Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1798/22.0T8STB.E2
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: CASO JULGADO FORMAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I) Tendo sido determinado na sentença a publicação da decisão, após trânsito em julgado, com indicação do fundamento legal e especificação do modo como seria feita, tal decisão não constitui decisão genérica ou tabelar, como sucede com os despachos que genericamente declaram verificados determinados pressupostos da instância, que não formam caso julgado no processo e, posteriormente, ainda podem ser apreciados.
II) Assim, e não tendo os onerados com a publicação recorrido deste excerto decisório, impugnando a decisão de publicação e/ou arguindo a sua falta de fundamentação, tal decisão constitui caso julgado formal no processo.
III) Transitada em julgado a sentença, a secretaria procede à elaboração de edital e anúncios para publicação, sem necessidade de despacho prévio, nem audição das partes, para fixação do seu teor.
IV) Discordando do teor do extracto elaborado para publicação têm as partes a faculdade de reclamar para o juiz, pedindo a sua alteração ou rectificação.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7 e A8, deduziram procedimento cautelar, ancorado no direito de acção popular, contra Seven Properties, Sociedade de Investimentos Imobiliários, S.A., requerendo a restituição provisória da posse da parcela de terreno que ladeia as margens da Ribeira da Ajuda, terraplanada à mesma cota, com área de cerca de 8.000m2, delimitada a norte, sul e poente pela EN 10-4, e a nascente pelo Rio Sado e pela arriba em que termina o logradouro do Palácio da Comenda e que constitui o Parque de Merendas da Comenda.
Como consequência da pedida restituição, pretendiam que a Requerida ficasse obrigada, em trinta (30) dias, a repor as condições pré-existentes a 27/09/2021, nomeadamente, retirando os portões e as vedações colocadas em perímetro do Parque de Merendas da Comenda e a repor todo o equipamento público que compunha o dito parque em data anterior a 27/09/2021, nomeadamente, mesas, bancos, assadouros, equipamento do parque infantil e instalações sanitárias e, por fim, a abster-se da prática de actos que impeçam o livre acesso da população ao referido Parque, tudo acrescido de sanção pecuniária compulsória diária de €1.000,00, por cada dia de atraso no cumprimento dessa decisão.

2. Em 6 de Julho de 2022 foi proferida sentença, na qual se decidiu:
«Face ao exposto, de acordo com a demonstração fáctica realizada e direito supra mencionado, indefiro o pedido de tomada de providência cautelar, dele absolvendo a requerida.
Custas pelos requerentes (art.º 527.º e 539.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil e n.º 3 do art.º 20.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto), fixadas em 1/3 (um terço), em relação ao disposto no art.º 7.º n.º 4 e tabela II anexa ao RCP: 1 UC.
A presente decisão abrange os titulares dos direitos ou interesses que não tiverem exercido o direito de se auto-excluírem da representação.
Após trânsito, a expensas dos Requerentes, cumpra-se o disposto no art.º 19.º n.º 2 da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, sendo os anúncios: um por éditos de estilo e outro por publicitação de éditos no jornal local de maior tiragem na região de Setúbal.
Registe e notifique.»

3. Inconformados, apelaram os requerentes, impugnando a matéria de facto e de direito, aqui “incluindo a problemática do caso julgado com a acção n.º 190/05.6TBSTB, dos requisitos para o decretamento da providência, das inconstitucionalidades e da isenção de custas de que gozariam os Autores …”, tendo o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 24 de Novembro de 2022, negado provimento ao recurso e confirmado a sentença recorrida, com excepção da condenação em custas, por os AA. estarem isentos.

4. Deste aresto foi interposto recurso de revista pelos requerentes, admitido com fundamento nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil (violação do caso julgado e contradição do acórdão recorrido com outro), que culminou com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Abril de 2023, que julgou improcedente o recurso, com nota de trânsito em julgado em 12 de Maio de 2023.

5. Devolvidos os autos à 1ª Instância foi elaborado o edital e os anúncios, que foram remetidos aos requerentes/AA. para publicação, “na sequência do cumprimento do trânsito em julgado da sentença” (cf. notificações expedidas em 12/06/2023).

6. Em 16/06/2023, apresentaram os requerentes requerimento nos autos, no qual invocam, que “as publicações requeridas, ao abrigo do n.º 2º do art.º 19.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, não têm qualquer justificação legal, não sendo, por conseguinte devidas na presente fase processual”, argumentando que, “… não passando os autos de providência cautelar de um procedimento de antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado do processo principal – acção popular a propor – e sendo a decisão nele proferida provisória por natureza, não têm justificação legal as publicações ora ordenadas”, acrescentando que, “ainda que se entendesse que as decisões proferidas em sede de procedimento cautelar estão sujeitas às publicações previstas no n.º 2 do art.º 19.º da LAP, o que se admite sem conceder, sempre a proposta de anúncio teria que ser precedida do exercício do contraditório das partes”.

7. Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho, de 04/07/2023 (despacho recorrido):
«Req. de 16/06/2023:
A decisão que determinou a publicitação dos anúncios foi proferida em 06/07/2022, a
qual se encontra transitada, nada mais havendo a determinar nessa sede, pelo que se indefere o
requerido.
Notifique-se.»

8. Inconformados interpuseram os requerentes/AA. o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que condensaram nas seguintes conclusões:
1.ª O texto do anúncio notificado em 12 de Junho de 2023 não foi fixado por qualquer despacho proferido nos autos;
2.ª As partes também nunca foram notificadas para exercerem o seu contraditório, quer quanto à legalidade de publicação de tal anúncio, quer quanto ao texto do anúncio a ser publicado;
3.ª O despacho recorrido, ao recusar tratar uma questão suscitada no requerimento dos AA. – a proposta de anúncio teria que ser precedida do exercício do contraditório das partes, o que no caso não sucedeu – incorreu em omissão de pronúncia, e como tal é nulo – art.º 615.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil;
4.ª O caso julgado formal não se verifica em relação a decisões tabelares ou genéricas proferidas no processo;
5.ª A inserção de um parágrafo, na última página da sentença – já após o dispositivo e a decisão de custas – ordenando a publicação de anúncios, não integra o conceito legal de “sentença”;
6.ª A inserção de tal parágrafo, porque decide questão sobre a qual as partes não tiveram a oportunidade de exercer o seu contraditório, e sobre a qual a sentença não exerceu qualquer fundamentação, não passa de inserção de “despacho anómalo”, porque não integrante do objecto da sentença – tal como este conceito está definido no art.º 152.º n.º 2, e no art.º 607.º n.ºs 2, 3 e 6, do Código de Processo Civil;
7.ª A publicação de anúncios ao abrigo do art.º 19.º n.º 2 da Lei n.º 83/95, nunca integrou a causa de pedir formulada neste procedimento cautelar, nem o pedido formulado pelos Requerentes;
8.ª Assim, as partes nunca exerceram nos seus articulados o seu contraditório quanto a esta questão específica;
9.ª A sentença também não identificou essa questão no objecto do litígio, e não realizou, sequer, qualquer fundamentação sobre esse tema;
10.ª E porque não está minimamente fundamentado, tal despacho de publicação de anúncios é meramente tabelar ou genérico, e não forma assim caso julgado formal;
11.ª Acresce que tal despacho está incompleto: para os fins do art.º 19.º n.º 2 da Lei n.º 83/95, não basta tomar a decisão de publicação anúncios, há que decidir qual o texto a ser publicado, após o devido contraditório das partes;
12.ª O caso julgado formal não ocorre em relação a uma inexistência jurídica – não existe qualquer despacho no processo fixando o texto do anúncio a ser publicado;
Deve, pois, ser concedido provimento ao recurso, declarando-se a nulidade do despacho recorrido, por omitir pronúncia sobre questão que deveria conhecer, e revogar-se o despacho recorrido, porque não ocorre qualquer caso julgado formal quanto à questão de publicação de anúncios, para os fins do art.º 19.º n.º 2 da Lei n.º 83/95.

9. Contra-alegou a requerida, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção do despacho recorrido.

10. Admitido o recurso, remetidos os autos a esta Relação e colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(1) Da nulidade da decisão recorrida;
(2) Do caso julgado formal da decisão de publicitação da decisão do procedimento cautelar constante da sentença; e
(3) Da alegada violação do contraditório.
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
Com interesse para a apreciação e decisão do recurso relevam as ocorrências processuais referidas no relato dos autos.
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B) – O Direito
1. A recorrente discorda do despacho recorrido, começando por invocar a nulidade do mesmo, por omissão de pronúncia, alegando que invocou que a proposta de anúncio teria que ser precedida do exercício do contraditório das partes, o que no caso não sucedeu, não tendo o tribunal emitido pronúncia sobre esta matéria.
Vejamos:
2. De acordo com a 1.ª parte da alínea d), do n.º 1, do art.º 615.º do C. P. Civil, a sentença é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
Efectivamente, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (cf. artigo 608º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
E a decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Tem sido entendimento pacífico da doutrina e na jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.
Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do artigo 615º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Daí que, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.

3. No caso em apreço, os ora recorrentes, como se vê do requerimento de 16/06/2023, manifestaram a sua pretensão no sentido da não publicitação da decisão ordenada na sentença, por entenderem que “as publicações requeridas, ao abrigo do n.º 2º do art.º 19.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, não têm qualquer justificação legal, não sendo, por conseguinte devidas na presente fase processual.”
Esta foi, verdadeiramente, a pretensão dos recorrentes manifestada no dito requerimento e foi sobre esta pretensão, e não sobre a questão de a proposta de anúncio ter que ser precedida do exercício do contraditório, que recaiu a decisão recorrida, tendo o julgador decidido que nada mais tinha a determinar, porque a decisão que determinou a publicitação dos anúncios foi proferida em 06/07/22 e transitou em julgado.
Mas ainda que assim se não entendesse e se considerasse que a alusão à necessidade de audição das partes quanto à proposta de anúncio era questão que integrava o fundamento da pretensão dos recorrentes, não ocorreu qualquer omissão de pronúncia, porquanto, na interpretação que se faz do despacho recorrido, resulta o entendimento do julgador no sentido de que, em face do trânsito da decisão que determinou a publicitação dos anúncios, nada mais havia a determinar quanto à questão da publicitação dos anúncios, o que abarca todas questões relacionadas com a dita publicitação.
Questão diferente é a de saber se esta foi a decisão correcta, mas tal tem a ver com o mérito da decisão, o erro de julgamento, e não com as nulidades da mesma.
Por conseguinte, improcede a dita nulidade.

4. A questão central enunciada no recurso tem a ver com o trânsito em julgado da decisão de publicitação da decisão cautelar inserida no dispositivo da sentença, que os recorrentes entendem não formar caso julgado (formal), por não integrar a causa de pedir formulada no procedimento cautelar, nem o pedido formulado pelos requerentes, e não estar minimamente fundamentada, sendo o despacho de publicação meramente tabelar ou genérico.
Recorde-se que o Tribunal a quo decidiu pela sentença de 06/07/2022, entretanto transitada em julgado, que: “Após trânsito, a expensas dos Requerentes, cumpra-se o disposto no art.º 19.º n.º 2 da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, sendo os anúncios: um por éditos de estilo e outro por publicitação de éditos no jornal local de maior tiragem na região de Setúbal”.
Na base do assim decidido encontra-se o disposto no artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto (Lei do Direito de Participação Procedimental e Acção Popular), que prescreve que: As decisões transitadas em julgado são publicadas a expensas da parte vencida e sob pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados no seu conhecimento, à escolha do juiz da causa, que poderá determinar que a publicação se faça por extracto dos seus aspectos essenciais, quando a sua extensão desaconselhar a publicação por inteiro.”
A decisão de publicitação da sentença, ínsita no dispositivo da decisão final, encerra em si a ponderação de que a causa cautelar está abrangida pela obrigatoriedade de publicação a que a norma se reporta, porquanto o procedimento foi instaurado ao abrigo da legitimidade popular a que a referida lei dá corpo, em cumprimento do direito de petição e direito de acção popular, consagrado no artigo 52º da Constituição, sendo que “a decisão abrange os titulares dos direitos ou interesses que não tiverem exercido o direito de se auto-excluírem da representação” (cf. n.º 1 do citado artigo 19º), como se concluiu na sentença.
Acresce que o excerto decisório em causa, não se limita a mandar publicar a decisão, pois, invoca o fundamento legal para tal decisão de publicação e especifica os termos que a publicitação deve observar.
Ou seja, a decisão em causa não se basta com a mera ordem de publicação, funda-se na lei e regula os termos da respectiva publicação, pelo que não pode ser tida como decisão genérica ou tabelar, como sucede com os despachos que genericamente declaram verificados determinados pressupostos da instância, que não formam caso julgado no processo e, posteriormente, ainda podem ser apreciados.
É certo que o dito inciso decisório não constitui decisão do mérito da causa, não incidindo sobre a regulação da relação material controvertida propriamente dita, mas é por isso mesmo que não tem eficácia de caso julgado material, mas apenas de caso julgado formal, como decorre das disposições conjugadas dos artigos 619º, n.º 1, e 620º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

5. Acresce referir que os recorrentes, embora tenham interposto recurso da sentença, que indeferiu o procedimento cautelar, para a Relação e desta para o Supremo Tribunal de Justiça, não impugnaram a decisão de publicação.
E até se compreende que o não tenham feito, pois, como pretendiam que o procedimento fosse decretado tinham inegável interesse na publicitação da decisão final.
Porém, salvo o devido respeito, deviam ter acautelado a possibilidade de a decisão de improcedência ser confirmada, e, nessa medida, impugnado a decisão quanto à questão da publicação da decisão, por entenderem, como agora dizem, que as decisões cautelares não devem ser publicadas.
E, se entendiam, como também parece ser o caso, que a decisão não estava devidamente fundamentada, deveriam ter arguido a respectiva nulidade no recurso, nos termos previstos nos artigos 615º, n.º 1, alínea c), e 4, do Código de Processo Civil.
Não o tendo feito e transitada em julgado a decisão final, consolidou-se, por via do caso julgado formal, a decisão de publicação, como determinado na sentença.

6. A ser assim, como entendemos que é, invocam os recorrentes que deveriam ter sido ouvidos, em exercício do contraditório, quanto ao teor dos anúncios.
Como se sabe, como concretização prática do princípio constitucional do processo equitativo (artigo 20º, nº 4 da Constituição) e corolário do princípio da igualdade (artigo 13º), o Código de Processo Civil consagra o princípio do contraditório, nos termos tradicionalmente aceites, estipulando no seu artigo 3º que «o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição» (n.º 1), e circunscrevendo a «casos excepcionais previstos na lei a possibilidade de ser adoptada uma providência contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida» (n.º 2).
Com este alcance, o preceito do Código reflecte a estrutura dialéctica e polémica do processo, visando assegurar um direito de resposta a qualquer das partes quanto às posições assumidas no processo pela contraparte e, portanto, em relação a qualquer acto processual (requerimento, alegação ou acto probatório) apresentado pelo outro interveniente.
A reforma de 1996/1997, através do aditamento a esse artigo de um novo comando (n.º 3), mantido no código actualmente vigente, acentuou a relevância concedida à garantia do contraditório no aspecto relativo ao direito de resposta, impondo ao juiz o «dever de observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório», com a consequência de não lhe ser lícito, «salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
Por outro lado, não pode deixar de reconhecer-se que a regra decorrente do citado artigo 3º, n.º 3, que integra um princípio de proibição da decisão surpresa, tem uma função essencialmente programática, conferindo ao juiz, fora dos casos em que a audição da contraparte esteja expressamente prevista, o dever de verificar, em função das circunstâncias do caso, a conveniência de as partes se pronunciarem sobre qualquer questão de direito ou de facto que possa ter relevo para a apreciação e resolução da causa (quanto ao carácter programático da imposição constante do artigo 3º, n.º 3, 1ª parte, do Código de Processo Civil, Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1997, pág. 48).
Como salienta Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 2ª edição, pág. 9), esta vertente do princípio tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado, pois as que estejam na disponibilidade exclusiva das partes, tal como as que sejam oficiosamente cognoscíveis mas na realidade tenham sido levantadas por uma das partes, são naturalmente objecto de discussão entes da decisão, sem que o facto de a parte que as não tenha levantado não ter exercido o direito de resposta (desde que este lhe tenha sido facultado) implique falta de contraditoriedade. Antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz de convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho saneador, sentença, instância de recurso).
A violação do contraditório constitui nulidade sancionada nos termos previstos no artigo 195º e segs. do Código de Processo Civil.

7. Ora, no caso em apreço, assente que está que a decisão deve ser publicitada, nos concretos termos enunciados na sentença, a publicação não constitui decisão surpresa.
Por outro lado, a elaboração do edital e dos anúncios, a remeter à parte para publicação, constitui mero acto de execução pela Secretaria, em cumprimento da ordem judicial emanada da sentença, não resultando da lei qualquer obrigação de audição prévia ao cumprimento da decisão judicial para acertar com as partes o teor dos anúncios, nem tal se justifica.
Na verdade, a decisão de publicação estava tomada e discordando as partes do teor dos anúncios remetidos pela secretaria para publicação, tinham ao seu dispor a faculdade de reclamação prevista no artigo 157º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
Ora, no caso em apreço, no requerimento de 16/06/2023, o que os recorrentes invocaram foi a necessidade de audição prévia quanto à proposta de anúncios, e não o seu desacordo quanto ao teor dos mesmos ou desconformidade em relação ao decidido no processo.
Por conseguinte, não ocorreu a invocada violação do contraditório.

8. Invocam ainda os recorrentes que a elaboração dos anúncios não foi precedida de qualquer despacho do juiz a fixar o seu conteúdo.
Trata-se de questão nova que não foi antes colocada pela parte perante o Tribunal recorrido, motivo pelo qual, não sendo questão de conhecimento oficioso, não pode ser conhecida em recurso, pois, como se sabe, os recursos visam apenas a impugnação das decisões judiciais, não sendo lícito às partes a invocação, em sede de recurso, de questões novas, que não tenham sido objecto de apreciação na decisão sobre a qual incide o recurso.
Na realidade, é constante a jurisprudência a lembrar que os princípios que regem os recursos definem estes como meios de obter a reforma das decisões dos tribunais recorridos, e não como vias jurisdicionais para alcançar decisões novas. Ou seja, os recursos, em regra, visam apenas modificar as decisões recorridas e não apreciar questões não decididas pelo tribunal a quo [cf., entre muitos outros, Acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 04/12/2008 (proc. n.º 08P2507), e acórdão da Relação de Coimbra de 23/05/2012 (proc. n.º 268/10.4GCLSA.C1), disponíveis em www.dgsi.pt].
De todo o modo, sempre se dirá, que embora não tenha havido despacho prévio do juiz a fixar o teor do edital e anúncios, os mesmos estão assinados pelo juiz, nos termos legais, o que constitui manifestação de concordância com os mesmos.

9. Assim, improcede a apelação, mantendo-se em consequência o despacho recorrido.
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter o despacho recorrido.
Sem custas por os Apelantes estarem isentos.
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Évora, 7 de Novembro de 2023
Francisco Xavier
Albertina Pedroso
Ana Pessoa
(documento com assinatura electrónica)