Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | NUNO GARCIA | ||
Descritores: | DEMANDANTE CIVIL DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
Data do Acordão: | 09/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | A decisão recorrida fixou a indemnização por danos não patrimoniais ao demanfdante em € 25.000,00.. As considerações que se farão não põem em causa o evidente sofrimento que os demandantes DD e CC tiveram por virtude da súbita morte da sua mulher e mãe, respectivamente. Tal sofrimento está bem espelhado na clareza da matéria que quanto a isso se considerou provada. Mas não podem deixar de ser tidas em conta a idade da vítima (87 anos) e do seu, entretanto, falecido marido. Pela ordem natural das coisas, o convívio entre ambos já não iria durar por muitos anos. O demandante DD faleceu cerca de 2 anos e 6 meses depois do falecimento da sua mulher. A diminuição da expectativa de convívio conjunto por virtude da avançada idade não diminui o sofrimento de que o falecido demandante padeceu, mas, objetivamente analisando esse sofrimento, certamente que seria ainda muito superior se a expectativa de uma relação por muitos mais anos existisse. As demais circunstâncias referidas no artº 494º (o qual, aliás, repetindo, alude a todas as demais circunstâncias do caso) não assumem aqui especial relevância, não parecendo que a culpa exclusiva do segurado/arguido tenha que ter especial peso nos montantes indemnizatórios a fixar, sob pena de se estabelecer uma relação direta, e algo estranha, entre a culpa do mesmo e o sofrimento da vítima e/ou dos seus familiares. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA No âmbito do processo 660/19.9T9STC foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Nestes termos, decide-se: Responsabilidade criminal 1. CONDENAR o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de UM CRIME DE HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA, p.º e p.º no artigo 137, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão sus-pensa na sua execução por igual período de tempo, nos ter-mos do artigo 50.º, n.ºs 1 e 5, do Código Penal; 2. CONDENAR o arguido nos termos do artigo 69.º,n.º 1, alínea a), do Código Penal na pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor, de qualquer categoria, pelo período de 1 (um) ano; 3. Determina-se que no prazo de 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença, o arguido entregue na secretaria deste tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o seu título de condução, sob a cominação de, não o fazendo, poder incorrer na prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, do que fica expressamente advertido; 4. ABSOLVER o arguido das CONTRAORDENAÇÕES ESTRADAIS previstas e sancionadas nos seguintes artigos do Código da Estrada: 1 - Art.º 24, n.ºs 1, 2 e 3, do Código da Estrada; 2 – Art.º 25, n.ºs 1, al. a), e 2, do Código da Estrada; 3 – Art.º 130, n.ºs 2 e 4, do Código da Estrada, de que igualmente vem acusado; Responsabilidade civil 5. CONDENAR a demandada BB, S.A., a pagar: a. à demandante/habilitada CC: i. 245,18 € a título de indemnização por danos patrimoniais (despesa decorrente da outorga da escritura de habilitação de herdeiros); ii. 45.883,32€ a título de indemnização por dano morte (resultante da soma de 27.500€ por direito próprio e 18.333,32€ que lhe cabe na qualidade de herdeira do demandante DD); iii. 12.500€ a título de indemnização por dano intercalar/sofrimento da vítima antes de morrer (resultante da soma de 7.500€ que lhe cabe por direito e próprio e 5.000€ que lhe cabe na qualidade herdeira de DD; iv. 16.666,66€, a título de indemnização por danos não patrimoniais próprios do demandante DD, que lhe cabem na qualidade de herdeira/habilitada do demandante DD; v. 8.500 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais próprios - tudo no valor global de 83.795,16€ (oitenta e três mil e setecentos e noventa e cinco euros e dezasseis cêntimos); b. ao habilitado EE: i. 9.166,66€, a título de indemnização por dano morte que lhe cabe na qualidade de herdeiro do demandante DD; ii. 2.500€ a título de indemnização por dano intercalar/sofrimento da vítima antes de morrer que lhe cabe na qualidade de herdeiro do demandante DD; iii. 8.333,33€, a título de indemnização por danos não patrimoniais próprios do demandante DD, que lhe cabem na qualidade de herdeiro do demandante DD - tudo no valor global de 19.999,99€ (dezanove mil e novecentos e noventa e nove euros e noventa e nove cêntimos); c. Sobre as mencionadas quantias são devidos juros de mora à taxa supletiva das obrigações civis, a contar desde a data da notificação para contestar o pedido de indemnização civil e até efetivo e integral pagamento;” # Os demandantes CC e EE, não se conformaram com a referida decisão e recorreram da sentença, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões: “A) Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, deve ser observado pelo Tribunal o disposto no Artigo 496º do Código Civil, a equidade, o grau de culpabilidade do agente, a igualdade, a proporcionalidade, devendo levar-se ainda em conta a evolução da jurisprudência mais recente, referente a casos análogos, veja-se neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Évora Proc. 927/21.6T8FAR.E1, datado de 12/01/2023 e de 24/09/2020, Proc. 3710/18.2T8FAR.E1, in www.dgsi.pt . B) O Tribunal a quo , com vista a fundamentar a sua douta Decisão referente aos quantitativos indemnizatórios arbitrados aos demandantes cíveis, na presença de abundante matéria factual dada como provada, alicerçou a sua Decisão em jurisprudência do S.T.J. datada dos anos de 2004, 2006, 2010, 2011 e 2012 e ainda num Acórdão do T.R.P. de 2015. C) O Tribunal a quo ao fundamentar a sua Decisão indemnizatória em jurisprudência proferida já há alguns anos atrás, desconsiderando a jurisprudência mais recente sobre casos análogos ao dos presentes autos, arbitrou indemnizações manifestamente desatualizadas em face da evolução jurisprudencial. D) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, nomeadamente, o artigo 8º e 496º, ambos do Código Civil. E) O Tribunal a quo ao apenas fixar a título de danos não patrimoniais próprios do demandante DD a quantia de 30.000,00€, em detrimento do valor peticionado de 40.000,00€, que ora se reclama, na presença de abundante, esclarecedora e cristalina matéria de facto dada como provada, não tendo objetivado suficiente e justamente o valor indemnizatório, atenta a jurisprudência mais recente, semelhante ao caso concreto. F) Com efeito, o Tribunal a quo deitou mão de jurisprudência mais antiga, ignorando a mais recente, referente a casos análogos que arbitrou valores superiores, nomeadamente o Acórdao do S.T.J. de 10/11/2022, proc. nº 239/20.2T8VRL.G1.S1, in www.dgsi.pt G) O Tribunal a quo, ao não ter fixado uma indemnização equitativa e representativa dos efetivos danos sofridos pelo demandante cível DD violou, nomeadamente, os Artigos 8º, 494º e 496º, nº s 1 e 3 do todos do Código Civil. H) Na presença da matéria factual dada como provada, que retrata as consequências da morte da mãe da demandante cível CC, o Tribunal a quo, pese embora a gravidade dos factos dados como provados, da jurisprudêncioa mais recente aplicável a casos semelhantes, apenas arbitrou à lesada a quantia de 8.500,00€, em detrimento da peticionada quantia de 35.000,00€. I) A matéria de facto dada como provada, como já se referiu, é extensa e traduz consequências graves, para a demandante cível, tanto ao nível pessoal como psicológico na demandante cível, atenta a relação muito estreitra que esta mantinha com sua mãe. J) O valor arbitrado pelo Tribunal a quo, fundamentado nos factos dados como provados, sem esquecer o elevado grau de culpabilidade do agente, deveria aproximar-se de valores análogos áqueles que foram fixados em jurisprudência atual, nomeadamente a que foi fixada no Acórdão do S.T.J. de 21/03/2019, Proc, nº 20121/16.7T8PRT.P1.S1, citado no artigo 95º do pedido cível, sem esquecer que este valor deve ser interpretado de forma atualizada. K) Com efeito, o Tribunal a quo, como já se referiu, não deitou mão de jurisprudência atualizada, valorando outra, igualmente douta mas que não espelha os padrões atuais indemnizatórios. L) O Tribunal a quo, ao não ter fixado uma indemnização equitativa e representativa dos efetivos danos sofridos pela demandante cível CC violou, nomeadamente, os Artigos 8º, 494º e 496º, nº s 1 e 3, todos do Código Civil. M) Na presença da matéria de facto dada como provada, referente ao dano sofrido pela vítima antes de morrer, o Tribunal a quo entendeu fixar a mesma em apenas 15.000,00€, em detrimento do valor peticionado de 25.000,00€, porquanto entendeu que o sofrimento da vítima se cingiu apenas a 30 ou 40 minutos após o acidente, com o que não se concorda de todo. N) Na verdade, atentos os factos dados como provados, desde logo é referido que os danos corporais são de elevado nível, que o embate ocorreu de uma forma bastante violenta e qua a vítima terá sido projetada pelo ar, indo prostar-se a 12,70m do local do embate. O) Mais é referido na matéria de facto que a vítima gemia e contorcia-se com dores, o que é demonstrativo do elevado sofrimento pela mesma vivido. P) Os sofrimentos vividos pela vítima, até à sua sedação, desde logo se afiguram bastante graves e atrozes, seguramente tendo a vítima consciência do seu estado físico e bem assim consciência de que podia não resistir às lesões. Q) O Tribunal a quo balizou o montante indemnizatório referente a um curto período temporal, não considerando todo aquele em que a vítima, provavelmente, não teve consciência do seu estado físico. R) Salvo douta e melhor opinião, mas na fixação sa indemnização decorrente de danos próprios da vítima antes de morrer, não se deve dar relevância à inconsciência que a vítima pode ter do seu estado físico, mas sim dar relevância à lesão do bem jurídico, direito à vida, personalidade e sofrimento da vítima. Neste sentido veja-se o Acórdão do S.T.J. de 10/11/2022, Proc. 239/20.2T6VRL.GL1.S1, disponível em www.dgsi.pt . S) O Tribunal a quo na presença da matéria dada como provada, jurisprudência referida, reduzindo o valor peticionado, violou os Artigos 8º, 494º e 496º, nº s 1 e 3, todos do Código Civil. T) Entendeu o Tribunal a quo excessivo o valor peticionado de 85.000,00€, a título de perda do direito à vida por parte da vítima, mãe e mulher dos demandantes cíveis, respetivamente CC e DD, tendo reduzido tal montante para a quantia de 55.000,00€, decisão com que manifestamente não se concorda. U) Entende o Tribunal a quo que milita contra a pretensão dos demandantes cíveis o facto da vítima mortal, à data do acidente, ter 87 anos de idade. V) Com efeito, jurisprudância mais antiga entendia que a idade da vítima influenciaria inversamente nos valores indemnizatórios a este título. W)Acontece que tal ideia jurisprudencial já se mostra invertida com argumentos bastante sólidos, nomeadamente no sentido de entender que a vida em si não é objeto de valoração em função da idade da pessoa, uma vez que a mesma é objeto de igual dignidade desde o nascimento (ou até talvez antes), até ao decesso e por isso deve ser uniformemente valorada. Neste sentido veja-se o Acórdão do S.T,J, de 19/01/2023, Proc. nº 3437/21.8T8PNF.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt. X) No Acórdão atrás referido, que recusa valorar o direito à vida de uma forma diferenciadora em função da idade da pessoa, o mesmo fixou a título de dano morte a quantia de 95.000,00€. Y) Ainda, outros igualmente doutos Acórdãos fixaram valores muito acima daquele que o Tribunal a quo arbitrou, nomeadamente o Acórdão da Relação de Évora de 08/03/2028, Proc. nº 878/16.6T8FAR.E1, já citado no artigo 134º do pedido cível, que arbitrou uma indemnização no valor de 75.000,00€ a este título, quantia que igualmente deve ser entendida como desatualizada à presente data, em face da evolução jurisprudencial. Z) Nesta senda, o Tribunal a quo ao fixar o valor indemnizatório de 55.000,00€, a título de perda do direito à vida, não sopesou equitativamente os factos, o grau de culpabilidade do agente, o valor do direito à vida e bem assim jurisprudência atrás referida aplicável a casos análogos. AA) O Tribunal a quo ao decidir como decidiu, fixando o valor de 55.000,00€, a título de perda do direito à vida por parte da vítima, violou nomeadamento e disposto os Artigos 8º, 494º e 496º, nº s 1 e 3, todos do Código Civil. Nestes termos, nos demais de direito aplicável, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituído por douto Acórdão que fixe indemnização a título de danos não patrimoniais do demandante DD no montante de 40.000,00€, de danos não patrimoniais à demandante CC no montante de 35.000,00€, de dano sofrido pela vítima antes de morrer no montante de 25.000,00€ e bem assim, a título de perda do direito à vida no montante de 85.000,00€, sendo as quantias referentes ao dano morte, ao dano sofrido pela vítima antes de morrer e bem assim o dano moral próprio do demandante DD, atribuídos aos ora recorrentes por via sucessória, por óbito de DD, conforme assertivamente decidido pelo Tribunal a quo, fazendo-se assim, como sempre, e mais uma vez, sã, serena e objectiva JUSTIÇA!!!” # A demandada seguradora respondeu ao recurso, tendo terminado a resposta com as seguintes conclusões: “I. Decidiu bem o Tribunal a quo ao fixar os montantes de €.55.000,00 pelo ressarcimento do dano morte da vítima, €.15.000,00 pelo dano intercalar/ sofrimento da vítima antes de morrer, €.25.000,00 pelos danos não patrimoniais próprios do cônjuge da vítima e €.15.000,00 pelos danos não patrimoniais próprios da filha da vítima. II. Com efeito, os valores atribuídos a título de ressarcimento por tais danos não patrimoniais são perfeitamente adequados à matéria que resulta da matéria de facto provada e estão perfeitamente alinhados com os valores atribuídos na Jurisprudência em casos semelhantes, conforme resulta da preocupada fundamentação que o Exmo. Senhor Doutor Juiz de Direito do Tribunal a quo fez constar da douta sentença recorrida. Termos em que deve julgar-se improcedente o presente recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida, com as demais consequências legais. Decidindo-se assim, far-se-á JUSTIÇA.” # APRECIAÇÃO Apenas os montantes indemnizatórios que foram fixados estão em causa no presente recurso. A matéria de facto provado é a seguinte: “Acusação pública - factualidade principal/essencial: 1- No dia 05 de julho de 2019, cerca das 21H20, na Avenida …, Bairro …, …, …, o arguido conduzia o seu veículo automóvel de matrícula …, ligeiro de passageiros, de marca …, modelo …, no sentido … - …. 2- Ao chegar a uma passadeira de peões situada em frente à Escola …, aí existente, embateu com a sua viatura na vítima FF - doravante designada apenas por vítima -, que se encontrava a atravessar essa passadeira. 3- Como consequência direta e necessária desse embate, a vítima sofreu lesões traumáticas crânio-meníngeoencefálicas e tóraco-abdominais que foram causa direta e necessária da sua morte [lesões que se mostram melhor descritas no Relatório de Autópsia Médico-Legal, a fls. 18 a 20, e 21 a 23, cujo teor se dá aqui por integralmente repro-duzido]. 4- O arguido, por distração, não viu o peão na passadeira, razão porque não abrandou nem imobilizou o seu veículo para que aquele completasse a travessia da segurança, o que podia e devia ter feito, vindo a embater no mesmo e a causar a sua morte. Acusação pública - factualidade circunstancial/acessória/instrumental: 5- As condições atmosféricas no momento do acidente eram boas. 6- O local do acidente corresponde a uma reta com boa visibilidade. 7- O arguido reside perto desse local e é conhecedor do mesmo. 8- A vítima encontrava-se a atravessar a referida passadeira da esquerda para a direita, com referência ao sentido de marcha em que o arguido conduzia a sua viatura automóvel. 9- O arguido não efetuou antes do referido embate qualquer manobra evasiva com a sua viatura, nem efetuou qualquer travagem. 10-O arguido não padecia de qualquer limitação física, psicológica ou emocional na data da ocorrência desse acidente, que o impedisse de exercer a condução. 11-O veículo que conduzia não apresentava nenhuma anomalia mecânica. 12-A vítima não padecia de qualquer limitação física de locomoção psicológica ou emocional, que a impedisse de circular na via pública com condições de segurança. 13-O arguido seguia na via pública acima indicada no sentido …/…, sendo esse arruamento betuminoso e a largura da faixa de rodagem de 7,16 metros, com duas vias de trânsito de sentido contrário, com marcação horizontal com bastante desgaste, a separar os sentidos de trânsito. 14-Esse troço corresponde a uma reta, com uma via em cada sentido, com passeios, e encontrava-se em regular estado de conservação, estando a superfície seca. 15-O arguido no momento do acidente não sofreu qualquer encadeamento, inexistindo nessa via qualquer intersecção nivelada. 16-O arguido atento o seu sentido de marcha tinha visível o sinal vertical H7 (passagem para peões), a marca horizontal M11 (passagem para peões) e linha descontínua (marca M12), separadora dos sentidos de trânsito. 17-Esse veículo do arguido após o acidente apresentava danos visíveis na frente dianteira com maior incidência na zona da ótica direita que ficou partida com o mencionado embate na vítima. 18-O limite de velocidade no local desse acidente e quando este ocorreu era de 50 Km/h. 19-Esse embate na vítima ocorreu na passadeira, junto à berma, e no sentido de marcha que o arguido seguia com o seu veículo, aproximadamente a três/quartos da esquerda para a direita, e a vítima com o referido embate foi projetada alguns metros acabando por ir cair sobre a ciclovia existente do lado direito tomando como referencia o sentido de marcha do veículo do arguido, ficando a mesma a sangrar abundantemente pela boca e fossas nasais. 20-A vítima foi colocada em coma induzido para tentarem uma estabilização e aliviar o sofrimento da mesma, tendo dado entrada no Hospital … às 22h18 do dia 5 de julho de 2019, vindo a falecer às 01h07 do dia seguinte (6 de julho de 2019). 21-Apesar da hora do acidente ainda era de dia e não se justificava o uso de luzes acionadas nos veículos automóveis. Pedido de indemnização civil: Legitimidade: 22-Os demandantes DD (marido) e CC (filha) são os únicos herdeiros da vítima [cf., escritura de habilitação de herdeiros de fls. 13-ss que aqui se dá por reproduzida]. Danos patrimoniais: 23-Com vista a mostrar a respetiva legitimidade, os demandantes outorgaram escritura de habilitação de herdeiros, a qual foi paga pela demandante CC, tendo esta gasto a quantia de 245,18€ (duzentos e quarenta e cinco e dezoito euros). Danos não patrimoniais próprios do demandante DD: 24-O demandante DD [falecido no dia 24 de dezembro de 2021, atualmente representado pelos habilitados CC e EE (filhos), seus únicos herdeiros, tendo o falecido instituído única herdeira da quota disponível da sua herança, a habilitada CC] casou com a vítima em …/1960. 25-Na altura do acidente e do seu falecimento a vítima vivia com o demandante no Bairro …, …. 26-Desse casamento nasceu, em …/1961, CC, também demandante. 27-O demandante DD e a vítima constituíram um casal tradicional, em que as tarefas essencialmente domésticas eram assumidas pela mulher. 28-Com efeito, a vítima assumia tais trefas não por imposição do marido, mas sim porque entendia que ela é que o devia fazer, não aceitando intromissões nessa área da vida do casal. 29-Ao longo da vida em comum, o demandante foi sedimentando uma grande amizade e amor pela vítima, partilhando uma vida em comum durante quase sessenta anos. 30-Era a vítima que fazia a gestão da casa de morada da família, nomeadamente era ela que fazia as compra dos géneros alimentícios, confecionava as refeições, tratava da roupa de ambos, limpava a casa, o que fez com todo o gosto e empenho até a sua morte. 31-Para além disso, foi essencialmente a vítima que se ocupou da educação da filha, a ora demandante CC, transmitindo-lhes os melhores valores da sociedade, da moral e dos bons costumes. 32-O demandante DD e a vítima, constituíam um casal feliz, faziam uma vida tranquila, gostavam imenso de partilhar o melhor da vida, sendo comum, vê-los em excursões, festas e romarias, o que aconteceu durante toda a vida que tiveram em comum. 33-O demandante DD muito apreciava as qualidades da vítima, tanto como mãe, como companheira ativa nas lides domésticas ou como companheira em eventos de lazer. 34-O demandante DD sempre confiou na sua vítima em tudo aquilo que ela se proponha fazer, não intervindo em nada. 35-A relação entre o demandante DD e a vítima sempre se pautou por um enorme respeito, consideração, amizade e amor. 36-Por esta razão, o demandante DD era fortemente dependente da vítima, de quem recebia amparo moral e apoio em tudo o que aquele necessitava, nomeadamente nas lides domésticas. 37-O demandante DD soube do atropelamento da vítima quando se encontrava em casa. 38-Ficou o demandante DD de imediato bastante ansioso, preocupado e nervoso com a notícia que lhe acabava de ser comunicado. 39-Na presença da notícia recebida, o demandante DD, acompanhado de um vizinho, deslocou-se para o local do acidente, que fica a escassos metros da sua residência, deparando-se com a vítima prostrada no pavimento, sangrando abundantemente. 40-Na presença de tais imagens, o estado emocional do demandante DD agravou-se fortemente, ficando fortemente angustiado e desesperado, temendo perder a sua querida mulher. 41-Durante o período que mediou até saber da morte da sua mulher manteve um estado de nervosismo, ansiedade e perturbação elevado. 42-Quando lhe foi comunicado que a sua mulher faleceu ficou em estado de desespero, angustia e tristeza. 43-Não queria o demandante DD acreditar e aceitar que a sua companheira de décadas acabava de "partir" de uma forma abruta, imprevisível e inesperada. 44-Ao logo do tempo já decorrido, após o falecimento da vítima, o Demandante DD, tem-se mantido muito triste, deprimido, não dialogante, sem vontade de sair de casa, tendo perdido toda a vontade de viver. 45-Desde então, o demandante DD não quer saber de nada da vida, nomeadamente perdeu todo o interesse em cultivar produtos hortícolas para consumo doméstico numa pequena horta que tinha na zona onde mora. 46-Sente o demandante DD que o cultivo da horta deixou de fazer sentido, pois já não tem a sua mulher para partilhar o consumo desses produtos. 47-Na verdade, o demandante DD sentiu e sente muito a falta da sua mulher, como companheira de uma vida e como ajuda em tudo o que necessitava. 48-Conforme o demandante DD várias vezes refere, a sua vida tornou-se num vazio, onde nada faz sentido, e a sua casa tornou-se um local silencioso e solitário, decorrente do desaparecimento da sua mulher. 49-Era a falecida o amparo do demandante DD, aquele que o mesmo perdeu e que muito continua a sentir falta. 50-Tem sido com muito sacrifício que o demandante DD tem vindo a habituar-se a viver sozinho, e a fazer tudo o que necessita, nomeadamente as tarefas que a sua mulher fazia e as quais nunca se interessou em saber como eram realizadas. 51-Para fazer face a algumas das suas necessidades da vida doméstica, que nunca soube fazer, o demandante DD viu-se obrigado a socorrer-se da ajuda da sua filha CC, também ora demandante e bem assim de alguns vizinhos. 52-No entanto, pese embora tais ajudas, que de muito boa vontade lhe têm sido prestadas, as mesmas de modo algum têm colmatado o vazio que o desaparecimento de sua mulher deixou na sua casa. Danos não patrimoniais próprios da demandante CC: 53-A demandante CC teve conhecimento do atropelamento da vítima, através de um telefonema recebido de um vizinho dos seus pais, que a informou que a sua mãe tinha acabado de ser atropelada. 54-De imediato a demandante CC, que se encontrava em …, deslocou-se para o hospital do …, aguardando a chegada da sua mãe. 55-À porta deste hospital, a Demandante CC, aguardou cerca de uma hora pela chegada da sua mãe, uma vez que esta esteve no local do acidente a ser estabilizada medicamente. 56-Durante este período, em que nada sabia do estado de saúde de sua mãe, a demandante esteve bastante ansiosa, angustiada e em pânico, não tendo saído do local por recear desencontrar-se do veículo do INEM. 57-Enquanto aguardava pela chegada de sua mãe no hospital e atenta a demora que se fazia sentir, a demandante CC começou a persentir que algo de muito grave se tinha passado com sua mãe, o que começou a deixá-la crescentemente inquieta, nervosa e ansiosa e triste. 58-Após a entrada da sua mãe no hospital, a demandante CC acompanhou o evoluir da situação crítica em que sua mãe se encontrava sempre de uma forma bastante preocupada, ansiosamente temendo pelo pior desfecho. 59-Quando recebeu a notícia de que sua mãe não resistiu aos graves ferimentos de que tinha sido vítima, se o seu estado emocional já era crítico, a mesma foi acometida de uma grande emoção, choque e tristeza, ficando gélida e sem reação. 60-A notícia da infeliz ocorrência que descambou na morte de sua mãe, levou a demandante CC a choros compulsivos, emoções e comportamentos absolutamente descontrolados. 61-O desaparecimento abruto, súbito e inesperado de sua mãe FF causou uma enorme dor, desgosto e tristeza à demandante CC, sua filha. 62-A morte da FF deixou a demandante CC, sua filha, completamente destroçada e num vazio. 63-O desgosto já causou muitas lágrimas, muitas noites sem dormir, muita angústia, muito desespero e muita dor à demandante CC. 64-Para a demandante CC, a violência do acontecimento, ainda lhe faz crer que, tal não passa dum sonho pesadelo. 65-Á medida que o tempo passa sente a demandante CC que a saudade se acentua, o desgosto se intensifica, a dor se agrava. 66-Por todos era conhecido o grande amor, amizade, dedicação e carinho que a demandante CC nutria pela sua mãe no que era igualmente correspondida. 67-Este facto muito pesará no desenrolar da vida futura da demandante CC, na medida em que o amparo moral e psicológico que a vítima, sua mãe, para si representava se perdeu para sempre e que ainda não ultrapassou. Dano intercalar - sofrimento da vítima antes da morte: 68-A vítima foi embatida pelo veículo conduzido pelo arguido, quando atravessava a passadeira destinada a peões. 69-O embate ocorreu de uma forma bastante violenta, tendo a vítima sido projetada pelo ar, indo prostrar-se a 12,70 metros do local do embate sobre a ciclovia existente, do lado direito da via, atento o sentido de circulação do veículo embatente. 70-A vítima sofreu diversos danos corporais de elevado nível, tendo de imediato começado a sangrar abundantemente pela boca e fossas nasais. 71-Com efeito, a vítima não só sofreu dores fortíssimas decorrentes do embate por parte da viatura, como também sofreu dores violentas por via do choque do seu corpo quando caiu no local onde ficou prostrada uma vez que foi projetada pelo ar. 72-Durante todo o período em que a vítima esteve prostrada no solo, a mesma gemia e contorcia-se com dores, o que aconteceu durante cerca de uma hora, período durante o qual o pessoal médico a estabilizava clinicamente. 73-Transportada que foi a vítima ao hospital, onde lhe foi prestada de imediato a assistência hospitalar adequada, vindo-se a apurar que a mesma sofria de diversas lesões corporais de elevado nível, como sejam, lesões traumáticas crânio-meníngeoencefálicas e tóraco-abdominais. 74-A causa de morte foi, pois, de natureza violenta. 75-A vítima FF sobreviveu ao acidente de viação cerca de quatro horas, período durante o qual muito terá sofrido. 76-Atenta a gravidade das lesões, a vítima teve consciência do seu grave estado físico, tendo-se apercebido, inevitavelmente, da sua morte. Dano morte: 77-À data do acidente a vítima tinha 87 anos de idade. 78-Durante toda a sua vida e até há cerca de 20 anos atrás, a FF exerceu a atividade profissional de empregada doméstica em casas particulares. 79-Com efeito, era pessoa que gostava imenso da atividade profissional que exercia. 80-Enquanto exerceu tal atividade era a mesma muito solicitada para o exercício de tal atividade. 81-Era a vítima uma pessoa bastante honesta, competente, cumpridora dos seus deveres, sendo que o que fazia, o fazia com todo o gosto. 82- A vítima e o seu marido o ora demandante DD constituíam, atentas as respetivas idades, um casal tradicional, em que as lides e organização doméstica incumbe ao cônjuge mulher. 83-A tarefa das lides domésticas, ao longo da vida em comum sempre foi exercida pela vítima, o que a mesma fazia com todo o gosto, dispensado a intervenção ou ajudas do seu marido. 84-Ao longo da sua vida, era a vítima que lá em casa confecionava as refeições, procedia a limpeza da casa, tratava da roupa, fazia compras dos géneros alimentícios e tratava dos animais de estimação, o que fez até a sua morte. 85-Apesar da sua idade era uma pessoa muito ativa, levantava-se cedo, iniciava logo as lides domésticas, idas às compras, ou ia vazar o lixo doméstico. 86-Era a vítima uma mulher robusta e rija e sem defeitos físicos. 87-A vítima era uma pessoa de belíssimo trato social, afável e sempre bem-disposta, transbordando uma alegria contagiante. 88-Por todos era tida como uma boa amiga e companheira, sempre disponível a ajudar quem dela precisasse. 89-Nunca recusava uma palavra de conforto a quem quer que fosse, sendo por todos(a)s tido como uma mulher exemplar, socialmente, como esposa e mãe. 90-O seu desaparecimento, acrescido da forma abruta e inesperada, como aconteceu, causou um profundo desgosto, dor e vazio em todos os seus familiares, amigos(as) e conhecidos(as). 91-Para o demandante DD, o desaparecimento da sua mulher constitui uma perda irreparável, não só como a mulher da sua vida, como também alguém que o substituía nas lides domésticas. 92-Atentas as condições físicas e de saúde da FF, que, pese embora a sua idade, a sua esperança de vida ainda se afigurava bastante boa. Contestação da demandada: 93-No dia 5 de julho de 2019 estava em vigor, entre a demandada, na qualidade de seguradora, e o arguido, na qualidade de tomador do seguro e segurado, um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel relativo ao veículo com a matrícula …, que recebeu o n.º de apólice … [cfr. doc.1 do pedido de indemnização civil que aqui se dá por integralmente reproduzido]. Outra factualidade 94-Quanto às condições pessoais do arguido apurou-se, conforme o declarado pelo arguido em audiência de julgamento, em síntese e no essencial, que - fiz várias coisas trabalhei em África e em Portugal; fiz tropa em África, com 36 anos; quando me reformei trabalhava na …; aufere uma pensão de sobrevivência da sua mulher e uma reforma de 750 euros/mês; a minha esposa faleceu em …/1996; não tivemos filhos; a casa onde vive é casa própria e está paga; por mês gasta mais ou menos o dinheiro que ganha da reforma; tem a 4ª classe;--- 95-Em audiência julgamento o arguido foi descrito pelas testemunhas abonatórias como uma pessoa calma, serena, bom amigo, religioso, notando nele uma mudança depois do acidente vendo-o como uma pessoa mais triste e abatida e que sofre psicologicamente com o acidente. 96-O arguido não possui antecedentes criminais registados.” # Como se sabe, o direito ao ressarcimento dos danos não patrimoniais, nos quais se incluem os que estão aqui em causa, tem consagração legal no nº 4 do artº 496º do Código Civil, o qual dispõe: 4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores. As circunstâncias referidas no artº 494º são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso. Entendem os recorrentes que a decisão recorrida considerou jurisprudência demasiado antiga, olvidando recentes decisões jurisprudenciais que atribuem valores mais altos dos que os que foram fixados. Não é bem certo que a decisão recorrida tenha tido em conta decisões demasiadamente antigas, pois que, como nela própria se refere, considerou-se a resenha jurisprudencial do S.T.J. referente a decisões até Dezembro de 2021. Os próprios recorrentes invocam jurisprudência que em parte é anterior a Dezembro de 2021. Seja como for, e como tem sido repetido pela jurisprudência, não há outra forma de aproximar os montantes indemnizatórios fixados pelos tribunais que não seja em cada uma das decisões considerar outras. Mas atenção: cada caso é um caso, e à parte a suscitada questão de o ressarcimento do dano morte não dever ter em conta a idade da vítima, quanto a tudo o mais há que ter em conta as circunstâncias muito concretas de cada caso. Não se pode pura e simplesmente apelar a outras decisões, atendendo apenas aos montantes fixados. Vejamos mais em concreto: Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelo entretanto falecido demandante DD A decisão recorrida fixou a indemnização a este título em € 25.000,00 (e não em € 30.000,00 como alegam os recorrentes). Pretendem estes que se fixe o montante de € 40.000,00. As considerações que se farão não põem em causa o evidente sofrimento que os demandantes DD e CC tiveram por virtude da súbita morte da sua mulher e mãe, respectivamente. Tal sofrimento está bem espelhado na clareza da matéria que quanto a isso se considerou provada. Mas não podem deixar de ser tidas em conta a idade da vítima e do seu, entretanto, falecido marido. Pela ordem natural das coisas, o convívio entre ambos já não iria durar por muitos anos. O demandante DD faleceu cerca de 2 anos e 6 meses depois do falecimento da sua mulher. A diminuição da expectativa de convívio conjunto por virtude da avançada idade não diminui o sofrimento de que o falecido demandante padeceu, mas, objectivamente analisando esse sofrimento, certamente que seria ainda muito superior se a expectativa de uma relação por muitos mais anos existisse. As demais circunstâncias referidas no artº 494º (o qual, aliás, repetindo, alude a todas as demais circunstâncias do caso) não assumem aqui especial relevância, não parecendo que a culpa exclusiva do segurado/arguido tenha que ter especial peso nos montantes indemnizatórios a fixar, sob pena de se estabelecer uma relação directa, e algo estranha, entre a culpa do mesmo e o sofrimento da vítima e/ou dos seus familiares. As idades das vítimas nas decisões do S.T.J. mais recentes referidas pelos recorrentes são bem menores do que a da falecida vítima no caso concreto. Por exemplo, na decisão de 10/11/2022 (€ 40.000,00 pelo sofrimento da viúva) a vítima tinha 63 anos de idade. Assim sendo, ponderando tudo o referido, julga-se adequado fixar em € 30.000,00 a indemnização a este título. Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pela demandante CC O tribunal fixou o montante de € 8.500,00, pretendendo a recorrente que se fixe o valor de € 35.000,00. Parece-nos que o montante fixado pelo tribunal está um pouco aquém do que se julga adequado. Com efeito, se é certo que não está provado que a demandante CC vivesse juntamente com a sua mãe, nem sequer a “intensidade” do convívio entre ambas, o que é certo é que está provado que: 61-O desaparecimento abruto, súbito e inesperado de sua mãe FF causou uma enorme dor, desgosto e tristeza à demandante CC, sua filha. 62-A morte da FF deixou a demandante CC, sua filha, completamente destroçada e num vazio. 63-O desgosto já causou muitas lágrimas, muitas noites sem dormir, muita angústia, muito desespero e muita dor à demandante CC. 64-Para a demandante CC, a violência do acontecimento, ainda lhe faz crer que, tal não passa dum sonho pesadelo. 65-Á medida que o tempo passa sente a demandante CC que a saudade se acentua, o desgosto se intensifica, a dor se agrava. 66-Por todos era conhecido o grande amor, amizade, dedicação e carinho que a demandante CC nutria pela sua mãe no que era igualmente correspondida. 67-Este facto muito pesará no desenrolar da vida futura da demandante CC, na medida em que o amparo moral e psicológico que a vítima, sua mãe, para si representava se perdeu para sempre e que ainda não ultrapassou. Atente-se que o que resultou provado tem tudo a ver com a “normal” reacção da demandante ao falecimento da sua mãe, nada se sabendo quanto ao teor do convívio que existia, ou não, entre as duas (visitavam-se assiduamente? saiam juntas? apoiavam-se mutuamente? afinal que tipo de relação tinham?). Mesmo com esse desconhecimento, e considerando também o montante que foi fixado relativamente ao falecido demandante DD, entende-se ser mais adequado fixar agora o montante indemnizatório de € 15.000,00. Quanto ao sofrimento da vítima Na sentença recorrida fixou-se o montante de € 15.000,00, pretendendo a recorrente que se fixe o montante de € 25.000,00. Com o devido respeito por opinião contrária, julga-se que a consciência, ou não, por parte da vítima, não poderá deixar de ter alguma influência no montante indemnizatório a fixar a este título, tal como o tempo de sofrimento, o grau de sofrimento, os tratamentos a que se foi, ou não, sujeito, antes de ocorrer o óbito. É que também no ac. do S.T.J. de 10/11/2022 (citado pelos recorrentes para fundamentar que a inconsciência por parte da vítima é inconsequente) escreveu-se que: “… a que acresce a consideração do sofrimento (dores e ansiedade) muito elevado do lesado nos períodos em que esteve consciente. (…)” Realce nosso. Não pode, pois, deixar de ser de outra forma. Assim, o que está provado é que: 68-A vítima foi embatida pelo veículo conduzido pelo arguido, quando atravessava a passadeira destinada a peões. 69-O embate ocorreu de uma forma bastante violenta, tendo a vítima sido projetada pelo ar, indo prostrar-se a 12,70 metros do local do embate sobre a ciclovia existente, do lado direito da via, atento o sentido de circulação do veículo embatente. 70-A vítima sofreu diversos danos corporais de elevado nível, tendo de imediato começado a sangrar abundantemente pela boca e fossas nasais. 71-Com efeito, a vítima não só sofreu dores fortíssimas decorrentes do embate por parte da viatura, como também sofreu dores violentas por via do choque do seu corpo quando caiu no local onde ficou prostrada uma vez que foi projetada pelo ar. 72-Durante todo o período em que a vítima esteve prostrada no solo, a mesma gemia e contorcia-se com dores, o que aconteceu durante cerca de uma hora, período durante o qual o pessoal médico a estabilizava clinicamente. 73-Transportada que foi a vítima ao hospital, onde lhe foi prestada de imediato a assistência hospitalar adequada, vindo-se a apurar que a mesma sofria de diversas lesões corporais de elevado nível, como sejam, lesões traumáticas crânio-meníngeoencefálicas e tóraco-abdominais. 74-A causa de morte foi, pois, de natureza violenta. 75-A vítima FF sobreviveu ao acidente de viação cerca de quatro horas, período durante o qual muito terá sofrido. 76-Atenta a gravidade das lesões, a vítima teve consciência do seu grave estado físico, tendo-se apercebido, inevitavelmente, da sua morte. A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida: “No que refere ao dano intercalar/sofrimento da vítima antes de morrer importa tomar em consideração os facto(s) provado(s) 68-76 que aqui se se dá(ão) por reproduzido(s). Avaliamos que o valor peticionado de 25 000,00 € é excessivo. É indubitável que a vítima sofreu um atropelamento violento, vindo a falecer ao termo aproximado de quatro horas. A vítima foi colocada em coma induzido no local do acidente (facto(s) provado(s) 20- pelo que o sofrimento e desespero mais intensos terão sido os que se verificaram nos primeiros 30/40 minutos após o acidente, até à chegada da ambulância e os primeiros socorros prestados o local. Parece-nos que a quantia de 15.000€ será ajustada.” Ponderando tudo o referido, especialmente o que provado se considerou sob os nºs 71 e 72, julga-se adequado o montante de € 15.000,00 que a este título se fixou. Quanto ao dano morte Na decisão recorrida fixou-se a este título o montante de € 55.000,00, pretendendo os recorrentes que se fixe o montante de € 85.000,00. Também aqui a questão da idade da vítima – 87 anos – assume relevância. E também aqui o ac. do S.T.J. de 19/1/2023, invocando pelos recorrentes para, de certa forma, desconsiderar a idade avançada da vítima, não deixa de referir essa idade “se não deixa de ser um elemento referido como ponderado entre as demais circunstâncias do caso para fixar o valor da indemnização pelo dano da perda da vida, é sobretudo o valor padronizado, temperado pelo grau de culpa do agente, que determina o montante indemnizatório atribuído, o qual, por norma, tem rondado os € 80.000,00.” Ou seja: a idade da vítima não pode deixar de ser considerada, apesar de se dever ter em conta também os “exemplos padrão”. O que resulta da matéria provada é que a vítima apesar da sua avançada idade tinha uma vida, digamos assim, “normal”. Tanto assim era que caminhava na rua sozinha. Provado está que : 85-Apesar da sua idade era uma pessoa muito ativa, levantava-se cedo, iniciava logo as lides domésticas, idas às compras, ou ia vazar o lixo doméstico. 86-Era a vítima uma mulher robusta e rija e sem defeitos físicos. Como contributo para a fundamentação da conclusão a que se chegará, realça-se o que se refere nas notas 2 e 3 do referido acórdão de 19/1/2023 (referindo-se a outros acórdãos): “- de 22.02.2018, no processo n.º 32/14 (Relator Manuel Braz) foi arbitrada uma indemnização de € 95.000,00 pela morte de um homem de 25 anos que, conduzindo um motociclo numa auto estrada foi embatido por trás por um veículo que seguia a uma velocidade muito superior a 120 km/hora, indo o condutor de tal modo desatento que não se apercebeu do motociclo que seguia à sua frente, não tendo travado, nem abrandado, nem se desviado. - de 27.09.2022, no processo n.º 253/17 (Relator Isaías Pádua) foi arbitrada uma indemnização de € 120.000,00 pela morte de uma mulher de 41 anos que se encontrava de pé junto à traseira do seu veículo estacionado em zona destinada a esse efeito, quando foi embatida por um veículo automóvel cujo condutor, com a licença de condução caducada, perdeu o controle do mesmo, entrando em capotamento e invadindo a zona de estacionamento da mão contrária onde seguia, em frente a uma escola pública sinalizada. - de 07.05.2020, no processo n.º 952/06 (Rel. Olindo Geraldes) foi arbitrada uma indemnização de € 85.000,00 pela morte de um homem de 29 anos que, conduzindo um veículo automóvel, num cruzamento, foi embatido por outro veículo automóvel que não respeitou um sinal stop, conduzido por uma pessoa sem carta de condução. - de 03.03.2021, no processo n.º 3710/18 (Rel. Maria do Rosário Morgado), foi arbitrada uma indemnização de € 80.000,00 pela morte de um homem de 33 anos que se encontrava, no exercício das suas funções a efetuar trabalhos de reparação de uma estrada, na sua berma, quando foi atropelado por um veículo automóvel que se despistou ao ser conduzido por pessoa com excesso de álcool. - de 15.09.2022, no processo n.º 2374/20 (Relatora Fátima Gomes), foi arbitrada uma indemnização de € 85.000,00 pela morte de um homem de 33 anos que, conduzindo um motociclo, num cruzamento, foi embatido por um veículo automóvel que não respeitou um sinal stop.” Como se vê em todos os acima referidos casos, tratava-se de vítima bem mais nova do que a que aqui está em causa e sem qualquer culpa da sua parte (tal como nos autos). O montante solicitado está, pois, muito além do que é referido na mais recente jurisprudência, considerando-se as circunstâncias concretas do caso. Entende-se, pois, adequado o montante de € 55.000,00 que quanto a isto foi fixado. # Temos assim, que serão alterados : - o montante de € 25.000,00 para € 30.000,00, referente aos danos não patrimoniais do falecido DD; - montante de € 8.500,00 para € 15.000,00, referente aos danos não patrimoniais da demandante CC. O referido montante indemnizatório de € 30.000,00 deverá ser repartido por ambos os demandantes conforme se determinou na sentença recorrida. # DECISÃO Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência: - alterar a sentença recorrida, fixando-se agora os montantes indemnizatórios de € 30.000,00 quanto ao ressarcimento dos danos não patrimoniais do falecido DD e de € 15.000,00 quanto aos danos não patrimoniais da demandante CC; - manter a sentença recorrida em tudo o mais. # Custas por demandantes e demandada na proporção dos respectivos decaimentos no recurso (artº 523º do C.P.P.). # Évora, 12 de Setembro de 2023 Nuno Garcia Laura Goulart Maurício Maria Margarida Bacelar |