Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
45/21.7PTEVR-A.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: REGISTO CRIMINAL
NÃO TRANSCRIÇÃO DE CONDENAÇÃO
Data do Acordão: 07/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O paradigma do direito penal moderno é o da reintegração na comunidade daqueles que transgrediram, para que nela se possam desenvolver como seus membros válidos.
II. Esta aquisição civilizacional, emergente do iluminismo, sintetiza o pensamento de Beccaria: «para que uma pena tenha efeito, basta que o mal, nascido da pena, exceda o bem que nasce do delito. E é neste excedente de mal que deve ser calculada a infalibilidade da pena e a perda do bem que o delito produziria. Tudo o que é demais é, portanto, supérfluo, e por isso tirânico.»

III. É neste exato sentido que a lei, acautelando as repercussões negativas que o registo criminal possa aportar ao processo de reintegração social, nomeadamente no acesso ao emprego do condenado, preconiza evitar a estigmatização de quem sofreu uma condenação por crime sem gravidade significativa, prevendo a possibilidade de não transcrição da condenação no registo criminal, fazendo depender essa possibilidade de um juízo negativo sobre o perigo de prática de novos crimes, assente nas circunstâncias verificadas e afirmadas na sentença.

IV. O que vem sendo reconhecido pela jurisprudência, em linha com a doutrina e a tendência que se regista no direito comparado.

V. Sendo esse o mesmo sentido da previsão legal afirmativa de que não cometendo o condenado novos crimes (com pena não superior a 5 anos de prisão ou relativas a certos delitos), a condenação sempre será cancelada no prazo de 5 anos (artigo 11.º da Lei n.º 37/2015).

VI. Ademais, os riscos emergentes daquele juízo, que é de prognose, mostram-se suficientemente acautelados através do mecanismo previsto no § 3.º do artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio. Na medida em que a não transcrição será revogada «automaticamente ou não produz efeitos, no caso de o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à condenação onde haja sido proferida a decisão».

VII. Sendo a arguida primária, mostrando-se bem inserida na comunidade, com notória preocupação com a construção do seu futuro, antevendo alguns espinhos do percurso, é razoavelmente seguro que nem a requerente nem a comunidade necessitem que um escolho administrativo (o registo criminal) se sobreponha às finalidades integradoras gizadas com a aplicação da pena.

Decisão Texto Integral: I – Relatório
1. AA, nascida a … de 1997, foi julgada e condenada no … Juízo (1) Local Criminal de …, no dia 2/11/2021, como autora de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artigo 292.º, § 1.º do Código Penal (CP) por referência também ao artigo 69.º, § 1.º, al. b CP, praticado no dia 31/10/202, na pena de 70 dias de multa à razão diária de 5€ e na pena acessória de proibição de conduzir por 3 meses e meio.

2. No dia 3 de fevereiro de 2022 a condenada apresentou requerimento nos autos, dirigido ao referido Juízo Local Criminal, pelo qual solicitou a não transcrição daquela pena no seu registo criminal, para tanto indicando que não tem quaisquer outros antecedentes criminais; ter o ato ilícito pelo qual foi julgada sido um ato isolado na sua vida; tendo no respetivo julgamento confessado integralmente e sem reservas os factos praticados. Mais informando que se encontra «a estagiar na área da economia», auferindo um salário de 700€ por mês; que vive com uns tios, contribuindo para as despesas domésticas com 150€ mensais, possuindo ainda um quarto arrendado em …, pelo qual despende 350€ mensais, onde habita quando não se encontra em teletrabalho.

3. Tal requerimento veio a ser indeferido, por se ter considerado não se encontrar preenchido o requisito substancial previsto no artigo 13.º, § 1.º da Lei n.º 37/2015, nomeadamente por «as circunstâncias do caso não permitem inferir a inexistência de perigo da prática de novos ilícitos da mesma natureza.»

4. Não se conformando com essa decisão dela veio recorrer o condenado, formulando as seguintes conclusões:

«1.º O tribunal recorrido violou o artigo 13º, nº 1, da Lei 37/2015, de 5 de Maio, na medida em que indeferiu o pedido de não transcrição da condenação, porquanto a arguida não tem antecedentes criminais, confessou os factos, a condenação em causa consubstancia um acto isolado e encontra-se profissional, familiar e socialmente integrada.

2.º Na realidade, a lei apenas exige que não seja efetuado um juízo de prognose desfavorável conforme certa jurisprudência, sendo quaisquer considerações acerca da gravidade do crime praticado ou à culpa do agente ilegítimas neste contexto.

Nestes termos e demais de direito deverá o presente recurso obter provimento e em consequência decidir-se em conformidade.»

5. Respondeu o Ministério Público considerando dever negar-se provimento ao recurso, em síntese, porque:

- No que respeita ao n.º 5 do artigo 10.º da Lei de Identificação Civil, como sublinhado na douta decisão recorrida, tendo a arguida sido condenada numa pena de multa, aquele averbamento não deverá resultar do teor do certificado, pelo que o pedido nessa parte não tem utilidade.

- Acresce que o Tribunal a quo considerou que se tratou de um crime de ocasião, o tipo criminal configura uma situação de perigo abstrato e a inserção social da arguida já existia na data dos factos e não foi suficiente para afastar a prática do ilícito criminal.

- Para além disso, no que respeita ao n.º 6 do artigo 10.º da Lei de Identificação Civil, na sequência de melhor ponderação, consideramos que o deferimento deverá depender de um requerimento devidamente concretizado sobre a atividade concreta (ou finalidade) que pretende exercer e que necessita da não transcrição.

- Ora, a arguida não indicou uma necessidade concreta, mesmo após o aperfeiçoamento.

- A análise do pedido depende de uma ponderação concreta da situação da requerente, conjugada com a finalidade pretendida.

- Nesta medida, o Tribunal a quo realizou uma adequada interpretação do regime previsto nos artigos 13.º, n.º 1, e 10.º, n.ºs 5 e 6, ambos da Lei n.º 37/2015, de 2 de maio.

- Pelo exposto, o recurso interposto pela arguida AA não merece provimento, devendo manter-se o Douto Despacho recorrido.»

6. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância de recurso, secundou a posição já sustentada na resposta ao recurso.

7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, § 2.º do CPP nada se acrescentou.

Cumpre agora apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A. Delimitação do objeto do recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP). (2)

De acordo com as conclusões do recurso em apreço, verificamos que a única questão trazida a esta instância de recurso, se cinge à aferição da verificação dos pressupostos legais da decisão de não transcrição da condenação do requerente no registo criminal.

B. O despacho judicial recorrido tem o seguinte teor:

«Conforme bem sintetiza o acórdão do Tribunal da Relação de Évora por acórdão de 22/02/2022, proc. 23/15.5T9MRA-A, rel. Moreira das Neves, a decisão de não transcrição depende da verificação de “três requisitos, sendo dois de carácter formal e outro de cariz material: condenação em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade; inexistência de condenação anterior por crime da mesma natureza; e que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes. O juízo de prognose acerca do comportamento futuro do (arguido/condenado), relativamente ao aludido requisito material, não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada, como espécie do mesmo género que se exige para a suspensão da execução da pena de prisão”.

No caso dos autos, verificam-se os requisitos formais na medida em que, consultado do certificado de registo criminal, a arguida apenas foi condenada nos presentes autos em pena de multa.

Resta ponderar o aludido requisito material.

A arguida foi condenada pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Resulta da sentença condenatória o circunstancialismo da prática do ilícito, tendo assumido que ingeriu “bebidas alcoólicas numa festa e, na sequência, resolveu efectuar a condução automóvel com destino a casa pois estava a chover e o percurso ser curto (cerca de sete minutos) […] Acrescentou que sabia que não podia conduzir após a ingestão de bebidas alcoólicas mas quis fazê-lo, como fez”, tendo sido interceptada pelas 1,656 g/l.

Ora, tendo em consideração a natureza do ilícito, resultou demonstrado que a condenada decidiu praticar o aludido crime naquele circunstancialismo, sendo o crime em causa, a mais das vezes, um crime de ocasião, uma decisão imponderada que gera na comunidade um perigo juridicamente insustentável e inadmissível, priorizando o condutor o seu próprio interesse face à demais comunidade. Ora, como crime de ocasião, as circunstâncias do caso não permitem inferir a inexistência de perigo da prática de novos ilícitos da mesma natureza, sendo certo que a integração social da arguida não mudou desde o momento da condenação, circunstancialismo que não a impediu de praticar o ilícito no primeiro momento.

Donde, ponderado o circunstancialismo do caso, entende o Tribunal que as suas circunstâncias permitem inferir o perigo da prática de novos crimes, razão pela qual se indefere, ao abrigo do artigo 13.º, n.º1 da Lei n.º 37/2015, o pedido de não transcrição da condenação, restando à arguida aguardar pelo decurso do prazo de cancelamento de tal averbamento.

Notifique.»

C. Da não transcrição da condenação no registo criminal

Sustenta a recorrente, no essencial, estarem verificados os requisitos previstos no § 1.º do artigo 13.º da Lei da Identificação Criminal (Lei n.º 37/2015, de 5 de maio).

O Ministério Público começou por se mostrar favorável à pretensão da requerente (no contraditório exercido quanto ao requerimento dirigido a Juízo), passando posteriormente a sufragar o entendimento expresso no despacho recorrido.

Dispõe o normativo citado que:

«1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º

(…)»

Preceituando os normativos indicados no inciso final da norma que se transcreveu, que:

«5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, devem conter apenas:

a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou atividade ou interditem esse exercício;

b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo;

c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respetivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.

6 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.»

Como decorre do primeiro dos retábulos citados, são três os requisitos para a não transcrição da sentença condenatória nos certificados a que se referem os § 5.º e 6.º do artigo 10.º, sendo dois de caráter formal e outro de cariz material:

- Que a condenação tenha sido em pena de prisão até 1 ano; ou em pena não privativa da liberdade;

- Que o arguido (se estivermos no momento da sentença) ou o condenado (3) (se após o trânsito da decisão condenatória) não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza;

- E que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.

Não oferecendo qualquer dúvida a verificação dos dois requisitos formais, na medida em que a arguida foi condenada numa pena não privativa da liberdade e não registava antecedentes criminais.

E consideramos, em contrário ao que veio a decidir-se no despacho recorrido, que também o terceiro requisito se mostra verificado.

E porquê?

O que a lei exige é que o juiz revisite as circunstâncias que acompanharam o crime, para delas extrair se das mesmas se infere o perigo de prática de novos crimes, juízo este que abstrai da gravidade do crime praticado e da culpa respetiva - por isso já ter sido tratado em devido tempo, no julgamento do caso. A lei faz, pois, depender a não transcrição da condenação no registo criminal de um juízo negativo sobre o perigo de prática de novos crimes. Não podendo este juízo material deixar de assentar nas circunstâncias já então verificadas. Isto é, não pode inferir-se agora um perigo que então se não revelava! Com efeito, na aferição do juízo negativo exigido sobre o perigo de prática de novos crimes, afirma-se na decisão recorrida, que «tendo em consideração a natureza do ilícito, resultou demonstrado que a condenada decidiu praticar o aludido crime naquele circunstancialismo, sendo o crime em causa, a mais das vezes, um crime de ocasião, uma decisão imponderada que gera na comunidade um perigo juridicamente ,insustentável e inadmissível, priorizando o condutor o seu próprio interesse face à demais comunidade.» Ora, a leitura que o tribunal agora faz (no despacho recorrido) da factualidade da sentença, contraria, de certa forma, a valoração que dela então se fez! Com efeito, na ponderação sobre a espécie de pena a aplicar o tribunal a quo, considerou então, na sentença, que a pena (alternativa) de multa aplicada realizava «de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (…) Levando em conta as circunstâncias em que foi praticado o ilícito, considerando que a arguida não tem antecedentes criminais, pensamos que a censura jurídica formalizada na aplicação de uma pena de multa ainda constitui advertência bastante para aquela, não se vislumbrando resistência social à aplicação dessa mesma pena.» A mais de que (apenas agora) se desvaloriza o programa politico-criminal de reinserção criminal da condenada na comunidade (artigo 40.º, § 1.º CP)! Atentemos agora no que parece ser realmente decisivo. A arguida é uma jovem que cometeu um erro, pelo qual foi devidamente sancionada, através de uma pena que se considerou ajustada às circunstâncias do crime cometido.

Não tinha então (em 31/10/2021 – data da prática do ilícito) - como não tem agora - qualquer outro antecedente criminal. Mostra-se bem inserida na comunidade, sendo notória a sua preocupação com a construção do seu futuro, antevendo alguns espinhos do percurso, dentre os quais os efeitos deletérios que poderão advir do registo da referida condenação. Seguro nos parece que nem a requerente nem a comunidade necessitam que um escolho administrativo se sobreponha às finalidades integradoras gizadas com a aplicação da pena. A jurisprudência vem sublinhando a razão de ser da possibilidade prevista na lei relativa à não transcrição das condenações por crimes de pequena gravidade, dizendo que: «se destina a evitar a estigmatização de quem sofreu uma condenação por crime sem gravidade significativa e as repercussões negativas que a divulgação da condenação pode carretar para a reintegração social do delinquente, nomeadamente no acesso ao emprego.» (4) Vem-se também assinalando que o requisito material a que nos vimos referindo, se reporta «às circunstâncias que acompanharam o crime, bastando estas para a realização do juízo pretendido. O poder determinar a não transcrição em despacho posterior à sentença não significa que o tribunal esteja legitimado a exigir a verificação de pressupostos adicionais e que os requisitos instituídos na norma se transformem em elementos de aferição de bom comportamento, só alcançável com o cumprimento integral da pena. De resto, os riscos de tal juízo, que é de prognose, resultam sempre acautelados com o mecanismo do artigo 13.º, n.º 3, em que a autorizada não transcrição é revogada automaticamente, ou então não produz efeitos, se o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à decisão condenatória proferida nos autos.» (5) Nesta mesma linha o acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, que a decisão recorrida cita, expressa não apenas idêntico entendimento sobre o requisito material a que nos vimos referindo, mas ali também se indica o longo caminho que nesta matéria se vem trilhando desde os tempos do ferrete com que se marcavam os criminosos para toda a vida. O paradigma do direito penal moderno é o da reintegração na comunidade daqueles que transgrediram, para que nela se possam desenvolver como seus membros válidos. Esta aquisição civilizacional, emergente do iluminismo, sintetiza a lição de Beccaria, quendo referia: «para que uma pena tenha efeito, basta que o mal, nascido da pena, exceda o bem que nasce do delito. E é neste excedente de mal que deve ser calculada a infalibilidade da pena e a perda do bem que o delito produziria. Tudo o que é demais é, portanto, supérfluo, e por isso tirânico.» (6) No especialmente concernente à publicidade das decisões judiciais condenatórias Figueiredo Dias (7) assinalava há já mais de 30 anos, os efeitos estigmatizantes e dessocializadores que dela decorrem. Colocando então em evidência a tendência que já se registava no direito comparado, de se restringir ao mínimo indispensável o conteúdo da informação relativa a antecedentes criminais facultado a terceiros. Preconizando que o conhecimento deles deveria ser relativamente amplo para os tribunais, para o Ministério Público e para os serviços de reinserção social e policiais; mas parcimonioso relativamente a outras entidades. É este, justamente, o caminho que a legislação nacional vem trilhando, com a mira no propósito ressocializador dos condenados. Sendo também por isso que a lei prevê que não cometendo o condenado novos crimes (com pena não superior a 5 anos de prisão ou relativas a certos delitos), a condenação em referência sempre será cancelada no prazo de 5 anos (artigo 11.º da Lei n.º 37/2015). A finalidade ressocializadora das penas (artigo 40.º CP) não constitui uma mera proclamação vazia de significado, antes encerra um princípio fundamental otimizador, uma marca civilizacional, que vai muito para além da burocracia judiciária. Exigindo que se seja consequente. No caso ora em apreço temos por demonstrado que a recorrente, que é uma jovem com 25 anos de idade, cometeu há cerca de um ano e meio um crime de pequena gravidade; não tendo cometido qualquer outro, nem antes nem depois dessa condenação. E vem fazendo o seu caminho, bem integrada na família e na comunidade: trabalha, procurando melhorar a sua vida. Sendo neste exato contexto que vem requerer a não transcrição daquela condenação no registo criminal. Ora o que se espera de um processo de ressocialização de sucesso é o esforço que notoriamente se evidencia por banda da requerente. Daí que a revogação da decisão de que se recorre, mais que mera opção por uma possibilidade legal, é antes um imperativo de justiça. Sendo o recurso merecedor de integral provimento.

III – Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em:

a) Revogar a decisão recorrida; e,

b) Determinar a não transcrição no registo criminal da condenação de AA, operada nos presentes autos, nos termos do artigo 13.º, § 1.º da Lei 37/2015 de 5 de maio.

c) Sem custas (artigo 513.º, § 1.º CPP a contrario).

Évora, 12 de julho de 2023

J. F. Moreira das Neves (relator)

Maria Margarida Bacelar

Maria Filomena Soares

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1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do respetivo Juízo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, entendendo-a por isso preferível (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ).

2 Cf. acórdão do STJ n.º 7/95, de 19/10/1995 (Fixação de Jurisprudência), publicado no DR, I-A, de 28/12/1995.

3 Terminologia alinhada com as demais leis relativas ao processo criminal. Antes do trânsito em julgado de decisão condenatória há «arguido»; mas após o trânsito em julgado de sentença condenatória, aquele que foi arguido, deixa de o ser, passando a «condenado», assim devendo ser designado (cf. p. ex. artigos 51.º a 56.º, 62.º e 63.º CP; e 477.º ss. CPP).

4 Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 7jun2016, proc. 907/12.2PBFAR.E1, da pena do Desemb. António João Latas.

5 Acórdão do TRCoimbra, de 6mai2020, Desemb. Helena Bolieiro. No mesmo sentido cf. acórdão TRÉvora, de 5dez2017, proc. 1580/14.9PBSTB-A.E1, Desemb. Renato Barroso; acórdão do TRCoimbra, de 2fev2022, proc. 174/19T9CTB-A.C1, Desemb. Paulo Guerra; acórdão TRGuimarães, de 20jan2014, proc. 1454/00.0TBBRG-A.G1, Desemb. Ana Teixeira.

6 Cesare Beccaria, dos Delitos e das Penas, 1998. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 116.

7 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pp. 648 ss.