Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
791/20.2T8PTM.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS FUTUROS
SÓCIO
Data do Acordão: 10/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - inexiste fundamento jurídico para que um sócio, ainda que trabalhador único da sociedade, possa tomar o resultado líquido do exercício desta como rendimento seu para efeitos de fixação de indemnização de danos relativos à perda de rendimentos;
- por conseguinte, a remuneração mensal de € 1.000,00 que o A auferia não legitima que a indemnização por danos futuros seja calculada com base rendimento anual na ordem dos € 200.000,00, ainda que a sociedade tenha cariz familiar, o A seja o único trabalhador, aquele que gerou lucro na sociedade de tal montante;
- uma vez que a sociedade não é titular do direito violado pelo evento ilícito, pelo embate que provou lesões ao A, a quebra de faturação que registou não é suscetível de indemnização a coberto do regime previsto no artigo 483.º do CC;
- como essa quebra de faturação não se enquadra em qualquer uma das situações versadas no artigo 495.º do CC, nem em qualquer preceito legal que, excecionalmente, consagre o direito a indemnização, o ressarcimento de tais danos patrimoniais reflexos não tem acolhimento no regime legal vigente.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrentes / Autores: AA A..., Lda.
Recorrida / Ré: B..., Companhia de Seguros, SA

Com vista ao ressarcimento de danos decorrentes de acidente de viação causado por veículo seguro pela R, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, foram formulados os seguintes pedidos:
- pelo A AA, a condenação da R a pagar-lhe a quantia de €680 271,77 (seiscentos e oitenta mil duzentos e sessenta e um euros e setenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora a contar da citação até efetivo e integral pagamento;
- pela A A..., a condenação da R a pagar-lhe a quantia de €484 219,51 (quatrocentos e oitenta e quatro mil duzentos e dezanove euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora a contar da citação até efetivo e integral pagamento.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, conforme segue:
«o tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e condena a R. a pagar ao A. a quantia de €130.981,97 (cento e trinta mil, novecentos e oitenta e um euros e noventa e sete cêntimos), sendo €35.000 a respeito de indemnização por dano biológico, €35.000 a respeito de indemnização por danos não patrimoniais €2.529,53 a título de danos emergentes (despesas), €32.733,37 por danos futuros e €25.719,07, por perdas salariais imediatas, montante acrescido de juros, à taxa legal, desde a data do trânsito da presente decisão até integral pagamento.
Mais se condena a R. a pagar ao A. o que este vier a ter de despender em intervenções cirúrgicas e tratamentos em resultado do acidente, a liquidar nos termos do art. 704.º, n.º 6 do Código de Processo Civil.
Absolve-se a R. do demais contra a mesma peticionado.
Custas pelos AA. e pela R., na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 10% para a R., 50% para a A. A... e 40% para o A. AA.»

Inconformados, os AA apresentaram-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que:
- condene a R a pagar ao Recorrente AA a quantia de €209 174 a título de indemnização de danos futuros, a quantia de €157 142,85 a título de indemnização de perdas salariais imediatas e a quantia de €50 000 a título de indemnização de danos patrimoniais;
- condene a R a pagar à Recorrente A... a quantia de €175 000 a título de indemnização de danos patrimoniais / lucros cessantes.
As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«PRIMEIRA: No que concerne ao ora Recorrente AA a divergência face à decisão recorrida reside, no montante fixado de € 32.733, 37 a título de danos futuros, no montante de €25.719,07 fixado por perdas salariais imediatas, e ainda no quantum indemnizatório dos Danos não patrimoniais do Autor AA fixado pelo Tribunal a quo em 35.000,00 €.
SEGUNDA: Da matéria dada como provada, resulta inequivocamente que o Autor é Engenheiro, é o único trabalhador da empresa Autora, onde aufere uma retribuição mensal base de 1.000,00€, acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de 4,77€, mas também que o A. é também sócio-gerente da A. sociedade A..., esta, que é constituída por mais 3 sócios, respetiva esposa e filhos, sendo o A. pessoa singular, o único que produz todo o trabalho e desenvolve e controla toda a atividade da A. pessoa coletiva.
TERCEIRA: Mais ficou provado, que em 2017, a sociedade efetuou um total de vendas no valor de 1.051,339,00€ com um resultado líquido positivo de 421.674,00€
Quarta: Como nos dita a experiência e a realidade, num negócio familiar a fronteira que separa a empresa da família é uma linha imaginária ou muito ténue, na prática muitas vezes não existe.
Quinta: Resultante do trabalho, da força produtiva do Recorrente AA, este gerou em 2017, um total de vendas no valor de 1.051,339,00€, com um resultado líquido positivo/ lucro de 421.674,00€.
Sexta: Que foi a capacidade e o trabalho do Autor que gerou este lucro, facilmente se constata, quer por este ser o único trabalhador e o único sócio e gerente que produz todo o trabalho e desenvolve e controla toda a atividade da Recorrente Pessoa coletiva, quer pelo facto provado, de que durante o período de incapacidade para o trabalho do A. a atividade da A. esteve totalmente paralisada a partir de agosto de 2018, sendo que em 2018 as vendas da sociedade baixaram para 498.522,00€ com lucro líquido de 215.450,00€, num momento em que esperavam um crescimento da sua atividade,.
Sétima: O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
O Recorrente AA, tem direito ao ressarcimento dos danos que representam uma desvalorização ou perda patrimonial, quer ainda nos que se traduzem numa não valorização ou frustração de ganho.
Oitava: Nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeito de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante a atribuir por danos patrimoniais, o tribunal deve valorar os rendimentos reais auferidos pelo lesado à data do acidente e não apenas os que resultam comprovados fiscalmente – veja se a este propósito o acórdão nrº 383/2012 de 12.07.2012 do Trib. Constitucional.
NONA: Os lucros da Recorrente empresa, são também benefícios patrimoniais que os sócios, in casu o Recorrente AA deixou de auferir em consequência do acidente dos autos e não foram considerados na douta sentença a quo.
DÉCIMA: O fim de repartir os lucros é a razão que determina as partes a celebrar um contrato de sociedade e serem, assim, sócios de uma sociedade. O direito ao lucro é um direito essencial dos sócios, consistindo no direito de participar na distribuição de lucros pela sociedade. Esse direito é, nos termos da lei, um direito inderrogável e irrenunciável (cfr. n.ºs 3 e 4 do artigo 22.º do Código das Sociedades Comerciais – CSC). Nas sociedades por quotas é obrigatória a distribuição aos sócios de metade do lucro do exercício que seja distribuível (cfr. artigo 217.º do CSC).
DÉCIMA PRIMEIRA : Resultante do trabalho, da força produtiva, da capacidade funcional do Autor AA, este gerou em 2017, um total de vendas no valor de 1.051,339,00€ com um resultado líquido positivo de 421.674,00€ e no ano de 2016 resultante de uma pareceria de outras entidades , no mesmo ramo de negócio a empresa obteve um resultado liquido positivo no valor de €488.165,95, conforme resulta da análise feita no Relatório de Peritagem e da análise da Demonstração de Resultados e Balanços constantes das da declaração de IES do referido ano, demonstrativos da constância ao longo dos dois anos anteriores ao acidente dos resultados líquidos positivos, do lucro gerado, lucro este que é também do Recorrente.
DÉCIMA SEGUNDA: Salvo o devido respeito o Tribunal a quo, não julgou equitativamente, mas, sim arbitrariamente, ao considerar apenas um salário, um rendimento anual na ordem dos € 30.000,00 e fixar o montante indemnizatório de € 35.000,00 por danos futuros.
Em concretização do que deva entender-se por equidade, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2022, proferido no processo 2517/16.6T8AVR.P1.S1 (Manuel Aguiar Pereira) onde se lê:
A equidade é, por definição, a justiça do caso concreto, caracterizada grosso modo por ser flexível e alheia a critérios normativos expressos e em que rege a prudência, o bom senso prático, a justa medida das coisas e a criteriosa ponderação da realidade.
DÉCIMA TERCEIRA: Face aos factos provados, das ilações deles decorrentes, impõem-se como atendível o rendimento anual do Recorrente AA, na ordem €200.000,00 (menos de metade do lucro da sociedade no ano de 2017) e não €30.000,00 como entendeu o tribunal a quo, atendendo não só ao salário por este auferido enquanto trabalhador, mas, também as potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado (facilmente comprovadas pelo resultados da empresa de que sócio gerente), anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou atividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências, bem como, no presente caso, no seu direito de quinhoar nos lucros.
DÉCIMA QUARTA: Atendendo ao rendimento anual na ordem dos € 200.000,00, a desvalorização que lhe foi atribuída de 11 pontos pelo médico da seguradora e a desvalorização atribuída em sede perícia de 7 pontos , entendendo-se como adequada uma desvalorização de 9 pontos, os esforços acrescidos para a sua profissão habitual, considerando a idade de 59 do Autor à data da alta, bem como a idade media ativa de 71 anos multiplicando-se, por 12 anos da vida ativa, descontando o fator de correção do recebimento de uma só vez, alcança-se o valor 209.174,00 € ( duzentos e nove mil cento e setenta e quatro euros) a titulo de danos futuros do A. AA .
DÉCIMA QUINTA: indemnização por dano patrimonial deve corresponder à quantificação vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso o lesado teria obtido não fora a ação ou omissão lesiva, conforme bem decidiu, o acórdão STJ 9.12.2004.
DÉCIMA SEXTA – No que concerne às perdas salariais imediatas, mal andou, o tribunal a quo, ao fixar apenas o montante de € 25.719,07, trazendo à colação o já vertido quanto aos danos futuros, designadamente que o tribunal deve valorar o rendimentos reais auferidos pelo lesado à data do acidente e aos factos provados constantes do pontos 32,35,36, 38, , resultando dos factos provados que o apelante AA esteve cerca de 330 dias em incapacidade temporária para o trabalho, atendendo a um rendimento anual do Autor AA na ordem dos € 200.000,00 (conforme o entendimento já supra desenvolvido), desdobrado por 14 meses, perfaz 14.285,71 € mensais, os quais divididos por 30 dias perfazem 476,19 € dia.
Multiplicando tal montante por 330 dias obtém-se 157.142,85 € , montante este justo, equilibrado e adequado ás perdas reais e efetivas do Autor a este titulo.
DÉCIMA SÉTIMA: Com o devido respeito, mal andou ainda o Tribunal a quo, na fixação do montante indemnizatório de € 35.000,00 a titulo de Danos não patrimoniais do Autor AA, impondo-se face á gravidade dos factos e à jurisprudência abundante, alterar este valor para 50.000,00 €
DÉCIMA OITAVA: A este respeito, provou-se, nomeadamente, que:
-Nos primeiros 40 dias pós-acidente não conseguia dormir com dores e esteve totalmente dependente de terceiros;
-Precisou de ajuda da esposa para tratar da higiene pessoal diária, alimentação e lides domésticas durante 6 meses;
- Esteve um mês totalmente imobilizado em cama articulada e, 100% dependente de ajuda de terceira pessoa, com 3 fraturas no ombro direito, uma fratura no ombro esquerdo e uma fratura da anca e esteve ainda 2 meses de cadeira de rodas e 2 meses de canadianas
- Realizou várias sessões de fisioterapia, hidroterapia, acupuntura e musculação durante mais de um ano; nesta data continua a fazer fisioterapia;
- Apresenta Dano Estético no grau 2 em 7 devido à cicatriz da operação;
- Ficou emocionalmente perturbado com afetação social e alterações de comportamento;
- O A. sofre com a angustia de saber que, em virtude deste acidente, o esperam mais duas intervenções cirúrgicas no futuro e consequentes reabilitações com dor, sofrimento e perda de longos períodos de vida ativa;
- Apresenta repercussão nas atividades físicas e de lazer em grau 2 em 7 e considerando que antes do acidente andava de bicicleta e agora não o consegue fazer da mesma forma, períodos prolongados;
- Apresenta prejuízo sexual no grau 2 em 7;
O A. passou ainda incómodos, dores e preocupações em deslocações a consultas, tratamentos e para obter medicação;
- O acidente deu-se em férias de verão, tendo obrigado toda a família (esposa, filhos, noras e netos) a interromper abruptamente aquelas férias no ... e regressarem todos a ... para acompanhar a intervenção cirúrgica e posterior reabilitação.
O Recorrente ficou com sequelas permanentes nunca terá uma recuperação total e ficou com um défice funcional permanente de entre os 11 e os 7 pontos (esteve 330 com incapacidade temporária, com uma limitação física que a limitará para toda a vida, quer em termos pessoais e familiares, quer profissionais.
O Autor apresenta um quantum doloris de grau 5 em 7 (QD)
Não teve qualquer culpa no acidente
O Autor apresentou um quantum doloris de grau 5 em 7 (QD)
DECIMA NONA: Conforme resulta dos factos provados, a Ré aqui Recorrida, assumiu a responsabilidade pelo acidente e propôs indemnizar o ora Recorrente AA, por todos os danos sofridos em consequência do acidente, em 195.000,00€ (resposta aos artºs 14º da p.i. e 15º da contestação).
VIGÉSIMA: Se a Ré considerou como proposta razoável nos termos do DL 291/2007, de 21 de agosto, dentro dos limites que são mínimos nele previsto, para indemnizar o Autor AA, dos danos sofridos em consequência do acidente dos autos o valor de 195.000,00 €, estranha-se e não se compreende como tribunal a quo, reduziu consideravelmente o referido montante, considerando adequada a indemnização por todos os danos sofridos pelo Recorrente no montante 130.981,97 €.
Questiona-se que critérios desadequados e distantes da realidade foram utilizados pelo tribunal a quo para só atingir tal valor.
VIGÉSIMA PRIMEIRA: O tribuna a quo fez uma incorreta aplicação do direito aos factos provados, violando o disposto 607º do C.P.C, 483º, 496º e 562º do Código Civil , o que a não ter acontecido teria conduzido a uma solução conforme a preconizada pelo ora recorrente, a fixação de uma indemnização a titulo de danos futuros não inferior a 209.174,00, a titulo de perda de rendimentos/salariais imediatos, em montante não inferior a 157.142,85 € e a título de compensação dos danos não patrimoniais em valor não inferior a € 50.000,00 €
VIGESIMA SEGUNDA: Salvo o devido respeito e melhor entendimento não pode, como o fez o tribunal a quo, absolver a Ré do pedido indemnizatório da Recorrente/ empresa quanto aos lucros cessantes, por entender só ser possível indemnizar os prejuízos diretamente sofridos pelo diretamente lesado, e considerar que a Recorrente empresa não o é, e simultaneamente não considerar nem reconheceu o contributo único do Autor AA, para os resultados da empresa, o direito que este tem de quinhoar nos lucros da empresa, que os lucros da empresa são também do seu sócio aqui Recorrente/ AA.
VIGÉSIMA TERCEIRA: Impugnam os Recorrentes da decisão matéria de facto, por entenderem que foi incorretamente julgado o ponto respeitante aos Lucros Cessantes da Empresa Autora e o seu reflexo na esfera jurídica da mesma e do Recorrente / AA, face à prova pericial realizada à contabilidade da empresa.
VIGÊSIMA QUARTA: Conforme decorre dos autos foi realizada perícia técnica, de natureza económica/ contabilista, colegial à escrita da Autora A... LDA.
VIGÉSIMA QUINTA: Resulta do Relatório de Peritagem, que os Srº Peritos estimam os prejuízos, a perda lucros cessantes da Autora respeitante aos 164 dias, em que o Autor esteve totalmente incapacitado para trabalhar, em respetivamente 167.000,00 € - Perito da Ré e do Tribunal - e em180.000,00 € (o Perito da Autora).
VIGÉSIMA SEXTA: O montante dos lucros cessantes da sociedade Autora, face aos factos aos restantes factos provados e à Perícia Colegial realizada à contabilidade desta, deviam ter sido dados como provados e fixados para o ano 2018, dentro desta baliza de 167.000,00 € a 180.000,00 €, designadamente em €175.000,00 € (valor intermédio)
VIGÉSIMA SÉTIMA: E em consequência, dado como provado, o vertido no artigo 50º da P.I., com a correção de que os Lucros cessantes da sociedade Autora, em consequência do acidente dos autos, foram em 2018, de € 175.000,00.
Face ao suprarreferido, deve ser aditado aos factos provados o artigo 50º da P.I aperfeiçoada, com as seguinte redação:
“Se não fosse o acidente, a Autora Empresa, no segundo semestre de 2018, teria prosseguido a sua atividade com a realização de novos trabalhos e vendas, tendo deixado de auferir a título de lucros cessantes o montante de € 175.000,00”.
VIGÉSIMA OITAVA: Não se ignorando o princípio da livre apreciação das provas que se encontra consagrado no artigo 607º nº 5 do C. P. C., o certo é que, como ensina Alberto dos Reis in CPC Anot., 3º - 245, tal princípio (...) "significa apenas a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que, entretanto, se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas"(...), ora no caso em apreço, salvo melhor, opinião julgou os factos contra as provas.
VIGÉSIMA NONA: o Meritíssimo juiz a quo não valorou, antes desvalorizou os pareceres as considerações dos peritos nomeados, não atendeu aos elementos /meios probatórios nomeadamente ao Relatório Pericial e IES de 2015, 2016, 2017 e 2018 – que segundo os Autores deveriam ter assumido relevância Probatória e integra erro de Julgamento da matéria de facto.
TRIGÉSIMA: Face à prova produzida dos Lucros Cessantes da aqui Recorrente Empresa, não podia o douto Tribunal “a quo” a absolver a Ré do pedido indemnizatório formulado pela da Autora A... LDA. a título de danos patrimoniais/ lucros cessantes
TRIGÉSIMA: Dos factos provados vertidos nos números 32, 33, 34, 35, 36, 37 e 38 da Fundamentação da douta sentença proferida, conjugados com o Relatório de Peritagem, é manifesto e patente o prejuízo da Autora/ Recorrente empresa decorrente do acidente dos Autos
TRIGÉSIMA PRIMEIRA: E não se diga como entendeu a douta sentença recorrida, “que se a quebra de rendimentos da Autora empresa ocorreu subsequente ao acidente e concomitantemente à indisponibilidade do autor, a qual condicionou a atividade da empresa, do mesmo passo, tudo que se refere releva, em primeira linha de uma opção tomada pela empresa, por via das decisões do seu legal represente, o Autor AA. Ou seja, foi uma opção da Autora empresa a de que, na indisponibilidade do seu sócio gerente e, em rigor, quem desenvolvia toda a sua atividade, não fosse o mesmo substituído, e que tendo essa indisponibilidade perdurado, gerasse as consequências para a empresa que resultam demonstradas nos presentes autos”
TRIGÉSIMA SEGUNDA: Estamos perante uma empresa familiar constituída, sendo o Recorrente pessoa singular, o único que produz todo o trabalho e desenvolve e controla toda a atividade da A. pessoa coletiva, sendo patente e manifesta a relevância do Autor na atividade da empresa.
Olvidou o Tribunal que o Recorrente esteve incapacidade total para o Trabalho, que nos primeiros 40 dias após o acidente esteve totalmente dependente de terceiros e que precisou de ajuda da esposa para os atos correntes do dia a dia durante seis meses, que esteve 330 dias com incapacidade para o trabalho, sendo este o único trabalhador, o único que desenvolve e controla a atividade da sociedade autora, não existia mais ninguém para recrutar um eventual substituto. E a seleção de um candidato com aptidão, perfil muito especifico, para as funções e necessidade da empresa, seria sempre um processo demorado e de dificuldade acrescida, encontrar um Engenheiro que aceitasse desempenhar as funções, apenas durante alguns meses.
TRIGÉSIMA TERCEIRA: Não obstante pessoas jurídicas distintas, como refere a douta sentença recorrida, na parte dispositiva B) Direito, o Autor é a sociedade e a sociedade é o Autor,
O acidente em apreço tem impacto direto sobre a Recorrente Autora, a sociedade é titular do interesse imediatamente lesado, é diretamente lesada não fora a ação lesiva decorrente do acidente em apreço, pelo que, deverá ser indemnizada, pelo dano patrimonial que sofreu, num montante não inferior a € 175.000,00 a titulo de Lucros cessantes.
TRIGÉSIMA QUARTA: O Tribunal a quo fez uma incorreta aplicação do direito aos factos provados, o que a não ter acontecido teria conduzido a uma solução conforme a preconizada pelo ora Recorrente empresa, a fixação de uma indemnização a titulo dos lucros cessantes .
TRIGÉSIMA QUINTA: A juíza a quo ao decidir como o fez, violou, entre outros, o disposto 607º do C.P.C, 483º, 496º e 562º do Código Civil.»

A Recorrida apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, já que o julgamento da matéria de facto não enferma de qualquer erro, insuficiência ou irregularidade que mereça reparo, a matéria de facto provada não suporta os valores que o A pretende ver fixados para os danos que sofreu em consequência do acidente, não existe nexo de causalidade entre os eventuais danos sofridos pela sociedade A... e o acidente que vitima o A seu sócio e gerente.

A R interpôs recurso subordinado relativamente ao montante indemnizatório fixado relativamente aos danos não patrimoniais, danos futuros e perdas salariais sofridas pelo A AA. Pugnou pela revogação parcial da sentença, a substituir por outra que a absolva do pedido relativo a “danos futuros” como perda de capacidade de ganho, fixe as perdas salariais durante o período de incapacidade em € 12 153,90 e os danos não patrimoniais sofridos pelo A em € 20 000.
As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«I – A indemnização fixada a título de “danos futuros”, entendida como perda salarial do A desde o acidente até à idade de 71 anos, deve ser eliminada por não se verificar qualquer perda salarial uma vez que “as sequelas de que o A ficou afetado (IPG de 7 pontos)… são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implica esforços suplementares”.
II- Os “esforços suplementares” foram já contemplados no âmbito da fixação indemnizatória do “dano biológico” sofridos pelo A, pelo que não podem já ser contemplados no âmbito de outras indemnizações.
III- Os danos relativos as “perdas salariais” (remuneração de gerência) deverão ser calculados com base no período da incapacidade desde o acidente (10.08.2018) até à alta definitiva (05-07-2019) tendo em conta a incapacidade de 100% até 21-01-2019 e de 50% desde tal data até à alta definitiva, no que resulta o montante de 12.153,90€
IV- As repercussões das sequelas do acidente na vida diária (profissional e de lazer) do lesado devem ser incluídas no chamado “dano biológico” e não no chamado “dano não patrimonial”.
V- Tais repercussões na vida diária do lesado foram consideradas quer para cálculo indemnizatório do “dano biológico”, quer para o cálculo indemnizatório do “dano não patrimonial” pelo que se verifica duplicação (em parte) das respetivas indemnizações parcelares fixadas.
VI- Excluindo dos “danos não patrimoniais” as referidas repercussões na vida diária do lesado, deve o montante indemnizatório a fixar a tal título ser reduzido em conformidade e fixado em 20.000,00 €
VII- Foram violadas, entre outras as disposições conjugadas dos arts.483º e 496º, ambas do Cod. Civil.»

O Recorrido apresentou contra-alegações, sustentando que, por falta de fundamento, o recurso subordinado deve ser julgado improcedente.

Cumpre conhecer das seguintes questões:
i. da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
ii. da indemnização devida ao Recorrente AA a título de danos futuros, por perdas salariais imediatas e a título de danos de natureza não patrimonial;
iii. do direito da Recorrente A... a obter indemnização;
iv. do recurso subordinado: do montante indemnizatório fixado relativamente aos danos não patrimoniais, danos futuros e perdas salariais sofridas pelo A AA.

III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância
1- No dia 10 de agosto de 2018, pelas 19 horas e 42 minutos, na Estrada Municipal, ..., em ..., ..., ocorreu um acidente de viação (resposta ao artº 1º da p.i.).
2- Foram intervenientes os veículos com matrícula ..-NM-.. e um velocípede (resposta ao artº 2º da p.i.)
3- O velocípede era conduzido pelo A. (resposta ao artº 3º da p.i.).
4- O ..., um automóvel ligeiro de passageiros, era conduzido por BB (resposta ao artº 4º da p.i.)
5- A faixa de rodagem era constituída por duas vias, uma para cada sentido sem separador central (resposta ao artº 5º da p.i.).
6- Ambos circulavam no sentido ... – ... (resposta ao artº 6º da p.i.).
7- O A. circulava na via quando sem que nada o fizesse prever foi embatido na traseira pelo ..., sendo projetado ao solo e ficando ferido (resposta aos artºs 7º a 10º da p.i.).
8- Foi assistido no local e transportado de emergência para o Hospital ... (resposta ao artº 11º da p.i.).
9- Ao local deslocou-se ainda a Guarda Nacional Republicana que lavrou a participação de acidente, junta como documento nº 1 da p.i., consignando, além do mais, que o A. tinha, à data, 59 anos (resposta ao artº 12º da p.i.).
10- O sinistro foi participado à R. que assumiu a responsabilidade pelo mesmo (resposta aos artºs 13º e 19º da p.i. e 11º da contestação)
12- E propôs indemnizar o A. por todos os danos sofridos em 195.000,00€ (resposta aos artºs 14º da p.i. e 15º da contestação).
13- Proposta essa que o A. não aceitou por considerar que não reparava nem compensava os danos por si sofridos, tais como as sequelas e os lucros cessantes (resposta ao artº 15º da p.i.)
14- A responsabilidade civil inerente à circulação do ... estava transferida para a R. através da apólice de seguro n.º ...91 (resposta ao artº 17º da p.i.)
15- O A. deu entrada nas urgências do Hospital ... por fratura proximal do úmero direito, fratura do acetábulo esquerdo e fratura do troquiter esquerdo (resposta aos artºs 21º da p.i. e 18º da contestação).
16- À entrada apresentava ferida frontal que foi sujeita a sutura, escoriações nos membros, traumatismo craniano e dor e edema no ombro (resposta ao artº 22º da p.i.).
17- Fez exames complementares de diagnóstico que confirmaram as fraturas (resposta ao artº 23º da p.i.).
18- Fez imobilização com gerdy (resposta ao artº 24º da p.i.).
19- Foi prescrito imobilizador (resposta ao artº 25º da p.i.).
20- Teve alta medicado com paracetamol e indicação para acompanhamento no Hospital de residência (resposta ao artº 26º da p.i.).
21- No dia seguinte foi internado no Hospital ... em ... onde fez TAC à bacia que revelou fratura e RX aos ombros que também revelou fraturas (resposta ao artº 27º da p.i.).
22- Ali foi sujeito a intervenção cirúrgica com redução e osteossíntese com placa Phylos e três parafusos na diáfise, com 18 agrafos à pele (resposta ao artº 28º da p.i.).
23- Teve alta no dia seguinte, em 14 de agosto de 2018, com recomendação de analgésicos, suspensão do membro, não fazer carga, transporte em cadeira de rodas, medicado com zaldiar e nolotil, bem como continuação de acompanhamento (resposta ao artº 29º da p.i.).
24- A 1 de outubro de 2018 é prescrita fisioterapia (resposta ao artº 30º da p.i.).
25- Passou a ser acompanhado pelos serviços médicos da R. no Hospital ... com consultas, exames, tratamentos e medicação sendo que em 13 de maio de 2019 eram prescritos novos tratamentos de fisioterapia devido a conflito sub acromial à esquerda (resposta ao artº 31º da p.i.).
26- A 05 de julho de 2019 os serviços médicos da R. atribuem alta ao A. com desvalorização de 11 pontos de incapacidade permanente, numa escala de 0 a 100 (resposta ao artº 32º da p.i.).
27- Porém o A. manteve-se a realizar tratamentos de recuperação e porque entendia que assim alcançava melhorias, o que mantém, designadamente manteve tratamentos de recuperação com fisioterapia e massagens terapêuticas ao ombro na C... S.A, na D... e Hospital ... (resposta aos artºs 33º e 34º da p.i.).
28- O A. ficou com sequelas do acidente (resposta ao artº 35º da p.i.).
29- O A. é engenheiro (resposta ao artº 36º da p.i.).
30- É trabalhador dependente da sociedade A... Ldª., a A. (resposta ao artº 37º da p.i.)
31- Aufere uma retribuição mensal base de 1.000,00€, acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de 4,77€ (resposta ao artº 38º da p.i.).
32- Porém, o A. é também sócio-gerente da A. sociedade A..., que é constituída por mais 3 sócios, respetiva esposa e filhos, sendo o A. pessoa singular (mesmo não sendo o único gerente), o único que produz todo o trabalho e desenvolve e controla toda a atividade da A. pessoa coletiva (resposta aos artºs 39º da p.i., 3º, 4º e 29º da contestação e 3º a 6º da resposta).
33- A sociedade A... Ldª. tem por objeto: Compra e venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos para esse fim, construção de edifícios (residenciais e não residenciais), arrendamento e exploração de bens imobiliários (próprios ou arrendados), alojamento mobilado para turistas e promoção imobiliária (resposta ao artº 40º da p.i.)
34- A referida sociedade tem-se dedicado nos últimos anos mais objetivamente à compra de imóveis por recuperar e reconstrói os mesmos para venda (resposta ao artº 41º da p.i.).
35- Sendo o A. o único sócio e trabalhador da empresa a desenvolver a atividade, durante o período de incapacidade para o trabalho do A. a atividade da A. esteve totalmente paralisada (resposta ao artº 42º da p.i.).
36- É o A. que acompanha e executa todos os pedidos de legalização de obras, obtenção de autorizações camarárias, contratação de empreiteiros, fiscalização das obras, entre outros (resposta ao artº 43º da p.i.).
37- Em 2017 a sociedade efetuou um total de vendas no valor de 1.051,339,00€ com um resultado líquido positivo de 421.674,00€ (resposta ao artº 44º da p.i.).
38- Em consequência do descrito acidente e inerentes lesões e tratamentos, o A. ficou 164 dias impedido de prestar trabalho para a sociedade, desde o Acidente, paralisando a atividade desta a partir de agosto de 2018, sendo que em 2018 as vendas da sociedade baixaram para 498.522,00€ com lucro líquido de 215.450,00€, num momento em que esperavam um crescimento da sua atividade (resposta aos artigos 45º a 50º da p.i. e 21º da contestação).
39- Por outro lado, mesmo após a data da alta da SS a 21 de janeiro de 2019, pedida pelo próprio A. para conseguir produzir alguns resultados, este continuou em tratamentos de fisioterapia, hidroterapia, consultas e deslocações que iriam durar até final de 2019, pelo que no ano de 2019 o A. só trabalhou a 50% (resposta ao artº 51º da p.i.).
40- O A. foi sujeito a avaliação de dano corporal em Direito Civil por médico da R., tendo-lhe sido atribuído um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 11 pontos (0-100), que em sede de perícia médica efetuada nos autos foi revisto para 7 pontos, considerando-se serem as sequelas sofridas compatíveis com a atividade profissional, mas com esforços acrescidos para a profissão habitual (resposta aos artigos 52º da p.i. e 24º e 25º da contestação).
41- Em deslocações com viatura particular para as consultas, exames e tratamentos, no Hospital ..., D... e C... S.A o A. realizou cerca de 2.500 quilómetros, tendo ficado por compensar pela R. 1.000 quilómetros (resposta ao artº 57º da p.i.).
42- Com alguns tratamentos no Hospital ..., D... e C... S.A. consequentes do mesmo acidente a A. despendeu a quantia de € 7.881,53, que a R. liquidou, porém ficou por compensar € 1.281,53 (resposta ao artº 60º da p.i.).
43- Com avaliação médico-legal em Direito Civil o A. despendeu a quantia de € 150,00 e com o relatório de contas despendeu € 738,00 (resposta ao artº 61º da p.i.).
44- O Autor apresentou um quantum doloris de grau 5 em 7 (QD) (correspondente ao sofrimento físico e psíquico vivido durante o período de incapacidade temporária), inquestionável e de uma graduação relevante em termos de gravidade, caracterizado por intensas dores na anca e ombros (resposta aos artigos 69º e 70º da p.i. e 22º da contestação).
45- O A. esteve cerca de 330 dias em incapacidade temporária (resposta aos artigos 71º da p.i. e 20º da contestação).
46- Nos primeiros 40 dias pós-acidente não conseguia dormir com dores e esteve totalmente dependente de terceiros (resposta ao artº 72º da p.i.)
47- Precisou de ajuda da esposa para tratar da higiene pessoal diária, alimentação e lides domésticas durante 6 meses (resposta ao artº 73º da p.i.).
48- Foi internado 1 dia e submetido a cirurgia sob anestesia geral, com implementação de placa e parafusos (resposta ao artº 74º da p.i.).
49- Esteve um mês totalmente imobilizado em cama articulada e, 100% dependente de ajuda de terceira pessoa, com 3 fraturas no ombro direito, uma fratura no ombro esquerdo e uma fratura da anca e esteve ainda 2 meses de cadeira de rodas e 2 meses de canadianas (resposta ao artº 75º da p.i.).
50- Realizou várias sessões de fisioterapia, hidroterapia, acupuntura e musculação durante mais de um ano; nesta data continua a fazer fisioterapia (resposta ao artº 76º da p.i.).
51- Apresenta Dano Estético no grau 2 em 7 devido à cicatriz da operação (resposta aos artºs 77º da p.i. e 23º da contestação).
52- Ficou emocionalmente perturbado com afetação social e alterações de comportamento; o A. sofre com a angustia de saber que, em virtude deste acidente, o esperam mais duas intervenções cirúrgicas no futuro e consequentes reabilitações com dor, sofrimento e perda de longos períodos de vida ativa (resposta ao artº 78º da p.i.)
53- Apresenta repercussão nas atividades físicas e de lazer em grau 2 em 7 e considerando que antes do acidente andava de bicicleta e agora não o consegue fazer da mesma forma, períodos prolongados (resposta ao artº 79º da p.i.).
54- Apresenta prejuízo sexual no grau 2 em 7 (resposta aos artºs 80º da p.i. e 26º da contestação).
55- O A. passou ainda incómodos, dores e preocupações em deslocações a consultas, tratamentos e para obter medicação (resposta ao artº 82º da p.i.).
56- O A. ficou com sequelas irreversíveis (resposta ao artº 84º da p.i.).
57- O A. continua a necessitar de fisioterapia e hidroterapia, designadamente 15 sessões anuais cada, durante 3 anos (resposta aos artºs 86º e 87º da p.i.).
58- Por outro lado o A. ainda terá que ser submetido a 2 cirurgias, uma para extração do material de osteossíntese do ombro direito e outra para colocação de prótese na anca esquerda, sendo que após cada uma das duas cirurgias que o A. terá que ser submetido seguir-se-ão os respetivos períodos de incapacidade profissional (resposta aos artºs 88º a 91º da p.i.).
59- Após as referidas cirurgias o A. necessitará ainda de novos tratamentos com fisioterapia (resposta ao artº 94º da p.i.).
60- O acidente deu-se em férias de verão, tendo obrigado toda a família (esposa, filhos, noras e netos) a interromper abruptamente aquelas férias no ... e regressarem todos a ... para acompanhar a intervenção cirúrgica e posterior reabilitação (resposta ao artº 95º da p.i.).
61- O A. poderá ainda vir a necessitar de ajudas, tratamentos e/ou intervenções que não sejam determináveis e quantificáveis neste momento (resposta ao artº 96º da p.i.).
62- Foram os serviços médicos da Ré (Hospital ...) que acompanharam o A. na sua recuperação produzindo todo o conteúdo do documento n.º 60 junto com a petição inicial, que é a sua avaliação de dano corporal (resposta ao artº 13º da contestação).

B – As questões do Recurso
i. da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
Vem invocado que, acolhendo-se o que foi alegado no art. 50.º da p.i. e valorando-se a prova pericial realizada, deve dar-se como provado o seguinte:
- “Se não fosse o acidente, a Autora Empresa, no segundo semestre de 2018, teria prosseguido a sua atividade com a realização de novos trabalhos e vendas, tendo deixado de auferir a título de lucros cessantes o montante de €175.000,00 €”.
Alcança-se da p.i. ter sido alegado o seguinte:
44º - Em 2017 a sociedade efetuou um total de vendas no valor de 1.051,339,00€ com lucro líquido de 421.674,00€, cfr. Doc, 74;
45º - Em consequência do descrito acidente e inerentes lesões e tratamentos o A. ficou 164 dias impedido de prestar trabalho para a sociedade, desde o acidente;
46º - O que teve um impacto no lucro daquela;
47º - Tanto que, em 2018 as vendas da sociedade baixaram para 498.522,00€ com lucro líquido de 215.450,00€, cfr. Doc. 75;
48º - E o mercado naquele tipo de atividade, em 2018 e 2019, era expectável que se mantivesse ou continuasse mesmo a crescer, o que aconteceu;
49º - Pelo que, não fosse o acidente e o facto do A. ter estado impedido de trabalhar, o lucro líquido que seria expectável em 2018 seria de 430.000,00€ e conforme relatório da sociedade E... e F..., Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Doc. 76;
50º - Por conseguinte reclama a A. a quantia de 193.000,00€, a título de lucros cessantes;
Da decisão proferida em 1.ª Instância consta provado o seguinte:
37- Em 2017 a sociedade efetuou um total de vendas no valor de 1.051,339,00€ com um resultado líquido positivo de 421.674,00€ (resposta ao artº 44º da p.i.).
38- Em consequência do descrito acidente e inerentes lesões e tratamentos, o A. ficou 164 dias impedido de prestar trabalho para a sociedade, desde o Acidente, paralisando a atividade desta a partir de agosto de 2018, sendo que em 2018 as vendas da sociedade baixaram para 498.522,00€ com lucro líquido de 215.450,00€, num momento em que esperavam um crescimento da sua atividade (resposta aos artºs 45º a 50º da p.i. e 21º da contestação).
Provado que está que o impedimento do A de trabalhar, em virtude do acidente, paralisou a atividade da empresa quando se esperava um crescimento da sua atividade, resta apurar se está provado que, no segundo semestre de 2018, a A sociedade deixou de auferir a título de lucros cessantes o montante de €175.000.
As Recorrentes aludem à prova pericial.
Dela se retira ter sido atestada a conformidade da documentação contabilística da sociedade da qual se colhe, designadamente o seguinte:
- o A AA sempre foi o único trabalhador da sociedade;
- a atividade da sociedade reporta-se à promoção da atividade imobiliária através da pesquisa, negociação e aquisição de terrenos para construção, execução e acompanhamento da obras próprias e realizadas pelas sociedades G..., SA e H..., SA, nas quais a sociedade tem participações sociais, e promoção da venda de imóveis em carteira;
- a 10/09/2018, a sociedade tinha em carteira 4 imóveis;
- os únicos ativos da sociedade eram, a 10/08/2018, 3 frações sitas em ... e uma moradia sita em ..., esta afeta à atividade de alojamento local, inscritos na rúbrica de inventários pelo valor global de €1 626 396;
- durante o ano de 2015, a sociedade não efetuou qualquer venda de imóveis, tendo obtido um resultado líquido negativo de €9 261,10;
- durante o ano de 2016, a sociedade não efetuou qualquer venda de imóveis, tendo obtido um resultado líquido positivo de €488 156,95 decorrente de contributo extraordinário de €493 960,69 que só foi possível concretizar pela conjugação de esforços operacionais e financeiros com outras duas entidades;
- durante o ano de 2017, a sociedade realizou vendas de imóveis no montante de €1 051 339,50, tendo obtido um resultado líquido positivo de €421 674,34;
- a partir de 10 de agosto de 2018, a sociedade paralisou por completo a sua atividade;
- durante os 1.ºs 7 meses do ano de 2018, a atividade da sociedade implicou num resultado líquido positivo de €215 450,26 decorrente de volume de vendas pelo montante de €450 000, o que corresponde à venda, em janeiro de 2018, de fração autónoma sita em ..., inscrita no inventário de existência /produtos acabados pelo valor de €188 017,37;
- o perito indicado pela A considerou ascender ao montante de €180 000 o lucro líquido estimado que a sociedade obteria nos 164 dias de paralisação da atividade considerando que o volume de vendas que seria expectável obter pela sociedade em todo o ano de 2018 seria de €1 000 000;
- os peritos indicados pela R e pelo Tribunal consideraram ascender ao montante de €167 000 o prejuízo da A decorrente da paralisação durante 164 dias assumindo como expectável a venda de metade das 3 frações em carteira.
Afigura-se, no entanto, destituída de fundamento a afirmação de que seria expectável obter, no ano de 2018, volume de vendas na ordem dos € 1.000.000; assim como se afigura destituída de fundamento a afirmação de que, no ano de 2018, seria expectável a venda de metade das 3 frações sitas em ....
Na verdade, o historial da atividade da sociedade revela que nos anos de 2015 e de 2016 nenhuma venda foi realizada; no ano de 2017 teve lugar uma venda; no ano de 2018 teve lugar uma venda.
Que dados foram colhidos da contabilidade da sociedade (note-se que a perícia teve por objeto os elementos contabilísticos da sociedade) que revelem que, no ano de 2018, o volume de vendas atingiria, não fosse o sinistro, € 1.000.000? Que dados ali colhidos revelam que, no ano de 2018, para além da venda realizada em janeiro de uma fração sita em ..., teria lugar a venda de uma fração acrescida do direito a metade de outra, não fosse o sinistro?
Na verdade, não são mencionadas propostas de compra relativas aos imóveis em carteiras ou quaisquer outros elementos evidenciadores de expectável conclusão de vendas. Não são mencionados contratos pendentes em incumprimento, pedidos de orçamentos, orçamentos pendentes para obras, propostas para adjudicações, notas de encomenda de quaisquer serviços, etc.
Termos em que se conclui inexistir prova bastante que permita ao Tribunal formar a convicção firme e segura no sentido de que, por causa do acidente, a A sociedade deixou de auferir, no 2.º semestre de 2018, o montante de €175 000.
Nada se acrescenta, portanto, à matéria de facto provada em 1.ª Instância.

ii. da indemnização devida ao Recorrente AA a título de danos futuros, por perdas salariais imediatas e a título de danos de natureza não patrimonial
Ao Recorrente AA foi fixada no montante de €32 733,37 a indemnização por danos futuros e no montante de €25 719,07 a indemnização por perdas salariais imediatas. O que tem por base o rendimento salarial anual da ordem dos €30 000 (a retribuição mensal base ascende a €1 000, acrescida de subsídio de alimentação de €4,77/dia), assim fixado para que, de modo equitativo, se consiga temperar o resultado prático da opção tomada pelo A, enquanto representante legal da sociedade, fixando salário reduzido (que o beneficia fiscalmente), onerando a sociedade com os custos da sua vida familiar.[1] Ou seja, foram já contemplados rendimentos que superam, em dobro, os montantes declarados na contabilidade e nos serviços tributários.
Na ótica do Recorrente, a indemnização por danos futuros deve fixar-se em €209 174 e a indemnização por perdas salariais imediatas em €157 142,85, tendo por base o rendimento anual na ordem dos €200 000. Invoca, para tanto, que:
- a sociedade tem cariz familiar, sendo constituída pelo A AA, mulher e filhos;
- o A AA é o único trabalhador, ele produz todo o trabalho e desenvolve e controla toda a atividade da empresa;
- a fronteira entre a família e a empresa, no âmbito de um negócio familiar, não existe;
- o dano sofrido pelo A é um dano sofrido pela empresa, e vice-versa;
- foi a força produtiva do A AA que gerou o lucro no ano de 2017;
- os lucros da sociedade são benefícios patrimoniais dos sócios, o lucro da sociedade é património dos sócios, os quais constituem sociedades com a finalidade de repartirem lucros.
Uma sociedade comercial constitui entidade jurídica distinta de todos e cada um dos sócios, gerente(s) ou trabalhador único. O património e a esfera jurídica de uma não se confundem com o património e esfera jurídica de outros.
Na verdade, designadamente no que respeita à sociedade por quotas, a separação de patrimónios constitui um traço fundamental do regime legal. As pessoas coletivas, designadamente as sociedades comerciais, são centros autónomos de relações jurídicas, autónomos mesmo em relação aos seus membros ou às pessoas que atuam como seus órgãos. O princípio da separação de patrimónios e de atribuição da personalidade jurídica às sociedades (cfr. art. 5.º do CSC) constitui uma solução de compromisso, um ponto de equilíbrio entre interesses, pelo menos aparentemente opostos:
- o interesse do sócio que, visando prevenir-se contra os riscos inerentes ao exercício de uma atividade comercial, pretende afetar a esta apenas uma parte delimitada do seu património, salvaguardando a restante;
- o interesse de terceiros, futuros e potenciais parceiros comerciais da sociedade, e portanto, a necessidade de incutir no comércio em geral um sentimento de confiança, credibilidade e de segurança nas transações comerciais.[2]
Nos termos do disposto no art. 197.º/3 do CSC, só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade, salvo o disposto no artigo seguinte, que prevê a estipulação da responsabilidade direta dos sócios para com os credores sociais no contrato de sociedade.
O regime geral relativo à responsabilidade dos sócios para com os credores sociais encontra-se estabelecido no art. 78.º do CSC, cujo n.º 1 determina que os gerentes, administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à proteção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos.
Este preceito consagra uma ação pessoal e direta dos credores contra os titulares do órgão de gestão, destinada a fazer valer um direito próprio ao ressarcimento de prejuízos sofridos com a insuficiência do património social.[3]
Conforme vem sendo entendido, esta responsabilidade não pode ser excluída, limitada ou condicionada por cláusulas, quer do contrato social, quer de outras fontes convencionais. Trata-se de uma responsabilidade com carácter nitidamente extracontratual, delitual ou aquiliana, visto que não assenta em qualquer vínculo contratual entre os credores e os titulares do órgão de gestão. Estes não são os sujeitos passivos da relação creditícia inerente à dívida cuja cobrança se mostrar frustrada: o devedor é a sociedade e a atribuição desta responsabilidade aos gestores desta tem um significado sancionatório da prática de atos injurídicos, porque violadores de preceitos legais ou contratuais destinados à proteção daquele.
A efetivação desta responsabilidade depende, por conseguinte, da alegação e prova, pelo credor, dos requisitos da responsabilidade extracontratual: facto ilícito, dano, culpa e causalidade. Trata-se claramente de responsabilidade subjetiva, assente na violação culposa; inexiste neste âmbito qualquer presunção de culpa, por não haver norma expressa nesse sentido (v. art. 483.º/2 CC).
Por conseguinte, os pressupostos constitutivos da responsabilidade direta dos administradores ou gerentes perante os credores da sociedade são:
a) inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à proteção dos credores sociais;
b) insuficiência do património social;
c) culpa dos administradores ou gerentes;
d) dano sofrido pelos credores sociais;
e) que o ato dos administradores ou gerentes seja causa adequada do dano sofrido pelos credores sociais.
Como se vê, o património dos sócios está, em princípio, a salvo das interpelações dos credores sociais, apenas podendo ser demandados se todos os referidos pressupostos se verificarem.
Tal regime garantístico da qualidade de sócio implica que seja também preservado o património da sociedade. A fronteira entre o património / esfera jurídica da sociedade e o património / esfera jurídica do sócio não pode ser nublosa nem mera linha imaginária que, na realidade, não exista, como sustenta o Recorrente.
Os credores sociais têm todo o interesse em que no património societário subsistam bens suficientes para o cumprimento das dívidas da sociedade. Neste contexto, os credores sociais são protegidos através de medidas que visem a manutenção da garantia patrimonial e este objetivo cumpre-se através da interposição de entrada de determinados bens ou mediante regras que impeçam determinadas atribuições patrimoniais. Existe, efetivamente, uma intencionalidade normativa de proteger os credores sociais nas normas referentes à realização e conservação do capital social (arts. 25.º, 27.º, 28.º, 31.º, 32.º, 33.º, 35.º CSC), nas que condicionam a subscrição e aquisição de quotas e ações próprias e amortização de quotas e ações (arts 220.º, 232.º, 236.º, 316.º, 317.º, 346.º do CSC), entre outras.
Nem sequer o direito dos sócios aos lucros do exercício (cfr. art. 217.º do CSC) contende com o princípio da separação de patrimónios.
Termos em que se conclui inexistir fundamento jurídico para que um sócio, ainda que trabalhador único da sociedade, possa tomar o resultado líquido do exercício desta como rendimento seu para efeitos de fixação de indemnização de danos relativos à perda de rendimentos.
Relativamente à indemnização por danos não patrimoniais, o Recorrente sustenta que o valor fixado de €35 000 deve ser elevado para €50 000.
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito - art. 496.º do CC. O montante adequado a indemnizá-los, nos termos do disposto no art. 496.º, n.º 3, 1.ª parte e 494.º do CC, resultará de um julgamento de equidade que terá por base o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções, atendendo às circunstâncias concretas de cada caso tendo em conta a situação económica do agente e do lesado, bem como o grau de culpa daquele, sem esquecer os padrões geralmente adotados pela jurisprudência.
Estão em causa prejuízos de natureza infungível em que, não sendo possível uma reintegração por equivalente, importa atribuir ao lesado uma compensação que proporcione certas condições decorrentes da utilização do dinheiro. A indemnização por tais danos, «sem embargo da função punitiva que, outrossim, reveste, tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indiretamente, esses danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar a havido sofrimento moral»[4]. Abrange, «nomeadamente os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de atividades agradáveis».[5] O valor da indemnização deve ter um alcance significativo, que não simbólico ou miserabilista[6], apurado segundo um juízo de equidade (art. 496.º n.º 3 do CC), efetivando a procura da justiça do caso concreto, assente numa ponderação prudencial e casuística das circunstâncias do caso, sem olvido do princípio da igualdade (art.º 13.º da CRP), iluminador da uniformização de critérios, tendo em atenção os padrões de indemnização normalmente adaptados na jurisprudência em casos similares.[7]
Considerando toda a factualidade elencada que contende com tal questão, que traduz os padecimentos sofridos pelo A, o quantum doloris e estético que foram fixados, as concretas sequelas que ficou a padecer, levando em linha de conta os montantes indemnizatórios atribuídos em casos concretos submetidos a apreciação superior[8], afigura-se adequada a quantia fixada em €35 000 (trinta e cinco mil euros) para compensar o A a tal propósito.

iii. do direito da Recorrente A... a obter indemnização
O pedido foi deduzido com fundamento na alegação de que:
- o A. é sócio-gerente da A. sociedade A... Ld.ª tendo o controle efetivo da mesma que é constituída por mais 3 sócios, respetiva esposa e filhos;
- a sociedade A... tem-se dedicado nos últimos anos mais objetivamente à compra de imóveis por recuperar e reconstrói os mesmos para venda;
- o A. e o seu trabalho são fundamentais na prossecução do objeto da A., sendo o único sócio e trabalhador da empresa a desenvolver a atividade e a tirar o respetivo proveito, pelo que aquela depende totalmente dele;
- durante o período de incapacidade para o trabalho do A. a atividade da A. esteve totalmente paralisada, sofrendo o dano consequente da quebra de lucros;
- é o A. que acompanha e executa todos os pedidos de legalização de obras, obtenção de autorizações camarárias, contratação de empreiteiros, fiscalização das obras, entre outros;
- em 2017, a sociedade efetuou um total de vendas no valor de € 1.051,339,00 com lucro líquido de € 421.674,00;
- o acidente teve impacto no lucro da sociedade;
- em 2018, as vendas da sociedade baixaram para € 498.522,00 com lucro líquido de € 215.450,00;
- não fosse o acidente e o facto do A. ter estado impedido de trabalhar, o lucro líquido que seria expectável em 2018 seria de € 430.000,00.
Em 1.ª Instância entendeu-se não assistir à A sociedade direito a ser indemnizada pelos danos decorrentes do acidente de viação.
No âmbito do recurso, a Recorrente A... invoca que “não obstante pessoas jurídicas distintas, (…), o Autor é a sociedade e a sociedade é o Autor, o acidente tem impacto direto sobre a Recorrente Autora, a sociedade é titular do interesse imediatamente lesado, é diretamente lesada, pelo que, deverá ser indemnizada, pelo dano patrimonial que sofreu, num montante não inferior a € 175.000,00 a título de Lucros cessantes.”
Ora vejamos.
O Autor, sócio e trabalhador único da sociedade, não é a sociedade; a sociedade, cujos sócios integram o agregado familiar do Autor, não é o Autor. Os sócios não se confundem com a sociedade, nem o património de uns se confunde com o de outra, sendo que só o desta responde para com os credores pelas dívidas da sociedade – cfr. art. 197.º/3 do CSC.
O regime previsto no art. 483.º n.º 1 do CC consagra a regra de indemnização do lesado pelos danos resultantes da violação ilícita do respetivo direito ou de disposição legal destinada a proteger interesses seus. Por via desse regime, em princípio, só o titular do direito violado ou do interesse imediatamente atingido pela violação tem direito a ser indemnizado, pelo que só o diretamente lesado tem direito a exigir indemnização dos danos diretamente atingidos pelo ato lesivo. Trata-se da regra da coincidência subjetiva entre a titularidade do direito violado e a titularidade do crédito indemnizatório.[9]
A pretensão de indemnização aqui deduzida respeita a danos reflexos de natureza patrimonial verificados na esfera jurídica de terceiro (a sociedade onde o A exerce a sua profissão, cuja atividade é apenas prosseguida por via dessa prestação laboral), que apenas reflexa ou indiretamente sofreu perda patrimonial. Por conseguinte, essa pretensão não alcança acolhimento no art. 483.º n.º 1 do CC.
“Em princípio, titular do direito a indemnização é apenas o sujeito direta ou imediatamente lesado pelos danos resultantes da violação, o titular dos bens imediatamente afetados pelo facto danoso. O terceiro, que só reflexa, ou indiretamente, seja prejudicado com a violação do direito do lesado direto, está, em princípio, fora do círculo dos titulares do direito à indemnização.
Excecionalmente, o direito a indemnização, “jure próprio”, no que se reporta aos danos patrimoniais e não patrimoniais, pode caber também, no caso de lesão corporal, ou no caso de morte da vítima, apenas, a terceiros, que não constituindo o principal ofendido pelo facto lesivo, são pelo mesmo atingidos de forma mediata.
O art. 495.º (no que se reporta a certos danos patrimoniais que terceiros sofram em caso de morte ou lesão corporal de outrem) e o art. 496.º, n.ºs 2, 3 e 4 (versando sobre danos não patrimoniais suportados por alguém em consequência – ou reflexo – de lesão diretamente sofrida por outrem), ambos do CC estabelecem e regulam justamente esses casos excecionais.”[10]
A ressarcibilidade dos danos patrimoniais sofridos por sujeito jurídico diferente do que foi diretamente atingida pelo facto gerador de responsabilidade civil encontra-se, assim, estabelecida no art. 495.º do CC. Está em causa a indemnização da vítima indireta ou mediata ou secundária ou seja, daquela que regista um prejuízo em virtude da lesão sofrida pela vítima direta. São indemnizáveis as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem excetuar as do funeral (n.º 1), assistindo o direito de indemnização àqueles que socorreram o lesado, os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima (n.º 2) e ainda os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural (n.º 3).
Uma vez que a sociedade Recorrente não é titular do direito violado pelo evento ilícito, pelo embate que consubstanciou o acidente de viação, a quebra de faturação que registou não é suscetível de indemnização a coberto do regime previsto no art. 483.º do CC. Como essa quebra de faturação não se enquadra em qualquer uma das situações versadas no art. 495.º do CC, nem em qualquer preceito legal que, excecionalmente, consagre o direito a indemnização, é manifesto que o ressarcimento de tais danos patrimoniais reflexos não tem acolhimento no regime legal vigente.
É ainda manifesto que é, de todo, irrelevante o facto de a sociedade ter cariz familiar.
Na verdade, para além das situações expressamente previstas na lei, “tem sido geralmente repudiada a invocação de outros danos patrimoniais reflexos. Assim acontece com os danos de determinada empresa na decorrência de acidente que afete um seu funcionário ou administrador.”[11]
Acompanha-se, por isso, o decidido em 1.ª Instância nesta matéria.

Do recurso subordinado:
Do montante indemnizatório fixado relativamente aos danos não patrimoniais, danos futuros e perdas salariais sofridas pelo A AA.
A título de indemnização do dano patrimonial futuro decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, atentas as sequelas de que ficou a padecer, as quais implicam esforços acrescidos para a sua profissão, o A reclamou o pagamento de €432 460.
Em sede de indemnização de danos não patrimoniais, o A peticionou a quantia de € 100 000 referente ao dano biológico, aludindo à afetação psicossomática decorrente da lesão, que diz ser independente da afetação da capacidade de ganho, atendendo a que ficará com sequelas para o resto da vida, que se agravarão com o decurso do tempo e representam maior penosidade para as tarefas gerais da vida diária, afetando a sua vida pessoal, social e profissional, com diminuição da qualidade de vida, tendo ficado de forma permanente com dores na anca.[12]
Aludindo ao quantum doloris, ao dano estético, com repercussão nas atividades físicas de lazer e ao prejuízo sexual, o A peticionou ainda, em sede de danos não patrimoniais, a indemnização no montante de €100 000.
Em 1.ª Instância, relativamente às questões aqui em causa, foi reconhecido ao A o direito a ser indemnizado nos seguintes termos:
- a quantia de €32 733,37 relativa a perdas salariais até ao termo da vida ativa;
- a quantia de €25 719,07 relativa a perdas salariais registadas nos 330 dias de incapacidade temporária, após o sinistro;
- a quantia de €35 000 relativa a danos não patrimoniais;
- a quantia de €35 000 relativa ao dano biológico, com menção de que, como foi já valorada a perda de capacidade de ganho como dano patrimonial futuro, está em causa a “fruição do tempo de lazer e de todas as demais atividades que não revelariam do ponto de vista da vida laboral e da obtenção de rendimento do lesado (…), a perceção, consciencialização e formação de juízo sobre a incapacidade, (…), que assume a natureza incontornável de dano não patrimonial.”[13]
Ora, a Recorrente Seguradora sustenta que deve ser absolvida do pedido relativo a danos futuros decorrentes da perda de capacidade de ganho porquanto consubstanciam duplicação de indemnização do mesmo dano, já ressarcido em sede de dano biológico, já que as sequelas de que o A ficou a padecer, de 7 pontos, são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional, embora com esforços suplementares.
Está em causa a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, que é determinante de consequências negativas a nível da sua atividade geral, justificando a indemnização no âmbito do dano patrimonial, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial.
Quer na doutrina quer na jurisprudência, vem sendo entendido que o dano biológico é o prejuízo que se repercute nas potencialidades e na qualidade de vida do lesado, afetando-lhe o seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa, sexual, social ou sentimental, determinando-lhe a perda de faculdades físicas ou intelectuais em termos de futuro, deficiências que se agravarão com a sua idade. E que esse dano é indemnizável de per se, como dano patrimonial futuro, independentemente de se verificarem ou não consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado. Tendo o lesado ficado com incapacidade permanente, mas sem sequelas em termos de rebate profissional, esforço acrescido ou particular repulsa, deve aquela incapacidade relevar em termos de prejuízo funcional, ou seja, do chamado dano biológico.
No Ac. STJ de 27 de outubro de 2009[14], o dano biológico vem caracterizado como a diminuição somático-psíquica do lesado, com natural repercussão na sua vida, ressarcível como dano patrimonial ou compensável a título de dano moral, tudo dependendo de apreciação casuística, em termos de verificação se a lesão lhe originou, no futuro, durante o período ativo da sua vida, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz apenas numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade. A mera necessidade de um maior dispêndio e de energia, mais traduz um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial, porque o exercício de qualquer atividade profissional se vai tornando mais penoso com o desgaste natural da vitalidade – paciência, atenção, perspetivas de carreira, desencantos – e da saúde, implicando um crescente dispêndio de esforço e energia. Ora, tal agravamento, desde que se não repercuta, direta ou indiretamente, no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de lucro, traduzir-se-á em dano moral, a fixar segundo a equidade, nos termos do art. 496.º n.ºs 1 e 3 do CC.
No Ac. RC de 12/04/2011[15], pode ler-se que a incapacidade permanente é, de per si, um dano patrimonial indemnizável pela incapacidade em que o lesado se encontra e encontrará na sua condição física e psíquica, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto. Em situações de relativa autonomia da limitação funcional, a incapacidade permanente parcial com reflexo na atividade em geral e profissional, não deverá ser compensada por forma englobante no contexto “dano biológico” mas como dano patrimonial.
Do Ac. STJ de 21/03/2013[16] alcança-se que o dano biológico, dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (danos-consequência) designadamente aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho. Constitui dano patrimonial a perda de capacidade de trabalho permanente geral de 15 pontos que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão a justificar, nos termos do art. 564.º n.º 2 do CC, indemnização correspondente ao acrescido custo do trabalho que o lesado doravante tem de suportar para desempenhar as suas funções laborais.
O que decorre, desde logo, da circunstância de que “o estado de saúde normal é a premissa indispensável para uma capacidade produtiva normal.”[17]
Certo é que, efetivamente, o mesmo dano não pode ser duplamente indemnizado.
Afigura-se, no entanto, que a indemnização fixada em sede de dano biológico não se reporta às repercussões patrimoniais decorrentes da lesão da integridade física do A.
Para ele, dessa lesão resultou uma incapacidade parcial permanente de 7 pontos, compatível com o exercício da sua atividade profissional, embora lhe demandando esforços acrescidos. O que foi valorado no âmbito do dano patrimonial por perda de rendimentos futuros.
A verba de €35 000 que foi fixada em sede de dano biológico reporta-se, como resulta do que foi exarado na sentença, à “fruição do tempo de lazer e de todas as demais atividades que não revelariam do ponto de vista da vida laboral e da obtenção de rendimento do lesado (…), a perceção, consciencialização e formação de juízo sobre a incapacidade, (…) que assume a natureza incontornável de dano não patrimonial”, fazendo-se expressa menção de que foi já valorada, em sede de indemnização por danos patrimoniais, a perda de capacidade de ganho como dano patrimonial futuro.[18]
Nestes termos, é manifesto que no âmbito da indemnização pelo dano biológico foram valoradas as repercussões psíquicas e anímicas da lesão, assumindo a natureza de dano de natureza não patrimonial.
A duplicação respeita, antes e em parte, ao montante indemnizatório fixado a título de compensação por danos não patrimoniais.
Inexiste, assim, fundamento para absolver a Recorrente Seguradora da condenação a pagar a verba de €32 733,37 a título de indemnização por danos patrimoniais futuros.
Relativamente à verba fixada a título de indemnização pelo dano biológico, a Recorrente declara aceitar o valor de €35 000.
Já quanto à indemnização pelo dano não patrimonial, considera adequada a verba de €20 000, uma vez que aquela indemnização contempla já as repercussões do acidente nos atos da vida diária quer no âmbito de lazer quer no plano profissional.
Atento o que se deixou exposto no âmbito da apreciação da indemnização de tal dano no recurso interposto pelo A, não obstante as perdas e repercussões da lesão que estão contempladas na indemnização do dano biológico (que limitam o acréscimo do valor indemnizatório conforme propugnado pelo A), afigura-se adequada a ali indicada verba de €35 000, fixada em 1.ª Instância, pelo que não merece acolhimento a pretensão da Recorrente Seguradora.
Relativamente às perdas salariais verificadas durante o período de incapacidade temporária, a Recorrente sustenta que apenas é devida a verba de €12 153,90. Tendo-se provado que o A auferia um rendimento mensal de €1 000 acrescido de subsidio diário de alimentação de €4,77, sofreu o acidente em 10/08/2018, teve alta em 21/01/2019 passando a trabalhar a 50% e teve alta definitiva em 05/07/2019, estando 330 dias com incapacidade temporária, a perda de salários decorrente do acidente há de contabilizar-se a 100% entre 10/08/2018 e 21/01/2019, perfazendo a quantia de €6 040,12 (164 dias x €36,83), e a 50% entre 21/01/2019 e 05/07/2019, perfazendo a quantia de €6 113,78 (166 dias x €36,83).
Constata-se que:
- em 1.ª Instância, foi fixada a quantia de €25 719,07 relativa a perdas salariais registadas nos 330 dias de incapacidade temporária, após o sinistro;
- nenhuma indemnização tinha sido peticionada a tal propósito;[19]
- a Recorrente, embora alegue ser apenas devido metade do montante salarial entre 21/01/2019 e 05/07/2019, acaba por contabilizar o salário+subsídio de alimentação a 100%, aceitando ser devida a verba de €12 153,90.
Se bem que, atento o teor dos factos provados, os fundamentos da Recorrente mereçam acolhimento, o que implicaria na indemnização pelo valor de €9 097,01, certo é que, por via do princípio da proibição da reformatio in peius consagrado no art. 635.º/5 do CPC, nos termos do qual os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo, importa manter a decisão da 1.ª Instância na parte não recorrida, ou seja, pelo montante de €12 153,90.
Termos em que improcede o recurso interposto pelo A AA, improcede o recurso interposto pela A A... e procede, parcialmente, o recurso subordinado interposto pela R B....

Uma vez que os AA são partes coligadas, as custas do recurso principal recai sobre cada um deles, na parte a que cada um respeita – art. 527.º/ 1 do CPC.
As custas do recurso subordinado recaem sobre a Recorrente B... e sobre o Recorrido AA, na proporção do decaimento – art. 527.º/1 do CPC.
Afigura-se adequada a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, nesta instância[20], uma vez que o valor dos pedidos formulados não acarreta acrescida complexidade às questões submetidas a apreciação – art. 6.º/7 do RCP.

Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Termos em que se decide:
- pela total improcedência do recurso interposto por cada um dos AA;
- pela parcial procedência do recurso interposto pela R, em consequência do que se revoga a decisão recorrida na parte em que fixou em € 25.719,07 (vinte e cinco mil setecentos e dezanove euros e sete cêntimos) a indemnização por perdas salariais registadas nos 330 dias de incapacidade temporária, após o sinistro, condenando-se a R a pagar ao A AA, a esse título, o montante de € 12.153,90 (doze mil cento e cinquenta e três euros e noventa cêntimos),
Confirmando, no mais, a sentença recorrida.

Custas do recurso principal sobre cada um dos AA, em coligação, na parte a que cada um respeita, e do recurso subordinado sobre a Recorrente B... e o Recorrido AA, na proporção do decaimento.

Vai dispensado, nesta instância, o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

*

Évora, 26 de outubro de 2023
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
(assinatura digital)
Eduarda Branquinho
(assinatura digital)
Cristina Dá Mesquita
(assinatura digital)


__________________________________________________
[1] Cfr. fls. 15 da sentença.
[2] Cfr. Amílcar Brito de Pinho Fernandes, Responsabilidade dos Sócios por Atos da Sociedade, Textos do CEJ Sociedades Comerciais, 1994/1995, pág. 62.
[3] Cfr. Raúl Ventura e L. Brito Correia, Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Anónimas e dos Gerentes das Sociedades por Quotas, Sep. do Boletim do Ministério da justiça, n.ºs 192 a 195, pág. 470.
[4] Ac. do STJ de 17/01/2008.
[5] Ac. STJ de 26/01/2012.
[6] Cfr. Ac. STJ de 25/06/2002.
[7] Cfr. Acs. STJ de 22/10/2009, de 24/04/2013.
[8] Cfr. montantes das indemnizações arbitradas nomeadamente nos Acs. do STJ de 27/10/2009 (Sebastião Póvoas), de 29/02/2012 (Sampaio Gomes), de 24/04/2013 (Pereira da Silva), de 17/03/2016 (Mário Belo Morgado), de 22/02/2017 (Lopes do Rego).
[9] Nuno Trigo dos Reis e Oriana Queluz, As Dores de uma Lesão Invisível: do «dano não patrimonial reflexo» ao dano psíquico, Revista Julgar n.º 46 – 2022, pág. 163.
[10] Ac. TRG de 07/04/2022 (Alcides Rodrigues).
[11] Abrantes Geraldes, Temas da responsabilidade Civil, II Volume, Indemnização dos Danos Reflexos, 2005, pág. 21. Cfr., neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 5.ª edição, pág. 582.
[12] Cfr. arts. 62.º a 64.º da p.i.
[13] Cfr. fls. 19 da sentença.
[14] Relatado por Sebastião Póvoas, in www.dgsi.pt
[15] Relatado por Fonte Ramos.
[16] Relatado por Salazar Casanova.
[17] Álvaro Dias, in Dano Corporal. Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, 2001, p. 133.
[18] Cfr. fls. 19 da sentença.
[19] A verba global do pedido de €680 271,77 compreende os seguintes pedidos parcelares: €432 460, reportando-se a perdas patrimoniais futuras, com base na incapacidade de 11%, após consolidação das lesões – art. 56.º da p.i.; €410 – art. 59.º da p.i.; 1 281,53 – art. 60.º da p.i.; €150 e €738 – art. 61.º da p.i.; €100 000 – art. 64.º da p.i.; €6 000 – art. 73.º da p.i.; €100 000 – art. 85.º da p.i.; €3 000 – art. 87.º da p.i.; €30 000 – art. 89.º da p.i.; €4 982,24; €1 250 – art. 94.º da p.i., nenhum deles se reportando a perdas salarias sofridas durante o período de incapacidade.
[20] Por força do princípio da autonomia, para efeitos de custas, das ações, dos recursos, dos procedimentos e dos incidentes, apenas cabe apreciar a oportunidade de dispensa da taxa de justiça no âmbito do recurso de apelação - Salvador da Costa, As Custas Processuais, 7.ª ed., pág. 141.