Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
9/20.8GEPLM.E1


Relator: EDGAR VALENTE
Descritores: PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PRISÃO EFECTIVA
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A circunstância de existirem fortes razões de prevenção especial (e de prevenção geral), sendo de sublinhar a atitude de essencial insensibilidade do ora recorrente face à pena reclusiva correspondente a crime homótropo em que foi anteriormente condenado, que não teve qualquer efeito dissuasor da prática ulterior de mais um crime de idêntica natureza, é impeditiva da ponderação de pena não efectivamente reclusiva, pois que não bastarão a censura de facto e ameaça da prisão, sendo de recear, razoavelmente, que a não execução imediata da pena privativa de liberdade não venha a ter sobre o arguido suficiente efeito dissuasor da prática de crimes.
Nesta conformidade, não pode o Tribunal formular o juízo de prognose que tem de estar na base da decretação da suspensão da execução da pena de prisão.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

No Juízo Central Criminal de … do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo comum colectivo n.º 9/20.8GEPLM, tendo aí, após julgamento, sido proferido acórdão com o seguinte dispositivo (transcrição):

“Pelo exposto supra, o Tribunal decide:

a) ABSOLVER o arguido AA do cometimento de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, alíneas c) e e) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro;

b) CONDENAR o arguido AA do cometimento, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, alínea a) do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

c) Suspender a execução da pena indicada em b) pelo período da sua duração (3 anos e 6 meses), subordinando-se a suspensão a regime de prova, a delinear e acompanhar pela DGRSP, fazendo pressupor, como condição intrínseca, o dever do arguido comparecer naqueles serviços e manter-se contactável aos técnicos responsáveis pelo acompanhamento da sua situação, seguindo as orientações pelos mesmos firmadas no plano a homologar por este Tribunal;”

Inconformado, o MP interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“1ª – O objecto do recurso circunscreve-se à decisão de suspender a execução da pena de três anos e seis meses de prisão aplicada ao arguido;

2ª – Contra o arguido sobrelevam a expressiva quantidade das substâncias estupefacientes detidas (que levou o tribunal a alcandorar a ilicitude e a gravidade do facto a um “patamar relevante”), as quatro condenações penais em outros tantos processos já sofridas em momento anterior ao da prática dos factos (uma em pena de multa, duas em pena de prisão com execução suspensa e outra em pena de prisão efectiva, esta pela prática do mesmo crime), o cometimento posterior de novo ilícito criminal (pelo qual foi entretanto condenado) e a personalidade que assim se revela (desajustada de normas jurídicas que tutelam bens jurídicos de diversa natureza e pouco moldável pelo juízo de censura inerente às condenações já enfrentadas e até por pena de prisão já cumprida pela prática de crime da mesma natureza);

3ª – São consabidamente prementes as exigências de prevenção geral do crime de tráfico de estupefacientes;

4ª – As necessidades de prevenção especial, que o próprio acórdão qualifica como “relevantes”, revelam-se efectivamente acentuadas em função dos antecedentes criminais do arguido, da sua ligação duradoura ao consumo de canábis e da falta de evidências de uma interiorização sem reservas do desvalor da sua conduta;

5ª – Tanto quanto se afigura, o tribunal elegeu como critério preponderante da opção pela suspensão da execução da pena de prisão o que designou de “actual grau de enquadramento sócio-familiar” do arguido;

6ª – Porém, dos factos julgados provados decorre que à data do cometimento do crime em apreço o arguido já beneficiava de similar(e adequado) enquadramento familiar – factor à partida de protecção, mas que, no caso, não constituiu suficiente contra-peso à prática delituosa;

7ª – Por outro lado, a inserção social exprime-se no cumprimento das regras da vida em sociedade, das quais as que tutelam bens penalmente protegidos representam o expoente máximo, sendo certo que, após a prática dos factos objecto dos presentes autos (por força dos quais foi inclusivamente detido e sujeito a primeiro interrogatório judicial), o arguido incorreu, já no corrente ano de 2022, em novo ilícito penal;

8ª – Na verdade, as circunstâncias do crime cometido, as condições da vida do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao ilícito em apreço e a personalidade assim revelada não suportam a formulação de um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro, nem autorizam a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão – ainda que acompanhadas da imposição de regime de prova – realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição: protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade;

9ª – Por conseguinte, ao suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido o acórdão recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação ao caso concreto, a norma constante do nº 1 do artº 50º do C.P.;

10ª – Interpretando-a e aplicando-a no sentido de que, perante a personalidade do arguido, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste (que emergem dos factos julgados provados), a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, quando a deveria ter interpretado no sentido contrário e rejeitado a sua aplicação no caso concreto.”

Pugnando, em síntese, pelo seguinte:

“Termos em que deverá o presente recurso merecer provimento e ser o douto acórdão recorrido revogado, na parte em que suspendeu a execução da pena de prisão aplicada ao arguido, determinando-se, em consequência, o cumprimento efectivo dessa pena.”

O recurso foi admitido.

O arguido respondeu ao recurso nos termos que, em síntese, se expõem:

“A) O Ministério Público não se conformando com o Douto Acórdão proferido pelo Douto Tribunal a quo, apenas e somente na parte da decisão de suspender a execução da pena de três anos e seis meses de prisão aplicada ao Arguido, apresentou o presente recurso.

B) O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no artº 410 nº 2 do CPP, tal como resulta das disposições conjugadas dos artsº 4 do CPP, 684 nº 3 e 690 nº 1 ambos do CPC;

C) Grosso modo, as conclusões permitem que o Tribunal “ad quem” possa conhecer as razões de discrepância e discordância do recorrente em relação à decisão recorrida.

D) Citando o Professor Alberto dos Reis que referia: “... não é no corpo da alegação que se pode restringir o objecto do recurso, é nas alegações... o tribunal superior tem de guiar-se pelas conclusões da alegação para determinar, com precisão, o objecto do recurso; só deve conhecer, pois, das questões ou pontos compreendidos nas conclusões, pouco importando a extensão objectiva que haja sido dada ao recurso, quer no requerimento de interposição quer no corpo da alegação...”, bem como e mais recentemente de acordo com a posição defendida pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Mouraz Lopes quando refere: “as conclusões são, por definição, a indicação resumida e cristalina daquilo que se expôs e considerou ao longo da alegação, com vista a clarificar o debate, quer para o exercício do princípio do contraditório, quer para o conhecimento do recurso…”

E) O Ministério Público formulou as suas conclusões, as quais se dão aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, pugnando, básica e exclusivamente pela revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido pelo Tribunal a quo.

F) Com o devido respeito e que muito é pelo Ministério Público, não podemos concordar com o recurso apresentado, o qual não deverá merecer provimento, como passaremos a demonstrar.

G) O Arguido, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, não se refugiou nem se socorreu do silêncio, tendo prestado as suas declarações, na senda das quais assumiu quase na integra o vertido no libelo acusatório, demonstrou arrependimento e provou ao Douto Tribunal a quo que a sua vida não é o que a acusação lhe atribuía.

H) O Tribunal Colectivo proferiu um Acórdão sensato e adequado ao que resultou provado em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, pois constatou e decidiu de forma exemplar e digna de registo, que a ressocialização do Arguido pode passar por uma outra fase que não seja a de um cumprimento efectivo de uma pena de prisão, que é sempre a ultima ratio!

I) É que concatenada toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, perante a confissão do arguido no tocante aos produtos estupefacientes, perante o sincero arrependimento que demonstrou, tendo em conta toda a prova documental que o arguido juntou aos autos, perante o relatório social do mesmo, o Tribunal a quo aplicou a pena de três anos e seis meses de prisão ao mesmo, suspendendo a mesma na sua execução e mediante regime de prova, tendo atuado de forma correta, sensata e acima de tudo ponderada, fazendo um juízo de prognose favorável do arguido, para cumprimento da pena de prisão a executar na comunidade.

J) Cumprimento este no sentido da ressocialização do Arguido e do acompanhamento clinico do mesmo junto do CAT, cujos comprovativos de presença remetemos em anexo à presente resposta.

K) Acima de tudo o Douto Tribunal a quo, ao proferir o Douto Acórdão ora em sindicância quis e conseguiu ser justo e não pretendendo ser justiceiro, pelo que e sem necessidade mais considerandos deve o recurso interposto pelo Ministério Público ser rejeitado, mantendo-se na integra o Douto Acórdão recorrido, fazendo-se assim a mais lidima Justiça.”

Pugnando, em síntese, pelo seguinte:

“Nestes termos e nos demais de Direito, que V. Exas. Venerandos Desembargadores doutamente suprirão, deverá ser rejeitado o recurso do recorrente, mantendo-se na integra o Douto Acórdão recorrido, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”

A Exm.ª PGA neste Tribunal da Relação exarou parecer no sentido de que o recurso “merece provimento”.

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (1), sendo que, na resposta, o arguido defende que o recurso deve “ser rejeitado”.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“Da discussão da causa, com relevo para a decisão da mesma, resultaram provados os seguintes factos:

Advenientes da acusação pública:

1) Desde data não apurada do ano de 2019 e perdurando até ao dia 21/09/2020 (momento em que se efetuou busca domiciliária), o arguido AA dedicou-se ao cultivo, à produção e preparação de produto estupefaciente, nomeadamente canábis ou substâncias da mesma derivadas e por si produzidas (óleo), na propriedade sita em Rua …, Bairro … em …, face à qual assumia disponibilidade de acesso.

2) O arguido AA plantou inúmeros pés de plantas canábis no meio de um milheiral, para que não fossem vistas por ninguém, e aí as manteve, proporcionando-lhes as condições de que necessitavam para crescer e florescer, a fim de as colher quando para isso estivessem suficientemente crescidas.

3) Quando chegou a altura, o arguido AA colheu as plantas de canábis e procedeu à secagem das mesmas, pendurando-as na sala do anexo ali existente, no interior da propriedade.

4) As substâncias obtidas pelo arguido, nos termos da atividade supra, eram após destinadas ao seu consumo próprio e à cedência a terceira pessoa, sendo que assim sucedeu, pelo menos, quanto à sua filha.

5) No dia 21/09/2020, o arguido AA tinha, assim, no interior da residência indicada em 1), em processo de secagem, 65.774,300 gramas de canábis (fls/sumid.), com o grau de pureza de 10,4%, suficientes para 136.810 (cento e trinta e seis mil, oitocentos e dez) doses médias individuais diárias.

6) Tinha ainda o arguido na sua posse, 979,600 gramas de canábis (fls/sumid.), guardadas em potes de vidro, caixas de esferovite e garrafas, com o grau de pureza de 12,6%, suficientes para 2.468 (duas mil, quatrocentas e sessenta e oito) doses médias individuais diárias e 14,660 gramas de canábis (resina), com o grau de pureza de 15,4%, suficientes para 45 (quarenta e cinco) doses médias individuais diárias.

7) No interior da referida residência foram ainda encontrados os seguintes objetos e quantias em dinheiro: a) 180,900 gramas de sementes de planta de canábis; b) uma balança digital de precisão; c) vários sacos; d) um rolo de película aderente e outro de papel de alumínio; e) seis rolos para embalamento a vácuo; f) uma máquina de vácuo marca …; g) um desumificador; h) um saco contendo oito tesouras cujas lâminas apresentam vestígios de canábis; i) uma pistola calibre 6,35mm, devidamente municiada com um carregador contendo seis munições; j) uma caixa contendo 32 (trinta e duas) munições calibre 6.35mm; e k) 1.800,00 € (mil e oitocentos euros) em notas do Banco Central Europeu.

8) O arguido era, por seu turno, portador da importância de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) em notas do Banco Central Europeu, que acondicionava numa bolsa.

9) No interior da propriedade existiam ainda dois anexos e no interior de um deles, o arguido guardava os seguintes objetos: a) duas ventoinhas; b) um desumificador; c) dois termómetros digitais; d) sete lâmpadas suspensas no teto, com os respetivos balastros eletromagnéticos e temporizadores; e) dois extratores de fumos; f) uma caixa contendo 10m de cabo elétrico, cinco fichas macho, seis lâmpadas de aquecimento de 600W e seis refletores; g) seis balastros eletromagnéticos de 600w; h) várias folhas de alumínio; i) um rolo de plástico preto; j) dois extratores helicoidal; k) um rolo de fita de alumínio; e l) adubo para plantas.

10) O segundo anexo encontrava-se em obras.

11) O arguido tinha ainda, numa outra habitação, sita em Rua …, n.º …, …, plantados no chão, dois pés de canábis e quatro caules aos quais já haviam sido retiradas as folhas.

12) O arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e das características do produto estupefaciente que cultivava, produzia, preparava, detinha, guardava e cedia, nos termos e condições feitas explicitar em 4).

13) Sabia ainda o arguido que não se encontrava autorizado a cultivar, produzir, deter, guardar, oferecer, vender ou ceder qualquer tipo de produto estupefaciente.

14) A arma (do tipo pistola) indicada em 7) não se encontrava registada ou manifestada.

15) O arguido não é titular de licença de uso e porte de arma ou detenção de arma no domicílio.

16) O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito concretizado de cultivar, produzir, preparar, deter e ceder produto estupefaciente (canábis ou derivados de tal substância), bem sabendo que não estava autorizado a fazê-lo.

17) Mais sabia o arguido que tal conduta era proibida e punidas por lei penal.

Mais se provou, com relevo para a decisão dos autos:

18) Que o arguido era, no período temporal a que se reportam os autos, consumidor habitual/diário de canábis, que fumava e consumia em óleo diluído em chás.

Do contexto vivencial do arguido:

19) AA é um indivíduo de 62 anos de idade, natural do …, sendo o filho único de um casal, que se dedicava à venda ambulante em feiras e mercados.

20) Em criança, com as frequentes deslocações dos progenitores por motivos laborais, o arguido permaneceu grande parte do tempo junto dos avós paternos, e passou a frequentar a escolaridade obrigatória na zona de …, onde residia à data, com um percurso escolar pautado por dificuldades de aprendizagem e absentismo.

21) Face a estas dificuldades e por decisão paterna foi colocado no Colégio …, onde permaneceu como aluno interno até à conclusão do 9º ano de escolaridade (antigo 5º ano).

22) O arguido, à data de tal inserção escolar com 9 anos, encara a mudança de estabelecimento de ensino e de cidade como um acontecimento traumático, por ter sido sujeito a uma mudança repentina, de um contexto sociofamiliar e educativo conhecido para um sistema de ensino descrito como muito punitivo.

23) Contextualiza e motiva em tal alteração o desenvolvimento da síndrome de Tourette, bem como, para o início das primeiras experiências de consumo de estupefacientes (liamba), que se vieram a prolongar na adolescência e a persistir no tempo até à vida adulta.

24) De regresso ao domicílio paterno, e ainda por desejo da figura paterna, permaneceu cerca de um ano a viver com os tios, na zona do … e iniciou-se na área profissional de aprendiz de eletricista, que não apreciava e que veio a abandonar aos 15 anos de idade.

25) Entre os 15 e os 18 anos dedicou-se à venda ambulante de farturas e, posteriormente, estabeleceu-se como vendedor de cassetes e discos de vinil, atividade que manteve até aos 31 anos.

26) Posteriormente exerceu outras atividades comerciais, nomeadamente, como proprietário de um estabelecimento comercial – café -, tendo ainda investido as suas poupanças na aquisição de imóveis.

27) Contraiu matrimónio tendo deste relacionamento nascido três descendentes, atualmente maiores de idade e autónomos.

28) Encontra-se viúvo há cerca de 4 anos.

29) No âmbito de condenação em pena de prisão suspensa, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, a qual se condicionou a regime de prova, vem contando com o acompanhamento da DGRSP, entidade com a qual tem colaborado, tendo aceite iniciar tratamento do consumo abusivo de álcool, junto da Equipa de Tratamento de … da ARS-….

30) O arguido veio entretanto a enviuvar.

31) O arguido dispõe de uma condição económica favorável, vivendo com base em rendas de habitações herdadas do progenitor e adquiridas por si ao longo dos anos de trabalho, localizadas na zona de ….

32) A nível da saúde, AA refere um padrão de consumo de bebidas alcoólicas regular, mas, na sua perspetiva, sem exagero, às refeições e em contexto de festas e encontros.

33) Quanto ao consumo de estupefacientes, mantinha, pelo menos no momento de sujeição a entrevista para a elaboração de relatório social, o consumo duas vezes ao dia de óleo de THC (haxixe), todavia, não considerando padecer de problemática aditiva ou dependência.

34) Ainda a este nível, o arguido refere que o consumo deste óleo diminui os tiques verbais de que padece.

35) É visto pela filha como um bom pai, o qual está presente, apoiando os filhos quando precisam, apesar de maiores de idade, autónomos e independentes.

36) A nível das competências sociais e pessoais, AA é um sujeito que estabelece uma boa relação e comunicação com o interlocutor, mas é penalizado pela ansiedade, sendo notória a regularidade do seu tique verbal.

37) Apresenta dificuldade ao nível do pensamento consequencial e do juízo crítico, reduzida capacidade de consciência do interdito, menosprezando os efeitos negativos dos estupefacientes.

38) A nível sociomoral, AA apresenta um raciocínio centrado na sua crença e experiência pessoal (para o próprio de sucesso pessoal e profissional), em que desvaloriza a gravidade do consumo de haxixe, mas pensa que o uso de outros tipos de drogas deve ser penalizado, pelas consequências mais graves que acarretam a nível individual e social.

Do passado criminal do arguido:

39) Do CRC do arguido constam os seguintes averbamentos criminais: a) pelo cometimento de 1 crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291º do Código Penal, ocorrido em 3/12/1999, sancionado por acórdão de 16/04/2011, na pena de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos (Proc. N.º 893/99.2… da Vara Mista de …); b) pelo cometimento de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos ocorridos em 5/06/2002, sancionados por sentença de 6/06/2002, na pena de 90 dias de multa (Proc. N.º 101/02.0… do …º Juízo Criminal de …); c) pelo cometimento de 1 crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, por factualidade tida lugar em 8/08/2005, sancionada por acórdão de 6/07/2006, transitado em julgado em 26/02/2007, na pena de 5 anos e 9 meses de prisão efetiva (Proc. N.º 353/05.4… da Vara de Competência Mista de …); d) pela autoria de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º do Código Penal, nas penas de 7 meses, suspensa na sua execução por 1 ano, e 5 meses e 10 dias de proibição de conduzir, condenação essa reportada a factos de 3/11/2016, e firmada em sentença de 9/11/2016, transitada em julgado em 12/12/2016 (Proc. N.º 394/16.6… do Juízo Local Criminal de … – J…); e) pelo cometimento de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º do Código Penal, ocorrido em 6/01/2022, sancionado por sentença de 21/02/2022, devidamente transitada em julgado em 23/03/2022, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, sob regime de prova, com sujeição a eventual tratamento alcoológico, e de 10 meses de proibição de conduzir veículos motorizados (Proc. N.º 10/22.7… do Juízo Local Criminal de … – J…).

***

III.II. Factos não provados:

Não resultou cabal e inequivocamente demonstrado:

A) Que a atividade do arguido, explicitada no ponto 1), antecedesse, no seu início, ao ano de 2018.

B) Que o imóvel indicado no ponto 1) da matéria assente fosse, à data dos factos, da propriedade do arguido.

C) Que o arguido ali fizesse local da sua habitação exclusiva ou habitual.

D) Que as obras em curso no anexo indicado em 10) da matéria assente visassem conceder a tal estrutura as condições aptas a poder a mesma funcionar como estufa.

E) O arguido pretendia vender todo o produto estupefaciente que detinha a outros traficantes que com ele quisessem negociar, por um preço muito superior àquele por que o havia produzido, assim realizando avultadas mais-valias.

F) Sendo o valor das vendas pretendidas realizar de €5.000,00 (cinco mil euros) por 1kg de canábis (fls/sumid.).

G) Que a arma indicada em 7), ou bem assim as munições apreendidas no contexto ali explicitado, pertencessem ao arguido.

H) Que tivesse o arguido, de forma deliberada, livre e consciente, atuado com o propósito concretizado de deter e guardar uma arma de fogo e respetivas munições, bem sabendo que aquela não estava manifestada em seu nome e que não detinha licença de uso e porte de arma, atribuída por autoridade competente.

(…)

Quanto à forma de execução da pena concreta acabada de aplicar:

Face à duração concreta da pena (inferior a 5 anos) impõe-se a ponderação da eventual suspensão da sua execução.

Para tanto importa considerar o seguinte:

Os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão vêm elencados no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal:

- O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.

- O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Na concretização do juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença ou acórdão, à personalidade do agente (designadamente ao seu caráter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como apreciar a conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).

No entendimento do Prof. Figueiredo Dias, citado no Acórdão da Relação de Coimbra de 29/11/2017 (Relator: Orlando Gonçalves – Proc. N.º 202/16, in www.dgsi.pt) “a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável (à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição (artigo 50, n.º 1 e 40, n.º1 do Código Penal), nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que «só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto…»”.

Ora, transpondo as considerações em apreço para o caso dos autos, cumprirá destacar, que, não obstante a existência de passado criminal do arguido, sendo um dos sancionamentos por crime de tráfico de estupefacientes e com aplicação de pena em regime de efetividade, o distanciamento temporal de tal condenação (relativo a factos com distanciamento temporal de mais de 15 anos) e o enquadramento e/ou modalidade da ação do arguido, sujeita a apreciação nestes autos, aliado ao atual grau de enquadramento sócio-familiar do arguido, justificarão ainda a possibilidade do arguido beneficiar da suspensão de execução da pena, revelando-se dessa forma meceredor de um juízo de prognose favorável.

Nesse enquadramento, julga-se ainda possível a execução da pena em plano comunitário.

Não obstante, considerando os contornos de ação do arguido, motivada num circunstancialismo de consumo próprio e de familiar próximo, crê-se dever ser a suspensão condicionada a acompanhamento próximo do Tribunal, julgando-se assim conveniente a sua sujeição a regime probatório, a delinear e acompanhar pela DGRSP, porém fazendo pressupor sempre, como condição intrínseca, o dever do arguido comparecer naqueles serviços e manter-se contactável aos técnicos responsáveis pelo acompanhamento da sua situação, seguindo as orientações pelos mesmos firmadas no plano a homologar por este Tribunal.”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objeto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

A (única) questão a decidir no presente recurso é a se a pena em que o ora recorrente foi condenado deve ou não ser suspensa na sua execução.

B. Decidindo.

Vejamos, antes de mais, o quadro normativo em questão:

Artigo 25.º

Tráfico de menor gravidade

Se, nos casos dos artigos 21.º (2) e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;

b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.

Considerando a redacção do art.º 21.º, n.º 1 do normativo em causa, de que o art.º 25.º é expressa e normativamente tributário (3), que traduz “uma configuração típica de largo espectro, de tal modo que qualquer contacto ou proximidade com o produto estupefaciente permite, por si só, integrar por inteiro a tipicidade”(4), é evidente que, apesar de no crime previsto naquele art.º 25.º a ilicitude tenha de se mostrar “consideravelmente diminuída”, ainda assim deve o seu grau (5), dentro de tal baliza, ser avaliado em sede de determinação da medida da pena, nos termos recortados pelo art.º 71.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal.

É certo que o ora recorrente não vem sindicar, nem a qualificação dos factos (nomeadamente a sua “desqualificação” do art.º 21.º para o art.º 25.º), nem a fixação da pena, apenas pugnando pela não aplicação da pena de substituição (6) decretada pelo tribunal a quo, concretamente a suspensão de execução da pena, defendendo, ao invés, o cumprimento efectivo da pena em que o mesmo foi condenado.

Devemos atender à norma que define os respectivos pressupostos:

Artigo 50.º (7)

Pressupostos e duração

1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A operatividade do instituto depende, pois, da verificação de pressupostos formais e materiais (8).

Considerando que a pena fixada foi de 3 anos 6 meses de prisão, mostra-se preenchido o respectivo pressuposto formal.

Importa sublinhar que “o pressuposto material da suspensão da execução da pena é o da adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral, sejam de prevenção especial” (9).

No caso dos autos, como, aliás, se reconhece na decisão recorrida, avulta um “passado criminal, com um averbamento relativo a tráfico de estupefacientes (com sujeição do arguido a pena de prisão efetiva)”, entre outras condenações por crimes ligados à condução automóvel, pelo que, mesmo atendendo à sua (aparente) inserção social (10), é indiscutível que estamos perante alguém especialmente inclinado para a prática de crimes.

A este propósito, importa aqui lembrar a seguinte decisão deste tribunal da Relação (11): “Cumpre ajuizar da eventual suspensão da execução da pena, com referência à medida concreta agora determinada. (…) A circunstância de o arguido ter sido condenado, anteriormente aos factos por que agora responde, numa pena de 7 anos de prisão efectiva, que ele cumpriu, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado é de molde a suscitar, por si própria, fortes imperativos de prevenção especial, cuja satisfação previsivelmente não se bastará com a censura de facto e ameaça da prisão, sendo de recear, razoavelmente, que a não execução imediata da pena privativa de liberdade não venha a ter sobre o arguido suficiente efeito dissuasor da prática de crimes. Nesta conformidade, não pode o Tribunal formular o juízo de prognose que tem de estar na base da decretação da suspensão da execução da pena de prisão em quer o arguido vai ser condenado. Consequentemente, não será determinada a suspensão pretendida pelo recorrente, mantendo-se o carácter executório da pena.”

Por outro lado, há ainda que sublinhar o seguinte: Para além da expressiva quantidade de estupefaciente apreendido (que estará no limiar da ilicitude consideravelmente diminuída (12), que representa muitos milhares de doses médias individuais diárias, como ficou provado, mais se provou a cedência quanto a terceira pessoa, “pelo menos, quanto à sua filha”, afigurando-se-nos aqui existir um poderosíssimo factor de prevenção especial.

Pelo menos tão importante como este factor, temos a considerar a atitude pessoal do ora recorrente quanto aos estupefacientes, traduzida nos seguintes aspectos, que de novo sublinhamos:

“Apresenta dificuldade ao nível do pensamento consequencial e do juízo crítico, reduzida capacidade de consciência do interdito, menosprezando os efeitos negativos dos estupefacientes.

(…) A nível sociomoral, AA apresenta um raciocínio centrado na sua crença e experiência pessoal (para o próprio de sucesso pessoal e profissional), em que desvaloriza a gravidade do consumo de haxixe, mas pensa que o uso de outros tipos de drogas deve ser penalizado, pelas consequências mais graves que acarretam a nível individual e social.”

Escreveu-se, significativamente, em recente acórdão também deste TRE (13):

“Resta agora determinar se a execução desta pena de prisão (…) deve ou não ficar suspensa. (…) O pressuposto material da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal, «atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativo ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta (…) – “bastarão para afastar o delinquente da criminalidade” (…). Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. (…) A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer “correção”, “melhora” ou – ainda menos “metanoia” das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, (…) uma questão de “legalidade” e não de “moralidade” que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na “prevenção da reincidência”.» Aqui chegados, e a propósito do papel que deve ter a prevenção geral no domínio da imposição da suspensão da execução da pena de prisão, importa ter presente que «Ela deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico (…), como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafática das expectativas comunitárias.»”

No caso dos autos, entendemos que, atendendo às acima recortadas personalidade do agente e circunstâncias de facto, não é possível concluir por um prognóstico favorável relativo ao comportamento daquele, não estando assegurado o referido “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na “prevenção da reincidência”, sendo muito provável que a mesma venha a ocorrer. Ainda é de mencionar o Acórdão STJ de 27.05.2015 proferido no processo n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1 (14): “Maria João Antunes afirma que «[s]ão finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial, que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade, sem perder de vista que a finalidade primordial é a de protecção de bens jurídicos». O crime de tráfico de estupefacientes postula elevadas necessidades de prevenção geral. O Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências 2013-2020, já antes mencionado, a matéria da prevenção está presente, constituindo objetivo geral, de acordo com aquele Plano, «reduzir a disponibilidade de drogas ilícitas e das novas substâncias psicoactivas (NSP) no mercado, através da prevenção, dissuasão e desmantelamento das redes de tráfico de drogas ilícitas, em especial do crime organizado, intensificando a cooperação judiciária, policial e aduaneira, a nível internacional, bem como a gestão de fronteiras». Uma recensão da jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre casos similares leva à conclusão de que condutas idênticas às do recorrente são punidas com pena de prisão efetiva[Acórdão de 2 de maio de 2012, processo n.º 132/11.0JELSB.S1. No mesmo sentido, os acórdãos de 29 de junho de 2011, processo n.º 1878/10.5JAPRT.S1, e de 14 de julho de 2011, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1], face às elevadas exigências de prevenção. Nesse sentido afirma-se que «a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum, em que não se verifiquem razões muito ponderosas, que no caso se não postulam, seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria imperativos de prevenção geral»[Acórdão de 2 de maio de 2014, processo n.º 10/12.5SFPRT.P1.S1]. Noutros termos, «[a] pena de substituição só não deverá ser aplicada quando a execução da pena de prisão se revele necessária ou mais conveniente. Porém, não só o delinquente tem que apresentar atos demonstrativos deste propósito, como o julgador tem que considerar que a sociedade onde o delinquente se insere entende como estando suficientemente protegidos os bens jurídicos lesados pela prática do crime com a simples ameaça da pena, sem qualquer execução, ainda que aquela ameaça seja completada com a imposição de deveres ou regras de conduta ou sujeita a um regime de prova».”

Em síntese, entendemos que existem muito fortes razões de prevenção especial (e de prevenção geral) impeditivas da ponderação de pena não efectivamente reclusiva, sendo de sublinhar a atitude de essencial insensibilidade do ora recorrente face à pena reclusiva correspondente a crime homótropo em que foi anteriormente condenado, que não teve qualquer efeito dissuasor da prática ulterior de mais um crime de idêntica natureza. Como é sabido, quanto a qualquer pena de prisão até cinco anos deve o julgador sempre justificar de forma especialmente robusta a necessidade de aplicação de uma pena de prisão efectiva, mas aqui essa necessidade impõe-se com toda a clareza, pois qualquer outra pena não garantiria as finalidades da punição.

Importa, pois, dar resposta negativa à questão colocada.

O recurso é, assim, totalmente procedente.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar o acórdão recorrido na parte em que decide “[s]uspender a execução da pena indicada em b) pelo período da sua duração (3 anos e 6 meses), subordinando-se a suspensão a regime de prova, a delinear e acompanhar pela DGRSP, fazendo pressupor, como condição intrínseca, o dever do arguido comparecer naqueles serviços e manter-se contactável aos técnicos responsáveis pelo acompanhamento da sua situação, seguindo as orientações pelos mesmos firmadas no plano a homologar por este Tribunal”, determinando-se o cumprimento efectivo da pena de prisão em que o arguido foi condenado.

Sem custas.

(Processado em computador e revisto pelo relator)

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1 Diploma a que pertencerão todas as indicações normativas ulteriores que não tenham indicação diversa.

2 Segundo este normativo: 1 - Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos. 2 - Quem, agindo em contrário de autorização concedida nos termos do capítulo II, ilicitamente ceder, introduzir ou diligenciar por que outrem introduza no comércio plantas, substâncias ou preparações referidas no número anterior é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos. 3 - Na pena prevista no número anterior incorre aquele que cultivar plantas, produzir ou fabricar substâncias ou preparações diversas das que constam do título de autorização. 4 - Se se tratar de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV, a pena é a de prisão de um a cinco anos.

3 Constituindo, tão-só, uma forma de atenuação especial da pena, à semelhança da prevista no art.º 72.º do C. Penal.

4 Pedro Patto in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Universidade Católica Editora, Volume 2, Lisboa, 2011, página 487.

5 Juntamente, em tal alínea, com o modo de execução do facto e a gravidade das suas consequências.

6 “São penas de substituição as que são aplicadas em vez de uma pena principal.” (Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, página 23)

7 Do Código Penal.

8 A terminologia é de Jorge de Figueiredo Dias, Novas e Velhas Questões Sobre a Pena de Suspensão de Execução da Prisão, RLJ, Ano 124, página 67.

9 Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, 2021, página 332.

10 Está em situação de prisão suspensa por condenação por um destes últimos crimes, em tratamento por abuso de bebidas alcoólicas.

11 De 15.11.2016 proferido no processo n.º 161/14.1JASTB.E1.

12 Intocável atento o disposto no art.º 409.º, n.º 1, apesar de na decisão recorrida se fazer menção à ilicitude situada num “patamar relevante”.

13 Acórdão 07.06.2022 processo n.º 1263/16.5GBABF.E2. De referir que no mesmo foi decidida conclusão afirmativa quanto à suspensão da execução da pena.

14 No mesmo sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.03.2011 proferido no processo n.º 58/09.7GBBGC.S1