Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
96624/20.3YIPRT.E1
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. A indemnização em sede de litigância de má fé não é ressarcitória, como sucede com a responsabilidade civil, mas meramente sancionatória e compensatória.
2. Assim, neste âmbito, embora a lei faça depender o pagamento da indemnização do pedido, não faz depender a fixação do seu montante da prova do mesmo, podendo este assumir uma forma unitária, abarcando danos patrimoniais e não patrimoniais, cabendo ao julgador fixar o montante ou os montantes em razão do prudente arbítrio e da razoabilidade do caso.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação 96624/20.3YIPRT.E1
2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:



I

AA, instaurou a presente ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, através da prévia apresentação de requerimento de injunção, contra BB e CC, todos melhor identificados nos autos, pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de €12.974,49, acrescida de juros de mora no valor de €94,55, outras quantias de €100,00 e taxa de justiça no valor de €102,00.

Alegou em suma que celebrou com os Réus em 18/08/2019 um contrato promessa de cessão de quotas, junto como Doc. 1.

Tendo ficado estipulado, entre o mais, que durante um ano, os Réus se obrigavam a enviar à Autora documentos contabilísticos e proceder ao pagamento de 50% do rácio apurado das suas transações comerciais até perfazer a quantia de €12.974,49, mantendo-se esta cláusula válida mesmo depois de outorgado o contrato prometido de cessão de quotas e ainda que tal não esteja consagrado no mesmo.

O contrato de cessão de quotas datado de 25/09/2019, junto como Doc. 2, foi celebrado na mesma data.

Conclui afirmando que os Réus não cumpriram aquela obrigação, mesmo depois de interpelados para o efeito, estando aquela quantia vencida, pelo que deverão ser condenados no peticionado.

Os Réus deduziram oposição, arguindo a ineptidão da petição inicial e a exceção de incompetência do Balcão Nacional de Injunções, exceções que foram julgadas improcedentes por decisão de 22/06/2021.

Mais alegaram na oposição:

“- Os requeridos BB e CC desconhecem o teor dos documentos referidos pela requerente, razão pela qual desde já os impugna para todos os devidos e legais efeitos.

- Nunca celebraram com a requente qualquer contrato de cessão de quota, na medida em que, no decorrer do ano de 2019 não adquiriram nenhuma sociedade unipessoal da qual a requerente fosse única sócia.

- Aliás, não se compreende, da leitura dos factos constantes do requerimento a que agora se responde, se estará em causa a alegada cessão de uma quota, ou de quotas, pois a requerente, no seu pedido, fala em ambas.

- Desconhecem igualmente os requeridos a existência de quaisquer valores em dívida para com a requerente.”

Em face da dedução de oposição, os autos passaram a seguir a forma de ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.

A Autora em 15/04/2021 respondeu às exceções e peticionou a condenação dos Réus em multa e indemnização a seu favor, por litigarem de má fé, alegando, nomeadamente que:

- A A. celebrou contrato promessa de cessão de quota com os R.R. em 18/08/2019, depois da realização de várias reuniões, entrega de documentação contabilística e apresentação a clientes.

- O contrato foi elaborado pela filha dos R.R, que é advogada.

- No contrato foram apostas todas as cláusulas que os R.R. exigiram, não tendo sido dada possibilidade à A. para qualquer alteração ou aditamento.

- Na cláusula 5ª do contrato ficou estipulado que o pagamento seria efetuado através de:

- Entrega de cheque bancário no valor de 5.010€, emitido pelos ora R.R à ordem da sociedade – nº 1;

- Entrega de cheque bancário no valor de 7.121,83€, emitido pelos ora R.R. à ordem da sociedade, como forma de suprimento, para pagar as dívidas da sociedade, sendo 3.631,83€ para liquidação do crédito receitante ao veículo com a matrícula ..-AO-.. e o remanescente, no valor de 3.490€, para pagamento de crédito bancário;

- Transferência para a ora A. da percentagem de 50% (cinquenta por cento), até ao montante de 12.974,49€ durante um ano comercial a contar da cessão de quotas, com referência ao rácio apurado sobre os contratos comerciais, com vigência mínima de um ano comercial e sem incumprimentos do clausulado contratual estabelecido .

- Para o cumprimento do pagamento estabelecido no nº 6 da cláusula 5ª do contrato, os ora R.R. obrigaram-se a, trimestralmente e até perfazer um ano civil a contar da cessão das quotas, enviar um Relatório pormenorizado, à ora A. incluindo:

i. um mapeamento de custos;

ii. um rácio entre o valor da faturação, sem iva, do contrato e o seu custo efetivo;

iii. renovações ou rescisões contratuais."

- As partes expressamente reconheceram que o acordo de pagamento, previsto na cláusula 5ª, se manterá válido e em vigor, mesmo depois da celebração do contrato definitivo de compra e venda ora prometido e ainda que não esteja refletido no mesmo.

- A A. cumpriu com todas as obrigações que lhe advieram do contrato celebrado, nomeadamente, a transmissão da propriedade dos veículos com a matrícula ..-AO-.. e da ..., do ano de 2007.

- O contrato de cessão de quotas foi celebrado em 25/09/2019.

- Em 26/09/2019, os R.R., através da sua Filha e Advogada, Drª. DD, procederam ao registo da transmissão de quotas e renúncia à gerência da A., conforme se constata pela consulta da certidão permanente com o código de acesso nº ...27

- Em 30/09/2019, os R.R., por intermédio de sua Advogada Drª. DD, informaram a A. do pagamento do crédito bancário, previsto no nº 2 da Cláusula 5ª.

- Após a celebração do contrato foram encetadas entre as partes e com a colaboração da Drª. DD, várias diligências com vista à conclusão do negócio e, nomeadamente, elaboração de carta de renúncia à gerência da A., entrega de código de acesso à certidão permanente, pagamento e regularização de IES de 2013, entrega de código de beneficiário efetivo.

- A Requerente solicitou, por diversas vezes, aos R.R. o cumprimento do acordado e, nomeadamente, a apresentação dos relatórios, previstos nos nºs 5 e 6 da cláusula quinta do contrato promessa e o pagamento da quantia de 12.974,49€, o que nunca foi cumprido –

- A A. tem conhecimento que a aplicação da percentagem de 50% aos contratos em vigor, estabelecida no nº 6 da cláusula 5ª, já se encontra mais que ultrapassado o valor máximo estabelecido de 12.974,49€, quantia já vencida em 25/09/2020.

- No dia 7/04/2021, a A. recebeu carta do Banco Millenium BCP a informar que, a conta da V..., Lda. se encontra com uma dívida das responsabilidades de crédito, superior a 90 dias e que vão proceder à cobrança coerciva da dívida.

- Quando foi celebrado o contrato de cessão de quotas, foram entregues cópias de todos os documentos ao Banco e foi assumido pelos R.R. que a responsabilidade pelos créditos existentes era sua e se comprometeram a ir ao Banco entregar a livrança assinada para substituir a livrança entregue em garantia pela A. e sua mãe.

- A A. foi ao Balcão e ficou a saber que os R.R. foram ao Banco, levaram todos os documentos para fazer a alteração dos responsáveis e, apesar da insistência do Banco, nunca os devolveram.

(…)

- Como se verifica pelos documentos juntos aos autos, os R.R. ao contrário do que vêm invocar na sua oposição, sabem bem que negócio firmaram com a A.!

(…)

- Os R.R. litigam de má-fé, nos termos do dispostos nos artºs 456º e seguintes do CPC, devendo ser condenados em multa e em indemnização a favor da A., em montante a fixar pelo Douto Tribunal.

Resulta lavrado em ata de audiência de julgamento de 14/09/2021 o seguinte requerimento da Autora: “(…) atenta a posição agora apresentada pelos Réus, da impugnação da autenticidade do contrato de promessa de cessão de quotas, junta aos autos como documento 1, vem a Autora requerer que seja efetuada perícia, para ser averiguado se as rubricas constantes das páginas do contrato e as assinaturas correspondem às assinaturas dos ora Réus”.

Esta perícia é essencial para que se consiga decidir em justiça, nos autos e salvaguardar a posição da Autora.”

O que deu lugar à seguinte tomada de posição dos Réus:

“Relativamente aos documentos juntos pela Autora no seu requerimento de 15/04/2021, nomeadamente o documento 1, intitulado contrato promessa de cessão de quotas, dizem os Réus o seguinte:

Desconhecem o documento junto e impugnam, como falso, para os devidos e legais efeitos, na medida em que o mesmo se encontra rasurado, no ponto 2, cláusula 5º e também o ponto 3, da mesma cláusula.

A ora Autora faz alusão à alegada transmissão de duas viaturas, uma cuja matrícula se desconhece, na medida em que se encontra rasurada, nos pontos 2 e 3, da clausula 5ª e a outra designada ... de 2007, sem fazer qualquer outra identificação da referida viatura, seja matrícula, nº de quadro, ou outra suscetível de o identificar.

O referido documento, não só por estes motivos, mas também pelos acima invocados, designadamente, no que diz respeito às assinaturas e rubricas que não se conhecem, não deve ser considerado pelo Tribunal, como prova válida e admissível, nos presentes autos, o que se requer”.

A perícia foi deferida, a incidir sobre as assinaturas e rubricas da Autora e dos Réus, e mais tarde sobre o texto rasurado e manuscrito, constantes no contrato de promessa de cessão de quotas.

Em 25/11/2022 foi junto aos autos o Relatório pericial.

Concluída a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência decidiu:

A) Condenar os Réus no pedido de pagamento da quantia de € 12.974,49 (doze mil, novecentos e setenta e quatro euros, quarenta e nove cêntimos), vencida a 25.09.2020, acrescida de juros de mora civis, à taxa legal de 4%, devidos desde 25.09.2020 e até efetivo e integral pagamento;

B) Condenar os Réus como litigantes de má-fé no pagamento, solidariamente, de multa que se fixa em 10 (dez) Unidades de Conta, no montante de € 1.020,00 (mil e vinte euros) e em indemnização por litigância de má-fé pelos danos patrimoniais no valor de € 4.747,80 (quatro mil, setecentos e quarenta e sete euros, oitenta cêntimos) e pelos danos não patrimoniais no montante de € 1.000,00 (mil euros) a pagar, solidariamente, à Autora, acrescendo sobre as indemnizações juros de mora civis, à taxa legal de 4%, devidos desde a data de notificação da presente sentença;

C) Condenar os Réus no pedido de pagamento da quantia de € 100,00 (cem euros), acrescida de juros de mora civis, à taxa legal de 4%, devidos desde a data de notificação da presente sentença;

D) Absolver os Réus do pedido de pagamento da quantia de € 102,00 (cento e dois euros) deduzido pela Autora.

Inconformados com tal decisão vieram os Réus recorrer assim concluindo as suas alegações de recurso:

Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença de fls. … que julgou, no âmbito da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniária emergentes de contrato, intentada pela Autora, AA contra os Réus BB e CC que julgou a ação parcialmente procedente por provada e em consequência decidiu:

Condenar, parcialmente, os Réus a pagar à Autora:

(…)

A. Salvo o devido respeito, que é muito, a Douta Sentença recorrida fez uma errada apreciação dos factos e consequentemente aplicou-lhes erradamente o direito.

B. Os recorrentes não podem concordar, de modo algum, com tal decisão, e daí o presente recurso.

C. O presente recurso incidirá maioritariamente sobre os pontos 11, 13, 14, 15 e 16 da matéria dada como provada, com a qual os recorrentes não se conformam, pelo que dela recorrem, e que são os seguintes:

D. Os Réus deduziram oposição cuja falta de fundamento não ignoravam, agindo como dolo, ocultando a verdade, tendo conhecimento que celebraram o contrato de promessa de cessão de quotas e o contrato de cessão de quotas com a Autora, tendo os Réus procedido ao registo da cessão de quotas na Conservatória do Registo Comercial competente no dia 26.09.2019, fazendo dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedindo a descoberta da verdade, entorpecendo a ação da justiça e protelando sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

E. O contrato promessa de cessão de quotas foi assinado e rubricado pela Autora e pelos Réus e ainda rasurado por DD, na qualidade de Advogada, na cláusula quinta, onde consta o montante de €7121,83 e €3631,83 e ainda na matrícula ..-AO-...

F. O contrato de cessão de quotas foi assinado e rubricado pela Autora e pelos Réus.

G. A Autora sofreu incómodos, temor e nervosismo com estes autos.

H. Estes factos foram dados como provados pelo tribunal a quo, tendo por base a seguinte motivação: conjugação das declarações de parte da Autora e dos depoimentos das testemunhas EE, FF, GG e HH, e o teor do contrato promessa.

I. Não podem concordar os aqui recorrentes com a decisão tomada pelo tribunal a quo na medida em que ficou provado é que os Réus assinaram uma versão não rasurada e que só posteriormente à assinatura dos Réus o contrato foi apresentado à aqui Autora para recolha da sua assinatura.

J. Os Réus desconhecem, porque não estavam presentes quando tal ocorreu, o que motivou a rasura do contrato.

K. E ainda que a mesma tenha sido efetuada pela sua filha Dra. DD, não poderia ter sido dado como provado pelo tribunal a quo, que o documento ali apresentado era o mesmo que os Réus tinham assinado.

L. E ainda que os Réus tiveram conhecimento do que ocorreu na reunião tida entre a filha de ambos, Dra. DD, que aqui agiu na qualidade de mandatária dos seus pais, e a Autora, ou seja, que os Réus tiveram conhecimento, ainda que posteriormente, da rasura efetuada ao contrato promessa de cessão de quotas.

M. Resultou provado à saciedade que os Réus, aqui recorrentes, não estavam presentes na reunião ocorrida, em momento posterior entre a Autora e a Dra. DD, filha de ambos.

N. Como pode então o tribunal a quo considerar como considerou ainda que não refira e descreva de que forma, que os Réus agiram com dolo e utilizaram meios processuais de forma reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal e impedir a descoberta da verdade, entorpecendo a ação da justiça (…)???!!!

O. Tendo ficado provado, como ficou, designadamente pelo depoimentos prestado pelo marido da Autora EE e pelas declarações prestadas pela própria que, aquando da apresentação do contrato à Autora apenas estavam presentes ela própria, o seu marido EE, a Dra. DD e o marido desta!

P. Como pode então o tribunal a quo considerar que os autores eram conhecedores das alterações/rasuradas do documento, que as mesmas lhe foram participadas e ainda que as aceitaram.

Q. Ainda mais quando da prova pericial, que não foi valorada pelo tribunal recorrido de forma escorreita e isenta, resulta, a indicação expressa de que a assinatura aposta nos documentos apresentados “pode ter sido” feita pelos Réus e “não é possível formular conclusão” que tenha sido feita pelos Réus.

R. O tribunal a quo condenou também os Réus a pagar à Autora pela perícia às assinaturas e rubricas apostas no contrato promessa de compra e venda o montante de €4747,80, sendo que foram os Réus que culposamente deram origem a esta perícia ao ocultarem a verdade dos factos de modo doloso e intencional a fim de protelar a decisão.

S. Uma vez mais não se compreende esta decisão do tribunal a quo e a mesma não podem os Réus aceitar!!

T. Não foram os Réus a requerer a prova pericial às assinaturas, conforme decorre em concreto da ata da audiência final, de fls…, ocorrida em 14 de setembro de 2021 e que me se diz “(…) vem a Autora requerer que seja efetuada perícia, para ser averiguado se as rubricas constantes das páginas dos contratos e as assinaturas correspondem às assinaturas dos Réus.”

U. E a prova pericial às assinaturas, não foi, salvo melhor opinião, tão conclusiva como o tribunal a quo faz crer, e pior, como o tribunal a quo valorou!

V. Porquanto dela resulta inequívoca a indicação expressa de que a assinatura aposta nos documentos apresentados “pode ter sido” feita pelos Réus e “não é possível formular conclusão” que tenha sido feita pelos Réus.

W. O que tribunal a quo desconsidera não fazendo sequer referencia ao teor das conclusões proferidas naquele relatório pericial, escudando-se na livre apreciação da prova em contraponto com as declarações de parte da Autora e os depoimentos das testemunhas que, ficou provado à saciedade, não assistiram à assinatura dos documentos aqui em crise – contrato promessa de cessão de quotas e contrato de cessão de quotas – por parte dos Réus.

X. Os Réus não agiram culposamente (nem) deram origem a esta perícia ao ocultarem a verdade dos factos de modo doloso e intencional a fim de protelar a decisão, conforme se refere na decisão ora recorrida, nem podiam.

Y. Desde logo, reitera-se, não foram eles quem deu origem à perícia e muito menos quiseram protelar a decisão.

Z. Quiçá considera o tribunal a quo que os Réus mandam e comandam os organismos que realizam as perícias a assinaturas, mormente o Instituto de Ciências Forenses, no sentido de os compelir a fazer tardar os relatórios periciais??!!

AA. Atente-se que entre o requerimento da Autora a solicitar a prova pericial à assinatura os Réus e da filha daqueles, Dra. DD, e ocorrido em 14 de setembro de 2021 e o relatório pericial entregue no tribunal em 24.11.2022 e notificado às partes em 02.12.2022 passaram mais de 14 meses!!

BB. Foram estes culpa dos Réus??!!

CC. Em que fundamento concreto se baseia o tribunal a quo para alvitrar tal algozaria? A de dizer que é culpa dos Réus a decisão tardia do tribunal e que intencionalmente e de forma dolosa deram origem à averiguação, por meio de prova pericial, se as assinaturas que efetivamente constam nos documentos aqui em discussão são efetivamente as suas!!

DD. E, na verdade, reitera-se, daquela nada resultou concluso e sem margem para quaisquer dúvidas, o que o tribunal a quo desvalorizou por completo.

EE. Por último foram os Réus condenados pelos incómodos, temor e nervosismo com estes autos que a Autora sofreu.

FF. Não podem os Réus, uma vez mais concordar com esta decisão.

GG. O artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ao dispor que «a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir», consagrando a velha máxima ne eat judex ultra vel extra petita partium.

HH. Não se vislumbra no petitório da Autora qualquer pedido a título de danos não patrimoniais. Não foram alegados, e muito menos provados, pelas quais quer danos resultantes de incómodos, temores ou nervosismo.

II. Na verdade, nem compreendem os Réus onde o tribunal de 1ª instância de baseou para proferir tal decisão, ou seja, onde se baseou para proferir uma decisão sobre um pedido não formulado pela Autora, violando claramente o Princípio do Pedido e os limites da condenação, previstos nos artigos 609º nº1 do CPC e 3º nº1 do C.P.C.

JJ. É consabido que só são indemnizáveis os danos que afetam profundamente os valores ou interesses da personalidade jurídica ou moral.

KK. Os meros transtornos, incómodos, desgostos e preocupações, cuja gravidade e consequências se desconhecem, não podem constituir danos não patrimoniais ressarcíeis.

LL. Por outro lado, se houver lugar a indemnização, a mesma tem de ser calculada de acordo com critérios e padrões seguidos pelos autores e pela jurisprudência.

MM. O montante da indemnização deve ser fixado de forma equitativa, tendo em atenção o grau de culpabilidade, a situação económica do agente e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

NN. Os danos em apreço nos autos não se podem comparar com o dano sofrido na integridade física, ou com a ofensa à honra, ao bom nome, à reputação, à dor pela perda dum ente querido ou ao causado pela angústia de ter de viver com uma deformidade pelo que a indemnização arbitrada é manifestamente excessiva.

OO. As situações de desilusão, desgosto e depressão, cujas consequências e duração se desconhecem, são manifestamente de pouca gravidade e deles não fez a Autora prova.

PP. Não podendo, evidentemente, proceder.

QQ. Quanto à condenação como litigância de má-fé: Os recorrentes vieram condenados como litigantes de má-fé por alegadamente terem perfeito conhecimento e consciência que assinaram e rubricaram o contrato promessa de cessão de quotas e o contrato de cessão de quotas, ocultando a verdade dos factos, agindo dolosamente, intencionalmente, apenas com o propósito de enrolar o processo e protelar o pagamento da dívida, obrigando a Autora a requerer a realização de perícia às assinaturas e rúbricas para provar que o contrato promessa foi assinado pela Autora e pelos Réus, agindo os Réus com dolo, deduzindo oposição com factos falsos, impedindo a descoberta da verdade material, entorpecendo a ação da justiça de modo a protelarem o máximo de tempo possível o trânsito em julgado da decisão, tendo consciência que ao impugnarem o contrato promessa e as assinaturas a perícia iria arrastar ainda mais o processo e, assim, mais tarde seriam condenados a pagar a dívida à Autora.

RR. Pelo que, os Réus adotaram uma conduta processual dolosa, intencional, alegando factos que sabiam não corresponderem à verdade e com tal comportamento, os Réus infringiram o dever de verdade e, destarte, violaram substancialmente o dever de litigar com boa-fé.

SS. Salvo o devido respeito, essa tese não pode vingar porquanto resulta provado, tal como já se referiu, que o momento em que os Réus assinaram os contratos e o momento em que os mesmos foram rasurados não foi o mesmo e que, nesse momento, os Réus nem estavam presentes.

TT. Este facto não foi valorado pelo Tribunal!!!

UU. A prova pericial não logrou provar a genuinidade das assinaturas dos documentos ficando no ar a dúvida, tal como já se referiu, se os documentos em causa, os assinados pelos Réus e pela Autora, seriam os mesmos.

VV. Dúvida que, ainda que evidente, não foi sequer alvitrada pelo tribunal a quo que julgou, cegamente e sem valorar integralmente a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, a favor da Autora!

WW. Na verdade, não resulta dos autos que os recorrentes tenham agido com dolo, tenham deduzido pretensão descabida e sem fundamento ou tenham alterado deliberadamente a verdade dos factos.

XX. Nos autos estavam em confronto duas teses, tendo o Tribunal acolhido uma em detrimento da outra.

YY. Se a tese da sentença fizesse caminho jurisprudencial, passaríamos a ter uma proliferação de condenações como litigantes de má-fé, porquanto as decisões implicam regra geral, o vencimento de uma tese e a sucumbência da outra.

ZZ. Na sentença acometida, parece fazer-se apelo subliminar a um conceito de litigância de má-fé baseada na ideia simplista de que os factos não provados geram automaticamente essa litigância.

AAA. Nos termos do n.º1 artigo 542º do Código de Processo Civil “tendo litigado de má fé, a parte pode efetivamente será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir” e diz-se litigante de má fé, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, quem, com dolo ou negligência grave: tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

BBB. Na verdade, o que importa é que exista uma "intenção maliciosa (má fé em sentido psicológico) e não apenas com leviandade ou imprudência (má fé em sentido ético)" (Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 358): não basta pois a imprudência, o erro, a falta de justa causa, é necessário o querer e o saber que se está a atuar contra a verdade ou com propósitos ilegais ("no dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida - dolo direto - ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial - dolo indireto; no dolo instrumental faz-se, dos meios e poderes processuais, um uso manifestamente reprovável" - Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 380).

CCC. Ora, para efeitos de litigância de má-fé, facto não provado não é sinónimo de facto inexistente - Ac R.P. 19/04/88 801.377/554 ou Ac. R.C. 14/02/89 801.384/671.

DDD. A sentença sub judicio violou o disposto no artigo 542º do Código de Processo Civil.

A final requer que seja concedido provimento integral ao presente recurso e revogada a decisão recorrida improcedendo integralmente a ação que lhes deu origem.

Não foram apresentadas contra-alegações.


II

Do objeto do recurso:

Considerando a delimitação que decorre das conclusões das alegações (artºs. 635º, 3 e 639º, 1 e 2 CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 608º in fine), os pontos em discussão são os seguintes:

I. Impugnação da matéria de facto.

II. Erro na aplicação do direito, nomeadamente por:

- ausência de pressupostos para condenação dos Réus como litigantes de má fé;

- indevida condenação em indemnização por danos não patrimoniais (ofensa do princípio do pedido) no âmbito da litigância de má-fé;

- condenação não equitativa da indemnização por danos não patrimoniais.


III

O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

1. A Autora na qualidade de única sócia da sociedade V..., Lda, sendo titular de três quotas no valor nominal de €1670,00 que corresponde à totalidade do capital social prometeu ceder as suas quotas aos Réus;

2. No dia 18 de Setembro de 2019, a Autora celebrou com os Réus um contrato promessa de cessão de quotas, através do qual a Autora cedeu as suas três quotas no valor nominal de €1670,00 pelo seu valor nominal aos Réus e estes prometeram adquirir as quotas nos termos e condições clausuladas;

3. A cláusula quinta do contrato promessa de cessão de quotas identificado em 1) tem o seguinte teor:

1. A liquidação do valor total das três quotas, que totaliza o montante de €5010,00 (cinco mil e dez euros), será realizada, pelos segundo outorgantes, através da emissão de cheque bancário não à ordem à sociedade, no valor de €5010,00 (cinco mil e dez euros).

2. Sem prejuízo do valor referido no número anterior, os segundos outorgantes comprometeram-se a emitir um segundo cheque bancário à ordem da sociedade, como forma de suprimento, para fazer face às dívidas atuais da sociedade, no valor de €7121,83 (sete mil, cento e vinte e um euros, oitenta e três cêntimos), sendo atribuído o montante de €3631,83 (três mil, seiscentos e trinta e um euros, oitenta e três cêntimos) à liquidação do crédito respeitante ao veículo com a matrícula ..-AO-.. e o remanescente, que se cifra em €3490,00 (três mil, quatrocentos e noventa euros), destinar-se-á ao pagamento de um crédito bancário.

3. A sociedade compromete-se a transmitir a propriedade dos veículos com matrícula ..-AO-.. e de um ..., do ano de 2007, quando cessarem os leasings e passarem os mesmos a ser bens imóveis integrantes do seu património, à primeira outorgante.

4. Os segundos outorgantes adquirem as quotas da sociedade com base na informação apresentada no balancete contabilístico que lhes foi entregue pela primeira outorgante, que evidencia toda a situação financeira da sociedade até 30 de Junho de 2019.

5. Os segundos outorgantes irão, trimestralmente, até perfazer um ano civil a contar da cessão das quotas, enviar um relatório pormenorizado à primeira outorgante incluindo:

i. Um mapeamento dos custos;

ii. Um rácio entre o valor da faturação, sem iva, do contrato e o seu custo efetivo;

iii. Renovações e/ou rescisões contratuais;

6. Do rácio apurado sobre os contratos comerciais, com vigência mínima de um ano comercial e sem incumprimento do clausulado contratual estabelecido, será transferida uma percentagem de 50% (cinquenta por cento) à primeira outorgante, até ao montante total de €12.974,49 (doze mil, novecentos e setenta e quatro euros, quarenta e nove cêntimos), durante um ano comercial a contar da cessão de quotas.

7. No caso de, posteriormente, à assinatura do presente contrato ou do contrato definitivo, se apurar que a situação financeira da sociedade é distinta da apresentada no balancete contabilístico de 30 de Junho de 2019, a primeira outorgante assume pessoal e totalmente a responsabilidade pelas diferenças apuradas, tendo, não obstante, de ressarcir os segundo outorgantes pelos prejuízos causados, quer moral, quer patrimonialmente.

8. As partes expressamente reconhecem que o acordo de pagamento, previsto na presente cláusula, se manterá válido e em vigor, mesmo depois da celebração do contrato definitivo de compra e venda ora prometido e ainda que não esteja refletido no mesmo.

4. A cláusula sexta do contrato promessa de cessão de quotas descrito em 1) tem o seguinte teor:

1. O incumprimento por qualquer um dos outorgantes das obrigações decorrentes do presente contrato confere ao outro outorgante o direito a requerer a execução específica do presente contrato.

2. Considera-se incumprimento para o efeito previsto no número anterior, a não celebração do contrato definitivo de cessão das quotas, no prazo acordado, por causa imputável ao outro outorgante.

5. A Autora cumpriu todas as cláusulas do contrato promessa de cessão de quotas descrito em 1).

6. O contrato prometido de cessão de quotas foi outorgado entre a Autora e os Réus a 25.09.2019.

7. No dia 26.06.2019, os Réus procederam ao registo da transmissão de quotas e renúncia à gerência da Autora.

8. No dia 30.09.2019, os Réus informaram a Autora do pagamento do crédito bancário previsto no nº 2 da cláusula quinta do contrato descrito em 1).

9. A Autora interpelou os Réus para cumprirem os termos constantes da cláusula quinta, insistindo pela apresentação dos relatórios previstos nos números 5 e 6 da sobredita cláusula e o pagamento da quantia de €12.974,49, não tendo os Réus cumprido o acordado no contrato promessa de cessão de quotas, tendo a Autora despendido a quantia de €100,00 para cobrança da dívida.

10. A dívida no valor de €12.974,49 venceu-se a 25.09.2020.

11. Os Réus deduziram oposição cuja falta de fundamento não ignoravam, agindo com dolo, ocultando a verdade, tendo conhecimento que celebraram o contrato de promessa de cessão de quotas e o contrato de cessão de quotas com a Autora, tendo os Réus procedido ao registo da cessão de quotas na Conservatória do Registo Comercial competente no dia 26.09.2019, fazendo dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedindo a descoberta da verdade, entorpecendo a ação da justiça e protelando sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

12. Do relatório da perícia realizada às assinaturas e rubricas da Autora e dos Réus constantes do contrato promessa de cessão de quotas constam as seguintes conclusões:

1.Relativamente à hipótese inicial, conclui-se que a escrita das assinaturas contestadas identificadas com DC1.1, DC1.4, DC1.7, DC1.10, DC1.13, DC1.16, apostas em DC1, pode ter sido produzida por AA.

2.Conclui-se como provável a verificação da hipótese da escrita das assinaturas contestadas identificadas como DC1.19 e DC1.22, apostas em DC1, ter sido produzida por AA.

3.Conclui-se que não é possível formular conclusão relativamente à verificação da hipótese da escrita das assinaturas contestadas identificadas como DC1.2, DC1.5, DC1.8, DC1.11, DC1.14 e DC1.17, apostas em DC1, ter ou não sido produzida por BB.

4.Relativamente à hipótese inicial, conclui-se que a escrita da assinatura contestada identificada como DC1.20, aposta em DC1, pode ter sido produzida por BB.

5.Relativamente à hipótese inicial, conclui-se que a escrita das assinaturas contestadas identificadas como DC1.3, DC1.6, DC1.9, DC1.12, DC1.15 e DC1.18, apostas em DC1, pode ter sido produzida por CC.

6.Conclui-se como provável a verificação da hipótese da escrita da assinatura contestada identificada como DC1.21, aposta em DC1, ter sido produzida por CC.

7.Conclui-se como muito provável a verificação da hipótese da escrita contestada de texto, aposta em DC1, ter sido produzida por DD.

Escala de Probabilidades:

A. Probabilidade próxima da certeza científica ser

B. Muito provável ser

C. Provável ser

D. Pode ser

E. Não é possível formular conclusão

F. Pode não ser

G. Provável não ser

H. Muito provável não ser

I. Probabilidade próxima da certeza científica não ser

13. O contrato promessa de cessão de quotas foi assinado e rubricado pela Autora e pelos Réus e ainda rasurado por DD, na qualidade de Advogada, na cláusula quinta, onde consta o montante de €7121,83 e €3631,83 e ainda na matrícula ..-AO-...

14. O contrato de cessão de quotas foi assinado e rubricado pela Autora e pelos Réus.

15. A Autora pagou pela perícia às assinaturas e rubricas apostas no contrato promessa de compra e venda o montante de €4.747,80, sendo que foram os Réus que culposamente deram origem a esta perícia ao ocultarem a verdade dos factos de modo doloso e intencional a fim de protelar a decisão.

16. A Autora sofreu incómodos, temor e nervosismo com estes autos.

Foram considerados factos não provados:

i) Os Réus desconhecem o teor do contrato promessa de cessão de quotas e do contrato prometido de cessão de quotas.

ii) Os Réus nunca celebraram com a Autora contrato promessa de cessão de quotas, na medida em que no decorrer do ano de 2019 não adquiriram nenhuma sociedade unipessoal da qual a Autora fosse única sócia.

iii) Os Réus desconhecem que devem à Autora a quantia de €12.974,49.


III

Conhecendo das questões do recurso:

I. Da impugnação da matéria de facto.

Vieram os recorrentes impugnar os pontos 11, 13, 14, 15 e 16 da matéria dada como provada. Sendo estes do seguinte teor:

11. Os Réus deduziram oposição cuja falta de fundamento não ignoravam, agindo com dolo, ocultando a verdade, tendo conhecimento que celebraram o contrato de promessa de cessão de quotas e o contrato de cessão de quotas com a Autora, tendo os Réus procedido ao registo da cessão de quotas na Conservatória do Registo Comercial competente no dia 26.09.2019, fazendo dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedindo a descoberta da verdade, entorpecendo a ação da justiça e protelando sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

13. O contrato promessa de cessão de quotas foi assinado e rubricado pela Autora e pelos Réus e ainda rasurado por DD, na qualidade de Advogada, na cláusula quinta, onde consta o montante de €7121,83 e €3631,83 e ainda na matrícula ..-AO-...

14. O contrato de cessão de quotas foi assinado e rubricado pela Autora e pelos Réus.

15. A Autora pagou pela perícia às assinaturas e rubricas apostas no contrato promessa de compra e venda o montante de €4747,80, sendo que foram os Réus que culposamente deram origem a esta perícia ao ocultarem a verdade dos factos de modo doloso e intencional a fim de protelar a decisão.

16. A Autora sofreu incómodos, temor e nervosismo com estes autos.

Estão minimamente cumpridos os deveres de especificação obrigatória a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, com previsão no art. 640º do CPC, pelo que dela se conhecerá.

Quanto aos pontos 11 e 13, pretendem os apelantes nas alegações de recurso que, o que realmente ficou provado foi que - os Réus assinaram uma versão não rasurada e só posteriormente à assinatura dos Réus o contrato foi apresentado à aqui Autora para recolha da sua assinatura.

Defendem ainda que tal realidade não permite concluir que os Réus agiram com dolo e utilizaram meios processuais de forma reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal e impedir a descoberta da verdade, entorpecendo a ação da justiça, porque nada permite concluir que os Réus eram conhecedores das alterações/rasuradas do documento, que as mesmas lhe foram participadas e ainda que as aceitaram.

Importa, previamente, dilucidar que o descompromisso dos Réus perante o contrato promessa tem nas alegações de recurso um sentido menos absoluto do que na oposição, contudo, foram as afirmações tomadas na oposição e que persistiram na sessão de audiência de 14/09/2021, que na sentença se consideraram reveladoras da litigância da má-fé, conforme o descrito no ponto 11 da matéria provada, sob impugnação.

Assim, o que os Réus alegaram na oposição foi que:

“- Os requeridos BB e CC desconhecem o teor dos documentos referidos pela requerente, razão pela qual desde já os impugna para todos os devidos e legais efeitos.

- Nunca celebraram com a requente qualquer contrato de cessão de quota, na medida em que, no decorrer do ano de 2019 não adquiriram nenhuma sociedade unipessoal da qual a requerente fosse única sócia.

- Aliás, não se compreende, da leitura dos factos constantes do requerimento a que agora se responde, se estará em causa a alegada cessão de uma quota, ou de quotas, pois a requerente, no seu pedido, fala em ambas.

- Desconhecem igualmente os requeridos a existência de quaisquer valores em dívida para com a requerente.”

Ou seja, na oposição não admitem sequer que assinaram uma versão não rasurada do contrato promessa e que só posteriormente à assinatura dos Réus o contrato foi apresentado à aqui Autora para recolha da sua assinatura, não admitem sequer ter assinado um contrato de cessão de quotas. Na oposição dizem desconhecer o teor dos documentos apresentados pela Autora, mesmo na sua versão originária, sem as rasuras que nele vieram a ser apostas. Não admitem terem-se vinculado contratualmente. Não admitem ter celebrado qualquer contrato (de promessa ou definitivo) de cessão de quotas.

Agora, em alegações de recurso, concedem que assinaram uma versão não rasurada do contrato promessa, contudo, foi a sua anterior posição, sem concessões, expressa na oposição e na ata de audiência, que marcou o litígio conduzindo a Autora à necessidade de requerer prova pericial, por ser quem tinha o respetivo ónus probatório e que, no seu conjunto fundamentou a condenação por litigância de má-fé.

Posto este esclarecimento importa apurar se outro deve ser o teor dos pontos em discussão, ou se os mesmos devem figurar como não provados por não estarem assentes em prova idónea e suficiente para um julgamento positivo, ou por estarem contrariados por prova de valor superior.

Neste âmbito do julgamento de facto uma outra precisão se impõe.

Os conceitos expostos no ponto 11, de que “os Réus agiram com dolo, “fazendo dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedindo a descoberta da verdade, entorpecendo a ação da justiça e protelando sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”, e no ponto 15 de que os Réus (…) culposamente deram origem a esta perícia (…) de modo doloso (…)” em rigor não podem ser considerados matéria de facto. Eles pressupõem o enquadramento de uma concreta conduta e de um concreto animus, numa determinada valoração jurídica, caso do dolo ou da culpa, ou encerram uma conclusão, caso do objetivo ilegal pelo que, sendo conceitos de direito e conclusivos, devem intervir no plano do direito.

Assim, a realidade factual em reapreciação no ponto 11 deverá ser esta: “Os Réus deduziram oposição cuja falta de fundamento não ignoravam, (…), ocultando a verdade, tendo conhecimento que celebraram o contrato de promessa de cessão de quotas e o contrato de cessão de quotas com a Autora, tendo os Réus procedido ao registo da cessão de quotas na Conservatória do Registo Comercial competente no dia 26.09.2019”.

E no ponto 15: “A Autora pagou pela perícia às assinaturas e rubricas apostas no contrato promessa de compra e venda o montante de €4.747,80, sendo que foram os Réus que deram origem a esta perícia ao ocultarem a verdade dos factos de modo intencional a fim de protelar a decisão”.

Aqui chegados importa começar por referir que a prova pericial à escrita e assinatura dos documentos e que é atribuída pela Autora aos Réus, não tendo logrado alcançar um patamar de certeza, não exclui essa possibilidade.

O relatório pericial, no respeitante às assinaturas dos Réus, porque são essas que estão em causa, estabeleceu as seguintes conclusões:

3.Conclui-se que não é possível formular conclusão relativamente à verificação da hipótese da escrita das assinaturas contestadas identificadas como DC1.2, DC1.5, DC1.8, DC1.11, DC1.14 e DC1.17, apostas em DC1, ter ou não sido produzida por BB.

4.Relativamente à hipótese inicial, conclui-se que a escrita da assinatura contestada identificada como DC1.20, aposta em DC1, pode ter sido produzida por BB.

5.Relativamente à hipótese inicial, conclui-se que a escrita das assinaturas contestadas identificadas como DC1.3, DC1.6, DC1.9, DC1.12, DC1.15 e DC1.18, apostas em DC1, pode ter sido produzida por CC.

6.Conclui-se como provável a verificação da hipótese da escrita da assinatura contestada identificada como DC1.21, aposta em DC1, ter sido produzida por CC.

E, relativamente à escrita que constitui a parte rasurada do texto do contrato promessa concluiu como muito provável a verificação da hipótese da escrita contestada de texto” ter sido produzida por DD, filha dos Réus.

Perante tais juízos de probabilidade importa considerar a demais prova produzida e tecer uma análise crítica à luz do princípio da livre apreciação da prova.

Como refere o Ac. deste TRE de 18/10/2018, P. 803/06.2TBVNO-A.E1, (relatado pela ora Exmª Adjunta Ana Margarida Leite), in www.dgsi.pt:

“Estando em causa um exame pericial à letra e à assinatura e não tendo os peritos logrado alcançar um parecer que, com suficiente certeza técnico-científica, confirme ou negue a aposição pelos embargantes das assinaturas e das expressões que lhes são imputadas, tendo concluído por meros juízos de probabilidade – “provável” e “pode ter sido” –, sem lhes atribuir qualquer grau de certeza científica, deverá o julgador apreciar os dados extraídos pelos peritos da análise comparativa efetuada à letra e às assinaturas em causa, conjugados com outros meios probatórios, à luz do princípio da livre apreciação da prova, de forma a aferir se permitem considerar provados os factos impugnados”.

Jurisprudência consonante com o normativo civil e processo civil, dispondo o art. 389 C.Civ. que: «A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal» e o art. 489º do C.P.Civ. que: «A segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal».

A motivação do julgamento de facto exposta na sentença considerou essa apreciação conjunta e particularizou:

«(…) pese embora as perícias sejam livremente apreciadas pelo Tribunal (cfr artº 489º do Código de Processo Civil), o resultado da perícia à assinatura e rubricas concatenado com as declarações de parte da Autora e os depoimentos das testemunhas revela com clareza que o contrato promessa de cessão de quotas, de fls 124 a 127, foi assinado e rubricado pela Autora e pelos Réus, sendo as rasuras elaboradas por DD, na qualidade de Advogada e filha dos Réus, bem como o contrato de cessão de quotas também foi assinado e rubricado pela Autora e pelos Réus.»

Temos como assertiva tal ponderação.

O depoimento da testemunha EE, marido da Autora, que iniciou as negociações com os Réus, donos de uma empresa que fazia serviços complementares aos da empresa da Autora, foi seguro e credível.

Explicou porque decidiram vender as quotas, porque procuraram os Réus, (tínhamos uma parceria com a empresa deles, M...), que informações obteve do seu contabilista com vista a negociar um valor, assim, a proposta que fez ao Réu e seu genro (a testemunha HH) e, a negociação acordada. Explicou a razão de um contrato promessa mais pormenorizado e abrangente e um contrato de cessão de quotas mais redutor (“Ele apresentou-me o contrato feito pela Drª DD que é a filha e ele disse isto é só para a gente não pagar impostos”).

Mais explicou a razão de ser das rasuras e quem as fez: “Quem fez o contrato foi a Drª DD, filha dos Réus. Nós não tivemos intervenção. Só houve da nossa parte uma intervenção porque esse valor não estava correto, o contrato foi feito pelo Dr. BB, BB (Réu) fez um rascunho para a filha e para o genro e ela depois elaborou o contrato. Depois, quando lemos o contrato, aquilo foi tudo à pressa, achei estranho, foi muito à pressa, em 25 set. 2019, e depois quando li vi que havia um valor que não estava correto, a Drª DD rasurou, e escreveu de novo, eu perguntei isso não faz mal e ela disse, não isso não faz mal, e assinamos o que depois nos puseram à frente, isto foi na empresa do Sr. CC (réu). Estava eu minha esposa, a Drª DD e o marido desta.”

As declarações de parte da Autora foram no mesmo sentido e denotam igual confiabilidade: “Sei que fiz o contrato com os Réus, o meu marido estava mais dentro, assinei perante a filha e o genro na M..., onde eles aceitaram tudo muito bem o que está nos papéis. Um contrato de cessão de quotas e o de promessa de compra e venda. Foram assinados os dois no mesmo dia.

No contrato promessa prometeram comprar e vender as quotas, cada um ficaria com 50% liquidariam o restante do leasing e ficávamos nós com os carros, liquidariam a conta do banco e o restante 12.970 seria mais à frente e enviariam de 3 em 3 meses informação de como estaria a empresa, o que nunca nos foi facultado apesar de termos pedido, como iriam os balancetes, os ratios, etc.

O objetivo desta documentação era a partir dos 50% da faturação, iriam dando o respetivo de liquidação que faltava. Foi fixado um valor a ser cumprido, 12.970 euros ao fim de um ano civil.

Pela cessão de quotas pagaram 5010 euros (cheque em nome da V...) do início da empresa e pagaram por transferência bancaria o valor do crédito que tínhamos do carro.

Não liquidaram a conta do banco (não sei se eram 3 mil e tal euros), nem os 12.970 euros ora reclamados. Até perfazer os 25.000.

Quem redigiu contratos ? A Dra DD. É filha dos Réus”.

Sobre as emendas do contrato promessa expôs que: “a Drª DD enganou-se nos valores e apôs à mão, dizendo que não fazia mal.

Foi só ela que rasurou. Nas 3 vias do contrato, rasurou nas 3 vias, foi assinado ela disse que não havia problema, nem a matrícula estava correta e ela rasurou. Com o rasurar e depois assinei, com a confiança de ter uma pessoa …

Quando assinaram o dois contratos, no mesmo dia, em setembro, não estavam presentes os Réus, os contratos já vinham assinados pelos Réus, a Drª DD deu-mos para assinar, o Sr. BB não podia estar presente.”

Ambos os depoimentos denotam seriedade e coerência.

A explicação para as rasuras e a aposição destas pela filha dos Réus mostra-se verosímil, teve como única justificação, satisfazer a reclamação da Autora e marido e fazer coincidir os valores parcelares com os valores negociados, além duma correção da matrícula da viatura automóvel, cujo leasing se acordara que iria passar a ser pago pelos Réus.

Nenhuma prova produziu o Réu que colocasse em causa essa explicação. A testemunha que arrolaram, HH, genro dos Réus disse em relação às negociações entre as partes “nunca estive, não sei por quanto foi comprada, os valores certos não sei”.

De resto, como puderam os Réus imputar de falsos os contratos se tiveram comportamentos reveladores de cumprimento de parte deles, como por exemplo, o registo de cessão de quotas e o pagamento do crédito bancário, sendo o ora peticionado, residual?

Cumpriram parte do contrato promessa (mais amplo contemplando a cessão de quotas, prestações imediatas e prestações mediatas) e cumpriram o contrato definitivo (mais restrito destinado apenas à cessão de quotas) mas disseram desconhecê-los e negaram em fase de articulados e de probatório, ter celebrado qualquer contrato com a Autora.

Nenhuma razão existe, assim, para alterar os pontos 11, 13 e 14 da matéria de facto, que se mantêm.

Nenhuma razão existe igualmente para alterar o ponto 15 da matéria assente, uma vez que assenta num recibo de pagamento, como reporta o despacho motivador “estriba-se no recibo emitido pela N... respeitante aos honorários pela realização da perícia de fls 303 e que foram pagos pela Autora, sendo que foram os Réus que deram causa a esta perícia por ocultarem a verdade dos factos ao Tribunal, conforme resulta de modo gritante e notório da instrução da causa”.

Relativamente ao ponto 16, onde se expõe que: A A Autora sofreu incómodos, temor e nervosismo com estes autos”, fundamentou a 1ª instância tal asserção factual por se tratar de um facto instrumental, ancorado nas declarações de parte da Autora. Não discordamos dessa asserção. A Autora reclama uma indemnização a seu favor pela litigância de má fé dos Réus, tendo subjacente a necessidade de ser compensada pelos danos patrimoniais e morais sofridos pela litigância destes. A autonomização deste facto, autorizada pelo disposto no art. 5º nº 2 alª a) do CPC, assenta nas regras da experiência e da normalidade. Quem se vê obrigado de forma tão exaustiva a fazer valer um probatório tão abrangente para fazer valer a realidade dos factos, posta em causa por razões não sérias, sofre incómodos, nervosismo e medo de o não conseguir.

Deve manter-se, pois, no elenco factual, considerando a sua necessidade para arbitramento indemnizatório.

Concluindo, improcede na totalidade a impugnação da decisão à matéria de facto, mantendo-se os factos sob impugnação, na versão expurgada de conceitos de direito, como antecedentemente definimos.

II. Importa apreciar do invocado erro na aplicação do direito

Nomeadamente por:

1. (In)existência de pressupostos para a condenação de litigância de má fé

Os comportamentos que podem originar responsabilidade no caso de litigância de má-fé estão tipificados no artigo 542.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, respeitando a determinadas atuações da parte como seja:

- deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar [alínea a)];

- alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa [alínea b)];

- praticar omissão grave do dever de cooperação [alínea c)];

- fazer do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão [alínea d)].

Todos esses comportamentos devem estar enquadrados num tipo subjetivo de dolo ou negligência grave (nº 2 mesmo artigo).

Importa apurar se estamos uma situação enquadrável na figura da litigância de má-fé, ou seja, perante uma clara e ostensiva ultrapassagem dos limites daquilo a que Luso Soares chama de litigiosidade séria (in Responsabilidade Processual Civil, Almedina, 1987, p.26).

No caso os Réus, ao afirmarem que:

- Desconhecem o teor dos documentos referidos pela requerente, razão pela qual desde já os impugna para todos os devidos e legais efeitos.

- Nunca celebraram com a requente qualquer contrato de cessão de quota, na medida em que, no decorrer do ano de 2019 não adquiriram nenhuma sociedade unipessoal da qual a requerente fosse única sócia.

- Desconhecem igualmente os requeridos a existência de quaisquer valores em dívida para com a requerente.”

Deduziram oposição cuja falta de fundamento não deviam ignorar e omitiram factos relevantes para a decisão da causa. A fundamentação anterior, em sede de impugnação de facto, suporta essa conclusão, sem necessidade de a repetirmos.

Para que uma dada conduta processual possa integrar o conceito de "litigância de má-fé", deve a mesma ter-se operado com dolo ou negligência grave, não bastando uma situação de erro grosseiro ou de lide ousada ou temerária em que a parte haja incorrido por mera inadvertência (Ac. STJ de 14-03-2002, P. 02B428, in www.dgsi.pt).

Acompanhamos nesta avaliação a ponderação da sentença, quando refere:

“No que tange à conduta dos RR, temos que o seu comportamento se afigura censurável em qualquer das formas exigidas para a sua condenação como litigantes de má-fé, dado que os Réus têm perfeito conhecimento e consciência que assinaram e rubricaram o contrato promessa de cessão de quotas bem como o contrato de cessão de quotas, ocultando a verdade dos factos, agindo dolosamente, intencionalmente, apenas com o propósito de enrolar o processo e protelar o pagamento da dívida, obrigando a Autora a requerer a realização de perícia às assinaturas e rúbricas para provar que o contrato promessa foi assinado pela Autora e pelos Réus, agindo os Réus com dolo, deduzindo oposição com factos falsos, impedindo a descoberta da verdade material, entorpecendo a ação da justiça de modo a protelarem o máximo de tempo possível o trânsito em julgado da decisão, tendo consciência que ao impugnarem o contrato promessa e as assinaturas a perícia iria arrastar ainda mais o processo e, assim, mais tarde seriam condenados a pagar a dívida à Autora.

Pelo que, os Réus adotaram uma conduta processual dolosa, intencional, alegando factos que sabiam não corresponderem à verdade e com tal comportamento, os Réus infringiram o dever de verdade e, destarte, violaram substancialmente o dever de litigar com boa-fé.”

Referimos já que a admissão pelos Réus de que assinaram um contrato não rasurado, apenas surge nas alegações de recurso. Tendo-o negado até aí.

Por outro lado, as rasuras apostas pela sua filha, advogada, a quem conferiram a responsabilidade de os representar no ato de recolha de assinaturas da Autora e ultimar o contrato, tendo por finalidade corrigir partes do texto para o conduzir ao realmente negociado com os Réus, não retira validade ao contrato nem permite imputar-lhe qualquer falsidade.

Foi a partir desse contrato, que os Réus cumpriram parte do clausulado como, o contrato/registo de cessão de quotas e o pagamento do crédito bancário, tendo o mesmo sido reconhecido e aceite pelos Réus, para tais efeitos.

Como não para os demais?

Deve, por isso, tal condenação manter-se.

2. Da (in)devida condenação em indemnização por danos não patrimoniais (ofensa do princípio do pedido) no âmbito da litigância de má-fé.

Lê-se na sentença:

“Ademais, a Autora pretende ser ressarcida da quantia que o Tribunal julgue adequada a título de indemnização.

No que se refere à pretendida indemnização, a mesma pode, nos termos do disposto no artigo 543.º do Código de Processo Civil, consistir no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos ou no reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé, devendo o juiz optar pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.

A este respeito, torna-se oportuna a referência às palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11.05.2017, Processo nº 1639/14.2TBVCT.G2, disponível no sítio da dgsi, a cuja argumentação se adere: “5.-Quanto à produção de prova dos prejuízos sofridos pela parte lesada duas correntes de opinião tem surgido: uma defendendo que a parte contrária prejudicada com a litigância de má fé deve não só indicar as despesas e os prejuízos sofridos (e seus montantes), como ainda fazer prova dos mesmos, sob pena de não lhe ser arbitrada a indemnização pedida; e outra defendendo que não obstante tal alegação e prova das despesas e prejuízos sofridos não ter sido feita pela parte alegadamente prejudicada com a litigância de má fé, sempre mesmo assim o tribunal lhe deverá fixar uma indemnização de acordo com um prudente arbítrio. 6.- Parece-nos claramente mais assertiva, por em absoluta conformidade e coerência com a lei e mais razoável a segunda por duas ordens de motivos: pode a parte lesada não conseguir reunir atempadamente os elementos necessários a produção da prova dos prejuízos sofridos ou, noutros casos, pode a mesma não conseguir identificar a totalidade desses prejuízos. Então aí competirá ao tribunal prudentemente fixar a indemnização entendida como justa. 7.-Em favor desta corrente anote-se que para arbitrar a indemnização em causa não se torna necessário que o requerente formule um pedido certo pois “se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte” (n.º 2 do mencionado artigo 543.º do Código de Processo Civil).”

Ora, no que tange à indemnização pelos danos patrimoniais resultou provado que a Autora pagou pela perícia às assinaturas e rúbricas o valor de €4.747,80, pelo que se atribui este montante à Autora a título de indemnização pela litigância de má-fé pelos danos patrimoniais sofridos pela Autora, condenando-se os Réus, solidariamente, no pagamento à Autora da quantia de €4.747,80.

Acresce que, a Autora sofreu danos não patrimoniais com a conduta dolosa dos Réus nestes autos, conforme resultou da instrução da causa, designadamente incómodos, receio e nervosismo, e pese embora não os tenha alegado, o certo é que segundo o entendimento acima expendido, crê-se que tal circunstância não obsta à fixação pelo Tribunal, segundo o seu prudente arbítrio, da indemnização ajustada às circunstâncias concretas. A questão que cumpre enfrentar é, pois, a da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais na situação decidenda.

Não se presta a particular discussão que uma pessoa média relativamente à qual corre em juízo uma ação experimenta sentimentos de preocupação, ansiedade, desconforto e incerteza, pelo menos enquanto o pleito não conhecer um desfecho. A Autora enquanto cidadã média, terá, de acordo com um juízo de normalidade do acontecer, experienciado tal estado de espírito.

Todavia, existem elementos que permitem concluir que os mencionados transtornos tenham atingido uma dimensão (nomeadamente no que que concerne à sua intensidade e persistência) apta a, segundo um critério objetivo, alterar, de modo relevante e ponderoso, a estabilidade emocional da Autora, na medida em que foi feita até perícia às assinaturas e rúbricas apostas nos aludidos contratos.

Flui, assim, do exposto que os danos não patrimoniais previsivelmente sofridos pela Autora atingiram o liminar de gravidade suscetível de tornar inexigível a resignação quanto aos mesmos e, nessa sequência, determinar a sua compensação pelo Direito, pelo que se condenam os Réus a pagarem, solidariamente, à Autora a quantia de €1000,00 a título de indemnização por litigância de má-fé pelos danos não patrimoniais sofridos pela Autora.”

Temos como assertiva tal ponderação.

A indemnização foi pedida, mas não discriminada relativamente à categoria de danos indemnizáveis, nem quanto ao montante.

Importa considerar que a indemnização em sede de litigância de má fé não é ressarcitória, como sucede com a responsabilidade civil, mas meramente sancionatória e compensatória.

O que se extrai da norma do art. 543 nº s 1 e 2 do Código de Processo Civil que dispõe:

« 1 - A indemnização pode consistir :

a) No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;

b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé.

2 - O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.»

Assim, como bem salienta o Ac. do TRC de 23-06-2020, P.2374/19.0T8VIS-A.C1:

«I - No que respeita à fixação da indemnização por litigância de má fé, nos termos do disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 543.º do C.P.C., o juiz «com prudente arbítrio», «opta pela indemnização que julgue mais adequada», segundo «o que parecer razoável», depois de «ouvidas as partes», o que implica que não se exija produção formal de provas como ocorre na audiência de julgamento.

II - O prudente arbítrio, a razoabilidade, arrancam de uma correspondência entre o que se tem por razoável e a realidade histórica e esta, na falta de produção de provas, obtém-se apelando aos dados que constam do processo, às alegações das partes, ao que é comum acontecer na vida quotidiana, às regras da experiência.»

Assim, embora a lei faça depender o pagamento da indemnização do pedido, não faz depender a fixação do seu montante da prova do mesmo, podendo este assumir uma forma unitária, abarcando danos patrimoniais e não patrimoniais, cabendo ao julgador fixar o montante ou os montantes em razão do prudente arbítrio e da razoabilidade do caso.

Não foi, pois, violado o princípio do pedido sendo legítima a condenação em indemnização por danos não patrimoniais.

Importa, por fim, apreciar da terceira e última questão suscitada.

Se a condenação da indemnização por danos não patrimoniais se revela não equitativa.

O Código Civil português não define propriamente a equidade embora a refira a propósito de variadas matérias, sendo abundante a doutrina e a jurisprudência que define o juízo de equidade, estabelecendo-lhe certas balizas.

No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/5/2010, P. 408/2002.P1.S1, in www.dgsi.pt, escreveu-se, a propósito:

IV - O juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade

O tribunal a quo ponderou a litigância intensa e persistente, ao ponto de se ter tornado necessário recorrer à perícia à letra e assinaturas, o que, é do conhecimento comum, constitui um exame moroso (14 meses), ponderou os sentimentos de preocupação, ansiedade, desconforto e incerteza, que experiencia uma pessoa média enquanto o pleito não conhece um desfecho, sentimentos aptos a alterar de modo relevante e ponderoso, o seu estado emocional.

Arbitrando como compensação o valor de 1.000,00 euros.

Tal montante não colide com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, pelo que tem a nossa aprovação.

Improcedem por consequência, todas as questões do recurso.

Em suma: (…)


IV


Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes, face ao decaimento.

Évora, 26 de outubro de 2023

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

José Manuel Lopes Barata (1º Adjunto)

Ana Margarida Leite (2ª Adjunta)