Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANA MARGARIDA LEITE | ||
Descritores: | DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA FACTOS-ÍNDICE ÓNUS DA PROVA | ||
Data do Acordão: | 09/14/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I – As hipóteses elencadas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE constituem factos que indiciam a situação de insolvência do devedor; II – A verificação de alguma das situações previstas nas alíneas do n.º 1 do citado artigo 20.º constitui, igualmente, uma condição da atribuição, aos credores e demais sujeitos referidos no preceito, do direito de requererem a insolvência do devedor; III – Tendo a insolvência sido requerida por um credor, incumbe-lhe o ónus da prova da verificação da previsão de uma das alíneas do n.º 1 do citado artigo 20.º, cabendo à devedora ilidir a presunção daí decorrente, mediante a demonstração da respetiva solvência; IV – A falta de demonstração pelo credor requerente da situação prevista em qualquer das alíneas do n.º 1 do citado artigo 20.º impõe a improcedência da ação. (Sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 382/22.3T8ODM-D.E1 Juízo de Competência Genérica de Odemira Tribunal Judicial da Comarca de Beja Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: 1. Relatório (…) - ADVOGADOS, S.P., R.L. intentou em 30-09-2022 a presente ação declarativa, com processo especial, requerendo a declaração de insolvência de (…) Propriedades, S.A.. A fundamentar o pedido, alega, em síntese, que é titular de um crédito no montante de € 100.928,81 sobre a requerida e que esta se encontra em situação de insolvência, nos termos previstos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), como tudo melhor consta da petição inicial. Citada, a requerida deduziu oposição. Foi designada data para a audiência final, à qual compareceram ambas as partes, tendo sido proferido despacho saneador, bem como despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, após o que ocorreu a produção de prova, seguida de alegações orais. Foi proferida sentença, na qual se decidiu o seguinte: Em conformidade com o exposto, julgo procedente a presente ação e, em consequência: 1. Declaro a insolvência de (…) PROPRIEDADES, S.A., pessoa coletiva n.º (…), com sede no Caminho (…), Odemira, representada pelo seu Administrador (…), número de identificação fiscal (…). 2. Fixo a residência ao gerente da insolvente: - (…), na Rua (…), n.º 1, Sintra. 3. Como Administrador da Insolvência nomeio o Sr. Dr. (…), inscrito na lista oficial de administradores de insolvência (artigo 36.º, n.º 1, alínea d), do CIRE), com morada na Av. de (…), 153 – (…), Porto, por sorteio na plataforma citius. 4. Ordeno a imediata apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade da insolvente e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos (artigo 36.º, n.º 1, alínea g), do CIRE). 5. Declaro aberto o incidente de qualificação de insolvência com caráter pleno. 6. Fixo em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos (artigo 36.º, n.º 1, alínea j), do CIRE). 7. Deverá advertir-se os credores que devem comunicar prontamente ao Administrador da Insolvência quais as garantias reais de que beneficiem – artigo 36.º, alínea l), do CIRE. 8. Deverá advertir-se os devedores da insolvente de que as prestações a que estejam obrigados deverão ser realizadas ao administrador da insolvência e não à insolvente – artigo 36.º, alínea m), do CIRE 9. Avoco os processos de execução fiscal que porventura estejam a correr termos – artigo 180.º do CPT. 10. Sem prejuízo da mesma ser requerida por qualquer interessado, prescindo por ora da realização da assembleia de credores para apreciação do relatório a que alude o artigo 156.º do CIRE, porquanto não resulta qualquer facto que indicie inexistência de unanimidade dos credores nas decisões quanto ao futuro dos presentes autos, após a receção do relatório do administrador de Insolvência – artigo 36.º, n.º 1, alínea n) e 3, do CIRE. 11. Por ora, não se procede à nomeação de comissão de credores, sem prejuízo de, em eventual reunião de Assembleia, esta proceder à constituição da mesma – artigo 66.º, n.º 2 e artigo 67.º do CIRE. * Fixo à causa o valor de € 30.000,00, sem prejuízo de poder vir a ser corrigido – artigos 15.º e 301.º do CIRE.* Custas a cargo da massa insolvente – artigo 304.º do CIRE.* Notifique, cite, publicite e registe nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 37.º e 38.º do CIRE.* Remeta certidão à Conservatória do Registo Comercial competente, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 38.º, n.º 2, alínea b) e n.º 5 do CIRE e artigo 9.º, alíneas i) e l), do Código de Registo Comercial.Inconformada, a requerida interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem: «I – Foi dado como provado sob o Ponto 16 que as hipotecas que incidem sobre os prédios garantem um montante superior a € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros), pelo que os prédios hipotecados que integram o activo da Recorrente têm um valor superior a, pelo menos, um milhão e quinhentos mil euros. II - Foi também dado como provado sob o Ponto 28 que o passivo da Recorrente ascende a € 960.639,46, ao qual deve acrescer o montante do crédito da Requerente da insolvência (€ 100.928,81), o que resulta num passivo de € 1.061.568,27, donde, o activo da Recorrente excede largamente o seu passivo. III - Ao aplicar neste caso concreto o critério do fluxo de caixa para avaliação da incapacidade/impossibilidade de cumprimento com que define a insolvência, o douto tribunal a quo violou por inadequada interpretação e aplicação o disposto no artigo 20.º do CIRE, porquanto ignora no decisório – e em toda a fundamentação – o facto de que a aqui Recorrente não tem, nem é suposto que tenha, fluxo de caixa regular, considerando que a sua actividade principal consiste na compra e venda de imóveis. IV - Não existe incumprimento regular das obrigações da sociedade Recorrente. V - O tribunal a quo fundamentou a declaração de insolvência na alegada impossibilidade de cumprimento pontual das dívidas que surgem regularmente, ao mesmo tempo que afasta a pontualidade como característica essencial do cumprimento das dívidas vencidas, o que constitui, s.m.o., erro de julgamento por violação do disposto no artigo 20.º do CIRE e verificação dos pressupostos para que se tenha como verificada a situação de insolvência. VI - Enquanto execução universal com apreensão total de bens, a insolvência só pode e deve ser decretada quando se constate a inexistência de património suficiente para cumprir as obrigações do devedor. VII - A douta sentença recorrida fez uma inadequada apreciação da prova documental, a qual impunha decisão diversa. O Banco credor considerou, desde 2010, que os prédios garantiam, pelo menos, um milhão e quinhentos mil euros, tendo avaliado os imóveis, pelo menos, nesse valor. VIII - O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos; essa insusceptibilidade não se verifica nestes autos. IX – A relação entre o activo e o passivo não se basta com qualquer défice do activo. Exige-se uma desconformidade significativa, traduzida na superioridade manifesta, expressiva, do passivo sobre o activo. X - Antes de avançar para o pedido de insolvência, o requerente tinha ao seu dispor meios alternativos e não é a simples demora na obtenção do pagamento através do processo executivo que pode justificar a procedência da medida requerida. XI - Resulta dos autos que a Recorrente tem meios para pagar aos seus credores – o seu activo imobiliário tem um valor superior a um milhão e meio de euros, perante uma dívida total que não chega a um milhão e cem mil euros. XII - Não foram impugnados os documentos juntos pela Recorrente com a sua oposição, pelo que se têm como provados os factos a cuja prova se destinaram e se têm os documentos por não impugnados, o que deveria ter sido tido em conta em sede de julgamento, afastando-se os factos-índices que constituem o pressuposto para verificação da situação de insolvência. XIII - Os autos não dispõem de elementos que permitam concluir que se justifica a abertura do incidente de qualificação, o qual não constituirá mais do que uma humilhação para o administrador da Recorrente, sem qualquer benefício para os credores ou para a Justiça. XIV - A aliás douta sentença recorrida violou, por inadequada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 20.º, n.º 1, alíneas a), b), d), e) e g), e 36.º, n.º 1, alínea i), ambos do CIRE.» A apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido e requerendo, a título subsidiário, o conhecimento da questão relativa ao preenchimento de outras alíneas do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE invocadas na petição inicial. O Ministério Público apresentou contra-alegações, pronunciando-se no sentido da manutenção do decidido. Por despacho proferido pela ora relatora, nos termos dos artigos 652.º, n.º 1, alínea b), e 655.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), foi determinada a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, sobre a possibilidade da rejeição parcial do recurso, na parte respeitante ao segmento da sentença em que se declarou aberto o incidente de qualificação da insolvência, por se ter entendido que a decisão é irrecorrível e que tal constitui uma circunstância que obsta parcialmente ao conhecimento do recurso. Cumprido o disposto no artigo 655.º, n.º 1, do CPC, a recorrente sustentou que o recurso interposto se reporta apenas à sentença que decretou a insolvência; a recorrida, por seu turno, pugnou pela rejeição do recurso na parte relativa ao indicado segmento da sentença recorrida. Por despacho proferido pela ora relatora, nos termos dos artigos 652.º, n.º 1, alínea b), do CPC, o recurso foi parcialmente rejeitado, tendo-se decidido não conhecer do seu objeto na parte relativa à impugnação do segmento da sentença em que se declarou aberto o incidente de qualificação da insolvência, sendo admitido na parte não abrangida por tal decisão. Como tal, face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes: - da impugnação da decisão relativa à matéria de facto; - da declaração de insolvência da requerida. Corridos os vistos, cumpre decidir. 2. Fundamentos 2.1. Decisão de facto 2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância: 1) A Requerente é uma sociedade civil de advogados, constituída em outubro de (…) e inscrita na Ordem dos Advogados com o n.º (…), que exerce aquela atividade de forma habitual e com caráter lucrativo. 2) A Requerida é uma sociedade comercial cujo objeto social é a compra, venda e compra para revenda de bens imóveis e móveis; Arrendamento e ou exploração de bens próprios e alheios; Gestão integrada de serviços, espaços e ambientes; Representação e gestão de sociedades participadas; Consultadoria de marketing, prestação de serviços em geral, projecto, urbanização, construção, manutenção e recuperação de imóveis; Produção, representação, importação, exportação e comercialização de marcas, produtos e serviços conexos. 3) A Requerida tem um capital social de € 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil euros). 4) A administração da Requerida é exercida por (…). 5) No âmbito da sua atividade profissional, a Requerente foi contactada pela Requerida no sentido de obter a sua colaboração e prestação de serviços jurídicos. 6) A Requerente prestou serviços jurídicos a pedido e em benefício da Requerida, o que fez desde março de 2009, designadamente no âmbito dos assuntos denominados “Contencioso”, “Condomínio (…)”, “Apoio Laboral” e “Embargos de Terceiro.”. 7) Em 15.11.2016, a Requerente apresentou contra a Requerida um procedimento de injunção, no qual peticionou o valor do capital, juros de mora e respetiva taxa de justiça, no valor total de € 77.171.27 (setenta e sete mil e cento e setenta e um euros e vinte e sete cêntimos). 8) Na sequência da oposição apresentada pela Requerida, o procedimento de injunção foi distribuído ao Juiz 2 do Juízo Central Cível de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, sob o número …/07.7TBMFR-C. 9) Em 25.08.2021 foi celebrada uma transação entre a Requerente e a Requerida, homologada por sentença em 01.09.2021, no âmbito da qual a Requerida se confessou devedora do montante de € 77.171,27 (setenta e sete mil, cento e setenta e um euros e vinte e sete cêntimos), tendo a Requerente aceite reduzir a quantia em dívida para € 25.336,00 (vinte e cinco mil, trezentos e trinta e seis euros), caso tal valor fosse pontualmente pago nos termos acordados entre as partes, e que previa quatro prestações, a saber: i. Pagamento de EUR 4.000,00 até 25.08.2021; ii. Pagamento de EUR 6.000,00 até 21.09.2021; iii. Pagamento de EUR 8.000,00 até 29.10.2021; iv. Pagamento de EUR 7.336,00 até 10.12.2021. 10) A Requerida não procedeu ao pagamento atempado e integral das três últimas prestações vencidas e não pagas. 11) Os pagamentos efetuados pela Requerida à Requerente, desde a data da transação, totalizam € 8.900,30 (oito mil e novecentos euros e trinta cêntimos). 12) A Requerente instaurou, em 08.06.2022, uma ação executiva contra a Requerida, a qual corre termos no Juiz 3 do Juízo de Execução de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, sob o número …/22.1T8SNT, na qual peticionou o valor total de € 100.928,81 (cem mil, novecentos e vinte e oito euros e oitenta e um cêntimos), correspondentes a: a. Capital – € 68.270,97 (sessenta e oito mil, duzentos e setenta euros e noventa e sete cêntimos); b. Juros de mora calculados, à taxa comercial em vigor, desde 16.11.2016 (dia seguinte à data de apresentação do requerimento de injunção) até à apresentação do requerimento executivo (i.e. 08.06.2022) – € 30.375,91 (trinta mil, trezentos e setenta e cinco euros e noventa e um cêntimos); c. Juros compulsórios – EUR 2.281,93 (dois mil, duzentos e oitenta e um euros e noventa e três cêntimos). 13) No âmbito do processo executivo descrito em 12), foi tentada a 15/06/2022 a penhora dos saldos bancários pertencentes à Requerida, tendo o resultado sido negativo por falta de saldo. 14) Encontra-se em curso uma ação executiva instaurada pelo Banco (…), S.A. contra a Requerida, pelo valor de € 905.272,05, a qual foi distribuída em 24.05.2022, correndo termos no Juízo Central Cível e Criminal de Beja, sob o número …/22.7T8BJA. 15) Em 01.06.2018 foi distribuída no Juízo Local Cível de Sintra, sob o número …/18.6YIPRT, uma ação especial para cumprimento de obrigação pecuniária instaurada pela sociedade (…), Lda. contra a Requerida pelo valor de € 1.360,32, onde houve lugar a transação mediante a qual a Autora reduziu o pedido para € 1.000,00, valor do qual a ora Requerida se confessou devedora e a ser liquidado de imediato, homologada por sentença datada de 22/11/2018. 16) A 15/06/2022, encontravam-se registados a favor da Requerida os seguintes imóveis, nas condições abaixo descritas: (…) 17) À exceção dos prédios rústicos com os artigos matriciais (…), (…), (…), (…) e (…), cujos valores patrimoniais se cifram entre os € 11,88 e os € 100,81, os restantes imóveis, cujos valores patrimoniais se cifram entre os € 1.661,34 e os € 330.549,52, encontram-se onerados com os seguintes ónus e encargos: - hipotecas voluntárias a favor do Banco (…), S.A. (antiga denominação (…) – Banco (…), S.A.. - arrendamentos a favor da Reserva Turística dos (…), Lda. (anteriormente denominada Monte …, Lda.) - penhoras a favor do credor hipotecário. 18) A Requerida celebrou contratos de arrendamento sobre os imóveis registados sob a matriz (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…), com a Reserva Turística dos (…), Lda., com início em 13.01.2021 e com uma duração de 10 anos. 19) À data da instauração da presente ação, a Requerente não tinha depositado as contas referentes ao ano de 2021. 20) A Requerida depositou as suas contas referentes ao ano de 2021 em 28/10/2022, data da oposição apresentada nos autos, estando as mesmas pendentes de registo. 21) A Requerida é sócia da sociedade Reserva Turística dos (…), Lda., anteriormente denominada Monte (…), Lda.. 22) O prédio rústico denominado “(…)”, inscrito na matriz predial sob o artigo (…), da União das Freguesias da (…) e (…), concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob a ficha n.º (…), da freguesia do (…), tem um valor patrimonial tributário de € 34,44, estando lançado na contabilidade da Requerida com referência a dezembro de 2021 – conta (…) – como ativo com o valor de € 10.198,00. 23) Em 2020, o prédio descrito em 22) foi avaliado, a pedido da Requerida, com um valor de mercado, na condição de devoluto, de € 571.000,00, e com um valor de mercado após conclusão de obras, de € 3.021.600,00. 24) A Requerida, no decurso do ano de 2022, alienou o prédio rústico denominado “(…)”, descrito em 22), à sociedade Reserva (…), Unipessoal, Lda.. 25) A requerida juntou aos autos a seguinte lista de credores: “1- Banco (…), S. A., com sede na Av. (…), 132, 1050-020 Lisboa Vencimento em maio de 2022 € 821.552,04 2- Reserva Turística (…), Lda., com sede no Caminho (…), 7630-202 Odemira. Vencimento em agosto/setembro de 2022 € 105.029,40 3- AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, com sede na Rua do Comércio, 49, 1100-321 Lisboa Anos 2021 e 2022 € 3.191,19”. 26) No ano de 2021 a Requerida efetuou pagamentos (que denominou “fornecimentos e bens externos”) no valor de € 1.589,34 (mil, quinhentos e oitenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos). 27) No ano de 2021, a Requerida obteve rendimentos no valor de € 5.628,58 (cinco mil e seiscentos e vinte e oito euros e cinquenta e oito cêntimos). 28) A requerida apresenta no ano de 2021 para o ano 2022, resultados transitados negativos no montante de € 960.639,46, não estando incluído neste valor o crédito da Requerente. 2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância: a) O imóvel descrito em 22) encontra-se registado a favor da Requerida. b) Existem entre Requerente e Requerida créditos a compensar (custas de parte recebidas pela Requerente e não entregues à Requerida). c) A falta de pagamento de diversas faturas emitidas pela Requerente e que deram origem ao procedimento de injunção referido em 7) deveu-se a discordância da Requerida relativa aos montantes faturados, à não entrega de faturas à Requerida e à existência de créditos a compensar (custas de parte recebidas pela Requerente e não entregues à Requerida). d) O montante referido em 15) não foi pago. e) Os contratos de arrendamento celebrados entre a Requerida e empresas nas quais aquela detém participações a 100% destinaram-se a garantir a existência de rendimento regular consubstanciado no pagamento de rendas. f) O valor dos prédios registados em nome da Requerida, conforme considerado na contabilidade, respeita as regras legais em matéria de contabilidade, sendo feito o lançamento dos valores de aquisição dos prédios, sem espelhar flutuações de mercado ou especulações. g) O valor conjunto dos imóveis registados a favor da Requerida é muito superior ao crédito hipotecário, assim como ao crédito da Requerente. h) O património da Requerida é suficiente para garantir o pagamento das suas dívidas. i) O património da Requerida por referência ao valor de mercado dos imóveis registados a seu favor, é muito superior ao passivo. 2.2. Apreciação do objeto do recurso 2.2.1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto A apelante, apesar de não impugnar expressamente a decisão sobre a matéria de facto, põe em causa tal decisão, tecendo considerandos sobre a prova produzida e sustentando, designadamente, que determinados documentos não foram devidamente considerados pela 1.ª instância. Porém, o artigo 640.º do CPC impõe ónus ao apelante que pretenda obter a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto, pelo que cumpre verificar se foram cumpridos os requisitos impostos pelo indicado preceito. Sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o citado artigo 640.º o seguinte: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º. Explicando o sistema vigente quando o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, afirma António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, págs. 165-166), além do mais, o seguinte: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)”. Em anotação ao citado preceito, explicam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 770) que “cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objeto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões”. Analisando as alegações de recurso apresentadas, verifica-se que a recorrente não especificou nas respetivas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, sendo certo que tal especificação igualmente não consta do corpo das alegações. Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de a falta de indicação, nas conclusões da alegação, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, importar o incumprimento do ónus de alegação a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, podem indicar-se, a título exemplificativo, os acórdãos de 05-01-2016, proferido na revista n.º 36/09.6TBLMG.C1.S1 - 6.ª Secção, de 21-01-2016, proferido na revista n.º 145/11.1TCFUN.L1.S1 - 2.ª Secção, de 02-02-2016, proferido na revista n.º 2000/12.9TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção, de 03-05-2016, proferido na revista n.º 145/11.1TNLSB.L1.S1 - 6.ª Secção, de 31-05-2016, proferido na revista n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1 - 1.ª Secção, de 02-06-2016, proferido na revista n.º 781/07.0TYLSB.L1.S1 - 7.ª Secção, de 05-08-2016, proferido na revista n.º 221/13.6TBPRD-A.P1.S1, de 14-02-2017, proferido na revista n.º 1260/07,1TBLLE.E1.S1 - 1.ª Secção, de 14-02-2017, proferido na revista n.º 462/13.6TBPTL.G1.S1 - 6.ª Secção, e de 02-03-2017, proferido na revista n.º 1574/11.6TBFLG.P1.S1 - 7.ª Secção, cujos sumários se encontram disponíveis para consulta em www.stj.pt. Tendo-se constatado que a recorrente não especificou, designadamente nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, verifica-se que não cumpriu o ónus previsto na alínea a) do n.º 1 do mencionado artigo 640.º. Acresce que a apelante também não indica, seja na motivação ou nas conclusões das alegações, a decisão que entende dever ser proferida sobre as questões de facto relativamente às quais manifesta discordância, como tal incumprindo igualmente o ónus previsto na alínea c) do n.º 1 do citado preceito. O incumprimento, pelo recorrente, de qualquer dos ónus previstos nas citadas alíneas a) e c), é cominado com a rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, conforme decorre do estatuído no corpo do n.º 1 do citado artigo 640.º, assim se encontrando afastada a possibilidade de a Relação convidar ao aperfeiçoamento das alegações, de forma a suprir tal omissão. No caso presente, verificado o incumprimento pela recorrente destes ónus – indicação nas conclusões dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indicação, na motivação ou nas conclusões, da decisão que entende dever ser proferida sobre tais questões de facto –, sempre seria de rejeitar o recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, caso tivesse sido expressamente deduzida. Verificada a falta de expressa impugnação da decisão de facto, impõe-se rejeitar a apreciação da argumentação da apelante, na parte em que põe em causa a decisão de facto. 2.2.2. Declaração de insolvência da requerida Vem posta em causa na apelação a decisão que julgou procedente o pedido formulado pela requerente / apelada e, em consequência, declarou a insolvência da requerida / apelante. Considerou a 1.ª instância que a matéria de facto provada preenche a previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, que tal indicia a situação de insolvência da requerida e que esta não demonstrou a respetiva solvência, não ilidindo a presunção decorrente dos factos-índice estabelecidos naquela alínea. Extrai-se da fundamentação da sentença que tal se baseou nos motivos seguintes: Decorre da factualidade apurada, tendo em conta o valor do passivo já determinado, que apesar de lhe ser conhecido património, este, à exceção de alguns prédios rústicos, cujo valor patrimonial tributário é diminuto, encontra-se onerado com ónus e encargos, designadamente com hipotecas voluntárias a favor do Banco (…), S.A., com arrendamentos a favor da Reserva Turística dos (…), Lda. (antiga denominação – Monte …, Lda.) e com penhoras a favor do credor hipotecário. Ademais, no âmbito do processo executivo instaurado pela Requerente, foi tentada a penhora dos saldos bancários pertencentes à Requerida, tendo o resultado sido negativo. Encontra-se também em curso uma ação executiva instaurada pelo Banco (…), S.A. contra a Requerida, pelo valor de € 905.272,05, a qual foi distribuída em 24.05.2022, correndo termos no Juízo Central Cível e Criminal de Beja, sob o número …/22.7T8BJA. Apurou-se ainda, que no ano de 2021 a Requerida efetuou pagamentos (que denominou “fornecimentos e bens externos”) no valor de € 1.589,34 (mil e quinhentos e oitenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos) e obteve rendimentos no valor de € 5.628,58 (cinco mil e seiscentos e vinte e oito euros e cinquenta e oito cêntimos), bem como que transitou do ano 2021 para o ano 2022 com resultados transitados negativos no montante de € 960.639,46, não estando incluído neste valor o crédito da Requerente. Cabia à requerida ilidir a presunção que daqueles factos deriva, fazendo prova da respetiva solvabilidade, da inexistência da referida impossibilidade generalizada de cumprir, baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, conforme previsto pelo artigo 30.º, n.º 4, do CIRE. (…) Ora, in casu, a requerida não logrou tal demonstração, ou seja, não ilidiu a presunção de impossibilidade, atual, de pagamento da generalidade das suas dívidas. Enquanto elemento de presunção da situação de insolvência, a falta de pagamento de dívidas vencidas releva se ilustrar uma situação de inviabilidade financeira (independentemente da viabilidade económica da empresa, que é estritamente atinente com a capacidade produtiva, com o negócio em si mesmo), passando aquela pela incapacidade de produzir e gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento. Com efeito, da apreciação crítica dos elementos contabilísticos impõe-se concluir pela atual ausência de liquidez da requerida para proceder ao cumprimento pontual das obrigações que a requerida gerou. Por outro lado, os factos índices da insolvabilidade também não resultam infirmados pela existência de bens na titularidade da requerida, ainda que o seu valor possa ser superior ao passivo, pois, enquanto elemento de exclusão da situação de insolvência, tal fator (relação ativo/passivo) só releva se ilustrar uma situação de viabilidade financeira, passando esta pela capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento, o que já resultou afastado. (…) Não obstante o já exposto, sempre se impõe acrescentar que a alegação da superioridade do ativo em relação ao passivo por referência ao valor de mercado dos imóveis de que a devedora é proprietária, equivale a admitir que só pela via da liquidação do seu património a devedora tem possibilidade de liquidar o seu passivo. Ora, concluindo os credores pela inviabilidade financeira e/ou económica da devedora, é essa a finalidade do processo de insolvência. Ademais, a existência de ativo inferior ao passivo é legalmente apta a concretizar a situação de insolvência (cfr. artigo 3.º, n.º 2), porém, o contrário já não sucede, ou seja, a existência de ativo superior ao passivo não constitui pressuposto legal de solvabilidade nem sequer indício como tal legalmente previsto pois que, ainda que assim suceda, a devedora é insolvente se, não obstante, estiver impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, como urge ser o caso. Em face dos aduzidos argumentos de facto e de direito, conclui-se que a Requerida se encontra impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas (cfr. artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do CIRE). Destarte, em face da verificação de tal requisito, desde logo procede a ação, pelo que se torna despicienda a análise dos restantes, termos em que cumpre declarar a insolvência da Requerida. Discordando deste entendimento, a apelante defende a não verificação dos pressupostos previstos no preceito que baseou a declaração de insolvência, sustentando, em síntese, que o património imobiliário de que é titular permite o cumprimento das obrigações vencidas e que a requerente dispunha de outros meios de cobrança do respetivo crédito, alegando que a simples demora na obtenção do pagamento com recurso ao processo executivo não justifica a procedência da declaração de insolvência, pugnando pela improcedência do pedido formulado. Cumpre apreciar se é de revogar a declaração de insolvência da apelante. É considerado em situação de insolvência, nos termos descritos no n.º 1 do artigo 3.º do CIRE, o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. O artigo 20.º, n.º 1, do CIRE, confere a diversos sujeitos, designadamente aos credores, legitimidade para requererem a declaração de insolvência do devedor, desde que se verifique alguma das situações elencadas nas diversas alíneas do preceito, a saber: a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas; b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal atividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo; d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos; e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor; f) Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218.º; g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos: i) Tributárias; ii) De contribuições e quotizações para a segurança social; iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato; iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respetiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua atividade ou tenha a sua sede ou residência; h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3.º, manifesta superioridade do passivo sobre o ativo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado. Dispõe o artigo 30.º do citado código, no n.º 1, que o devedor pode, no prazo de 10 dias, deduzir oposição, a qual, conforme esclarece o n.º 3, pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência, acrescentando o n.º 4 que cabe ao devedor provar a sua solvência. Da análise conjugada destas normas decorre que as hipóteses elencadas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 20.º constituem factos que indiciam a situação de insolvência, nos termos descritos no n.º 1 do artigo 3.º, isto é, nas palavras de Luís A. Carvalho Fernandes / João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 3.ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2015, pág. 197), de “factos-índice ou presuntivos da insolvência, tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto”. Acresce que a verificação de alguma das situações previstas nas alíneas do n.º 1 do citado artigo 20.º constitui, igualmente, um requisito de legitimidade ou, melhor, uma condição da atribuição, aos sujeitos referidos no preceito, do direito de requererem a insolvência do devedor. Afirma Alexandre de Soveral Martins (Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª edição revista e atualizada, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 93) o seguinte: “O artigo 20.º, n.º 1, do CIRE enumera um conjunto de factos cuja verificação deve ter lugar para que os sujeitos ali referidos possam requerer a declaração de insolvência do devedor”. No mesmo sentido, esclarece Catarina Serra (Lições de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 120) o seguinte: “Tais factos são indícios ou sintomas da situação de insolvência (factos-índice). É através deles que, normalmente, a situação de insolvência se manifesta ou se exterioriza. Por isso, a verificação de qualquer um deles permite presumir a situação de insolvência do devedor e é condição necessária para a iniciativa processual dos responsáveis legais pelas dívidas do devedor, dos credores e do Ministério Público.” Acrescenta a autora (loc. cit.) que “a enumeração é taxativa, o que significa que a verificação de, pelo menos, um deles é condição necessária para a acção dos credores, dos responsáveis legais pelas dívidas do devedor ou do Ministério Público”. Nesta conformidade, no caso presente, em que a insolvência foi requerida por um credor, incumbe-lhe o ónus da prova da verificação da previsão de uma das alíneas do n.º 1 do citado artigo 20.º, cabendo à devedora ilidir a presunção daí decorrente, mediante a demonstração da respetiva solvência. A 1.ª instância considerou que a matéria de facto provada permite considerar verificada a previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE – Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações –, o que cumpre reapreciar, face ao objeto da apelação. Em anotação ao citado artigo 20.º, no que respeita à previsão da alínea b), Luís A. Carvalho Fernandes/João Labareda (ob. cit., pág. 200) explicam que “se autonomizou (…), como facto-índice próprio, a falta de cumprimento de uma só ou mais obrigações que, pelas respetivas circunstâncias, revele a impossibilidade do devedor de prover à satisfação pontual da generalidade das suas obrigações”. Interpretando o sentido desta alínea b), esclarece Alexandre de Soveral Martins (ob. cit., págs. 94-95) que “ali está em causa a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, faça presumir a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”. No mesmo sentido, afirma Luís Menezes Leitão (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 11.ª edição, Coimbra, Almedina, 2021, pág. 104) que “a alínea b) se refere ao incumprimento de apenas uma ou várias obrigações, do qual se possa, porém, inferir a impossibilidade de o devedor satisfazer a generalidade dos seus compromissos”. Não vem posta em causa na apelação a titularidade pela requerente de um crédito no montante de € 100.928,81 sobre a requerida. Trata-se de um crédito decorrente da prestação pela apelada de serviços jurídicos à apelante, cujo pagamento foi peticionado em procedimento de injunção intentado em 15-11-2016 e distribuído como ação declarativa na sequência da dedução de oposição, vindo a ser celebrada entre as partes a transação a que alude o ponto 9 de 2.1.1., homologada por sentença proferida em 01-09-2021 e transitada em julgado. Perante o incumprimento parcial pela requerida do plano de pagamentos acordado entre as partes, conforme decorre dos pontos 10 e 11 de 2.1.1., foi peticionado o cumprimento coercivo da obrigação em causa através de ação executiva instaurada pela requerente em 08-06-2022 – que corre termos sob o n.º …/22.1T8SNT no Juízo de Execução de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste –, na qual foi apresentada, como título executivo, a aludida sentença homologatória de transação transitada em julgado. Encontra-se assente que, no âmbito desta execução, foi tentada em 15-06-2022 a penhora dos depósitos bancários na titularidade da requerida, o que não se concretizou por inexistência de saldo bancário. Em 30-09-2022, intentou a requerente a presente ação, visando a declaração de insolvência da requerida. Decorre da factualidade provada que se encontra igualmente pendente uma ação executiva instaurada pelo Banco (…), S.A. contra a requerida, distribuída em 24-05-2022, visando a cobrança coerciva do montante de € 905.272,05. Da lista de credores apresentada pela requerida consta ainda, além da dívida ao aludido banco, uma dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira referente aos anos de 2021 e 2022, no montante de € 3.191,19. Está assente que, em 15-06-2022, se encontravam inscritos na titularidade da apelante os 18 bens imóveis identificados no ponto 16 de 2.1.1., cujo valor patrimonial tributário ascende ao montante global de € 522.251,57, não constando da factualidade provada o valor de mercado de qualquer desses imóveis. Extrai-se dos pontos 17 e 18 de 2.1.1. que, à exceção de 6 prédios rústicos, cujos valores patrimoniais se cifram entre os € 11,88 e os € 100,81, os restantes 12 imóveis, com valores patrimoniais entre € 1.661,34 e € 330.549,52, se encontram arrendados a uma sociedade da qual é sócia a requerida, bem como onerados com hipotecas a favor do aludido banco e penhoras a favor do credor hipotecário. Mais se provou que a requerida, no ano de 2021, efetuou pagamentos no valor de € 1.589,34 e obteve rendimentos no valor de € 5.628,58. Analisando estes elementos, desde logo se verifica que, por motivos que se desconhecem, não foram penhorados quaisquer bem imóveis no âmbito da ação executiva intentada pela requerente contra a requerida, apesar da inexistência de saldos bancários penhoráveis e da existência de diversos bens imóveis inscritos na titularidade da executada. Sendo a executada proprietária dos 18 bens imóveis identificados no ponto 16, a requerente podia ter diligenciado pela penhora desses bens, não se vislumbrando que as hipotecas e subsequentes penhoras que oneram os 12 imóveis com valor patrimonial tributário mais elevado permitam concluir pela previsível inutilidade da diligência, dado que se desconhece o valor comercial desses bens imóveis. A existência de bens imóveis penhoráveis e a ausência da respetiva nomeação à penhora, pela requerente, no âmbito da ação executiva que intentou contra a requerida, conjugadas com o desconhecimento do valor comercial desses imóveis, configuram elementos que impedem se conclua pela falta de bens que permitam o pagamento do crédito de que é titular a apelada. Assim sendo, assiste razão à apelante, ao afirmar que a apelada «antes de avançar para o pedido de insolvência, (…) tinha ao seu dispor meios alternativos e não é a simples demora na obtenção do pagamento através do processo executivo que pode justificar a procedência da medida requerida» (cfr. conclusão X). Dúvidas não há sobre o incumprimento por parte da requerida da obrigação de pagamento à requerente do montante supra indicado. Porém, não decorre da factualidade provada a inexistência de bens suscetíveis de satisfazer as obrigações vencidas, nem que a devedora se encontre incapaz de gerar receitas, sendo certo que parte do seu património imobiliário se encontra arrendado e que tal constituirá previsivelmente uma fonte de rendimentos. Assim sendo, não decorrendo da factualidade assente que a falta de cumprimento da obrigação em apreciação revele a impossibilidade de a devedora satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, impõe-se concluir que a apelada não logrou demonstrar a situação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º, o que dispensa a apelante de ilidir a presunção de insolvência decorrente dos factos-índice estabelecidos naquela alínea. Nas contra-alegações apresentadas, a apelada, além de pugnar pela manutenção do decidido, requereu, a título subsidiário, o conhecimento da questão relativa ao preenchimento das demais alíneas do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE invocadas na petição inicial, cuja apreciação foi considerada prejudicada pela 1.ª instância perante a solução dada ao litígio. Face à regra da substituição ao tribunal recorrido estatuída no artigo 665.º, n.º 2, do CPC, impõe-se aferir se a factualidade tida por provada preenche a previsão da alínea a) – Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas – e da alínea e) – Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor – do n.º 1 do artigo 20.º, bem como as consequências daí decorrentes. Em anotação ao citado artigo 20.º, Luís A. Carvalho Fernandes/João Labareda (ob. cit., págs. 199-200) afirmam que a alínea a) se reporta “à hipótese tradicional que se reconduz a uma paralisação generalizada do cumprimento das obrigações do devedor de índole pecuniária”, acrescentando que “tal procedimento deve respeitar à generalidade das suas obrigações”. Esclarecendo a situação prevista na alínea a), afirma Catarina Serra (ob. cit., pág. 121) que “não é qualquer suspensão que releva – não releva, em princípio, uma suspensão que seja temporária e limitada, mas apenas a que seja tendencialmente duradoura e alargada à maior parte das obrigações do devedor, pois não dever haver dúvidas que a causa desta suspensão é a insolvência ‘instalada’ do devedor”. Reportando-se a alínea a) à paragem do pagamento da generalidade das obrigações vencidas, daqui decorre que a factualidade provada não se mostra, por si só, suficiente para o preenchimento da hipótese nela prevista. Não decorrendo da factualidade provada qualquer elemento relativo a outras obrigações vencidas e eventualmente incumpridas, além dos três créditos supra referidos, não pode considerar-se verificada a suspensão generalizada do pagamento das obrigações da devedora, nos termos previstos na invocada alínea a). No que respeita à previsão da alínea e), decorrendo da análise supra efetuada a existência de bens imóveis penhoráveis e a ausência da respetiva nomeação à penhora, pela requerente, no âmbito da ação executiva que intentou contra a requerida, afastada se encontra a verificação do facto-índice em apreciação, relativo à insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor. Considerando que a verificação de alguma das situações previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 20.º constitui, além do mais, uma condição da atribuição aos credores do direito de requererem a insolvência do devedor, o incumprimento do ónus da prova de tal requisito impede se declare insolvência da apelante, o que impõe a respetiva absolvição do pedido formulado, com a consequente revogação da decisão recorrida. Procede, assim, a apelação. Em conclusão: (…) 3. Decisão Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, em consequência do que se absolve a apelante do pedido formulado, revogando a decisão recorrida. Custas pela apelada. Notifique. Évora, 14-09-2023 (Acórdão assinado digitalmente) Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora) Isabel de Matos Peixoto Imaginário (1.ª Adjunta) Francisco Matos (2.º Adjunto) |