Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1410/21.5T8BJA.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
CONTRATO DE ESTÁGIO PROFISSIONAL
ANTIGUIDADE DO TRABALHADOR
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. O princípio “trabalho igual, salário igual”, pressupõe a mesma retribuição para trabalho prestado em condições de igual natureza, qualidade e quantidade, com proibição da diferenciação arbitrária, materialmente infundada, ou com base em factores materiais de discriminação (identificados no art. 24.º n.º 1 do Código do Trabalho).
2. Não sendo invocados quaisquer factores materiais de discriminação, compete ao trabalhador efectuar a prova dos factos constitutivos do direito alegado, nos termos gerais do art. 342.º n.º 1 do Código Civil.
3. Os contratos de formação profissional ou de estágio não geram relações de trabalho subordinado.
4. Estes contratos destinam-se a assegurar a componente teórica e prática ou técnico-profissional específica da formação, e distinguem-se do contrato de trabalho com recurso a três critérios:
    a. não há lugar a uma retribuição como contrapartida do trabalho prestado, sem prejuízo de ser acordado o pagamento de uma bolsa de estágio;
    b. o objecto nuclear do contrato é a formação e não a prestação de uma actividade laboral remunerada;
    c. o formando não se sujeita ao poder disciplinar do empregador, mas à avaliação realizada pelos seus formadores.
5. Não estando alegada a existência de qualquer norma convencional, resultante do contrato individual de trabalho ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável à relação laboral que estabeleça regras mais favoráveis à trabalhadora, não se pode concluir que o seu período de estágio profissional releve para efeitos de contagem do tempo de antiguidade.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Beja, AA propôs acção declarativa com processo comum contra SOMINCOR – Sociedade Mineira de Neves-Corvo, S.A., formulando os seguintes pedidos:
A) A contabilizar a antiguidade da Autora desde 7 de Outubro de 2002 e a considerá-la para todos os efeitos legais e em todos os documentos que produza onde a mesma esteja indicada;
B) A pagar à Autora a totalidade das retribuições, qualquer que seja a sua natureza, inerentes ao cargo de “Chefe de Departamento”, e, designadamente, a título de isenção de horário de trabalho; subsídio de fundo; subsídio de energia; seguro de vida capitalização; subsídio de habitação; viatura da empresa até ao valor de 33.300 Euros, com opção de compra até 8%; combustível até 3.360 litros ano; telemóvel com plafond anual até 598,44€; seguros de vida capitalização no valor de 377,19€ mensais; seguros de vida, de acidentes pessoais e de saúde, desde Janeiro de 2010, sendo a Ré condenada a pagar lhe as mesmas desde então, em montante a liquidar em execução de sentença;
C) A pagar à Autora juros de mora, à taxa legal de 4% sobre todas as quantias acima indicadas, desde as datas de vencimento até à de integral liquidação.
Alegou que trabalha para a Ré desde 07.10.2002, apesar de ao abrigo de um contrato de estágio, pelo que lhe deve ser reconhecida a antiguidade desde essa data. Em 2007 passou a chefiar a área de recursos minerais e no final do referido ano, recebeu uma proposta para trabalhar noutra empresa; apresentou denúncia do contrato que veio a retirar porquanto a Ré lhe efectuou uma proposta que visava um aumento do nível salarial até que passasse a ser equiparada a Chefe de Departamento, bem como formação profissional de forma a adquirir experiência e especialização de nível “expert ressource geologist”; todavia e apesar de em Janeiro de 2010 ter sido aumentada para o nível salarial de Técnico Superior V, não recebeu até à data as prestações remuneratórias auferidas pelos técnicos equiparados a Directores de Departamento.
A Ré contestou, alegando que o estágio realizado pela A. não pode ser considerado como prestação de trabalho para efeitos de antiguidade, e ainda que a A. aufere todas as prestações remuneratórias acordadas com a Ré.
Após julgamento, a sentença julgou a causa parcialmente procedente, declarando que a antiguidade da A. ao serviço da Ré remonta a 7 de Outubro de 2002, mas absolvendo de tudo o demais peticionado.

Recorre a A., e a Ré recorre igualmente, a título subordinado, na parte da sentença que lhe foi desfavorável.
São as seguintes as conclusões da A.:
A) O facto constante do artigo 11.º da petição inicial não foi especificadamente impugnado na contestação nem está em oposição com a defesa no seu conjunto, pelo que deve ser dado como provado - artigos 1.º do CPT e 574.º, n.º 2, do CPC;
B) O facto constante do artigo 20.º da petição inicial não foi especificadamente impugnado na contestação nem está em oposição com a defesa no seu conjunto, pelo que deve ser dado como provado - artigos 1.º do CPT e 574.º, n.º 2, do CPC;
C) Sendo, por conseguinte, dado como provado o facto constante de 2 dos “Factos Não Provados”;
D) Os factos constantes dos artigos 30.º e 31.º da petição inicial não foram especificadamente impugnados na contestação nem estão em oposição com a defesa no seu conjunto, pelo que devem ser dados como provados - artigos 1.º do CPT e 574.º, n.º 2, do CPC;
E) Sendo, por conseguinte, dados como provados os factos constantes de 3 e 4 dos “Factos Não Provados”;
F) O facto que consta do artigo 61.º da petição inicial, quanto ao “subsídio de fundo” (número 7 dos “Factos Não provados”), deveria ter sido dado como provado, com base na interpretação do documento n.º 38 e nas declarações de …, (00:30:47.4- 00:31:11.3) e (00:53:35.5-00:00:55:09.8) e de … (00:20:54.9 – 00:21:11.9);
G) Em coerência com o constante da alínea anterior, e com fundamento nos mesmos meios de prova, deve o facto que consta do número 66 dos “Factos provados”, ser dado como não provado;
H) O facto constante do ponto 62 dos “Factos Provados” não pode ser dado como provado; Na verdade,
I) Refere-se que o mesmo foi dado como provado com fundamento no depoimento de …, mas no mesmo não há qualquer referência ao prémio fixo, sobre o qual a testemunha não foi perguntada ((00:00:00 – 00:46:59.7);
J) Refere-se, também, que foi dado como provado com fundamento no depoimento de … mas no mesmo não há qualquer referencia ao mesmo, sobre o qual a testemunha não foi perguntada(00:00:00 – 00:22:01.2);
K) O único depoimento de onde consta a referência a tal prémio é o de …, que refere que o mesmo foi “negociado” entre a empresa e um sindicato (00:26:05.4) e (00:37:12.0) na sequência de uma greve;
L) Sendo a Ré uma sociedade anonima, multinacional, com um elevado número de trabalhadores, regula as suas relações laborais através de normativos escritos, pelo que os termos de atribuição de prémio fixo constam de documento que, porém, a Ré não juntou aos autos;
M) Não podendo o facto vertido no ponto 62 dos “Factos Provados” dar-se como provado apenas pelo depoimento de uma testemunha sem violar os artigos 392.º e 393.º do Código Civil, como se violou;
N) A Autora peticiona apenas o direito a receber a totalidade das retribuições, qualquer que seja a sua natureza, inerentes ao cargo de “Chefe de Departamento”, e a condenação da Ré nesse pagamento, fundando tal pretensão no acordo firmado com a Ré cujos termos finais constam do documento n.º 5, junto com a contestação, a saber, um ofício datado de 12-02-2008;
O) Tal acordo foi celebrado na sequência de a Autora ter recebido uma proposta vantajosa para ir trabalhar para Angola, para outra empresa, e no sentido de a mesma permanecer nos quadros da Ré;
P) Nas negociações a Autora, exigiu ser Chefe de Departamento, chegando-se ao acordo final segundo o qual a mesma seria equiparada a “Chefe de Departamento”, equiparação essa que não só consta do texto do ofício como de outro documento anterior, elaborado pela própria Ré (documentos n.ºs 8 e 9 juntos com a petição inicial);
Q) Tal equiparação determina que a Autora teria todas as regalias inerentes a Chefe de Departamento a partir de Janeiro de 2010 - situação essa que, aliás, existia na Ré, porquanto esta tinha ao seu serviço 5 Técnicos Superior Nível V equiparados a Chefe de Departamento e que, por isso, tinham todas as regalias designadamente remuneratórias inerentes ao cargo (ponto 44 dos Factos Provados”);
R) Este é a única interpretação do texto do ofício, que considera quer a prática existente na Ré à data do acordo, quer a sequência negocial entre as partes;
S) E que veio a ser corroborada pela prática sequente da própria Ré que, a partir do momento em que a Autora atingiu a categoria de Técnico Superior Nível V, “equiparada” a Chefe de Departamento (Janeiro de 2010) deixou de lhe pagar premio fixo, que, segundo ela, Ré, não era componente salarial dos Chefes de Departamento;
T) A Ré persistiu nessa prática durante cinco anos, só a retomando na sequência de um pedido de esclarecimento da Autora, passando a fazê-lo sob o pretexto de ter errado;
U) Ainda assim incorrendo em erro porquanto, como se lê do documento n.º 9, junto à contestação, o entendimento para o suposto “erro” da ablação do prémio fixo, fora o de a Autora não ter sido “nomeada” Chefe de Departamento, quando tal nomeação não só não constava do texto final de 12-02-2008, como até era pressuposto que não o fosse, pois que era só “equiparada”;
V) Tampouco seria necessário que a Autora chefiasse um departamento porquanto, como decorre do depoimento testemunhal de … (00:36:15.8 – 00:00:36:34.0), existem na organização da Ré pessoas com a categoria de “Chefe de Departamento” que não só não chefiam departamentos, como são chefiados por pessoas com a categoria de … ”Chefe de Departamento”!;
W) De onde, ao julgar como julgou desconsiderou a sentença impugnada os termos do que foi acordado entre Autora e Ré e que está espelhado no ofício de 12-02-2008, violando, assim, o disposto no artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil.

Quanto ao recurso subordinado da Ré, as suas conclusões são as seguintes:
A. Na sentença do Tribunal a quo da qual se recorre agora subordinadamente, a Ré, aqui Recorrida, foi condenada a reconhecer a antiguidade da Recorrente à data no início do seu estágio.
B. Esta decisão teve por base, em suma, o entendimento de que a Recorrente presta, de forma ininterrupta, funções de “Técnica Superior” desde o início da vigência do primeiro acordo de estágio.
C. Quanto à análise da prova, e pelas razões que se passam a expor, terá de ser necessariamente alterada o conteúdo e formulação dos pontos 16. e 17. e 52. dos Factos Provados.
D. É por aqui que se começará.
Do recurso da matéria de facto
Ponto 16. e 17. dos “Factos provados”
E. Foi dado como provado no ponto 16. (factos provados): “Desde 7 de Outubro de 2002 a Autora exerce, de forma ininterrupta, as funções de Técnico Superior, para a Ré, no Departamento de Geologia, mais especificamente na Área de Recursos Minerais.”
F. É entendimento da Recorrida que o segmento “a Autora exerce, de forma ininterrupta, as funções de Técnico Superior” foi incorrectamente considerado como “provado”.
G. Com efeito, é correcto afirmar-se, em sentido amplo, que a Autora integrou o departamento na referida data.
H. Não podemos, contudo, aceitar que, em face da prova produzida, tenha ficado demonstrado o exercício de funções de “técnico superior” naqueles termos.
I. Impõe-se, neste âmbito, traçar uma clara distinção entre duas realidades: (iv) Um trabalhador que desempenha funções inerentes à categoria profissional de “Técnico superior”, neste caso, de Geologia, (v) Um estagiário que realizada um processo de formação, aprendizagem e inserção profissional para “Técnico superior” de Geologia.
J. O caso em análise, de acordo com a prova produzida, identifica-se necessariamente com a segunda situação.
K. Confirma-o o depoimento da testemunha arrolada pela Recorrente, … [00:19:58 - 00:21:19], Chefe Departamento de Geologia à data dos factos em análise:
L. O facto 16. em análise deve, por isso, ser alterado no seguinte sentido: “Em 7 de Outubro de 2002 a Autora iniciou o seu processo de formação e aprendizagem para as funções de Técnico Superior, no Departamento de Geologia da Ré, mais especificamente na Área de Recursos Minerais.”
M. Em consequência desta alteração, deverá igualmente ser reformulado o facto provado n.º 17, passando a ter a seguinte formulação: “Nessa unidade orgânica, desde 7 de Outubro de 2002, recebia indicações e orientações da pessoa responsável, Eng. …, que acompanhava e avaliava a seu processo de formação.”
Ponto 52. dos “Factos provados”
N. É dado como provado no ponto em análise que: 52.Os Chefes de Departamento, para além da retribuição base, têm direito a retribuição por isenção de horário de trabalho, subsídio de energia, seguro de vida capitalização, subsídio de habitação, viatura da empresa até ao valor anual de 33.200€, com opção de compra ate 8%, combustível até 3.360 litros ano, telemóvel com plafond anual até 598,44€, seguros de vida, de acidentes pessoais e de saúde.
O. Salta à evidência, desde logo, que o segmento “têm direito”, atento o seu teor jurídico e conclusivo, jamais pode integrar o elenco dos Factos provados, impondo-se assim a sua eliminação do ponto em análise.
P. Mas, e por mera questão de rigor, a correcção deste segmento não nos parece suficiente.
Q. De acordo com a prova produzida nos autos, já atrás transcrita e que aqui se dá por reproduzida, e da restante factualidade provada, aquelas parcelas eram devidas, não aos “chefes de departamento”, mas ao universo de trabalhadores da Recorrida, em função das circunstâncias especificas relacionadas com o desempenho profissional ou histórico na empresa (isto é, não relacionado com o estatuto de “chefe de departamento”).
R. Neste sentido, a formulação do referido facto, nos termos em que é feita na sentença a quo, não traduz o que ficou demonstrado nos autos, devendo ser alterada no seguinte sentido: 52.Os Chefes de Departamento, assim lhes fosse reconhecido pela Ré nos termos da política remuneratória em vigor e atendendo às características da função, auferiram ao longo dos anos, para além da retribuição base, a retribuição por isenção de horário de trabalho, subsídio de energia, seguro de vida capitalização, subsídio de habitação, viatura da empresa até ao valor anual de 33.200€, com opção de compra ate 8%, combustível até 3.360 litros ano, telemóvel com plafond anual até 598,44€, seguros de vida, de acidentes pessoais e de saúde.
Do recurso da matéria de direito
S. Como inicialmente se assinalou, a Recorrida não se conforma com a parte da sentença que reconheceu a antiguidade da Recorrente com referência à data do início do estágio (7 de Outubro de 2002).
T. Invoca-se na sentença do Tribunal a quo que: “Refira-se ademais, que o legislador prevê que a antiguidade do trabalhador se conta desde o início do período experimental (cfr. artigo 112º, n.º 6 do Código do Trabalho) e que o trabalho prestado em estágio seja deduzido ao período experimental desde que se refira à mesma actividade e empregador (n.º 4 do mesmo preceito legal) Assim e, em face do exposto, cumpre reconhecer a antiguidade da autora ao início do contrato de estágio, ou seja, a 7 de Outubro de 2002.”
U. Julgamos que esta norma regula uma realidade totalmente distinta, não devendo ser invocada para o caso sub judice.
V. Com efeito, o período relevante para efeitos de período experimental não tem de coincidir, necessariamente, com o período de antiguidade do trabalhador – embora seja essa a regra.
W. A norma do n.º 6 assenta no pressuposto de que o período durante o qual o trabalhador pode ser avaliado – à experiência – é iniciado no contexto da celebração de um contrato de trabalho.
X. Mas nem sempre assim ocorre (nomeadamente, nos casos de prévios contratos de estágio ou prestação de serviço).
Y. Ora, tal jamais poderia significar que aquele período anterior ao início do contrato configura uma relação laboral para efeitos de antiguidade.
Z. Sob pena de, durante aquele período, ter de se aplicar em “bloco” as regras do contrato de trabalho.
AA. De acordo com esta lógica, a cessação de um estágio poderia configurar um “despedimento ilícito” – o que não se pode aceitar.
BB. Por tudo o exposto, Crê a Recorrida que a antiguidade da Recorrente deve ter por referência o início da relação laboral, isto é, 1 de Janeiro de 2004.
CC. Termos em que, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser revogada a parte da decisão do Tribunal a quo que condena a Recorrida a reconhecer a antiguidade reportada ao início do estágio, sendo a mesma e revogada e substituída por outra que declare a sua total absolvição da Recorrida o pedido.

As partes responderam aos recursos interpostos pelas respectivas contrapartes, sustentando a respectiva improcedência.
Nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o seu parecer, no sentido de ambos os recursos não deverem ser providos.
Cumpre-nos decidir.

Impugnação da matéria de facto
(…)
A impugnação de facto da Ré procede, pois, nesta parte, determinando-se que os pontos 16 e 17 do elenco fáctico passem a ter a seguinte redacção:
16. Em 7 de Outubro de 2002, a A. iniciou o seu processo de formação e aprendizagem para as funções de Técnico Superior, no Departamento de Geologia da Ré, mais especificamente na Área de Recursos Minerais.
17. Nessa unidade orgânica, desde 7 de Outubro de 2002, a A. recebia indicações e orientações da pessoa responsável, Eng. …, que acompanhava e avaliava a seu processo de formação.
(…)
Em resumo, decide-se julgar totalmente improcedente a impugnação fáctica deduzida pela A. e parcialmente procedente a deduzida pela Ré no seu recurso subordinado, alterando-se os pontos 16 e 17 dos factos provados, nos termos acima expostos.

Fica assim estabelecida a matéria de facto:
1. A Autora é Licenciada em Engenharia Geológica e membro efectivo da Ordem dos Engenheiros Portugueses (Colégio de Engenharia Geológica e Minas), tendo a Cédula Profissional n.º ….
2. A Ré é uma sociedade anónima pertencente a um grupo empresarial multinacional detido pela sociedade de direito canadiano LUNDIN MINING CORPORATION.
3. A Autora e a Ré em 7 de Outubro de 2002, outorgaram documento escrito denominado “Acordo de Estágio”, nos termos do qual a autora efectuaria “trabalhos e estudos da sua especialidade, de acordo com os programas e acompanhamento estabelecidos pela primeira Signatária”, mediante o pagamento pela ré do valor de 623,50€ mensais a título de “bolsa de estágio”.
4. De acordo com o referido documento o referido “Estágio” teria duração até 7 de Abril de 2003.
5. Consta do referido “Acordo de Estágio” que este visa permitir ao estagiário “completar a sua formação”.
6. Concedendo a possibilidade de executar “trabalhos e estudos da sua especialidade, de acordo com os programas e acompanhamento estabelecidos pela” Ré.
7. No âmbito do mencionado “Acordo de Estágio”, a A. obrigou-se ainda “a fazer um relatório final, escrito, pormenorizado”, que entregaria à Ré.
8. Da Cláusula 4.ª do “Acordo de Estágio” assinado por autora e ré consta: “Este Contrato não constitui qualquer vínculo de trabalho, pelo que a legislação laboral é expressamente afastada, por comum acordo”.
9. Em 1 de Abril de 2003, Autora e Ré subscreveram um documento intitulado “Contrato de Formação em Posto de Trabalho”, nos termos do qual a Ré se comprometia a proporcionar-lhe “um estágio profissional em contexto de trabalho, necessário e adequado ao complemento da sua formação”.
10. Em contrapartida do que a Ré pagaria à Autora a quantia mensal de 713,20€ “a título de bolsa de estágio”.
11. Nos termos do documento intitulado “contrato de formação em posto de trabalho” o aludido “estágio” iniciar-se-ia em 1 de Abril de 2003 e duraria até 31 de Dezembro de 2003.
12. O n.º 2 da Cláusula 1.ª do “Contrato de Formação em Posto de Trabalho” prevê que “(…) o presente contrato não gera nem titula relações de trabalho subordinado e caduca com a conclusão do estágio para que foi celebrado”.
13. O “Contrato de Formação em Posto de Trabalho” inseria-se num “Programa de Estágios Profissionais” promovido pela Ré.
14. Com a data de 1 de Janeiro de 2004, a Autora subscreveu um documento, intitulado “contrato individual de trabalho a termo certo”, para o exercício de funções de “Técnico Superior, Grau 0” que, nos termos da clausula 4.ª, teria a duração de 12 meses e termo em 31 de Dezembro de 2004.
15. Com a data de 2 de Dezembro de 2004, a Ré emitiu um documento dirigido à Autora que referia: “informamos que o contrato de trabalho a termo certo que connosco celebrou em 01 de Janeiro de 2004, passa a ser considerado contrato sem prazo, a partir de 01 de Janeiro de 2005. Mais informamos que o período decorrido desde 01 de Janeiro de 2004, data da assinatura do primeiro contrato, será contado para efeitos de antiguidade”.
16. Em 7 de Outubro de 2002, a A. iniciou o seu processo de formação e aprendizagem para as funções de Técnico Superior, no Departamento de Geologia da Ré, mais especificamente na Área de Recursos Minerais.
17. Nessa unidade orgânica, desde 7 de Outubro de 2002, a A. recebia indicações e orientações da pessoa responsável, Eng. …, que acompanhava e avaliava a seu processo de formação.
18. O Eng. …, por sua vez, respondia perante o Chefe de Departamento de Geologia, Dr. ….
19. Sendo mensalmente retribuída pelo exercício dessas funções.
20. Em Janeiro de 2007, o Eng. … deixou de trabalhar para a Ré.
21. Passando a Autora, desde então a exercer, de facto, as funções que o mesmo exercia, a saber, para além do trabalho técnico como Técnico Superior, dirigir o trabalho das pessoas colocadas na área de Recursos, dando-lhes ordens e instruções quanto ao que fazer e como fazer e fiscalizando o seu trabalho. Assim,
22. A Autora passou a dirigir uma equipa que foi variando ao longo dos anos.
23. Em finais de 2007, a Autora recebeu uma proposta de trabalho para Angola, para trabalhar na empresa “Genius Mineira”.
24. Nos termos dessa proposta a Autora celebraria um contrato de trabalho por um ano, renovável.
25. No âmbito desse contrato, trabalharia durante 3 meses em Angola a que corresponderia um posterior período de 3 semanas de férias em Portugal.
26. As viagens de Portugal para Angola e vice-versa, em classe económica, correriam por conta da “Genius Mineira”.
27. A Autora teria direito a um seguro de saúde internacional (BUPA).
28. Teria direito a alimentação e alojamento, a cargo da empresa.
29. E um salário líquido de 3.500€, revisto anualmente.
30. A proposta foi endereçada à Autora pelo Dr. … que com a mesma havia trabalhado na Ré como seu superior hierárquico de segundo nível enquanto Chefe do Departamento.
31. A Autora informou a Ré que tinha recebido a referida proposta e que estava a considerar aceitá-la e entregou uma carta de denúncia do contrato.
32. Um executivo da Lundin Mining, de nome …, formulou, então, uma proposta de progressão na carreira da autora, depois aceite pela Ré como sua, que previa uma promoção ao nível 5A em Janeiro de 2008, em Janeiro de 2009, a Autora seria promovível ao nível 5C, em Janeiro de 2010 promovível ao nível 4A “equivalent to Head of Department”.
33. Segundo a comunicação do Sr. …, a Autora beneficiaria de formação profissional e da possibilidade de participação anual em grupos de pesquisa com geólogos de outras áreas de operação da Lundin, garantindo que o objectivo para os próximos anos seria que a Autora adquirisse a experiência e especialização de nível de “expert resource geologist”.
34. Nesta sequência, a Ré remeteu à Autora uma carta, formalizando a proposta de evolução profissional numa perspectiva de três anos, a saber:
a. Em Janeiro de 2009, progressão para o Nível 5C;
b. Em Janeiro de 2010, progressão para o Nível 4A, com a categoria de Técnico Superior V, “o que equivale a Chefe de Departamento”.
35. Nos termos desse documento, “Esta evolução profissional dependerá do seu desempenho positivo, do seu empenhamento e da sua integração na equipa de Direcção Mina. Aliás, bastará que mantenha os bons níveis de desempenho actuais para que se concretize a projectada carreira profissional”.
36. Tendo ainda sido escrito: “paralelamente a esta evolução de carreira, ser-lhe-á traçado um plano de formação profissional, no âmbito da sua área de actuação que lhe permita um desenvolvimento funcional adequado, tanto na Somincor, como no Grupo Lundin Mining”.
37. A Autora aceitou a proposta e retirou a denúncia do contrato de trabalho que havia formulado em 23 de Janeiro de 2008, com efeitos a 22 de Março de 2008.
38. Em Janeiro de 2008, a autora encontrava-se posicionada como Técnico Superior III, Nível 5A, auferindo a retribuição base ilíquida de 2.320,00€, a que acresciam outras componentes.
39. Em Abril de 2008, a retribuição base da Autora foi aumentada para 2.428,00€ ilíquidos, correspondente a Técnico Superior IV.
40. Em Janeiro de 2009, a retribuição base da Autora foi aumentada para 2.741,00€ ilíquidos, correspondente a Técnico Superior IV.
41. Em Janeiro de 2010, a retribuição base da Autora foi aumentada para 3.048,00€ ilíquidos, correspondente a Técnico Superior V.
42. Em Janeiro de 2010, … tinha a categoria profissional de Chefe de Departamento.
43. …, …, …, …, eram Técnicos Superiores Nível V mas que exerciam funções de Chefes de Departamento.
44. E embora não tivessem a categoria de Chefes de Departamento estavam “equiparados” a Chefe de Departamento, isto é, eram como tal tratados e designados e auferiam todas as retribuições em dinheiro e espécie auferidos pelo “Chefe de Departamento”.
45. A Autora está incluída na lista de emails de clipping de imprensa e de convites para os jantares de Natal da Ré.
46. Sem prejuízo de lhe pagar a retribuição base como Técnico Superior Nível V, a qual é igual à retribuição base de “Chefe de Departamento”, não lhe pagou todas as retribuições acessórias, em dinheiro e em espécie, específicas dos Chefes de Departamento.
47. A Autora é uma técnica reputada e prestigiada da Ré, como tal reconhecida pela LUNDIN.
48. A LUNDIN MINING em cujo grupo empresarial a Ré se insere reconhece-a como “Qualified Person”.
49. Segundo a LUNDIN MINING, “qualified person” é o indivíduo que (a) é engenheiro ou geocientista com pelo menos 5 anos de experiencia em exploração mineral, desenvolvimento mineiro ou operação mineira ou assessoria a projectos mineiros, ou qualquer combinação destas funções; (b) tem experiencia relevante em matéria de projectos mineiros e relatórios técnicos, e, (c) está inscrito numa associação profissional e, no caso de uma associação estrangeira, listada no Apêndice A, tem a designação correspondente no Apêndice A e que, no caso da Autora é “The Institute of 1 (a) is an engineer or geoscientist with at least five years of experience in mineral exploration, mine development or operation or mineral project assessment, or any combination of these; (b) has experience relevant to the subject matter of the mineral project and the technical report; and (c) is in good standing with a professional association and, in the case of a foreign association listed in Appendix A, has the corresponding designation in Appendix A; Materials, Minerals and Minning” de que é “Professional Member”.
50. Sendo o seu papel referido em publicações da Lundin Mining como se segue: “…Mineral Reserves and Mineral Resources for Neves-Corvo were estimated by the mine geology and mine engineering departments at Neves-Corvo under the guidance of AA, CEng MIMMM, Geological Engineer, and …, Chief Mine Planning Engineer, each of whom is employed by the Neves-Corvo mine. AA, prepared the Neves-Corvo Mineral Resource estimate and …, PEO and OIQ, Director Technical Services, Lundin Mining, reviewed and verified the Mineral Reserve estimate and the scientific and technical information for Neves-Corvo contained in this news release. Both Ms. AA and Mr. … are Qualified Persons as defined under NI 43-101”.
51. A Autora é chamada a participar em eventos e reuniões com outros técnicos ao serviço da Lundin Mining.
52. Os Chefes de Departamento, para além da retribuição base, têm direito a retribuição por isenção de horário de trabalho, subsídio de energia, seguro de vida capitalização, subsídio de habitação, viatura da empresa até ao valor anual de 33.200€, com opção de compra ate 8%, combustível até 3.360 litros ano, telemóvel com plafond anual até 598,44€, seguros de vida, de acidentes pessoais e de saúde.
53. No âmbito da organização interna da Ré, os trabalhadores que detêm a categoria profissional de “Técnico Superior V” podem, igualmente, exercer funções de “Chefe de Departamento”.
54. A A. não desempenha as funções de “Chefe de Departamento” porquanto não lidera qualquer departamento no âmbito da organização interna da Ré.
55. Com a saída do Dr. … do quadro de pessoal da Ré, as funções de “Chefe de Departamento” do Departamento de Geologia passaram a ser exercidas pelo Dr. ….
56. Tendo a A. passado a reportar hierárquica e funcionalmente ao Dr. …, até à data de cessação da relação laboral que este mantinha com a Ré, em 31 de Outubro de 2020;
57. … já exercia as funções de “Chefe de Departamento” do Departamento de Geologia Mineira quando, em Janeiro de 2010, foi atribuída à A. a categoria profissional de “Técnico Superior V”;
58. Por e-mail datado de 17 de Dezembro de 2014, a A. solicitou ao então Director de Recursos Humanos da Ré, Dr. …, esclarecimentos sobre “a não inclusão do prémio fixo” no seu recibo de vencimento e, adicionalmente, sobre quais as condições que estavam subjacentes à sua passagem a Técnica Superior de Grau V (nível 4 A) em Janeiro de 2010.
59. A Ré dirigiu e-mail datado de 19 de Março de 2015, à autora em que refere “na Somincor existem, entre outras, essas duas categorias profissionais que, de acordo com a prática de gestão em uso, têm vencimentos base exactamente iguais” e “Por essa razão o seu salário base mensal correspondente ao nível 4A da grelha salarial, é igualmente aplicado aos Técnicos Superiores V e a Chefes de Departamento (que exerçam essas funções ou tenham essa categoria profissional)”.
60. Este e-mail de 19 de Março de 2015 foi assinado pelo então Director de Recursos Humanos da Ré, Dr. …, que tinha, igualmente, assinado a carta remetida à A., datada de 12 de Fevereiro de 2008, nos termos da qual a Ré apresentava à A. a respectiva “projecção” de carreira.
61. O Dr. …, por e-mail datado de 05 de Junho de 2015, deu indicações para pagamento à A. do “prémio fixo” referente ao período compreendido entre 2010 e 2015.
62. No âmbito da organização interna da Ré, o denominado “prémio fixo” apenas é pago aos trabalhadores que não exercem as funções de “Chefe de Departamento”.
63. A título de prémio fixo referente aos anos de 2010 a 2015, foi pago à A. o montante total de € 6.606,00.
64. Este “prémio fixo” tem sido pago à A. até à presente data.
65. A retribuição especial por IHT é paga à A., pelo menos, desde o mês de Janeiro de 2010.
66. O subsídio de fundo consubstancia uma contrapartida paga pela ré aos trabalhadores pela prestação de trabalho no interior da mina e apenas é paga aos trabalhadores que exercem funções no interior da mina.
67. A A. exerce funções “de gabinete” à superfície, não realizando trabalho no interior da mina.
68. O subsídio de energia já é pago à A., pelo menos, desde o referido mês de Janeiro de 2010, no montante de € 100,32.
69. Em 2011, o valor deste subsídio passou para € 102,33.
70. Em 2012, a A. passou a auferir, a título de subsídio de energia, o montante de € 123,87.
71. Em 2014, o valor deste subsídio passou para € 125,73.
72. Em 2015, aumentou para € 126,98.
73. Em 2016, para € 128,25.
74. Em 2017, para € 130,05.
75. E, em 2018, o valor do subsídio de energia pago à A. aumentou para € 131,87, montante que se manteve até à data da apresentação da contestação.
76. A A. está abrangida por seguro de vida desde 01 de Janeiro de 2004.
77. As coberturas do seguro de vida são idênticas para todos os trabalhadores da Ré, independentemente da categoria profissional ou funções exercidas.
78. E os montantes segurados são calculados com base na retribuição base auferida pelos trabalhadores.
79. Até Dezembro de 2016, a Ré disponibilizou à A. habitação onde a mesma residiu.
80. Até Dezembro de 2016 e uma vez que disponibilizava habitação à A., a Ré não atribuía à mesma qualquer subsídio de habitação.
81. A partir de Janeiro de 2017 e uma vez que a A. já dispunha de casa própria a Ré passou a pagar à mesma subsídio de habitação.
82. O montante do subsídio de habitação é o mesmo tanto para trabalhadores que desempenhem as funções de “Chefe de Departamento”, como para os trabalhadores que não desempenhem essas funções.
83. A A. aufere, pelo menos, desde Janeiro de 2010, um subsídio para combustível.
84. A. está coberta pelos seguros de acidentes pessoais e de saúde desde 01 de Janeiro de 2004.
85. As coberturas dos seguros de acidentes pessoais e de saúde são idênticas para todos os trabalhadores, independentemente da categoria profissional ou funções exercidas.
86. E os montantes segurados são calculados com base na retribuição base auferida pelos trabalhadores.
87. A viatura automóvel e o seguro de vida capitalização apenas são disponibilizados pela Ré aos trabalhadores que desempenham as funções de “Chefe de Departamento” ou de direcção.

APLICANDO O DIREITO
Do princípio “trabalho igual, salário igual”
Na página 33 das suas alegações de recurso, a A. revela qual a sua exacta pretensão: auferir todo o esquema remuneratório, em numerário e em espécie, que a Ré aplica aos chefes de departamento, recebendo subsídio de fundo e obtendo viatura automóvel até ao valor anual de € 33.200,00, com opção de compra até 8%, combustível até 3.360 litros/ano, telemóvel com plafond anual até € 598,44, e seguro de vida capitalização.
Para o efeito, argumenta que tal resultaria do acordo remuneratório identificado nos pontos 34, 35 e 36 dos factos provados, e que teria direito a tais quantias por aplicação do princípio da igualdade.
Acompanhamos a sentença, quando conclui que o acordo remuneratório não permite concluir que a A. teria direito a todas as remunerações dos chefes de departamento, mesmo aquelas que são exclusivas do efectivo exercício dessa função, mas apenas a progressão, em Janeiro de 2010, para o nível 4A, com a categoria de técnico superior V, equivalente ao de chefe de departamento, tudo isto dependente do desempenho profissional positivo.
Como bem se escreveu na sentença, “Se a Ré quisesse remunerar a A. como chefe de departamento, teria logo referido que a partir de Janeiro de 2010 a A. progrediria para Chefe de Departamento ou técnico de nível V com todas as regalias de um Chefe de Departamento, o que não sucedeu. Fazendo a Ré a distinção entre as parcelas remuneratórias pagas aos Técnicos Superiores V que exercem funções de Chefes de Departamento e aqueles que não exercem tais funções, a atribuição à A. das parcelas que são exclusivas do exercício daquelas funções, quando a A. não as exerce, seria atentatório do principio da igualdade de retribuição, em face daquela que é a sua prática.”
O recurso da A. também não procede pela aplicação do princípio “trabalho igual, salário igual”, pois não demonstrou que desempenhava funções idênticas às realizadas por trabalhadores com as funções de chefe de departamento, produzindo “trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade).”
O supra mencionado princípio pressupõe a mesma retribuição para trabalho prestado em condições de igual natureza, qualidade e quantidade, com proibição da diferenciação arbitrária, materialmente infundada, ou com base em categorias tidas como factores de discriminação (identificadas no art. 24.º n.º 1 do Código do Trabalho).
Uma vez que a A. não invocou factores materiais de discriminação, competia-lhe efectuar a prova dos factos constitutivos do direito alegado, nos termos gerais do art. 342.º n.º 1 do Código Civil.[2]
Porém, a A. não logrou demonstrar a prestação de trabalho objectivamente semelhante em qualidade em relação aos trabalhadores com as funções de chefe de departamento, em princípio com maior exigência quanto à preparação técnica e valor do trabalho prestado.
Ponderando, ainda, que quanto ao subsídio de fundo não está sequer provado que seja pago a todos os chefes de departamento, mas aos trabalhadores que prestam trabalho no interior da mina – circunstância que a A. não provou – resta julgar improcedente o seu recurso.

Do período de estágio e da antiguidade da trabalhadora
Entrando no conhecimento do recurso subordinado da Ré, decidiu a sentença reconhecer a antiguidade da A. à data de 07.10.2002, argumentando “que se mostra provado que, apesar de ao abrigo dos referidos acordos de estágio e formação profissional, a autora exerceu, com efectividade, as funções de geóloga que se obrigou a exercer no âmbito do contrato de trabalho de trabalho celebrado com a ré em 2004, desde 7 de Outubro de 2002, é de concluir que a antiguidade da autora se há-de reportar a tal data.”
Esta conclusão, face à parcial procedência da impugnação fáctica, quanto aos pontos 16 e 17, não se pode manter.
De todo o modo, refira-se que ao tempo dos factos – entre Outubro de 2002 e Dezembro de 2003 – o contrato de aprendizagem era definido pelo art. 16.º n.º 1 do DL 205/96, de 25 de Outubro, como o “celebrado entre um formando ou o seu representante legal e a entidade formadora, em que esta se obriga a ministrar-lhe formação em regime de aprendizagem e aquele se obriga a aceitar essa formação e a executar todas as actividades a ela inerentes, no quadro dos direitos e deveres que lhe são cometidos por força da legislação e outra regulamentação aplicáveis a este sistema.”
Mais acrescentava o referido art. 16.º, no seu n.º 3, que “o contrato de aprendizagem não gera nem titula relações de trabalho subordinado e caduca com a conclusão do curso ou acção de formação para que foi celebrado.”
No contrato celebrado entre as partes em 07.10.2002, titulado “Acordo de Estágio”, menciona-se na sua cláusula 1.ª o seguinte: “Para completar a sua formação, o Estagiário efectuará trabalhos e estudos da sua especialidade, de acordo com os programas e acompanhamento estabelecidos pela primeira signatária, obrigando-se a deles fazer um relatório final, escrito, pormenorizado, que entregará na Empresa e que não divulgará sem autorização expressa e escrita desta.”
Deste documento, não resulta que a A. tenha sido contratada, naquela data, para exercer qualquer actividade sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, mas sim completar a sua formação, efectuando trabalhos e estudos da sua especialidade, de acordo com os programas e acompanhamento estabelecidos pela segunda, não se vislumbrando qualquer indício da subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho.
Quanto ao contrato celebrado em 01.04.2003, estava em causa um estágio profissional em contexto de trabalho, celebrado no âmbito da Portaria 268/97, de 18 de Abril, com a redacção que lhe foi conferida pela Portaria 286/2002, de 15 de Março, que estabelecia as normas de funcionamento e o regime de concessão de apoios técnicos e financeiros da medida Estágios Profissionais, promovida pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, cujos objectivos eram (art. 2.º):
“1) Possibilitar aos jovens com qualificação de nível superior ou intermédio um estágio profissional em contexto real de trabalho, que facilite e promova a sua inserção na vida activa;
2) Complementar e aperfeiçoar as competências socioprofissionais dos jovens qualificados através da frequência de um estágio em situação real de trabalho;
3) Possibilitar uma maior articulação entre a saída do sistema educativo e formativo e o contacto com o mundo do trabalho;
4) Facilitar o recrutamento e a integração de quadros nas empresas, através do apoio técnico e financeiro prestado a estas na realização de estágios profissionais;
5) Dinamizar o reconhecimento por parte das empresas de novas formações e novas competências profissionais, potenciando novas áreas de criação de emprego;
6) Facilitar a inserção de diplomados de áreas de formação com maiores dificuldades de integração na vida activa, reorientando-os para áreas onde se constatam maiores carências de mão-de-obra.”
Também aqui não se vislumbram os indícios de subordinação jurídica, havendo a notar que as partes expressamente estipularam que aquele contrato não gerava nem titulava relações de trabalho subordinado e caducava com a conclusão do estágio para que foi celebrado, como, à data, era permitido pelo art. 4.º n.º 3 do DL 242/88, de 7 de Julho.
Acompanhamos, pois, o Acórdão da Relação de Lisboa de 02.06.2005, quando conclui que “Os contratos de formação profissional ou de estágio não geram relações de trabalho subordinado, sendo que tais acções de formação implicam, necessariamente, que sejam dadas ordens ao estagiário sobre as tarefas da sua formação.”[3]
Na doutrina, Maria do Rosário Palma Ramalho ensina que o contrato de aprendizagem é “um meio de assegurar a componente teórica e prática ou técnico-profissional específica da formação”, distinguindo-se do contrato de trabalho com recurso a três critérios:
- um critério remuneratório: no contrato de aprendizagem não há lugar a uma retribuição como contrapartida do trabalho prestado e a cargo da empresa;
- um critério funcional: o objecto nuclear do contrato de aprendizagem é a formação do aprendiz e não a prestação de uma actividade laboral remunerada, como sucede no contrato de trabalho; este objecto não é desvirtuado pelo facto de a formação do aprendiz passar, em parte, pelo desenvolvimento de uma actividade laborativa;
- um critério disciplinar: embora o formando tenha deveres parcialmente semelhantes aos do trabalhador subordinado, não se sujeita ao poder disciplinar; em caso de dúvida, este factor poderá, assim, ser decisivo para a qualificação do contrato.”[4]
Ora, nem a A. recebia uma retribuição como contrapartida do trabalho prestado, mas uma bolsa de estágio – no contrato de 01.04.2003, comparticipada pelo IEFP – como o objecto nuclear de ambos os contratos era a sua formação profissional, nem se demonstra que estivesse então sujeita ao poder disciplinar da Ré, mas apenas à avaliação realizada pelos seus formadores.
A sentença apela, ainda, ao actual art. 112.º n.º 4 do actual Código do Trabalho, mas não precisando aqui de discutirmos a aplicação da lei no tempo – outras eram as normas que regulavam os contratos de aprendizagem à data em que foram celebrados os contratos de 07.10.2002 e de 01.04.2003, que acima identificámos – diremos que aquele dispositivo refere-se à duração do período experimental, que pode ser reduzido ou excluído conforme o tempo de estágio profissional prestado para a mesma actividade e mesmo empregador, mas não prescreve que o estágio origine uma relação de trabalho subordinado ou sequer que o seu tempo releve para efeitos de antiguidade.
E não estando alegada a existência de qualquer norma convencional, resultante do contrato individual de trabalho ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável à relação laboral que estabeleça regras mais favoráveis à trabalhadora, não se pode concluir que o seu período de estágio profissional releve para efeitos de contagem do tempo de antiguidade.
O recurso subordinado da Ré será, pois, provido.

DECISÃO
Destarte, decide-se:
a) negar provimento ao recurso principal deduzido pela A.;
b) conceder provimento ao recurso subordinado deduzido pela Ré, revogando-se a sentença na parte que reconheceu a antiguidade da A. à data de 7 de Outubro de 2002;
c) em consequência, julgar a acção totalmente improcedente.
Custas pela A..

Évora, 14 de Setembro de 2023

Mário Branco Coelho (relator)
Emília Ramos Costa
Paula do Paço

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[1] In Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.05.2017 (Proc. 4111/13.4TBBRG.G1.S1), publicado em www.dgsi.pt.
[2] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.10.2011 (Proc. 343/04.4TTBCL.P1.S1), de 14.12.2016 (Proc. 4521/13.7TTLSB.L1.S1) e de 01.06.2017 (Proc. 816/14.0T8LSB.L1.S1), todos em www.dgsi.pt.
[3] Proferido no Proc. 1598/2005-4, e publicado em www.dgsi.pt.
[4] In Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., Almedina, Novembro de 2016, págs. 84 e 85.