Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
121/13.1YREVR
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: EXTRADIÇÃO
PEDIDO DE AMPLIAÇÃO
Data do Acordão: 07/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Compulsado o pedido de ampliação de extradição, designadamente as infrações que estão em causa, e cumpridas que estão as condições previstas nos artigos 14.º da Convenção Europeia de Extradição (redacção dada pelo quarto protocolo adicional - Resol. da AR n.º 17/2019, de 06 de Fevereiro) e 16º da Lei 144/99 de 31/8, conclui-se que estão verificados todos os requisitos para ser deferido o pedido.
Assim sendo, e inexistindo qualquer causa de recusa da extradição, inexiste também causa de recusa de ampliação da extradição.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUIZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
O Ministério Público veio requerer o cumprimento de pedido de ampliação de extradição do cidadão nacional da República do Montenegro AA, nascido em …, em …, filho de BB e de CC, com os seguintes fundamentos:

“Em cumprimento do pedido de extradição requerida no âmbito do Procedimento Criminal nº kvs.br…., do Tribunal Superior de … da República do Montenegro formulado nos Autos de Extradição, com o nº …, foi, por decisão transitada em julgado no dia dezassete de Junho de dois mil e vinte e um /17-06-2021) concedida a extradição simplificada do identificado AA para a República do Montenegro.

E, em consequência, o extraditado foi entregue, na fronteira – Aeroporto Internacional de Lisboa – às autoridades da República do Montenegro no dia dezanove de Julho de dois mil e vinte e um (19-07-2021).

A República do Montenegro vem, agora, solicitar ao Estado Português, e ao abrigo da Convenção Europeia de Extradição, ampliação daquele pedido de extradição, no âmbito do processo-crime nº Kti-S.br …, que corre termos na Procuradoria Especial do Montenegro, para julgamento por factos que podem consubstanciar a prática dos crimes de criação de uma organização criminosa e produção não autorizada, posse e colocação em circulação de estupefacientes, previstos e punidos nos artigos 401º-A, nº 2, em articulação com os nºs 1 e 6 do Código Penal de Montenegro e no artigo 300º nº 1, em articulação com o artigo 23º do Código Penal de Montenegro.

Tais factos são também punidos no ordenamento jurídico português, nos artºs 299 nºs 1 e 3 do Código Penal e os artigos 21º e 24º alínea j) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, com pena máxima abstratamente aplicável de oito (8) anos e de (15) anos de prisão, respectivamente.

O procedimento criminal não se acha prescrito, à luz quer do ordenamento jurídico português quer do da República do Montenegro.

O pedido de ampliação encontra-se instruído com o auto de declarações a que aludem, os artigos 14º nº 1, al. a) da Convenção Europeia de Extradição e 16º nº 6 da Lei 144/99, de 31 de Agosto, prestado no «gabinete do procurador especial para interrogatório pela UIKS* (Instituto para a Execução de Penas em …)», no dia vinte e seis de Outubro de dois mil e vinde e dois (26-10-2022).

Então, declarou «Não quero dizer nada em minha defesa e não posso responder a quaisquer perguntas porque nessa altura não estava em Montenegro, mas sim em Portugal de onde fui extraditado por uma infração penal. Também não vou responder às perguntas dos meus advogados de defesa nem às perguntas do procurador especial. Uma vez que, quando fui extraditado de Portugal, foi claramente indicado que não posso ser acusado de mais nada além do que foi objeto da extradição. Isto é tudo o que tenho a dizer.»

O mesmo pedido satisfaz os requisitos estabelecidos nos artigos 2º e 14º alínea a) da Convenção Europeia de Extradição, e, bem assim o disposto nos artigos 16º nºs 5 e 6, e 31º, ambos da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto.

O Governo Português, através do Despacho nº … de Sua Excelência a Srª Ministra da Justiça, do qual se junta fotocópia, considerou «admissível o pedido de ampliação do pedido de extradição apresentado pela República de Montenegro respeitante a AA.»

Nada, pois, de formal ou substancial obsta á ampliação do pedido de extradição, do referido cidadão nacional da República do Montenegro AA no âmbito do processo-crime nº Kiti-S.br. … que corre termos na Procuradoria Especial do Montenegro, para julgamento, por factos ocorridos no ano de 2020, se encontra incidiado pela prática de crimes de criação de uma organização criminosa e produção não autorizada, posse e colocação em circulação de estupefacientes, previstos e punidos nos artigos 401º-A, nº 2, em articulação com os nºs 1 e 6 do Código Penal de Montenegro e no artigo 300º nº 1, em articulação com o artigo 23º do Código Penal de Montenegro.

Este Tribunal da Relação de Évora é o competente para a respectiva execução, como decorre do preceituado no artº 50º nº 1 da referida Lei nº 144/99. “

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Notificado o requerido na pessoa de defensor nomeado, alegou, em resumo, o seguinte:

- Apenas são juntos despachos de investigação e consequente despacho de alargamento de investigação, o que não cumpre o requisito da alínea a) do n.º 2 do artigo 12.º da Convenção Europeia de Extradição;

- A audiência de interessado tem de ser feita na pessoa do requerido, uma vez que a defensora nomeada não tem poderes vinculativos do requerido, nomeadamente, para concordar com o pedido de ampliação da extradição;

- não foi enviado o auto de declarações do requerido.

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Apreciando.

Quanto à matéria contida na alegação da defensora nomeada:

1º - Ao contrário do referido, consta nos documentos juntos com o requerimento inicial, o auto de declarações do requerido, datado de 3/2/2023, no qual este declara: “ … que foi extraditado para Montenegro por uma infracção penal completamente diferente, e que, em conformidade com a Convenção Europeia de Extradição, não consente ser sujeito a um processo penal neste caso específico”.

É certo que no requerimento inicial não é feita referência concreta a estas declarações, mas sim a outras, datadas de 26/10/2022, que também foram juntas e que dizem respeito a declarações acerca da infracção em causa.

O que importa, porém, é que constam as declarações a que a ilustre defensora alude: o requerido opôs-se expressamente à ampliação da extradição anteriormente decretada.

2º - Assim sendo, não se coloca qualquer questão de poderes da defensora nomeada para, em nome do requerido, aceitar, ou não, o pedido formulado.

3º - Conforme consta nos documentos juntos com o requerimento inicial, o requerido encontra-se preso e o que se pretende é proceder a investigação por factos não abrangidos pelo pedido anterior de extradição.

Não faz, assim, sentido a existência de qualquer decisão condenatória ou mandado de captura.

O que importa é que há decisão pretendendo proceder a investigação “alargada”, pelo que se entende estar cumprido o disposto no artº 12º, nº 2, al. a), da Convenção Europeia de Extradição.

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Está, pois, verificada a seguinte matéria:

Em cumprimento do pedido de extradição requerida no âmbito do Procedimento Criminal nº kvs.br…., do Tribunal Superior de … da República do Montenegro formulado nos Autos de Extradição, com o nº …, foi, por decisão transitada em julgado no dia dezassete de Junho de dois mil e vinte e um /17-06-2021) concedida a extradição simplificada do identificado AA para a República do Montenegro.

E, em consequência, o extraditado foi entregue, na fronteira – Aeroporto Internacional de Lisboa – às autoridades da República do Montenegro no dia dezanove de Julho de dois mil e vinte e um (19-07-2021).

A República do Montenegro vem, agora, solicitar ao Estado Português, e ao abrigo da Convenção Europeia de Extradição, ampliação daquele pedido de extradição, no âmbito do processo-crime nº Kti-S.br …, que corre termos na Procuradoria Especial do Montenegro, para julgamento por factos que podem consubstanciar a prática dos crimes de criação de uma organização criminosa e produção não autorizada, posse e colocação em circulação de estupefacientes, previstos e punidos nos artigos 401º-A, nº 2, em articulação com os nºs 1 e 6 do Código Penal de Montenegro e no artigo 300º nº 1, em articulação com o artigo 23º do Código Penal de Montenegro.

Tais factos são também punidos no ordenamento jurídico português, nos artºs 299 nºs 1 e 3 do Código Penal e os artigos 21º e 24º alínea j) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, com pena máxima abstratamente aplicável de oito (8) anos e de (15) anos de prisão, respectivamente.

O procedimento criminal não se acha prescrito, à luz quer do ordenamento jurídico português quer do da República do Montenegro.

O pedido de ampliação encontra-se instruído com o auto de declarações, datado de 3/2/2023, a que aludem, os artigos 14º nº 1, al. a) da Convenção Europeia de Extradição e 16º nº 6 da Lei 144/99, de 31 de Agosto, tendo o requerido declarado: “(…) que foi extraditado para Montenegro por uma infracção penal completamente diferente, e que, em conformidade com a Convenção Europeia de Extradição, não consente ser sujeito a um processo penal neste caso específico”.

O Governo Português, através do Despacho nº … de Sua Excelência a Srª Ministra da Justiça, do qual se junta fotocópia, considerou «admissível o pedido de ampliação do pedido de extradição apresentado pela República de Montenegro respeitante a AA.»

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O artigo 14.º da Convenção Europeia de Extradição (redacção dada pelo quarto protocolo adicional - Resol. da AR n.º 17/2019, de 06 de Fevereiro), na parte que interessa, dispõe:

«Regra da especialidade

1 - Uma pessoa que tenha sido extraditada não pode ser presa, perseguida, julgada, condenada ou detida com vista à execução de uma pena ou medida de segurança nem submetida a qualquer outra restrição à sua liberdade individual por qualquer facto anterior à entrega diferente daquele que motivou a extradição, salvo nos casos seguintes:

a) Quando a Parte que a entregou nisso consentir. Para este efeito, deverá ser apresentado um pedido, acompanhado dos documentos previstos no artigo 12.º e de auto donde constem as declarações da pessoa extraditada sobre a infração em causa. O consentimento será dado quando a infração pela qual é pedido implique por si mesma a obrigação de extraditar, nos termos da presente Convenção. A decisão será tomada o mais rapidamente possível e o mais tardar no prazo de 90 dias após a receção do pedido de consentimento. Quando não lhe seja possível cumprir o prazo previsto neste número, a Parte requerida informará a Parte requerente de tal facto, indicando os motivos do atraso e o tempo que se prevê seja necessário para tomar a decisão;

(…)

Por outro lado, dispõe o artº 16º da Lei 144/99 de 31/8 que:

Artigo 16.º

Regra da especialidade

1 - A pessoa que, em consequência de um acto de cooperação, comparecer em Portugal para intervir em processo penal como suspeito, arguido ou condenado não pode ser perseguida, julgada, detida ou sujeita a qualquer outra restrição da liberdade por facto anterior à sua presença em território nacional, diferente do que origina o pedido de cooperação formulado por autoridade portuguesa.

2 - A pessoa que, nos termos do número anterior, comparecer perante uma autoridade estrangeira não pode ser perseguida, detida, julgada ou sujeita a qualquer outra restrição da liberdade por facto ou condenação anteriores à sua saída do território português diferentes dos determinados no pedido de cooperação.

3 - Antes de autorizada a transferência a que se refere o número anterior, o Estado que formula o pedido deve prestar as garantias necessárias ao cumprimento da regra da especialidade.

4 - A imunidade a que se refere este artigo cessa quando:

a) A pessoa em causa, tendo a possibilidade de abandonar o território português ou estrangeiro, o não faz dentro de 45 dias ou regressa voluntariamente a um desses territórios;

b) O Estado que autoriza a transferência, ouvido previamente o suspeito, o arguido ou o condenado, consentir na derrogação da regra da especialidade.

5 - O disposto nos n.os 1 e 2 não exclui a possibilidade de solicitar a extensão da cooperação a factos diferentes dos que fundamentaram o pedido, mediante novo pedido apresentado e instruído nos termos do presente diploma.

6 - No caso referido no número anterior, é obrigatória a apresentação de auto donde constem as declarações da pessoa que beneficia da regra da especialidade.

7 - No caso de o pedido ser apresentado a um Estado estrangeiro, o auto a que se refere o número anterior é lavrado perante o tribunal da Relação da área onde residir ou se encontrar a pessoa que beneficia da regra da especialidade.”

Compulsado o pedido, designadamente as infracções que estão em causa, conclui-se que estão verificados todos os requisitos para ser deferido o pedido, cumpridas que estão as condições previstas nas indicadas disposições legais.

Assim sendo, e inexistindo qualquer causa de recusa da extradição, inexiste também causa de recusa de ampliação da extradição.

DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em deferir o pedido e, em consequência, consentir na ampliação do pedido de extradição, do referido cidadão nacional da República do Montenegro AA no âmbito do processo-crime nº Kiti-S.br. … que corre termos na Procuradoria Especial do Montenegro, para julgamento, por factos ocorridos no ano de 2020, no qual se encontra indiciado pela prática de crimes de criação de uma organização criminosa e produção não autorizada, posse e colocação em circulação de estupefacientes, previstos e punidos nos artigos 401º-A, nº 2, em articulação com os nºs 1 e 6 do Código Penal de Montenegro e no artigo 300º nº 1, em articulação com o artigo 23º do Código Penal de Montenegro.

Sem tributação.

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Évora, 12 de Julho de 2023

Nuno Garcia

Artur Vargues

António Condesso