Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4948/22.3T8LSB-A.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: PERSI
FIADOR
PESSOA SINGULAR
CONSUMIDOR
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O PERSI aplica-se, tão só, aos devedores e não aos garantes / proprietários do bem hipotecado que é dado em garantia.
(Sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.

(…) deduziu embargos de executado, alegando que, antes da execução, não foi notificada para pagamento nem da resolução do contrato, nem para os efeitos do PERSI, pedindo que a oposição seja julgada totalmente procedente por provada e, em consequência, seja absolvida da instância.
Notificada para contestar, a Exequente (…) Company, alegou que enviou cartas de interpelação à embargante, permanecendo o incumprimento e que o regime do PERSI não se aplica à situação em causa, concluindo que os embargos devem ser considerados manifestamente improcedentes, seguindo a presente execução os seus ulteriores trâmites.
Foi proferida decisão que, julgou totalmente procedentes, por provados, os presentes embargos de executado, absolvendo-se a Embargante (…) do pedido executivo e, em consequência, extinguindo-se a execução relativamente àquela.
Inconformada com esta decisão, recorreu a exequente apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O Tribunal a quo julgou procedentes os embargos com consequente absolvição da executada da instância executiva, fundamentando a sua decisão por entender que a Recorrente não integrou a Embargante no procedimento de PERSI, e portanto, apesar desta ser “apenas” avalista/hipotecante do bem imóvel dado em garantia.
2. O tribunal a quo defende que: “são pessoas diversas, a que corresponderão patrimónios diversos, decorrendo ainda do exposto que a intervenção da Embargante na outorga da escritura não se resumiu à pretendida condição de avalista – a Embargante é uma das mutuárias”, porém tal não deverá ser acolhido.
3. A ora Recorrente não se pode conformar com tal apreciação da posição contratual da Embargante, feita pelo douto tribunal a quo, equiparando a posição da Embargante à da Mutuária principal, (…), Unipessoal, Lda., de modo a viabilizar a aplicação do instituto do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro (PERSI) a uma divida de uma pessoa coletiva, quando na realidade a Embargante não se confunde com a pessoa coletiva da Mutuária. Sendo ainda referir que a relação jurídica in casu não se subsume a uma relação de consumo, antes sim do foro comercial.
4. Pelo que nos termos do disposto no art.º 2.º/1 do diploma assinalado, o PERSI só é aplicável aos contratos celebrados com clientes bancários que, conforme a alínea a) do seu art.º 3.º, são consumidores, de acordo com a definição legal de consumidor constante do decreto-lei 67/2003, de 8 de abril, revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro.
5. Ademais o decreto-lei 67/2003, de 8 de abril, no art.º 1.º-B/1 define “consumidor” como aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de julho.
6. Assim a Recorrida não se “encaixa” na definição legal de “clientes bancários” do referido Decreto-Lei, que por se tratar de um contrato de crédito entre uma instituição bancária e uma pessoa coletiva e os seus garantes, destinando-se este contrato ao apoio à atividade da empresa.
7. A Recorrida não figura no contrato celebrado enquanto cliente bancária, mas sim enquanto gerente da empresa (representante legal) e na qualidade de garante/fiadora por ter concedido um imóvel como garantida, nunca como mutuária.
8. O decreto-lei 227/2012, de 25-10 não se aplica quando estejam em causa contratos de crédito celebrados entre instituições bancárias e pessoas coletivas e os respetivos fiadores mesmo que estes sejam pessoas singulares (cfr. ac. da Relação de Lisboa de 12-10-2017, n.º 6776/15.3T8ALM.L1-8, Isoleta Almeida e Costa), em que mais uma vez se frisa que a Recorrida não figura no contrato na qualidade de mutuária, ao contrário da decisão do tribunal a quo.
9. É manifesto que o n.º 3 do artigo 197.º do Código das Sociedades Comerciais (C.S.C.) consignou o princípio da limitação da responsabilidade dos sócios em sociedades de responsabilidade limitada, ao estabelecer que só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade, salvo estipulação contratual em contrário.
10. A sentença proferida pelo Tribunal a quo refere por outro lado que: “Ora, independentemente de aval prestado em livrança, que, na situação sob análise, não constitui, nem integra, título executivo, a Embargante interveio no contrato por si e como única sócia e gerente e em representação da Executada sociedade”, porém, mais uma vez se vislumbra que existe uma errónea qualificação da Recorrida no âmbito da contratualização do contrato de mútuo por parte da pessoa coletiva.
11. A figura do consumidor não é sequer aparentada com a figura do co-obrigado cambiário. E bem assim, também não deveria ser aplicável à Recorrida enquanto parte do Contrato celebrado, uma vez que mais uma vez o assina em nome da empresa Mutuária e na qualidade de fiadora/garante.
12. A Recorrente demonstrou que a Recorrida fiadora foi devidamente informada do incumprimento contratual, não tendo esta em nenhuma altura alegado que tenha solicitado a sua integração do PERSI, e nunca numa altura que a pudesse incorporar de forma voluntária no procedimento de negociação da divida em mora.
13. Assim, não foram prejudicados os direitos legítimos da Recorrida, na medida em que se encetou contactos para pôr termo à situação de incumprimento, nomeadamente através das cartas de interpelação, tendo sido facto assente que a mesma era conhecedora da situação de incumprimento do contrato celebrado.
14. A fiança traduz-se assim na obrigação assumida pela Executada no contrato inicial que, em caso de incumprimento contratual do devedor principal, ficará esta responsabilizada pessoalmente pelo pagamento de todas as responsabilidades do mutuário emergentes do contrato.
15. O PERSI, tal como regulamentado, visa a reestruturação da obrigação originária, a qual apenas poderá ser renegociada pelo devedor principal, para quem a integração no PERSI é obrigatória verificados que sejam os respetivos pressupostos, e não por terceiros, que neste caso seriam terceiros, carecendo de legitimidade para tal.
16. Neste caso a identidade da sócia gerente confunde-se com a da fiadora, mas tal facto, não faz subsumir nesta a qualidade de cliente bancário para efeitos de aplicação do procedimento PERSI, mantendo-a assim excluída dessa aplicação.
17. Mais, no caso dos autos, sendo a mutuária uma pessoa coletiva, e por isso, excluída do conceito de “consumidor” nos termos da Lei de Defesa do Consumidor, o contrato não pode ser incluído no PERSI.
18. Tal como decidido pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 06-06-2019, Processo n.º 6470/14.2T8ALM.L1-6 “A Lei não deve ser interpretada de forma absolutamente literal, devendo procurar-se reconstituir o pensamento legislativo a partir do seu texto, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a Lei foi elaborada e as condições específicas em que é aplicada, conforme artigo 9.º do CC. O caso dos presentes autos apresenta vicissitudes que, tendo em conta e teleologia do Diploma em causa e as condições específicas em que o mesmo tem aplicação, levam à conclusão de que andou mal o Tribunal a quo ao considerar que deveria ter ocorrido a integração automática do mutuário (e avalista).”
19. Nos termos do douto Acórdão proferido “O artigo 21.º do referido diploma legal não abrange os avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento”.
20. Assim, por analogia e tratando-se tanto o aval como a fiança de garantias pessoais, uma vez que a Jurisprudência considera que o artigo 21.º do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de outubro não se aplica aos avalistas, por maioria de razão, deverá entender-se, igualmente, que os fiadores não estão incluídos na previsão do supra mencionado normativo.
21. Posição igualmente reforçada pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2017, Processo n.º 6776-15.3T8ALM.L1-8, que começa por referir que “O PERSI foi pensado para proteção do dito “cliente bancário”, identificado como “consumidor”, visando a “redução dos níveis de endividamento das famílias” e a “prevenção e sanação de situações de incumprimento de contratos de crédito com particulares”.
22. Nessa medida, não existia qualquer obrigação por parte da Recorrente em integrar ou incluir a Recorrida em tal procedimento. Pelo que a sentença do tribunal a quo não deverá prevalecer, tendo em conta a fundamentação legal ora exposta.
Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença ora recorrida por outra que determine a improcedência dos embargos, dado que não se verifica a necessidade de integração da Recorrida em PERSI.»
Nas contra-alegações a recorrida conclui o seguinte (transcrição):
«1) A embargante não foi como deveria, visto ser obrigatório, incluída mo PERSI, na altura pela cedente do
2) crédito em causa, por ser mutuária (cliente bancária).
3) O recurso a este procedimento é condição de admissibilidade da ação executiva.
4) A inobservância dessa condição de admissibilidade da execução obsta a que o crédito possa ser cobrado coercivamente junto do devedor.
5) A Embargante tinha o direito a ser integrada no PERSI, independente da natureza da divida e da existência da co-obrigada sociedade e não o foi.
6) Apenas perante a extinção do PERSI e por causa que isso justificasse poderia ser instaurada execução contra a Embargante.
7) A Embargada adquiriu o crédito nas condições nas quais o mesmo se encontrava, com todas as suas consequências.
8) A cessão não tem, nem pode nunca ter, como consequência a preclusão da defesa da Embargante, por invocação daquela omissão.
9) Nos embargos, em apreço, verifica-se essa omissão.
10) A decisão deve ser mantida e ação ser extinta quanto à Embargante.
Nestes termos e nos demais de Direito que V/Exas doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta sentença do Tribunal a quo».
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Foram considerados provados na 1.ª instância os seguintes factos:
1 - O título executivo consiste em escritura pública lavrada no dia 27-9-2016, de contrato designado como “mútuo com hipoteca e pacto de preenchimento de livrança”, celebrado entre Caixa Geral de Depósitos, S.A., e a Executada (…), por si e como única sócia e gerente e em representação da Executada (…), Unipessoal, Lda., e ao qual foi dado o número (…), com o restante teor do documento junto com o requerimento executivo, dando-se aquele por integralmente reproduzido, e incidindo a hipoteca sobre o imóvel penhorado.
2 – Por cartas datadas de 10-7-2018, dirigidas àquelas Executadas, incluindo a Embargante e para a morada constante do contrato referido, foi informado da parte da Caixa Geral de Depósitos, S.A., designadamente que: (…)
3 – A Caixa Geral de Depósitos, S.A., não contactou a Embargante com a finalidade de ser incluída no PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento).
4 – Por contrato de cessão de créditos escriturado em 12 de Maio de 2020, a Exequente adquiriu o crédito exequendo e respectivas garantias à Caixa Geral de Depósitos, S.A., sendo a sua actual titular.
E não provados:
A Embargante desconhecia que se encontrava em mora.

2 – Objecto do recurso.

Face ao disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que a questão a decidir é a de saber se o regime do PERSI se aplica garante / proprietário do bem hipotecado que é dado em garantia, não devedor.

3 - Análise do recurso.

A decisão recorrida considerou que, a embargante como mutuária (cliente bancária) deveria ter sido integrada no PERSI, independentemente da natureza da dívida e da existência da co-obrigada sociedade (considerou que, sendo o título executivo o contrato de mútuo garantido por hipoteca – e não a livrança, que também fez parte do contrato – a embargante deveria ser integrada no PERSI pela sua intervenção por si e como única sócia e gerente e representante da sociedade).
A recorrente discorda, defendendo que, o decreto-lei 227/2012, de 25-10 não se aplica, quando estejam em causa contratos de crédito celebrados entre instituições bancárias e pessoas coletivas e os respetivos fiadores, mesmo que estes sejam pessoas singulares.
Alega para o efeito que, a embargante não é mutuária e não se verifica a necessidade de integração da Recorrida em PERSI, considerando a qualidade da embargante, que não se “encaixa” na definição legal de “clientes bancários” sendo apenas gerente da empresa (representante legal) e na qualidade de garante por ter concedido um imóvel como garantida, não se verificando uma relação de consumo, antes sim do foro comercial.
E cremos que tem razão.
Senão vejamos:
Em primeiro lugar importa referir que, o título executivo é constituído por uma “escritura pública de mútuo com hipoteca e pacto de preenchimento de livrança”, celebrado entre Caixa Geral de Depósitos, S.A., e (…), como única sócia e gerente, em representação da Executada (…), Unipessoal, Lda. e com hipoteca de imóvel propriedade também de (…).
Assim, a embargante não é mutuária, nem devedora, é só a proprietária do bem hipotecado que é dado em garantia (na medida em que a hipoteca constitui uma garantia correspondente à possibilidade do credor realizar o seu crédito à custa da mesma).
No preâmbulo do DL n.º 227/2012, de 25.10 pode ler-se o seguinte:
«A concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a atuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades, em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na aceção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril.
A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias.»
O artigo 2.º do DL citado (com as alterações do DL n.º 70-B/2021, de 06/08) estabelece o tipo contratual a que se aplica o PERSI estipulando:
«Âmbito
1 - O disposto no presente decreto-lei aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:
a) Contratos de crédito relativos a imóveis abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, na sua redação atual;
b) (Revogada.)
c) Contratos de crédito aos consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, na sua redação atual;
d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, na sua redação atual;
e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.
2 - O disposto no presente decreto-lei não prejudica o regime aplicável aos sistemas de apoio ao sobre-endividamento, instituído pela Portaria n.º 312/2009, de 30 de março, na sua redação atual.
E o artigo 3.º, n.º 1, define o que se entende neste âmbito por cliente bancário:
«Definições
Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:
a) «Cliente bancário» o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito; (…)
Por sua vez o artigo 2.º do Decreto-Lei 67/2003, de 8 de abril, que transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento e do Conselho de 25 de maio de 1999, dispõe:
«1 - Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios» (Esta noção de consumidor foi introduzida com as alterações levadas a cabo pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio, já que antes era feita por remissão para a Lei de Defesa do Consumidor [cfr. n.º 1 do artigo 1.º]. Por sua vez, a Diretiva define o conceito de consumidor do modo seguinte: «Consumidor: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional»).
Ou seja, o conceito de consumidor consagrado no DL 67/2003 tem um sentido restricto, uma vez que, surge definido como aquele que adquire um bem ou serviço para uso privado (utilização doméstica, familiar ou pessoal), sendo a sua determinação feita exclusivamente com base no destino dado aos bens ou serviços adquiridos.
Defendem este entendimento, Januário da Costa Gomes, “Ser ou não ser conforme, eis a questão. Em tema de garantia legal de conformidade na venda de bens de consumo”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 21, Porto, 2008, pág. 3 e João Calvão da Silva, “Responsabilidade Civil do Produtor”, Coimbra, 2003, pág. 58.
E na jurisprudência, entre outros, os Acs. do STJ de 20.10.2011, proc. 1097/04.0TBLLE.E1.S1, Relator: Moreira Alves e de 9/2/17, proc. 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, Relatora: Fernanda Isabel.
Em suma, trata-se de procedimento apenas aplicável aos contratos elencados no artigo 2º, desde que celebrados com clientes enquadráveis no conceito legal de consumidor, para efeitos da lei do consumo, o mesmo é dizer, a pessoa que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional, desde que não atuando no âmbito da sua atividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar.
Logo, não se aplica a pessoas colectivas, mas apenas a pessoas singulares.
E no nosso caso é a pessoa colectiva que é a mutuária/devedora (a obrigação de garantia é uma obrigação acessória (artigo 627.º, n.º 2, do Código Civil).
Tanto basta para afastar a pretensão da recorrente.
(Subjacente à aplicação do PERSI, está uma utilização alheia à actividade profissional ou comercial do devedor, já que o objectivo da lei em causa é proteger a parte mais fraca na relação comercial existente, o que não se verifica tratando-se de uma actividade económica).
Em suma:
A situação da embargante está excluída do âmbito de aplicação do regime do PERSI, já que não é devedora.
No nosso entender, não existia qualquer obrigação por parte da Recorrente em integrar ou incluir a Recorrida em tal procedimento, pelo que a sentença do tribunal a quo, não deverá prevalecer, tendo em conta a fundamentação legal ora exposta, devendo prosseguir a execução.

Sumário: (…)

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto e, em consequência, revogar a decisão ordenando-se o prosseguimento da execução.
Custas pela embargada em ambas as instâncias sem prejuízo do apoio judiciário.
Évora, 7.11.2023
Elisabete Valente
Maria João Sousa e Faro
Graça Araújo