Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
168/22.5GCODM.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: PROCESSO ABREVIADO
SENTENÇA ORALMENTE PROFERIDA
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
ALCOOLÍMETROS
VERIFICAÇÃO PERIÓDICA
PENA CURTA DE PRISÃO
SUBSTITUIÇÃO POR MULTA
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. A lei não exige que seja escrita a sentença proferida em processo abreviado, em que se não aplica pena detentiva. A simplificação da documentação da decisão - ficando na ata apenas a parte dispositiva da sentença -, em nada prejudica as garantias de defesa do arguido, porquanto a este é entregue cópia da gravação, exceto se disso expressamente prescindir (§ 4.º do artigo 389.º-A CPP.

2. O exame crítico das provas consiste na aferição dos meios de prova e de obtenção de prova produzidos, de molde a tornar logico-racionalmente compreensíveis a força e medida que tiveram para a formação da convicção do tribunal relativamente à factualidade que tem de conhecer.

3. «Alcoolímetros» são os instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado. Sendo que os qualitativos (ou de despiste) permitem uma utilização prática e rápida, não estando sujeitos a controlo metrológico. Relativamente aos quantitativos, a primeira verificação é efetuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano. Sendo posteriormente feita uma verificação periódica anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo, conforme previsto no Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de setembro e Portaria n.º 1556/2007, de 10 dezembro.

4. A medição qualitativa do álcool no sangue através do ar expirado apenas indicia a presença de álcool no sangue. Só a medição quantitativa constitui prova da Taxa Álcool no Sangue, sendo esta (e só esta) a relevante para a prática dos ilícitos criminais e contraordenacionais.

5. Uma condenação anterior não é suficiente para se concluir que o condutor manifesta um reiterado desprezo pelos bens jurídicos protegidos; e logo que a pena de prisão seja «exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes».

6. O artigo 45.º CP preconiza (exige) exige que a pena curta de prisão deverá ser substituída por multa, ou por outra pena não privativa da liberdade, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.

Decisão Texto Integral: I – Relatório
a. No Juízo Local Criminal de … procedeu-se a julgamento em processo abreviado de AA, nascido a …/…/1988, cidadão brasileiro, titular da autorização de residência n.º …, com os demais sinais dos autos, a quem foi imputada a autoria, na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto nos artigos 292.º, § 1.º do Código Penal, com referência ao artigo 69.º, § 1.º al. a) do mesmo código; e uma contraordenação prevista no artigo 4.º, § 1.º e 3.º do Código da Estrada.

Teve lugar a audiência e a final o tribunal proferiu sentença oralmente, cujo dispositivo ficou registado em ata e a fundamentação registada em áudio, condenando-se o arguido como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto nos artigos 292.º, § 1.º e 69.º, § 1.º al. a) CP, na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano, na pena acessória de 1 ano e 3 meses de proibição de conduzir e numa coima que se fixou em 1 000€.

b. Inconformado com a condenação e com a medida das penas (principal e acessória de proibição de conduzir veículos) e com o montante da coima, o arguido apresenta-se a recorrer, sintetizando-se as conclusões da respetiva motivação, nos seguintes termos (1):

1. A sentença recorrida é nula por falta de fundamentação, quer de facto quer de direito pois dela não consta a enumeração dos factos provados e não provados, bem como a respetiva motivação, como impõem os artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP.

2. Nulidade da prova (artigo 153.º n.º 2 alienas a) a d) do CE)

- O agente autuante não comunicou devidamente as sanções ao arguido.

- não foi feito o teste qualitativo obrigatório, nem o mesmo consta dos autos, pelo que deve o Tribunal oficiar as autoridades no sentido de virem aos autos provar a elaboração de tal teste.

3. O arguido solicitou contraprova e a mesma foi recusada por parte do agente de autoridade, o que consubstancia uma nulidade da prova nos termos do artigo 153.º do CP.

- a Guarda Nacional Republicana não possuía outro aparelho alcoolímetro para a realização da contraprova.

- O que obrigava o arguido a ir fazer o teste de análise de sangue.

- O agente violou ainda ao artigo 154.º do CE ao não referir o período de 12 horas sem poder conduzir.

4. O facto de não estar provado que existiu um 1.º teste qualitativo para a deteção da presença de álcool no sangue determina a nulidade de todo o processado.

5. A acusação nada refere quanto à aprovação do aparelho alcoolímetro pelo IPQ, nem é referido também a última verificação periódica, desconhecendo-se se a mesma foi ou não efetuada, nem ainda referência à homologação do aparelho alcoolímetro. O que constitui nulidade da prova.

6. Não pode o arguido ser condenado pela contraordenação pois a mesma não está provada, inclusive os próprios agentes disseram que o arguido parou no local mais seguro!

7. Deve a pena de prisão de 6 meses, suspensa na sua execução ser revogada.

8. A medida da pena acessória é excessiva.

c. Admitido o recurso o Ministério Público respondeu pugnando pela sua improcedência, sintetizando-se a sua posição deste modo:

«i. Não se verificou qualquer nulidade da sentença, por não ter sido aplicada pena detentiva da liberdade em processo abreviado (acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-03-2023, processo 2776/22.5GBABF.E1).

ii. A não realização de teste qualitativo obrigatório para a deteção da presença de álcool no sangue não acarreta qualquer nulidade, de prova ou outra.

iii. Não existe qualquer violação do preceituado no artigo 126.º do CPP.

iv. O arguido admitiu os factos passíveis de consubstanciar a prática do crime de condução sob efeito do álcool, havendo prova pericial relativamente ao quantitativo de álcool no sangue que aquele apresentava.

v. O arguido tem o português por língua materna e foi notificado dos seus direitos e deveres, bem como da possibilidade de realizar contraprova e da proibição de conduzir nas 12 horas subsequentes, como resulta de documento por si assinado constante nos autos, inexistindo qualquer nulidade.

vi. Inexiste nulidade da prova que levou à condenação pela contraordenação imputada na acusação pública.

vii. As penas e a coima aplicadas não merecem qualquer censura, sendo proporcionais à gravidade dos factos e adequadas à censura que a conduta merece, sendo condizente com as necessidades de prevenção geral e especial que cabem ao caso sem, contudo, ultrapassar o limite da culpa do agente.

viii. A sentença do Tribunal a quo não enferma de qualquer vício, desmerecendo censura, devendo, portanto, ser confirmada in totum.»

d. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, secundando o que consta da resposta ao recurso, acrescentando com detalhe e clareza as razões que sustentam a manutenção do decidido na 1.ª instância.

e. Cumprido o disposto no artigo 417.º, § 2 do CPP, nada se acrescentou.

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP) (2).

Em conformidade com esta orientação normativa, a motivação do recurso deverá especificar os fundamentos e enunciar as respetivas conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

Neste contexto constatamos serem as seguintes as questões que cumpre apreciar e sobre as quais importa decidir: i) Nulidade da sentença (374.º, § 2.º e 379.º, § 1.º, al. a) CPP);

ii) Nulidade das provas (ausência de teste qualitativo e aparelho medidor não homologado);

iii) Impugnação da decisão de facto;

iv) Inverificação da contraordenação;

v) Excessividade das penas.

B. Da sentença recorrida

Na 1.ª instância julgaram-se provados os seguintes factos, baseados nas seguintes provas: (3)

«(…)

Resultaram provados os seguintes factos.

Que no dia 25-12-2022, pelas 05h25m, na estrada nacional …, km 105/80, na via pública, o arguido conduzia o veículo automóvel de matrícula …, tendo-lhe sido dada ordem de paragem pelos militares de GNR em serviço, devidamente fardados, fazendo uso do colete refletor e lanterna com cone de sinalização.

Não obstante ter visualizado tal ordem de paragem e que a mesma era emanada pelos militares da GNR em serviço, o mesmo não acatou tal ordem e prosseguiu com a marcha do veículo determinando a necessária perseguição daqueles a este.

O arguido só parou o veículo vários quilómetros à frente, no parque do supermercado …, em ….

O arguido conduzia o referido veículo automóvel com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 2,45 g/l, corresponde à taxa de 2,58 g/l registada.

Agiu o arguido com o propósito concretizado a obstar a que os referidos militares da GNR cumprissem as suas funções e, nomeadamente, a de consumarem a ordem de paragem do veículo conduzido e o autuarem.

Bem sabia o arguido antes de iniciar a sua condução que havia previamente ingerido bebidas alcoólicas em quantidade tal que não só não lhe permitia a condução do veículo em segurança na via pública, como também lhe conferia uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l e que tal constituía taxa crime.

Agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas, não se abstendo, porém, de as prosseguir.

Ainda, o arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 6/11/2020, neste Juízo de Competência Genérica de …, no processo 125/20.9…, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 75 dias de multa, na taxa diária de 6,50 €, num total de 437,50€, e na pena acessória de inibição de condução por 4 meses e 15 dias.

Ainda, que o arguido trabalha como auxiliar de bate-chapas, é solteiro, aufere o salário mínimo nacional, tem como despesas 250€ de renda, o quinto ano de escolaridade, não tem outros bens imóveis à exceção de um carro, paga 50,00 € de despesas de saúde.

A motivação dos factos resultou, por um lado, das declarações do arguido que não nos mereceram credibilidade, tendo relatado que não viu sinal de paragem dos militares, e que, mais tarde, apenas se lembra que os militares que lhe disseram que não ia dar em nada.

Admitiu, no entanto, ter bebido cerveja e alguns shots. Portanto, no que toca à taxa, pese embora não a admita, certo que admitiu que consumiu álcool, referiu estar também há cerca de 3 anos e 4 meses em Portugal, e também ainda que ninguém lhe explicou que poderia fazer a contraprova.

O seu depoimento não nos mereceu credibilidade, quer da análise direta do mesmo, prestado de maneira pouco espontânea, estudada, e até porque o próprio, na própria maneira como descreve os factos, não são de molde a ser credíveis e, sobretudo, não podemos também deixar de considerar que a taxa registada nos autos não era certamente de modo a ver que o arguido estivesse no seu melhor estado de atenção, sendo também que admitiu beber cerveja e shots, um conjunto de bebidas que só, das regras de experiência comum, não são aptas a deixar o arguido no melhor estado de atenção.

Pese embora não nos pareceu sequer que fosse esse o caso quanto a pura e simplesmente ter omitido a ordem ou sequer pura e simplesmente negligência na sua condução.

Por outro lado, valorámos ainda também neste conspecto os depoimentos de BB, militar da GNR, que referiu ter dado ordem de paragem, estando os 2 militares apeados. Confirmou também nos autos de folhas 6, 7, 8 e 11, de maneira que nos pareceu credível e espontânea, e referiu que fizeram um teste qualitativo e depois um teste quantitativo.

CC, também Militar da GNR, também descreveu estar na fiscalização. Que o colega deu ordem de paragem e que este não obedeceu e pensa que terá… E que o mesmo terá parado cerca de quatrocentos (400) metros mais à frente. Fiscalizaram-no, ele acusou álcool, como se diz, também confirmou folhas 6, 7 e 11 dos autos, em termos também credíveis, disse que foi explicado que acusou uma taxa crime e que podia pedir contraprova e que este recusou.

DD, que conhece o arguido como também trabalhador da mesma empresa, referiu que a GNR… E que iria com o arguido [na viatura]. Descreveu de modo pouco credível e isento. Aliás, também havia contradições entre as testemunhas e o próprio arguido. E que a GNR não o mandou parar. Que o mesmo, no entanto, encostou, mal viu depois a GNR no seu alcance, que depois já não viu mais nada, porque nomeadamente foi ao posto e que foram perguntar e disseram que não ia dar em nada.

EE e FF também disse que viram a Polícia, mas não viram o sinal de paragem, mas viram depois que eram seguidos, não fez teste de álcool no local, meramente o algemaram e perguntaram-lhe se ele bebeu ou não e advertiram-lhe para que não podia conduzir nas quarenta e oito (48) horas. Aqui também se notando sempre estas divergências.

Tudo isto conjugado resulta-nos que o cenário que veio aqui, quer o arguido, quer as testemunhas de defesa, trazer é manifestamente incredível, porque por um lado referem terem visto a GNR, mas não terem visto ordens de paragem, e depois, quando viram, no entanto, que viriam a ser seguidos pelos mesmo, o que não é lógico que tenha acontecido sem um prévio sinal de paragem que tivesse sido desrespeitado. E se não o viram, ou foi por negligência, que não nos pareceu ser minimamente o caso, ou porque pura e simplesmente viram, mas pretenderam não obedecer, porque o próprio arguido, como admitiu, tinha bebido cerveja e shots. E certamente qualquer pessoa sabe, conhecendo a lei portuguesa, que é praticamente uma lei digamos seca, ou seja, não se pode sequer consumir, álcool, com este tipo de consumo de álcool claramente o mesmo acusaria taxa de álcool [no sangue), e esse foi o motivo para desrespeitar o sinal e passar à frente. Evidentemente que depois do alcance da GNR pararam.

Também a referência a que o processo não ia dar em nada, aqui não nos parece tanto que tivesse havido talvez malícia das testemunhas, quanto talvez uma incompreensão do que pudesse ser quando a GNR transmitiu que não ia dar em nada – prisão - porque os mesmos estariam preocupados se o arguido iria ser detido e ficar preso. Eles disseram que isso não ia acontecer, e poderá ter sido por aí uma incompreensão de que não iria dar nada.

Aqui realmente surgiu uma dúvida se estaria meramente por lapso a não compreender o que disse a GNR, ou se, diferentemente, teriam mentido.

Não nos pareceu ser este aqui o caso. Mas certamente não foi credível ao Tribunal, que quer o arguido quer as testemunhas disseram que não foi dada ordem de paragem, ou que não visualizaram a mesma.

E foi-nos credível a versão da GNR. Também, isso também é extensível às várias divergências sobre se foi ou não pedido contraprova e se foi ou não exibido ao arguido e explicados os termos.

Notando-se ainda que, evidentemente, também não se pode, com o devido respeito querer, em bom português, sol na eira e chuva no nabal.

Incumbe à GNR explicar os direitos, mas também em termos que as pessoas os compreendam, porque os termos legais e os formulários são a comunicação que tem de ser feita.

Por outro lado, podendo ser de difícil compreensão para os arguidos, é natural que os militares da GNR se exprimam em termos simples que depois também podem conduzir a dificuldades de explicação que não são imputáveis aos GNR, evidentemente, mas aos próprios arguidos, que têm o dever de também conhecer a lei.

Tudo isto ponderado leva-nos também à convicção quanto à existência dos factos.

Os considerandos quanto às suas condições económicas, sociais e pessoais, foram das declarações do arguido que neste ponto se reputaram credíveis e os seus antecedentes criminais do Certificado de Registo Criminal junto aos autos.»

C. Apreciando

C.1 Da nulidade da sentença

Interpretando o modo como o recorrente se refere à nulidade da sentença por falta de fundamentação, vem-se a constatar que este entenderá ser nula a sentença por ter sido verbalmente proferida, não estando escrita (na ata da audiência) a respetiva fundamentação. O Ministério Público refere lapidarmente na sua resposta que não há qualquer nulidade uma vez que se trata de processo abreviado, permitindo a lei que a sentença seja verbalmente proferida em audiência, ficando na ata apenas a sua parte dispositiva (a decisão), uma vez que a pena aplicada não é detentiva. Tem razão o Ministério Público e não a tem o recorrente. Com efeito a atuação do tribunal observou escrupulosamente as exigências da lei. Vejamos. Refere o artigo 379.º, § 1.º, al. a) do CPP, que é nula a sentença «que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;» O presente processo seguiu a forma abreviada, daí que por força da remissão constante do artigo 391.º-F, se lhe aplique a regra constante do artigo 389.º-A CPP, onde se dispõe que:

«1 - A sentença é logo proferida oralmente e contém:

a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;

b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;

c) Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;

d) O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º

2 - O dispositivo é sempre ditado para a ata.

3 - A sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363.º e 364.º

4 - É sempre entregue cópia da gravação ao arguido, ao assistente e ao Ministério Público no prazo de 48 horas, salvo se aqueles expressamente declararem prescindir da entrega, sem prejuízo de qualquer sujeito processual a poder requerer nos termos do n.º 4 do artigo 101.º

5 - Se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excecionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.»

A pena aplicada (pena de prisão suspensa na sua execução) não é detentiva, nisso se distinguindo da pena de prisão, na medida em que não apenas tem um conteúdo autónomo de censura, medido à luz de critérios gerais de determinação da pena concreta (artigo 71.º), assente em pressupostos específicos, como na sua categorização dogmática é uma pena de substituição, isto é, uma pena que se aplica na sentença condenatória em vez da execução de uma pena principal concretamente determinada. (4) E, bem vistas as coisas, o caso é simples. Por isso seguiu a forma abreviada de processo. Não havendo razão que exigisse, por essa via, a forma escrita. Em suma: a lei não exige que a sentença proferida em processo abreviado, em que se não aplica pena detentiva seja escrita. Sendo ainda relevante lembrar que esta simplificação da documentação da decisão (ficando na ata apenas a parte dispositiva da sentença), em nada prejudica as garantias de defesa do arguido, porquanto a este é entregue cópia da gravação, exceto se disso expressamente prescindir (§ 4.º do normativo citado).

Alega também o recorrente que a sentença é nula em razão de dela não constar o exame crítico das provas produzidas.

Com efeito, no § 2.º do artigo 374.º CPP a lei exige que na sentença o tribunal realize o «exame crítico das provas que serviram para formar a convicção», cuja inobservância, nos termos da al. a) do § 1.º do artigo 379.º determina a nulidade da sentença.

O exame crítico das provas consiste na aferição dos meios de prova e de obtenção de prova produzidos, de molde a tornar logico-racionalmente compreensíveis a força e medida que tiveram para a formação da convicção do tribunal relativamente à factualidade que tem de conhecer.

Tal não se confunde com a concordância ou discordância com os raciocínios empreendidos. Antes e apenas com a sua realização demonstrada no texto da sentença.

Ora, o extrato supra relativo justamente à motivação da sentença evidencia esse exame crítico das provas – de todas as provas produzidas -, pelo que não se verifica a apontada nulidade.

C.2 Da nulidade das provas

Alega o recorrente que a realização do teste de pesquisa de álcool no sangue não observou as prescrições legais, nomeadamente que não foi realizado teste qualitativo antes do teste quantitativo, que o aparelho não estava homologado e que não foi permitido ao arguido realizar contraprova!

Na sua resposta o Ministério Público refere que os autos demonstram a sem razão do recorrente, na medida em que lhe foram dados a conhecer os seus direitos, aliás por escrito, por ele assinado. E que a nada se obstou.

Efetivamente confrontando a documentação de fls. 6, 7, 8 e 11 dos autos, constatamos que tudo afinal se passou ao contrário do que o recorrente alega.

Demonstram os autos no documento designado de «notificação - álcool», cuja cópia foi entregue ao recorrente, se contêm os direitos e deveres do arguido, incluindo o direito de realizar contraprova e da proibição de conduzir nas 12 horas subsequentes!

Mais se demonstra que a realização do teste se iniciou por um sopro no aparelho qualitativo, seguido da realização do teste quantitativo, feitos em aparelhos distintos.

Ora, sobre o modo de realização do exame de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, no âmbito de operação de fiscalização da circulação rodoviária, regem os artigos 152.º e 153.º do Código da Estrada e os artigos 1.º a 4.º Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas (aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de maio. Os primeiros estabelecem as regras procedimentais relativas à fiscalização da condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas, a realizar pelas autoridades reguladoras e fiscalizadoras do tráfico rodoviário; e os segundos à regulamentação da utilização dos aparelhos medidores.

Nos artigos 153.º do Código da Estrada e 1.º e 2.º do referido Regulamento, sob as epígrafes: «fiscalização da condução sob influência do álcool», «deteção e quantificação da taxa de álcool» e «método de fiscalização», preceitua-se, respetivamente, o seguinte:

Artigo 153.º 1. O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito. 2. Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente: a) Do resultado do exame; b) Das sanções legais decorrentes do resultado do exame; c) De que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevalece sobre o do exame inicial; e d) De que deve suportar todas as despesas originadas pela contraprova, no caso de resultado positivo. 3. A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando: a) Novo exame, a efetuar através de aparelho aprovado; b) Análise de sangue. 4. No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efetuado. 5. Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito. 6. O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame. (…) «Artigo 1.º 1. A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efetuado em analisador qualitativo. 2. A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efetuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue. 3. A análise de sangue é efetuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo. Artigo 2.º 1. Quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos. 2. Para efeitos do disposto no número anterior, o agente da entidade fiscalizadora acompanha o examinando ao local em que o teste possa ser efetuado, assegurando o seu transporte, quando necessário. 3. Sempre que para o transporte referido no número anterior não seja possível utilizar o veículo da entidade fiscalizadora, esta solicita a colaboração de entidade transportadora licenciada ou autorizada para o efeito. 4. O pagamento do transporte referido no número anterior é da responsabilidade da entidade fiscalizadora, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 158.º do Código da Estrada.»

Destas normas decorre, com inteira clareza, que a medição qualitativa apenas indicia a presença de álcool no sangue; e que só a medição quantitativa constitui prova da Taxa Álcool no Sangue, sendo esta (e só esta) a relevante para a prática dos ilícitos criminais e contraordenacionais. Acresce, como decorre do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros (5), que se entende por «alcoolímetros» os instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado (6). Por sua vez o Instituto Português de Qualidade (IPQ) informa (7) que os chamados «alcoolímetros qualitativos ou de despiste são usados principalmente por entidades policiais, industriais e hospitalares. Este tipo de alcoolímetro permite uma utilização prática e rápida e não está sujeito a controlo metrológico». A utilização dos dois tipos de aparelhos tem a ver com razões operacionais, porquanto os aparelhos qualitativos têm uma grande portabilidade, sendo utilizados (apenas) para despiste sobre a presença de álcool no sangue. Verificada esta, transporta-se então o cidadão suspeito até ao local onde se encontra o aparelho de medição quantitativa (artigo 2.º, § 2.º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas), dispositivo este que por regra se encontra em local mais reservado, mais protegido e mais adequado à realização do exame. Mas só este exame releva para efeito da prova do ilícito, porquanto a TAS registada no medidor qualitativo tem valor meramente indicativo (não servindo de prova para nenhuma imputação criminal ou contraordenacional) (8). Para além disso, conforme decorre da lei (cf. artigo 153.º Cód. Estrada), só da TAS registada no exame quantitativo pode haver contraprova.

Importa agora precisar que no balanceamento dos valores em presença, isto é, no equilíbrio entre as garantias de defesa dos condutores e a segurança da prova daquele modo obtida, a lei estabelece duas válvulas: uma é a contraprova (artigo 153.º § 3. Cód. Estrada); e a outra é o controlo periódico dos aparelhos medidores pelo IPQ.

A estas válvulas de segurança, previstas na lei, facilmente mobilizáveis pelos arguidos, acresce a estrutura acusatória do processo (que dentre o mais distingue e separa a entidade que persegue e acusa, da que julga), a garantia jurisdicional e um processo equitativo (na medida em que o arguido dispõe de um tribunal independente e imparcial, que lhe assegura o contraditório e a mais ampla defesa). Tudo fatores equilibradores, que arredam qualquer risco de inconstitucionalidade das normas legais pertinentes, que se deixaram citadas.

Sucede que neste caso o arguido/recorrente não mobilizou – porque não quis - a primeira das citadas válvulas de segurança (a contraprova) – veja-se que no documento já citado se mostra preenchida a quadrícula «não pretender realizar contraprova».

E no concernente controlo periódico dos aparelhos medidores pelo IPQ, importa notar que só em sede de recurso o arguido de tal se lembrou! Mas também neste aspeto lhe falha a razão, conforme documenta o auto de notícia e as referências no talão indicador da TAS (cf. artigos 3.º, § 1.º e 4.º, § 1.º e 5.º do Regime Geral de Controlo Metrológico - Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de setembro - e artigo 7.º, § 2.º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros – Portaria n.º 1556/2007, de 10 dezembro). Termos em que improcede a alegada «nulidade das provas».

C.3 Erro de julgamento da questão de facto

O recorrente manifesta a sua discordância face ao juízo que o tribunal recorrido efetuou sobre a credibilidade das declarações do arguido e das testemunhas de defesa. Apesar disso de forma alguma impugna a matéria de facto, nos termos exigidos pelo § 3.º do artigo 412.º CPP! Para além dessa circunstância, não deixa igualmente de ser surpreendente que tais considerações se façam quando o arguido confessou os factos relativos à condução em estado de embriaguez! Enfim. O recorrente não concretizou os factos que terá em vista impugnar! Nem indica as provas (ou segmentos das provas) que imponham decisão diversa da que foi tomada. E nem indica porquê!

Sendo essa concretização pressuposto essencial (e impreterível) da impugnação da decisão de facto, talqualmente denotam as alíneas a) e b) do § 3.º do artigo 412.º CPP. Sempre se dirá, no entanto, relativamente à desobediência à ordem de paragem dada pelos agentes da autoridade, que o arguido resolveu não parar. Indo estacionar a cerca de 400 metros daquele local. Neste conspecto, o facto de a testemunha CC (militar da GNR) ter referido, no seu depoimento, que o local onde o arguido acabou por parar «até foi o mais indicado do ponto de vista da segurança», não significa, de modo nenhum, que não tenha desobedecido à ordem de paragem que lhe foi dada. Desobedeceu, sim. Tanto que obrigou os militares a irem atrás dele. Ademais, as razões indicadas na fundamentação da sentença quanto à decisão de facto (supra extratadas) justificam a falta de credibilidade dessa parte das declarações do arguido e das testemunhas de defesa, relativamente à desobediência à ordem de paragem. Sendo as mesmas perfeitamente compreensíveis e razoáveis, na medida em que se mostram alinhadas com a lógica das coisas e as regras da experiência comum. Por seu turno a afirmada credibilidade conferida às declarações testemunhais dos militares da GNR, mostra-se alinhada com os mesmos critérios, na exata medida em que se conhece o compromisso destes profissionais com as regras deontológicas da sua missão, sendo ademais congruentes com os dados objetivos constatados nos autos. Termos em que consideramos fixada a matéria de facto talqualmente a mesma o foi pelo Juízo recorrido.

C.4 Da contraordenação

Afirma o recorrente que não pode ser condenado pela contraordenação!

Sucede que está provado que não acatou a ordem de paragem que lhe foi dada pelos militares da GNR, no dia e nas circunstâncias do caso a que nos vimos referindo, mostrando-se preenchido o ilícito contraordenacional previsto no artigo 4.º, § 1.º e 3.º do Código da Estrada, onde se dispõe que:

«1 - O utente deve obedecer às ordens legítimas das autoridades com competência para regular e fiscalizar o trânsito, ou dos seus agentes, desde que devidamente identificados como tal.

(…)

3 - Quem desobedecer ao sinal regulamentar de paragem das autoridades referidas no n.º 1 é sancionado com coima de 500€ a 2 500€, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.»

Pelo que se mostra bem sancionado, sendo circunstanciadamente proporcionada a medida fixada à coima do respetivo ilícito de mera ordenação social.

C.5 Da medida das penas principal e acessória

O recorrente afirma que a pena de prisão suspensa na sua execução é excessiva e por isso deve ser revogada, o mesmo sucedendo com a pena de proibição de condução de veículos automóveis. Mas não indica por que razões assim considera! E tinha o dever de o fazer, conforme decorre do artigo 412.º, § 2.º al. b) CPP). O Ministério Público, por seu turno, na sua resposta – e no parecer emitido junto deste órgão jurisdicional de recurso -, expressa o entendimento que as penas (principal e acessória) pelas quais a sentença condenou o recorrente se mostram bem escolhidas e graduadas, tendo nomeadamente em conta que o arguido havia sido condenado pela prática do mesmo crime, cometido em 27/9/2020, em pena de 75 dias de multa. E apesar dessa condenação voltou agora a cometer o mesmo crime. Sendo ademais elevada a TAS que ora apresentava. Não tendo assumido em audiência comportamento indiciador de uma verdadeira interiorização da censura que a sua conduta é merecedora.

Comecemos por lembrar que a gravidade relativa dos ilícitos tomados em abstrato é dada pela moldura da respetiva pena; e não por quaisquer considerações subjetivas que a extravasem.

Percorramos então, brevemente, os princípios norteadores da escolha e medida das penas, os quais são essencialmente os seguintes:

A finalidade das penas é a de proteger bens jurídicos e reintegrar o agente na sociedade, não podendo a pena exceder a medida da culpa do infrator (artigo 40.º CP); Sendo o crime cometido punível alternativamente com pena de prisão ou com pena de multa, o tribunal deverá dar preferência a esta, desde que a mesma realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigos 70.º e 40.º CP); A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, faz-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigo 71.º do CP). Breve: dentre os limites fixados pela medida da culpa (máximo de pena) e pelas exigências (comunitárias) de prevenção geral (mínimo da pena), são as necessidades de prevenção especial que determinam o quantum concreto da pena.

Depois destas considerações acerca dos referentes normativos, aplicáveis à pena principal e à pena acessória, atentemos agora na motivação constante da sentença recorrida.

«Quanto à sanção aqui a aplicar ao arguido, diremos que a pena, temos uma pena de 1 mês a 1 ano ou multa de 10 até 120 dias. Assim sendo, cumpre desde logo ponderar a aplicação de uma pena de multa ou uma pena de prisão.

Por um lado, o arguido apenas tem um antecedente criminal registado. Sem prejuízo, temos que dizer que o arguido, por um lado, em menos de 3 anos, volta a repetir na prática criminal com uma taxa elevadíssima que pôs claramente em perigo os utentes na via pública.

Por outro lado, não existem aqui elementos que nos permitam, analisando a personalidade do arguido, da qual não retiramos nenhuma interiorização da culpa do sucedido, nenhum arrependimento demonstrado, nenhuma conduta que nos fizesse crer que existiu aqui uma verdadeira assunção do erro, e, portanto, nada que justifique aqui uma aplicação de uma pena que possa ser ainda não detentiva, ainda que, evidentemente, quando, no mínimo de 3 anos se volta a repetir com uma taxa desta gravidade, não pode deixar de ser considerado este elemento pelo tribunal face também às fortes necessidades preventivas desta comarca e ao facto de, foi claro que a primeira pena não detentiva não foi de molde a fazer o arguido interiorizar o sucedido, pelo que se opta pela pena de prisão.

Tudo ponderado, não entendemos também no entanto existir aqui a necessidade de aplicação do trabalho a favor da comunidade, dado que o Arguido não tem, que detetemos, nenhum tipo de necessidades de, digamos, de personalidade e de inserção na comunidade que necessitem de ser colmatadas por esta via e também pelos mesmo considerando não entendemos que a substituição de prisão por multa seja apta a perfazer os juízos preventivos pelas mesmas razões que não optamos pela pena de multa a título principal.

Assim sendo, entendemos que a mesma deverá ser aplicada em regime de pena suspensa. E neste conspecto, tudo ponderado, entendemos optar também dentro da mesma por, não podendo evidentemente ficarmos por uma pena nos limites mínimos, pois o arguido também já é reincidente neste tipo de crime, ou seja, já o cometeu anteriormente, mas também ainda não se justificando algo pelos limites perto dos máximos, entendemos justificar-se a pena de 6 meses de prisão suspensa pelo período de 1 ano.

No que toca à pena acessória de proibição de conduzir, temos os mesmos considerandos e temos também aquela que é, e nosso entender, a assunção de que efetivamente esta é a pena mais apta a fazer um Arguido entender a gravidade do crime que efetivamente cometeu. Ou seja, porque é aquela que é mais apta a fazer o arguido sentir as consequências da sua conduta, ao retirar-lhe a carta a fazê-lo ponderar diariamente pela privação da mesma aquela que foi a gravidade da sua conduta.

Por todo o exposto, por tudo aquilo que dissemos, não detetámos nenhum tipo de interiorização do sucedido, temos aqui uma reincidência em pouco prazo, da qual não se deteta sumariamente que a primeira pena foi de molde a colmatar esta conduta. Assim sendo entende o tribunal optar pela pena acessória de um 1 ano e 3 meses de proibição de conduzir.»

Primo – Sendo a pena principal de prisão ou de multa, o tribunal optou por aquela, divergindo da orientação preferencial, prevista no artigo 70.º CP, em razão da (ainda relativamente recente) condenação por crime idêntico, da elevada TAS e da postura em julgamento.

Releva, evidentemente, considerar que o arguido já foi anteriormente condenado pela prática, em 6/11/2020, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo sido condenado em pena de 75 dias de multa à razão diária de 7,50€ e na pena acessória de proibição de conduzir por 4 meses e meio, sentença essa transitada em julgado em 6/11/2020, cuja pena foi, entretanto, declarada extinta pelo respetivo cumprimento.

Tendo na madrugada do dia 25 de dezembro de 2022 sido novamente surpreendido a conduzir em estado de embriaguez, relevando sobremaneira a elevada TAS detetada (que era de 2,45 g/l), com a qual o arguido não podia ter deixado de se aperceber que não tinha condição para conduzir.

Por tal razão, isto é, por o arguido repetir um ilícito pelo qual já havia sido anteriormente condenado, pela elevada TAS registada e da postura em julgamento, o tribunal recorrido considerou que a pena de multa já não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, afastando a preferência legal prevista no artigo 70.º do Código Penal.

Os dados objetivos são incontornáveis e revelam que a pena que lhe foi anteriormente aplicada não foi inteiramente eficaz para a conformação da sua personalidade face aos valores tutelados pela norma penal em perspetiva, para mais face à elevada taxa de álcool no sangue de que era portador. E, neste quadro, compreende-se a opção seguida pelo tribunal a quo, de arredar a aludida preferência legal, mostrando-se igualmente ajustada a fixação da pena concreta em 6 meses, na mediana da moldura abstrata da pena (de 1 mês a 1 ano) prevista no artigo 292.º, § 1.º CP. Mas já não acompanhamos a aplicada suspensão da execução daquela pena de prisão, porque firmada num pressuposto inverificado! Refere a sentença que «analisando a personalidade do arguido, da qual não retiramos nenhuma interiorização da culpa do sucedido, nenhum arrependimento demonstrado, nenhuma conduta que nos fizesse crer que existiu aqui uma verdadeira assunção do erro»! Sucede que o arguido confessou os factos relativos à condução em estado de embriaguez. Sendo esse um facto inarredável, pelo que a referida conclusão carece de fundamento. Recordemos que as penas visam, exclusivamente, finalidades preventivas, por um lado, de manutenção e reforço da confiança da comunidade na vigência das normas jurídicas violadas (prevenção geral positiva), e, por outro lado, de reinserção do agente na comunidade, mediante a sua reeducação para o direito (prevenção especial positiva) – artigo 40.º, § 1.º CP.

Daí que no momento da escolha e determinação da pena, o julgador tenha de nortear as suas decisões em conformidade com tais objetivos, procurando encontrar uma pena e uma medida que dêem resposta às necessidades de tutela da confiança da comunidade na validade da norma infringida e de ressocialização do arguido.

Relembramos, a propósito, as preclaras palavras do filósofo iluminista do séc. XVIII marquês Cesare Beccaria: «para que uma pena tenha efeito, basta que o mal, nascido da pena, exceda o bem que nasce do delito, e é neste excedente de mal que deve ser calculada a infalibilidade da pena e a perda do bem que o delito produziria. Tudo o que é demais é, portanto, supérfluo, e por isso tirânico» (9).

Consideramos que a condenação anterior do arguido não é suficiente para se concluir que manifesta um reiterado desprezo pelos bens jurídicos protegidos; e logo que a pena de prisão seja «exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes». E, como assim, a pena curta de prisão deverá ser substituída por multa, como preconizado (exigido) pelo artigo 45.º do Código Penal (10).

Tal substituição tem de fazer-se dentro da moldura prevista no artigo 47.º, § 1.º (ex vi artigo 45.º, 2.º parte) CP (11). A ponderação das circunstâncias já referidas impõe uma pena significativamente acima do mínimo legal, não devendo exceder o meio da moldura abstrata, pelo que deverá fixar-se nos 180 dias. Sendo que em caso de incumprimento tal determinará o cumprimento da pena de prisão substituída (12). Devendo, por força das apuradas condições pessoais e económicas do arguido, fixar-se a razão diária desta multa em 6€. Secundo - O tribunal graduou a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, a que se reporta o artigo 69.º, § 1.º, al. a) CP, em 1 ano e 3 meses, dentro de uma moldura legal de 3 meses a 3 anos.

Conforme já referido as penas acessórias visam também a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Mas neste contexto da circulação rodoviária, a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, constituindo uma pena adicional à que foi aplicada a título principal, prossegue também especiais finalidades de prevenção geral negativa - de intimidação (visando aportar um contributo significativo «para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano») (13).

A sua graduação obedece às regras gerais, atribuindo a lei larga margem ao julgador para eleger os fatores relevantes a atender para a determinação da medida da pena (cf. corpo do artigo 71.º, § 2.º CP).

Consideramos que também aqui, pelas razões adiantadas acerca da TAS verificada, do antecedente criminal existente e da confissão dos factos, a medida desta pena acessória deverá quedar-se nos 8 meses (que é quase o dobro da fixada na condenação anterior).

III – DISPOSITIVO

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a) Conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, alterar a condenação pela prática do ilícito criminal de condução de veículo em estado de embriaguez, substituindo, nos termos do artigo 45.º CP, a pena de 6 meses de prisão por 180 dias de multa, à razão diária de 6€; e fixar a pena acessória de proibição de conduzir em 8 meses, mantendo no demais o fixado na sentença recorrida.

b) Sem custas (artigo 513.º, § 1.º CPP a contrario).

c) Notifique-se.

Évora, 7 de novembro de 2023

J. F. Moreira das Neves (relator)

António Condesso

Maria Clara Figueiredo

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1 Embora conste um segmento denominado «conclusões», em boa verdade elas não o são, tendo-se o recorrente limitado a abreviar uma repetição da motivação. Um convite à correção daquelas para adotar o figurino legal, sob pena de rejeição do recurso (artigo 417.º, § 3.º ex vi artigo 412.º, § 1.º CPP), dificilmente alcançaria o desiderato. A simplicidade das questões que se colocam (pese embora sejam várias) não justificará despender o hiato temporal que tal necessariamente implicaria.

Sempre se anotará que a doutrina e a jurisprudência assinalam com proficiente clareza o que devem ser as «conclusões» de um recurso: são «um resumo das questões discutidas na motivação» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2011, pp. 1136, nota 14). «Devem ser concisas, precisas e claras (…)» (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. III, Do Procedimento - Marcha do Processo, Universidade Católica Editora, 2014, pp. 335). Não podem constituir uma «reprodução mais ou menos fiel do corpo motivador, mas sim constituírem uma síntese essencial dos fundamentos do recurso» (Sérgio Gonçalves Poças, Processo penal quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, revista Julgar n.º 10, 2010, pp. 23. Neste mesmo sentido cf. acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 1set2021, proc. 430/20.1GBSSB.E1, Desemb. Gomes de Sousa; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11jul2019, proc. 314/17.0GAPTL.G1, Desemb. Mário Silva; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5abr2019, proc. 349/17.3JDLSB.L1-9, Desemb. Filipa Costa Lourenço; e do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão de 9mar2023, proc. 135/18.3SMLSB.L2-9, Desemb. João Abrunhosa.

2 Em conformidade com o entendimento fixado pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28dez1995.

3 Este Tribunal ordenou a transcrição integral da sentença para tornar absolutamente claros os contornos do que foi decidido pelo Juízo de 1.ª instância.

4 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 90-91; e Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2020 [reimpressão da edição de 2017], pp. 30.

5 Constante da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de dezembro, ao abrigo do disposto no § 1.º do artigo 1.º e do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de setembro.

6 Artigo 2.º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros (Portaria n.º 1556/2007, de 10 de dezembro).

7 CF. Instituto Português da Qualidade, entidade à qual a lei (artigo 14.º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas) defere a homologação e o controlo dos aparelhos de medição da taxa de álcool no sangue http://www1.ipq.pt/pt/metrologia/squantmateria/salcoolimetria/Paginas/LabAlcool00.aspx

8 Neste sentido cf. Ac. TRCoimbra, de 8/7/2015, proc. 171/13.6GTLRA.C1 (Des. Vasques Osório) – citado nas alegações de resposta do Ministério Público.

9 Cesare Beccaria, Dos Delitos e das Penas», 1998, Ed. Fundação Gulbenkian, p. 116.

10 Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, p. 364.

11 Neste sentido cf. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2020, Almedina, p. 80.

12 Isto é, sem a redução aplicável ao incumprimento da multa fixada a título principal – artigo 45.º, § 3.º CP.

13 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, p. 165.