personalidade impulsiva e descontrolada por parte do arguido recorrente, a qual que não será travada com uma simples imposição de obrigações, nem tão pouco com a medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, porquanto a utilização dos meios referidos permite controlar a execução da medida, mas não impede que o arguido, num ato de impulsividade como os descritos, repita atos de idêntica natureza e concretize as ameaças de morte que não se coíbe de proferir, revelando-se a prisão preventiva a única medida capaz de acautelar os perigos que se verificam.
O despacho da Mma. Juiz de Instrução Criminal especificou e fundamentou de forma categórica as razões da não aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, e os motivos pelos quais a aplicação dessas, ou de outras, medidas não afastam os perigos invocados.
Nesta conformidade, deve o recurso interposto ser julgado improcedente, mantendo-se o douto Acórdão nos seus exatos termos.
V. Exas, Srs. Juízes Desembargadores, farão, como é habitual, a melhor Justiça.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413º, do Código de Processo Penal, a Assistente BB, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso interposto, concluindo por seu turno, (transcrição):

No âmbito de Inquérito (Actos Jurisdicionais) que corre termos pelo Juízo de Competência Genérica de Ourique, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, sob o nº 149/23.1GJBJA, no âmbito do primeiro interrogatório judicial, foi proferido despacho em 26-07-2023, a fls…, relativamente ao arguido AA, através do qual ao mesmo foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva.
Inconformado com o despacho que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva veio o arguido interpor recurso, através do qual se insurge contra a falta de indícios da prática do crime de violência doméstica e qualificação jurídica dos factos e a verificação dos perigos constantes da decisão que lhe aplicou a medida de coacção, em concreto no perigo de continuação da actividade criminosa e do perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
Em prol da alteração da medida de coacção para outra que não prive a sua liberdade, não assiste razão ao Arguido por se verificarem as condições e os pressupostos legais exigíveis para a aplicação de medida tão gravosa.
O tribunal a quo bem andou ao decidir, como decidiu, aplicando ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva privando-o da sua liberdade.
O arguido tem uma personalidade impulsiva e descontrolada.
O arguido não tem qualquer sentido ético-jurídico, nem a sua conduta pessoal se coaduna com as regras mais elementares da sã convivência em sociedade e a par, o arguido nutre ciúmes obsessivos pela Assistente, tendo iniciado um quadro de maus tratos à Assistente desde a coabitação que se entenderam após o desenlace dos dois e culminaram quase na morte da mesma no dia 15 de Julho de 2023 cerca das 22h30m.
O arguido ao actuar como actuou no dia 15 de Julho de 2023, pelas 22h30m, é de entender que incorreu na prática de um crime de homicídio qualificado, com dolo eventual, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 132º nº1 e 2 alínea b), 14º, b), 22º, 23º do Código Penal.
O arguido representa para a assistente um perigo real e emitente.
O arguido tem antecedentes criminais por crime contra a vida.
O arguido reincidiu no crime enquanto ainda estava sob liberdade condicional, porquanto, atendendo ao quadro de violência doméstica que perpetrou aquando da coabitação com a assistente.
No caso em concreto, e bem, a prisão preventiva aplicada ao recorrente, assenta no elevado perigo de continuação da actividade criminosa e no perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e eventualmente de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente para a aquisição da prova, ademais ao ter dito que mataria a Assistente caso fosse denunciado à GNR e se insurgido contra aqueles que lhe são mais próximos, portanto, testemunhas no processo.
In casu, existem factos susceptíveis de permitir a aplicação da medida ao recorrente, tendo a mesma assentado apenas em juízos fortemente concretizado em factos e prova, tal como exige o art. 204°, do CPP.
Donde acresce, como é de conhecimento comum, que os crimes relacionados com a violência doméstica caracterizam-se por serem cíclicos e de intensidade crescente não raras vezes culminando na morte das vítimas pelos seus agressores.
A Assistente é mãe de dos filhos menores, que também assistiram às agressões que o arguido infligiu contra si, e não sente qualquer segurança com a presença do arguido, ainda que fosse devolvido à liberdade e mesmo que se encontrasse sob medida de vigilância electrónica tampouco isso afastaria os perigos que ao mesmo decretaram a medida de coacção da prisão preventiva.
O arguido ao inserir-se como se inseriu na casa da Assistente, local que bem conhecia por ter ali residido, e com o propósito único e concretizado de molestar fisicamente sem qualquer contenção quem ali se encontrava, máxime a Assistente ao desferi-lhe múltiplos murros e pontapés sobre a assistente, mesmo quando esta já havia desmaiada, perpetuou a sua conduta agressiva, como já se verificou no passado, conformando-se que dessa mesma conduta adviesse o resultado morte desta mulher que já não o queria, como não quer, i.e. voltar a envolver-se efectivamente com o mesmo;
e tendo, aliás, após esse episódio, verbalizado que o voltaria a fazer e matar a Assistente, aquando a mesma se encontrava repleta de sangue no rosto e corpo em virtude da conduta do arguido.
Deste modo, deverá a decisão recorrida manter-se nos seus exactos termos, porquanto não é merecedora de qualquer reparo, somente quanto à qualificação que a Assistente entende que a conduta face ao código penal ainda assim não contemplou a eventual tentativa de homicídio quanto à pessoa da Assistente BB.
Por todo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deverá o presente Recurso improceder, e, consequentemente, ser confirmada a decisão proferida pelo tribunal a quo na íntegra dentro dos estritos domínios da legalidade, sendo por isso de manter ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva.
Por isto e por tudo, só assim V. Exas. farão a habitual e necessária Justiça.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto.
Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Cumpridos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
No despacho de 26-07-2023, ora recorrido e da respectiva fundamentação, consta o seguinte:
Dos factos indiciados:
Depois de realizado o interrogatório do arguido e analisada toda a prova produzida até este momento nos presentes autos, e com relevância para a aplicação da medida de coação, afigura-se-nos que os autos indiciam fortemente a prática pelo arguido da seguinte factualidade imputada pelo Ministério Público:
O arguido AA e a ofendida BB tiveram uma relação de comunhão de mesa, leito e habitação, que se iniciou no ano de 2021 e que cessou no mesmo ano.
Em data não concretamente apurada, mas anteriormente a 15 de julho de 2023, na via pública em Aljustrel, AA dirigiu-se a BB e proferiu as seguintes expressões: «és uma puta», «não vales nada», «vou-te partir toda» e «vou dar cabo de ti».
No dia 15 de julho de 2023, pelas 10:30 horas, AA deslocou-se à residência de BB, na Bairro da Cruz Vermelha, nº 12, 7600-160 Cargueiro, Aljustrel.
Ali chegado, AA fez força na porta de entrada e, quando esta cedeu, entrou na habitação.
No seu interior, ao ser intercetado por CC, atual companheiro de BB, AA desferiu um número não concretamente apurado de socos, chapadas e pontapés na cabeça daquele, causando-lhe dor e dificuldades auditivas temporárias.
Em seguida, AA dirigiu-se a BB, que se encontrava num corredor da habitação e desferiu-lhe um número não concretamente apurado de murros e pontapés por todo o corpo, membros e cabeça, até esta perder os sentidos, continuando a agredi-la enquanto a mesma se encontrava prostrada no chão.
Com os golpes desferidos, AA gerou em BB:
a) traumatismo crânio-encefálico;
b) hematoma com sangramento na face direita do rosto;
c) hematoma na região supraclavicular direita;
d) hematoma na região supraclavicular esquerda;
e) hematoma na região clavicular direita;
f) hematoma na região infraclavicular direita;
g) hematoma na região infraclavicular esquerda;
h) hematoma na região peitoral direita;
i) hematoma na região peitoral esquerda;
j) hematoma na região deltoidiana esquerda;
k) hematoma na região do terço superior do braço esquerdo;
l) hematoma na região temporal direita;
m) hematoma na região orbital direita;
n) hematoma na região do dorso do pé direito;
o) hematoma na região do dorso do pé esquerdo;
p) hematoma na região do dorso da mão direita;
q) hematoma na região da palma da mão esquerda;
r) hematoma na região dos dedos da mão esquerda e
s) hematoma na região dos dedos da mão direita.
Aquando das agressões descritas em 5., 6. e 7. estavam no local EE, de 8 anos de idade e FF de 5 anos de idade, ambos filhos de BB.
Ao sair do local, AA disse a CC e a BB que se fizessem queixa à GNR que matava BB.
AA atua motivado por ciúmes, não aceitando o fim da relação que teve com BB, nem que esta tenha um novo relacionamento amoroso.
AA consome cocaína e álcool, ficando embriagado com periodicidade semanal.
AAA tem acesso a armas.
AA foi já condenado pelo crime de homicídio.
O arguido, ao entrar na habitação de BB sem autorização desta, sabia estar em naquele lugar contra a sua vontade de quem ali habitava, o que quis fazer e efetivamente fez.
O arguido, ao desferir murros, pontapés e chapadas em CC, atuou com o propósito concretizado de molestar o seu corpo e a saúde e de lhe produzir dor, o que fez motivado pelo facto do mesmo ser o namorado da sua ex-companheira, o que quis fazer e efetivamente fez.
O arguido agiu com intenção de causar dor, medo, humilhação, sofrimento físico e psíquico a BB, atingindo assim a saúde, o equilíbrio emocional, a paz, o sossego, a dignidade pessoal e a honra da vítima, o que efetivamente fez.
O arguido, ao agir da forma descrita, sabia que atuava na residência de BB e perante os filhos desta, o que quis fazer e efetivamente fez.
O arguido, ao dizer que matava BB caso fosse denunciado à GNR, atuou com o propósito de fazer com que nem BB nem CC denunciassem os factos por si perpetrados, o que quis fazer e efetivamente fez.
O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, e tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa mesma avaliação.

Tais indícios resultam dos meios de prova comunicados ao arguido, nomeadamente: Elementos probatórios:
• Auto de notícia de violência doméstica de fls. 3 a 7;
• Relatório fotográfico de fls. 8 a 10;
• Diário clínico de fls. 11;
• Episódio de urgência de fls. 12;
• Auto de inquirição de fls. 39 a 42;
• Auto de inquirição de fls. 26 e 52 e 53;
• Auto de inquirição de fls. 27, 54 e 55;
• Auto de inquirição de fls. 28 e 50 a 51;
• Ficha de sinalização de fls. 29
• Ficha de sinalização de fls. 31;
• Informação de fls. 36;
• Auto de inquirição de fls. 57 e 58.
• Certificado de Registo Criminal de fls. 86 ss.

Fundamentação da decisão relativamente aos factos probatoriamente indiciados
A aplicação de uma qualquer medida de coação reconduz-se estruturalmente à demonstração de uma dupla dimensão, decorrente, por um lado, de um juízo de indiciação da prática de certo crime e, por outro, de exigências cautelares de prevenção (fumus comissi delicti e pericula libertatis).
De acordo com o juízo de indiciação da prática de certo crime o Tribunal concluirá pela ausência de indícios, pela existência de indícios ou pela verificação de fortes indícios.
Destarte, para a aplicação de uma medida de coação exceto o TIR a lei impõe a existência ou de indícios da prática de um crime (artigo 197º, 198º e 199º Código de Processo Penal) ou de fortes indícios da prática de um crime (artigos 200º, 201º e 202º Código de Processo Penal).
Há fortes indícios da prática de uma infração quando há sinais claros que permitem concluir que, com uma grande probabilidade, o arguido praticou os factos pelos quais vem indiciado.
São, portanto, indícios sólidos e inequívocos que demonstram a aparência muito provável da responsabilidade do arguido na prática dos crimes indiciados.
Cumpre referir que nos termos do art. 127º do CPP, sempre que a lei não disponha de modo diverso, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
O princípio da livre apreciação da prova é válido para todas as fases processuais, incluindo a do inquérito.
Não equivale a prova arbitrária.
O juiz não pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas. A convicção do juiz não pode ser puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável.
In casu, da prova carreada constante dos autos é possível formular um juízo de forte indiciação em relação aos factos imputados ao arguido nos seguintes termos:
Estes factos encontram-se fortemente indiciados face aos elementos de prova constantes dos autos e comunicados ao arguido, designadamente prova documental, prova testemunhal e declarações do arguido AA.
Os factos indiciados estão devidamente sustentados pelos elementos juntos aos autos, dos quais se denota que o arguido nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 3) se deslocou à casa da ofendida, importunando a paz e a liberdade da visada, intimidando-a, exercendo violência psicológica e física contra a sua ex-companheira e contra o atual companheiro desta, CC.
O arguido AA quis prestar declarações, dizendo negar a factualidade indiciária, mas acabando por a confirmar parcialmente, embora desresponsabilizando a sua conduta.
Vejamos:
Com efeito, o arguido disse que no dia 15 de julho de 2023 se deslocou a casa da ofendida, mas quis fazer crer ao tribunal que apesar de ter forçado o estore de uma janela – isto porque a ofendida não lhe abria a porta -, não entrou na casa, que apenas se envolveu em agressões físicas (mútuas) com o CC, companheiro da ofendida, no exterior da casa, e que não ofendeu verbal ou fisicamente a ofendida, a qual, sustenta, desmaiou dentro de casa e caiu ao chão.
Confrontado com os fotogramas de fls 8 a 10 considera que os ferimentos ali evidenciados resultarão da referida queda ao chão, na sequência do desmaio que relatou.
O arguido desvalorizou os factos que ditaram a sua anterior condenação pela prática de um crime contra a vida (homicídio simples), relatando que tudo decorreu de uma confusão com três rapazes, que se defendeu com uma navalha e que “inconscientemente deferiu um golpe num deles” sic.
Com efeito, tais declarações do arguido revelaram-se contraditórias, desresponsabilizantes e sempre com externalização da culpa, não logrando convencer o Tribunal.
Ademais, a versão do arguido é claramente contrariada pelo auto de noticia, fotogramas, episódio de urgência e autos de inquirição da ofendida BB, do ofendido CC, da testemunha GG, da testemunha II e da testemunha DD.
Consta do seu auto de inquirição, que a ofendida BB (fls 39 e ss) relatou, em síntese, que o arguido tentou abrir uma janela, mas que acabou por se introduzir na casa em virtude de CC, seu namorado, ter aberto a porta, o qual nessa sequência, foi imediatamente agredido com murros e pontapés pelo arguido, e que quando a ofendida passou pelo arguido para ir buscar o seu filho EE à sala e levar para o quarto da irmã, para que não presenciasse a altercação, foi imediatamente agredida pelo arguido com murros e pontapés na cabeça e nas costas.
Consta ainda dos autos de inquirição do ofendido CC (fls 28 e 50), e em síntese, que este abriu a porta e que o arguido de imediato o agrediu com pontapés e murros e chapadas na zona dos ouvidos – afirmando ter ficado com dificuldades em ouvir -, e que de seguida agrediu a ofendida BB com murros quando esta passou junto aos mesmos para ir buscar o filho que se encontrava na sala. Do auto de fls 50 e ss consta ainda que quando CC tentou ajudar a ofendida BB a levantar-se do chão, o arguido desferiu pontapés na zona das pernas e do tronco da ofendida, quando esta ainda estava no chão.
Quanto à testemunha GG, cf. respetivos autos de inquirição (fls 26 e 52), igualmente esta relatou ter visto o arguido a agredir o ofendido CC com murros e pontapés, e que quando a ofendida BB lhe abriu a porta viu que a mesma estava a sangrar e a casa tinha sangue “por todo o lado” sic. Descreveu, no auto, o arguido como uma pessoa conflituosa e agressiva, principalmente quando sob efeito de álcool.
A testemunha II, cf. respetivos autos de inquirição (fls 27 e 54), relatou que quando chegou ao local o arguido já se encontrava na sua viatura, mas que saiu da mesma para lhe dizer que já tinha agredido fisicamente a ofendida BB, sua filha, e que lhe batia as vezes que quisesse, e que a apelidou de vários nomes, que era uma “puta”, que andava com um e com outro, e que de seguida o arguido avistou CC, a quem começou a agredi-lo, tendo os mesmos sido separados pela testemunha, que relatou ainda que o arguido lhe disse que não teria problema nenhum em matar a filha e o ofendido.
A testemunha HH, cf. respetivo auto de inquirição (fls 57), relatou que reside numa casa contigua à da ofendida e, muito embora não tenha presenciado atos de violência, relatou que o arguido tinha por hábito parar à sua porta, conversando consigo, cerca de duas vezes por semana, ou mais.
As indiciadas agressões a BB perpetradas pelo arguido, encontram ainda respaldo nos fotogramas de fls 8 a 10 e episódio de urgência de fls 12.
E assim, dos elementos probatórios já carreados para os autos, nomeadamente do auto de notícia e fotogramas anexos, dos autos de inquirição da ofendida e do ofendido e das testemunhas, cometeu os factos pelos quais vem indiciado, nomeadamente os que se subsumem no tipo de “violência doméstica”.
Assim e em suma: atenta a livre apreciação da prova que recai sobre as declarações do arguido, concatenadas com os restantes elementos probatórios, as mesmas não mereceram qualquer credibilidade e apenas são compreensíveis como forma de justificar e minorar a gravidade dos seus atos.
Assim, da prova carreada resulta a prática dos factos indiciariamente provados pelo arguido.

Qualificação jurídica dos factos:
No que à qualificação jurídica dos factos indiciados respeita, seguimos o enquadramento do Ministério Público.
Porquanto, e ao que aqui releva, do conjunto dos elementos probatórios recolhidos, supra indicados, resulta que se encontram fortemente indiciados da prática, em autoria material, na forma consumada de:
- Um crime de violência doméstica, p. e p. no artigo 152º, nº 1, alíneas a) e c) e nº 2, al. a) do Código Penal, na pessoa de BB Isabel Raposo Pires;
- Um crime de violação de domicílio, previsto e punido pelo artigo 190º, nº 1 do Código Penal;
- Um crime de coação agravada, previsto e punido pelos artigos 154º, nº 1, 155º, nº 1, a) do Código Penal, na pessoa de CC.
- Um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145º, nº 1, al. a), todos do Código Penal, na pessoa de CC.

Escolha e Aplicação da medida de coação
O arguido vem fortemente indiciados da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. no artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2, al. a), do Código Penal, tipo de ilícito punido com pena de prisão de 2 a 5 anos, um crime de violação de domicílio, previsto e punido pelo artigo 190º, nº 1 do Código Penal, tipo de ilícito punido com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 240 dias; um crime de coação agravada, previsto e punido pelo artigo 154º, nº 1, 155º, nº 1, a) do Código Penal, tipo de ilícito punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, e um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145º, nº 1, al. a), todos do Código Penal, tipo de ilícito punido com pena de prisão até 4 anos.
O Digno Magistrado do Ministério Público promoveu em relação ao arguido a medida de coação de prisão preventiva.
Em conformidade com a alteração operada pela lei nº 20/2013, de 21 de fevereiro o Juiz não se encontra vinculado à gravidade da medida promovida quando exista perigo de continuação da atividade criminosa ou de fuga.
Foi exercido o competente contraditório por parte da defesa.
Cumpre apreciar e decidir
As medidas de coação e de garantia patrimonial são meios processuais de limitação da liberdade pessoal ou patrimonial dos arguidos, pelo que, assumem natureza excecional e estão taxativamente previstas na lei - princípio da legalidade (artigo 191º do Código de Processo Penal) - apenas se justificando a sua aplicação em função das exigências de natureza cautelar concretamente sentidas.
Neste sentido, a liberdade das pessoas só pode ser limitada em função de exigências processuais de natureza cautelar, devendo a aplicação de medidas de coação ser precedida de um juízo de prognose orientado pelos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, nos termos do disposto no artigo 193º do Código de Processo Penal.
O juízo de aplicabilidade de uma medida de coação deverá sempre ter subjacente o princípio da presunção de inocência que todo o arguido goza até ao momento do trânsito em julgado da sua condenação. E daqui decorre a subordinação da disciplina legal do regime das medidas de coação aos princípios constitucionais da legalidade, da proibição do excesso, nas suas vertentes da necessidade, adequação e proporcionalidade, da precariedade e da subsidiariedade da prisão preventiva.
A privação da liberdade é a ultima ratio, sendo que deve ser dada preferência à aplicação da medida de obrigação de permanência na habitação em detrimento da aplicação da prisão preventiva, quando aquela “se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares”.
A Constituição da República Portuguesa prevê, no artigo 28º nº 2, a excecionalidade da prisão preventiva.
Daí que a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função das exigências processuais de natureza cautelar – cfr. Art. 191º, nº 1 do CPP - sendo que os princípios constitucionais da exceção e da necessidade de qualquer medida privativa da liberdade (OPH e prisão preventiva), atenta a natureza de medidas gravosas lhe conferem o carácter de meio excecional e subsidiário – nº 2 do art. 193º do CPP.
Como requisitos gerais de qualquer das medidas de coação enunciados nos artigos 191º a 194º do CPP, onde se destaca que:
- A liberdade só pode ser limitada em função de exigências processuais de natureza cautelar-cfr. Art. 191º;
- As medidas de coação devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
- A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação.
- Quando couber ao caso medida de coação privativa da liberdade, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.
- A execução das medidas de coação e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requerer. Cfr. art. 193º do CPP.
O fumus comissi delicti traduz-se na existência de indícios (artigos 197º nº 1, 198º nº 1 e 199º nº 1) ou “fortes indícios” (artigos 200º, 201º e 202º do Código de Processo Penal) da prática de um crime.
Deste modo, é necessário que seja possível formular um “juízo de indiciação” da prática de certo crime, pelo que se impõe uma comprovação objetiva face aos elementos probatórios disponíveis.
Por outro lado, não basta a existência de indícios ou fortes indícios da prática do crime e os requisitos específicos definidos na lei para cada uma de tais medidas, importa ainda a verificação do periculum libertatis.
É necessário, portanto, que se verifiquem os requisitos ou condições gerais referidas nas várias alíneas do artigo 204º do Código de Processo Penal.
Tais requisitos são taxativos, bastando, consequentemente, a existência de algum deles para que a medida possa ser aplicada.
São eles:
a) “fuga ou perigo de fuga;
b) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;
c) perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.”.
No caso em concreto cremos estarem verificam os seguintes requisitos que integram o periculum libertatis

a) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa com a prática de factos da mesma natureza ou perturbem gravemente a ordem e a tranquilidade públicas
Como é consabido o perigo de continuação da atividade criminosa decorrerá de um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, a efetuar a partir de circunstâncias anteriores ou contemporâneas à conduta que se encontra indiciada e sempre relacionada com esta.
Neste conspecto, reportamos de interesse, pela clarividência e ponderação apresentadas, deixar consignado o que ensina Germano Marques da Silva “o fundamento da medida de coação referido na alínea c) do art. 204º deve ser cuidadosamente interpretado, em termos que o seu âmbito se restrinja ao de verdadeiro instituto processual, com função cautelar atinente ao próprio processo, e não de medida de segurança alheia ao processo em que é aplicada. O perigo de continuação da atividade criminosa há de resultar das circunstâncias do crime imputado ao arguido ou da sua personalidade.
Atentas as circunstâncias do crime ou a personalidade do arguido pode ser de recear a continuação da atividade criminosa, o que importa evitar e a lei permite que para tal sejam aplicadas medidas de coação. Assim, por ex., se atentas as circunstâncias do crime e a personalidade do arguido for de presumir a continuação da atividade criminosa pode justificar-se a prisão preventiva. A aplicação de uma medida de coação não pode servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, mas tão-só a continuação da atividade criminosa pela qual o arguido está indiciado. É que nem a lei substantiva permite aplicação de medidas de segurança a qualquer pessoa com o fim de prevenir a sua eventual atividade criminosa, mas apenas medidas cautelares para prevenir a continuação da atividade criminosa pela qual o arguido está já indiciado” - Vide Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 3ª ed. revista e atualizada, 2002, págs. 268 e 269.
Nos presentes autos evidencia-se desde logo o perigo de continuação da atividade criminosa por parte do arguido, com a prática de factos da mesma natureza.
No caso imputa-se ao arguido, designadamente e ao que aqui releva, a prática de um crime de violência doméstica.
No caso dos autos resulta, pois, que em face da personalidade e demais circunstâncias demonstradas pelo arguido na prática dos factos, que apesar de condenado por sentença transitada em julgado pela prática de crime contra a vida, desvaloriza a sua anterior conduta e condenação e, após o cumprimento da pena, retomou comportamentos desconformes ao Direito, atemorizando a ofendida BB, não revelando a anterior condenação ter surtido efeito dissuasor para a prática de novas conduta disruptivas por parte do arguido, mostrando-se agora indiciadas práticas delituosas dirigidas à sua ex-companheira e ao atual companheiro da vítima, mostrando assim nula capacidade de se motivar pelo cumprimento dos normativos que regem a vivência em comunidade.
A gravidade dos crimes em causa apresenta-se como extremamente elevada, demonstrando o arguido descontrolo dos seus impulsos, sendo o mesmo motivado por ciúme e obsessão (veja-se que resulta do auto de inquirição da testemunha DD que o arguido se deslocava regularmente para perto da casa da vítima), sendo patente o perigo concreto de continuação da atividade criminosa por parte deste.
Assim, todas estas circunstâncias que estiveram na base da atuação do arguido continuam a subsistir com previsível repetição das condutas em causa, pelo que se verifica uma probabilidade elevada de continuação da atividade criminosa com a prática de factos da mesma natureza pelos quais está indiciado.

b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito do processo
O perigo a que se refere este preceito é, claramente e apenas, um perigo para a prova, servindo a medida aplicada para “evitar a manipulação do material probatório já in actis ou que potencialmente aí possa estar”, ou seja, para enfrentar “o perigo de inquinamento das provas”.
Visa, no dizer de Roxin, evitar o perigo de entorpecimento com base na forte suspeita de que o arguido “destrua, modifique, oculte, suprima ou falsifique meios de prova”, “influa de maneira desleal nos co-arguidos, testemunhas ou peritos” ou “induza outros a realizar tais comportamentos” - Vide Ac. TRL 08-10-2003, proc. n.º 7002/2003-3, relator Carlos Almeida, disponível em www.dgsi.pt.
Para que se possa fundamentar a aplicação de uma medida de coação com base neste requisito, tem que ser possível a indicação precisa das circunstâncias, objetivas e subjetivas, que tornam altamente provável uma intervenção inquinante sobre as fontes de prova.
No caso concreto, pelos factos indiciados é possível concluir pelo perigo de perturbação do decurso do inquérito, com perigo para a conservação e preservação da prova, na medida em que o arguido pode tentar manipular, influenciar ou intimidar a ofendida e/ou as testemunhas nos autos, que lhe são acessíveis e cujas identidades e os locais que frequentam conhece.
Com efeito, em face dos depoimentos recolhidos no inquérito é possível constatar que o arguido é uma pessoa conflituosa e que age por impulso, pelo que eventuais depoimentos quanto aos factos, ficarão à mercê do receio de represálias por parte do arguido e como tal, poderão inviabilizar tal meio de prova.
Face ao exposto cumpre aplicar medidas de coação que se revelem adequadas, necessárias e proporcionais, e que, de forma eficaz, previnam os referidos perigos.
As medidas de coação devem ser ponderadas e proporcionais às medidas cautelares que o caso requer, bem como proporcionais à gravidade do crime e sanções previsivelmente que venham a ser aplicadas, art. 193º, nº 1 do C. P. Penal.
Não deixando de se salientar que, compulsados os antecedentes criminais do arguido AA, sempre as suas exigências cautelares do caso serão, a nosso ver, muito significativas, porquanto o mesmo já foi condenado, por decisão transitada em julgado, pela prática de crime contra a vida.
Na verdade, é inequívoco que a medida de coação de Termo de Identidade e Residência se revela manifestamente insuficiente, sendo que a imposição de obrigações, por si só, também não se revela suficiente para evitar que o arguido volte a cometer atos da mesma natureza.
Com efeito, o contexto e a forma como foram praticados os factos demonstram uma personalidade impulsiva e descontrolada, a qual cremos que não será travada com uma simples imposição de obrigações.
E o mesmo se diga em relação à medida de obrigação de permanência na habitação, a qual, ainda que complementada com a eventual utilização de meios de controlo à distância, não é adequada nem suficiente, porquanto a utilização dos meios referidos permite controlar a execução da medida mas não impede que o arguido, num ato de impulsividade como os descritos, repita atos de idêntica natureza e concretize as ameaças de morte que não se coíbe de proferir.
Conforme referem Manuel Matias e Mauro Paulino em “O Inimigo em Casa”, Prime Books: “(…) a investigação tem-se debruçado sobre a questão dos fatores de risco contribuindo para a distinção entre o risco de agressão conjugal e o risco de homicídio conjugal.
Desta forma é fundamental que os profissionais incluam como obrigatória na sua rotina profissional diária a questão da avaliação do risco e respetiva elaboração do plano de segurança.
Alguns principais indicadores do risco de violência conjugal e de homicídio conjugal a ter em conta são: (…) abuso do álcool e drogas; acesso/posse de armas, ameaças com armas, ameaças de morte, ameaças de suicídio, atitudes de dominância de poder extremas, atitudes/comportamentos obsessivos e ruminativos (repetitivo e negativo), ciúmes excessivos, comportamento violento generalizado, ferimentos graves em incidentes anteriores, morbilidade psiquiátrica/psicopatologias, prática de sexo forçado com a vítima, uso de armas em incidentes anteriores”.
A situação concreta é, assim, qualificável de alto risco para a vida da(s) vítima(s).
Assim, a prisão preventiva é a única medida coativa que se mostra adequada às exigências cautelares ínsitas nos perigos verificados nos autos, sendo proporcional aos factos praticados e à sua gravidade.

Decisão:
Em face do exposto, decide-se, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 191º, nº 1, 193º, nº 1, 196º, 202º nº 1 alínea b) ex vi artigo 1º, alínea j), 204º, alínea b) e c) todos do Código Processo Penal que o arguido AA aguarde os ulteriores trâmites processuais sujeito às seguintes medidas de coação:
a) Termo de Identidade e Residência já prestado nos autos;
b) Prisão preventiva, em conformidade com o previsto no artigo 202º do Código de Processo Penal.
(…)

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

De acordo com o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19-10-95, publicado no D.R. I-A de 28-12-95, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.

No caso em apreço, atendendo às conclusões, as questões que se suscitam são as seguintes:
- Impugnação do despacho judicial que aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, por insuficiência de indícios probatórios.
- Impugnação da medida de coacção de prisão preventiva, imposta ao arguido AA, por ausência dos pressupostos de carácter geral e específicos para a sua aplicação.

B. Decidindo.
Quanto à impugnação do despacho judicial que aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, por insuficiência de indícios probatórios.
Vistos os autos resultam evidentes os fortes indícios da prática pelo arguido dos factos que se mostram indiciados no despacho recorrido, nomeadamente e especificamente, as declarações da assistente, a prova documental, a prova testemunhal e as declarações do arguido AA.
Os factos indiciados estão devidamente sustentados pelos elementos juntos aos autos, dos quais se denota que o arguido nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 3) se deslocou à casa da ofendida, importunando a paz e a liberdade da visada, intimidando-a, exercendo violência psicológica e física contra a sua ex-companheira e contra o atual companheiro desta, CC.
Tais factos indiciam fortemente a prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea a), do Código Penal, com pena de prisão de 2 a 5 anos, de um crime de violação de domicílio, previsto e punido pelo artigo 190º, nº 1 do Código Penal, com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 240 dias, de um crime de coação agravada, previsto e punido pelo artigo 154º, nº 1, 155º, nº 1, alínea a) do Código Penal, com pena de prisão de 1 a 5 anos e um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145º, nº 1, alínea a), do Código Penal, com pena de prisão até 4 anos.
Assim, pese embora as declarações do arguido, as mesmas não merecem qualquer credibilidade, tratando-se de meras declarações desresponsabilizadoras, nomeadamente perante os relatórios médicos constantes dos autos e a origem das lesões apresentadas, no actual momento processual não passam de meras declarações, sem qualquer valor indiciário ou probatório.
No caso, não se verifica qualquer alteração nos fundamentos do então decidido, por não emergir qualquer alteração na factualidade indiciada.
Os factos circunstanciais aduzidos em sede de recurso pelo arguido, relativos ao diferendo com a assistente relativamente aos referidos créditos e dívidas, não têm nos autos qualquer respaldo probatório.
Então as declarações do arguido, no momento, são apenas meras declarações, não revestem no actual momento processual, qualquer relevância, face aos elementos constantes dos autos e supra, referidos, revelando apenas constituir uma mera negação de tais meios de prova, para procurar enfraquecer a evidência e clareza, destes indícios, mas sendo insusceptível de por si só, alcançar tal efeito.
Nestes termos, resultam evidentes dos autos, nomeadamente, dos elementos probatórios constantes dos mesmos, no actual momento processual, fortes indícios, da prática pelo arguido AA, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea a), de um crime de violação de domicílio, previsto e punido pelo artigo 190º, nº 1, de um crime de coação agravada, previsto e punido pelo artigo 154º, nº 1, 155º, nº 1, alínea a) e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145º, nº 1, alínea a), todos do Código Penal.
Pelo exposto, improcede manifestamente, nesta parte o recurso interposto.

Da impugnação da medida de coacção de prisão preventiva, imposta ao arguido AA, por ausência dos pressupostos de carácter geral e específicos para a sua aplicação.
Como é sabido o estado de liberdade é o estado natural de todo o ser humano (Simas Santos e Leal-Henriques em “Código de Processo Penal Anotado”, vol. I, Rei dos Livros, 2ª Ed., pág. 993, em anotação ao artigo 202º afirmam “A liberdade individual é, a seguir à vida, um dos mais relevantes bens do Homem”) e é, por isso, que o direito à liberdade vem consagrado como um direito fundamental no artigo 27º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, definindo logo o texto constitucional as excepções a esse direito, entre as quais (cfr. nº 3, alínea b), do citado preceito) a possibilidade de prisão preventiva por fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a cinco anos, pelo tempo e nas condições que a lei determinar.
Para que ficasse bem vincada a excepcionalidade da prisão preventiva, o artigo 28º, nº 2, do texto constitucional assim o consagra expressamente, mais estipulando que não pode ser decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.
Assim, da Constituição logo resultam os princípios fundamentais a observar em matéria de aplicação de medidas de coacção e, particularmente, no que concerne à privação da liberdade, a sua natureza excepcional e, portanto, residual e subsidiária relativamente a outras medidas de coacção.
No desenvolvimento do texto constitucional a lei processual penal estabelece diversos requisitos substantivos de cuja verificação depende a aplicação de medidas de coacção, alguns deles traduzidos em princípios que directamente derivam daquele texto.
Assim, o artigo 191º, nº 1, do Código de Processo Penal estipula que “A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei” - princípio da legalidade das medidas de coacção.
Consiste este princípio em que só pode ser aplicada medida de coacção ou de garantia patrimonial prevista na lei e para os fins de natureza cautelar, na mesma, previstos.
O artigo 192º, nº 2, do mesmo diploma estipula que “Nenhuma medida de coacção (…) é aplicada quando houver fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal”, princípio da necessidade na aplicação de medidas de coacção, que consiste em que o fim visado pela concreta medida de coacção decretada não pode ser obtido por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido.
O artigo 193º, nº 1, do citado diploma preceitua que “As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas” - princípios da adequação e proporcionalidade na aplicação das medidas de coacção.
Destes princípios decorre, por um lado, que as medidas de coacção e de garantia patrimonial devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e, por outro, proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ao arguido.
O nº 2 do mesmo preceito, importando o próprio texto constitucional, determina que a prisão preventiva bem como a permanência na habitação, só possam ser decretadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção, princípio da subsidiariedade na aplicação da medida de coacção privativa da liberdade, a que alguns autores se referem como critério de última “ratio”.
O artigo 202º, nº 1, do Código de Processo Penal, reforçando os princípios da adequação e subsidiariedade, estipula novos requisitos substantivos agora relativos ao crime imputado e grau de indiciação da sua prática, ponto de partida para o equacionar da aplicação deste tipo de privação da liberdade. E para que tal possa ser equacionado, à luz dos princípios antes referidos, necessário é que, primeira regra, existam fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a cinco anos - cfr. alíneas a) b) do citado preceito.
Ou seja, nos termos do preceituado no artigo 202º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, a prisão preventiva pode ser aplicada se estiver em causa um crime doloso, que corresponda a criminalidade violenta, resultando do artigo 1º, alínea j), do Código de Processo Penal, a densificação de criminalidade violenta, as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos.
Note-se, novamente, que a este nível ainda se exige que, num juízo de prognose, seja proporcional à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada, o que deve impedir a sua aplicação quando seja previsível a aplicação de pena de multa cominada alternativamente na norma incriminadora, a aplicação de pena de prisão substituível por multa ou por outra pena não privativa da liberdade, a cumprir por dias livres ou em regime de semidetenção ou de duração previsivelmente inferior à da privação da liberdade ou, ainda, cuja execução venha a ser suspensa.
Por último, a lei processual penal fornece-nos o quadro das exigências cautelares que justificam a aplicação de medidas de coacção, que não o termo de identidade e residência, sob a designação de requisitos gerais da aplicação das medidas de coacção (o termo de identidade e residência – terá de ser sempre aplicada independentemente da existência ou não das exigências cautelares que a seguir se referem) – cfr. artigo 204º, do Código de Processo Penal.
Preceitua o artigo 204º, do Código de Processo Penal que “Nenhuma medida de coacção à excepção da prevista no artigo 196º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.”.
Ou seja, relativamente a medidas privativas da liberdade, as referidas exigências cautelares terão de ser de tal modo intensas que se possa concluir que não podem ser devidamente acauteladas com a aplicação de qualquer outra medida de coacção não privativa da liberdade, isolada ou cumulativamente, nos casos em que a cumulação é permitida.
Concluindo, a prisão preventiva constitui a medida de natureza cautelar mais gravosa, pelo que a sua imposição tem de obedecer a determinados pressupostos legais, uns de carácter geral (artigo 204º, do Código de Processo Penal), outros de carácter específico (artigo 202º, nº 1, alínea a), do mesmo Código de Processo Penal).
Como pressupostos de carácter geral, não cumulativos, temos:
- Fuga ou perigo de fuga;
- Perigo de perturbação da investigação;
- Perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.
Quanto aos pressupostos de carácter específico, os quais são cumulativos, temos:
- A existência de fortes indícios da prática de crime;
- Que o crime indiciado seja doloso;
- Que o crime indiciado seja punível com pena de prisão de máximo superior ou igual a 5 anos.
Para além destes pressupostos, a lei faz depender a aplicação desta medida de coacção da verificação das seguintes condições:
- A inadequação ou insuficiência das outras medidas de coacção - artigo 202º, nº 1, do Código de Processo Penal.
O recorrente, nas suas motivações de recurso, alega, em síntese, que face às circunstâncias concretas constantes dos autos, verifica-se que a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, é inaplicável no caso concreto, face à inexistência de fortes indícios da prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea a), mostrando-se desadequada e desproporcional, às necessidades cautelares que os autos requerem, devendo por isso ser revogada a medida de coacção de prisão preventiva a que o recorrente se encontra sujeito e substituída por outra menos gravosa.
Cumpre decidir.
Desde logo, a Mmª Juiz a quo fundamentou (e bem) a medida de coacção aplicada com base na verificação de fortes indícios da prática pelo arguido/recorrente de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea a), de um crime de violação de domicílio, previsto e punido pelo artigo 190º, nº 1, de um crime de coação agravada, previsto e punido pelo artigo 154º, nº 1, 155º, nº 1, alínea a) e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145º, nº 1, alínea a), todos do Código Penal, que nos termos do disposto nos artigos 202º, nº 1, alíneas a) e b) e, 1º, alínea j), ambos do Código de Processo Penal, que por ser punido com pena de prisão de limite máximo igual a 5 (cinco) anos, admite a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.
Fundamentou a aplicação da medida de coacção, no perigo de perturbação do inquérito, de continuação da actividade criminosa, nos termos do disposto no artigo 204º, alíneas b) e, c), do Código de Processo Penal.
Cumpre desde já reafirmar, face ao já supra, referido, os pressupostos cumulativos específicos constantes do artigo 202º, nº 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, a existência de fortes indícios da prática pelo recorrente de um crime de violência doméstica, que é doloso e punível com pena de prisão de máximo igual a 5 anos, verifica-se o requisito específico da medida de coacção de prisão preventiva, não merecendo por isso qualquer censura o despacho recorrido, neste particular.
Os pressupostos do artigo 204º, do Código de Processo Penal, não são cumulativos, pelo que basta a existência, no caso concreto, de qualquer dos perigos aí previstos para justificar a decisão tomada.
No despacho objecto do recurso, além de se atender à gravidade objectiva dos crimes praticados indiciariamente praticados pelo arguido/recorrente, que agrediu de forma violenta a sua ex-companheira, existindo indícios nos autos resultantes das declarações da assistente, dos depoimentos das testemunhas e do certificado de registo criminal do arguido, a sua personalidade conflituosa, impulsiva e perigosa, assim, ponderadas as exigências cautelares concretas que os autos impõem, atenta a natureza e as circunstâncias dos crimes indiciariamente praticados e as condições pessoais do arguido/recorrente, que permitem afirmar, que a sua personalidade indicia fortemente o perigo de perturbação do inquérito, no sentido da contaminação prova a produzir através da manipulação da mesma prova pelo contacto direto com as testemunhas e os ofendidos e, de continuação da actividade criminosa, porque fica com a possibilidade de voltar a interagir com as vítimas, de forma até mais gravosa e irreversível, verificando-se, pois o disposto nas alíneas b) e, c), do artigo 204º, do Código de Processo Penal.
Por tudo isto resulta evidente que apenas uma medida de coacção restritiva da liberdade, resulta desde logo, como a única adequada a evitar a verificação de tais perigos, sendo que destas, a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica não se mostra possível de aplicar, face ao concreto perigo de continuação da actividade criminosa, pois esta medida de coacção não consegue evitar tal tipo de ocorrências ou seja, satisfazer as necessidades cautelares que os autos exigem, como aliás é do conhecimento geral.
Assim, a medida de coacção aplicada – prisão preventiva – é, no caso vertente, adequada e proporcional aos crimes indiciariamente praticados pelo arguido/recorrente, não se mostrando suficiente ou adequada, face ao supra referido, a aplicação de qualquer outra medida de coacção que não aquela.
Em consequência, é de desatender, à pretensão do recorrente.
Concluindo, encontram-se preenchidos os pressupostos, quer os de carácter geral, quer os de carácter específico, impostos por lei, para que ao recorrente possa ser aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, medida essa que, dentro da panóplia das medidas de coacção previstas na lei, é a única capaz de satisfazer de forma adequada e suficiente as exigências cautelares do caso concreto, pelo que bem andou a Mmª Juiz “a quo” ao ter determinado que o arguido/recorrente AA, aguarde os ulteriores termos do processo em prisão preventiva.
Assim, não resulta do despacho recorrido qualquer inconstitucionalidade, nomeadamente por violação dos artigos 18º, nº 2, 27º, nº 1 e nº 3, 28º, nº 2, 29º, nº 1 e 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
Por tudo o que se deixa dito, o recurso tem forçosamente que improceder, na sua globalidade, não se verificando existir qualquer violação do disposto nos artigos 191º, 192º, 193º, 202º e, 204º, do Código de Processo Penal, 21º, nº 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22-01 e, 18º, 27º, 28º, 29º, 32º e 205º, da Constituição da República Portuguesa.
Em vista do decaimento total no recurso interposto pelo arguido AA, ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e, 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação do recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

III - DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente que se fixam em 4UC, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.
Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente Acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 07-11-2023
Fernando Paiva Gomes M. Pina (Relator)
Beatriz Marques Borges (Adjunta)
Renato Barroso (Adjunto)