Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
78/21.3 T8NIS-A.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: PROVAS
CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 11/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) implica também o direito à prova, que engloba a possibilidade de cada parte propô-la e produzi-la.
II. Tendo o cadastro geométrico do concelho de Nisa, onde se localizam os prédios em causa nos autos, sido organizado em conformidade com a disciplina do DL 12451, de 9 de Outubro de 1926, não é de atribuir força probatória plena aos elementos por ele documentados quanto à exacta delimitação e área dos mesmos.
III. Suscitando-se dúvidas quanto à interpretação das figuras - extratos do cadastro - e colocada questão pela Câmara Municipal de Nisa não respondida pela DGT no ofício enviado, deve ser deferido requerimento da parte no qual solicita a audição em audiência do Sr. Eng.º que aquele subscreve a fim de nela prestar esclarecimentos.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 78/21.3 T8NIS-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre
Juízo de Competência Genérica de Nisa


I. Relatório
(…) e mulher, (…), vieram instaurar contra (…) e (…) e mulher, acção declarativa constitutiva, visando preferir na venda que o 1.º R. fez ao 2.º R. marido tendo por objecto o prédio rústico sito em Tapada da (…), freguesia de N.ª Sr.ª da Graça, concelho de Nisa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nisa sob o n.º (…) da referida freguesia e aí inscrito a favor do vendedor, tendo alegado como fundamento do direito a preferir a titularidade do direito de propriedade sobre o prédio rústico confinante que identificaram, que dizem ter adquirido mediante negócio de permuta e usucapião, que expressamente invocaram.

Citados os RR, defenderam-se por excepção, tendo invocado a nulidade do negócio de permuta celebrado entre o A. e os anteriores proprietários do prédio, para além do que o R. adquirente é dono de prédio confinante com o rústico objecto da preferência, tudo conduzindo à sua absolvição dos pedidos. Mais deduziram pedido reconvencional, pedindo a declaração de nulidade do negócio de permuta celebrado entre o A. marido e os transmitentes do prédio rústico por aquele adquirido, cuja intervenção principal provocaram nos autos.
Os AA replicaram e, para o que ora releva, pronunciaram-se na réplica quanto à matéria de excepção, alegando que entre o prédio de que os RR. adquirentes se arrogam donos e o prédio objecto do contrato de compra e venda celebrado existe um caminho público com a largura de 4/5 metros e com uma extensão de 40/50 metros, não sendo, portanto, e ao invés do alegado, confinantes.
Juntaram declaração da União das Freguesias de Espírito Santo, Nossa Senhora da Graça e São Simão, atestando a natureza pública do caminho existente entre os prédios “rústico registado com o artigo matricial (…), secção (…), da freguesia de Espírito Santo, Nossa Senhora da Graça e São Simão, e o prédio (…), secção (…), da mesma freguesia”, fazendo “a ligação da estrada nacional (…) à estrada nacional (…) e vice versa”.

A solicitação do Tribunal, a DGT (Direcção Geral do Território) enviou a juízo o ofício com a Ref.ª DRC/OFI/0130/2002 que consta de fls. 44v.º a 45v.º, subscrito pelo Sr. Eng.º Geólogo (…), no qual se refere, para além do mais, “(…) verifica-se que os prédios inscritos na matriz cadastral sob o artigo (…) secção (…) e sob o n.º (…) da secção (…) são parcialmente confinantes” e “o caminho representado encontra-se incluído na área, como sua parte integrante, do prédio rústico n.º (…) secção (…)”, tendo ainda acrescentado que a natureza/dominialidade dos caminhos, pública ou privada, é matéria do leque de competências das autarquias locais, pelo que não pode a DGT pronunciar-se sobre a mesma”.
Notificados, vieram os AA declarar que não aceitavam o teor e conclusões do aludido ofício, requerendo a notificação da DGT para vir aos autos esclarecer as questões que então formularam, designadamente “porque razão o prédio (…) é o único que passa para o outro lado do caminho e fica possuidor (…) da berma contrária?” ou, em alternativa, a notificação do Sr. Eng.ª (…) para comparecer na audiência final em ordem a prestar, entre outros, os esclarecimentos solicitados [Ref.ª 43943673].
Os RR, em resposta, pronunciaram-se no sentido de a resposta da DGT ser inequívoca, nada havendo portanto a esclarecer, não podendo os AA “contestar os juízos técnicos feitos por entidade com atribuições técnicas e legais para o efeito”.

Por despacho proferido em 9 de Janeiro de 2023 – ora recorrido – e com o argumento de que “Os esclarecimentos que os AA pretendem não trarão aos autos resposta mais clara do que a já prestada -que, como se manifestou supra, se julga bastante clara-, destinando-se eminentemente a pôr em causa a posição expressa pela DGT”, termos em que “por desnecessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, à luz do disposto no artigo 411.º do CPC, e sob pena de protelar em vão o desenrolar dos presentes autos, indeferem-se as diligências probatórias requeridas pelos AA (…)”.

Inconformados com a decisão proferida, vieram os AA interpor recurso e, tendo desenvolvido no corpo das alegações os fundamentos da sua discordância com o decidido, formularam a final as seguintes conclusões:
“1.ª Na sequência de ofício remetido aos autos pela DGT, referência 2168443, os AA e Chamados apresentaram requerimento solicitando esclarecimentos a tal entidade, ou, em alternativa, a presença do Sr. Engenheiro que subscreveu tal ofício, em audiência de discussão e julgamento, para esse mesmo efeito.
2.ª Fizeram-no nos termos e com os fundamentos constantes do seu requerimento com a referência 2179382, fundamentos estes que por uma questão de economia processual aqui se dão por reproduzidos porque já transcritos em sede de alegações.
3.ª Tal requerimento de prova foi indeferido, nos termos e com os fundamentos constantes do despacho com a referência 32194709 que aqui se dá igualmente por reproduzido.
4.ª É convicção dos Recorrentes que o relatado pelo Sr. Engenheiro da DGT no ofício remetido aos autos é contraditório com as figuras constantes do cadastro que supostamente sustentam aquela informação, como é contraditório designadamente com a figura cadastral configurada naqueles mapas para o prédio objeto de preferência.
5.ª Na figura cadastral (...) o prédio (…), seção (…), a poente, aparece aí delimitado por caminho, tendo o mesmo natureza pública conforme informação prestada pela autarquia local, aliás, natureza esta que nem sequer está em questão.
6.ª Naquela figura não se evidencia existir quaisquer parcela ou faixa de terreno que separe aquele prédio rústico do referido caminho, antes, repete-se a única leitura gráfica extraível da referida figura é que, de fato, o prédio em causa estende-se no local e a poente até aquele caminho público.
7.ª Na figura cadastral um, aparentemente, aí parece ser visível existir uma faixa de terreno distinta e autónoma, delimitada a poente pelo caminho em causa, parcela esta que na tese do Tribunal “a Quo”, tendo em conta também e a dar crédito à informação da DGT, vertida no ofício que se questiona, integraria o prédio (…) secção (…), prédio este que assim a nascente confinaria com o (…).
8.ª Aquela contradição entre as duas figuras poligonais é, a nosso ver, absolutamente óbvia e insuscetível de ser probatoriamente superada, face aquelas antagónicas figuras.
9.ª E mais o são, não trazendo sequer à liça a informação prestada pela entidade competente local em como o caminho em causa tem natureza pública e, ainda, que o prédio objecto de preferência é no local a poente delimitado pelo mesmo, o que a ser verdade, no que estamos certos, significará que o prédio (…) se situará do referido caminho para poente, não confinando com o prédio (…).
10.ª Estas circunstâncias, absolutamente determinantes para a boa e fundamentada decisão da ação, não podiam deixar de ser notadas pelo Tribunal “a quo”, dada a óbvia evidência das mesmas e, consequentemente, deferida a diligência de prova requerida pelos AA e Chamados.
11.ª Mais, tais contradições não poderiam de todo deixar de ser constatadas pelo Tribunal “a Quo”, porquanto, já anteriormente denunciadas pelos Recorrentes no seu requerimento com a referência 4254026 e porque a informação prestada pela DGT está em contradição com o documento número três junto aos autos com a P.I. donde resulta que o prédio (…) confronta a poente com caminho público e, por isso, deveria ter sido deferido o requerido pelos AA e Chamados.
12.ª Tal contradição, foi ainda alertada, pelo Município de NISA quando refere no seu ofício datado de 07-10-2022, que “deve ser a DGT a pronunciar-se acerca deste assunto, uma vez que o caminho é assinalado na folha de secção F tanto a montante como a jusante, mas já não o é na Folha de Secção G” , pelo que não poderia o Tribunal “a Quo” indeferir o requerido pelos AA e Chamados, senão atendendo a tais contradições sobejamente alertadas nos autos, por força do disposto no artigo 411º do CPC.
13.ª Ora, sendo o ofício remetido pela DGT mera informação, destituído de especial e tabelar força probatória, não assistindo dúvidas aos Recorrentes que a mesma é contraditória entre si e também não encontra sustentabilidade nas figuras cadastrais referentes aos prédios (…) e (…), até porque estas são no mínimo incoerentes anulando-se reciprocamente, é obvio que contraditá-lo, mas fundamentalmente esclarecê-lo, é não apenas ónus dos Recorrentes, como, mais, a nosso ver, é obrigação processual e exigência que recai sobre o Tribunal, atendendo ao disposto nos artigos 6º, 7º e e 411º do C.P.C.
14.ª Mais ainda, não poderia o Tribunal “a quo”, tendo em conta as mesmas, de uma penada, salvo o devido respeito e vénia, considerar esclarecido o que a nosso ver não está e menos louvar-se em documentos, no caso as figuras cadastrais do prédios relevantes na ação para, tendo em conta estas, concluir erradamente, como concluiu, em douto despacho, da certeza dos respetivos limites, no caso do limite nascente do prédio (...) secção (...).
15.ª Acresce que, pese embora as entidades ouvidas sejam unânimes que cabe à DGT se pronunciar sobre os limites dos prédios, tal não significa que a informação constante do cadastro seja correta, não podendo, por isso, entender-se que a informação dada por aquela seja inquestionável ou que não possa ser abalada por outros meios de prova legalmente admissíveis, desde logo porque o cadastro, como resulta da lei, tem finalidade meramente fiscal, porquanto visa apenas identificar os sujeitos passivos de impostos.
16.ª Ocorre que em despacho de que se recorre, pela M.ma Juiz “a Quo” foi já tomada decisão no que concerne à confinância do prédio (…) com o prédio (…), assim como quanto à relevância da questão do domínio do caminho que supostamente tendo em conta aquele atravessará o prédio (…), o que, como deixámos notado, está por demonstrar, sendo pois questões em aberto e controvertidas no processo e sempre a decidir a final, em função da prova já constante do processo e a produzir ainda, para o que se tem como absolutamente essencial ouvir em esclarecimentos o representante da DGT, quanto às incongruências e contradições que se deixaram à vista, verificáveis entre as figura poligonais 1, 2 e 3 remetidas ao processo por aquela entidade pública.
17.ª Tudo isto, diga-se, pese embora tal matéria de fato seja ainda controvertida, não só pelo que resulta das peças processuais que compõem os presentes autos como ainda pelo fato de a produção de prova não estar concluída, donde decorre que tal Despacho é nulo por força do disposto no artigo 615º n.º 1 d) aplicável por força do previsto no n.º 3 do artigo 613º do C.P.C.
18.ª Mal andou o Tribunal “a quo” por um lado ao concluir que o prédio (...) é atravessado por aquele caminho publico e também mal andou, ao indeferir a necessária e útil diligencia de prova, quanto simples, para que fosse ordenada a comparência em Tribunal do representante da DGT e, em concreto, de quem subscreveu o oficio em causa, para, assim esclarecer aqueles elementos de prova que se vêm de sumariar.
19.ª Diligência de prova esta que deverá ser, admitida e ordenada, anulando-se em conformidade douto despacho ora posto em crise.
20.ª Mais se dirá que, não se entende, o argumento e onde se louva o Tribunal “a Quo” para sustentar que a diligência de prova, que entendeu não admitir, levaria ao protelamento dos presentes, em prejuízo da celeridade desejada, do processo, quando estava por agendar a data para continuação de julgamento, por se estar em fase de produção e avaliação da prova, na sequência da qual, em particular da junção ao processo de oficio da D.G.T. (referência 2168443), se veio a mostrar necessária e incontornável a diligência de prova em causa.
21.ª A celeridade processual, que todos elevamos à categoria de interesse e bem elementar da justiça desejada e desejável, não pode, em circunstância alguma, sobrepor-se e pôr em causa a verdade, e menos, a boa decisão da causa. Pois, se tal suceder o que fica em causa, ou pode ficar, é a verdade da decisão a proferir e a legitimidade desta, para dirimir interesses relevantes da comunidade, no caso, a dos AA e Chamados, bem como dos RR.
22.ª O douto despacho em crise, violou assim o disposto nos artigos 6.º, 7.º, 410.º, 411.º, 615.º n.º 1 d) e 341 e 342 de C.C.
23.ª Deve assim o presente Recurso ser admitido, sendo-lhe para tanto atribuído efeito suspensivo, até por razões de celeridade, dada a imprescindibilidade do mesmo para a boa decisão da causa, evitando-se assim atos inúteis, ou seja, julgamento sem que se mostrem apurados os necessários elementos de prova, indispensáveis para decisão fundamentada e sustentada a proferir,
24.ª O que, salvo melhor opinião, não é compatível, sem que previamente seja clarificado da relevância da prova requerida, questão esta a dirimir pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, ao qual deverá ser o processo avocado, atribuindo-se em conformidade efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos do artigo 647º do CPC”.
Concluem pedindo que o despacho recorrido seja “anulado” e “substituído por outro que defira a prova requerida pelos AA”.
Os apelados não contra alegaram
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, constitui única questão a decidir determinar se a diligência requerida pelos apelantes deve ser deferia, por pertinente.
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II. Fundamentação
À decisão importam os factos relatados em I.
Os apelantes, como se vê do teor das alegações, discordando da decisão proferida, defendem a pertinência do pedido de esclarecimentos que formularam à DGT ou, em alternativa, a inquirição, para esse mesmo efeito, do Sr. Eng.º que subscreveu a informação enviada aos autos e cuja extrema relevância para a decisão da causa o despacho proferido pela Sr.ª juíza denuncia.
Vejamos, pois, da valia dos fundamentos que invocam.
O art.º 20.º, n.º 4 da CRP consagra o direito a um processo equitativo que, numa das suas vertentes, postula a igualdade das partes, assegurada pelos princípios do contraditório e da igualdade de armas. Na sua moderna concepção, o princípio do contraditório é entendido como “(…) garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.”[1].
Parece, pois, não oferecer dúvida que o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) implica também o direito à prova, que engloba a possibilidade de propô-la e produzi-la[2].
Neste mesmo sentido, considerou o TC (acórdão de 11.11.2008, disponível in www.pgdlisboa.pt.) que “O direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), implica um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras”.
O direito à prova implica, pois, que as partes têm o direito “a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal”, bem como “o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal bem como o direito à contraprova” (acórdão do TRC de 21/4/2015, no processo 124/14.1TBFND-A.C1, acessível em www.dgsi.pt).
As partes têm, pois, interesse na produção se prova, quer em ordem a demonstrar aqueles factos que são favoráveis à sua pretensão, seja para pôr em causa ou mesmo contrariar aqueles que lhes podem ser prejudiciais (contraprova ou prova do contrário). Perante uma prova pré-constituída, a parte pode impugnar a sua admissibilidade e, como é aqui o caso, a sua força probatória.
No despacho recorrido recusou-se a diligência requerida pelos ora apelantes com fundamento na clareza do ofício enviado pela DGT e no pressuposto de que os esclarecimentos pedidos não trarão resposta mais clara. Vejamos, pois, se é de sufragar tal argumentação e decisão.
É sabido que o cadastro geométrico da propriedade rústica, visando permitir o conhecimento e localização dos prédios rústicos, a sua configuração geométrica, confrontações e área, nasceu com uma vocação essencialmente fiscal, ou seja, tais elementos interessavam à autoridade tributária, servindo de base à liquidação dos impostos devidos.
É certo que o regulamento do Cadastro Predial aprovado pelo agora revogado DL 172/95, de 18 de Julho, pretendeu estabelecer um sistema Nacional de Informação Cadastral com um carácter multifuncional, e não já com finalidades essencialmente tributárias, mas como o legislador não deixou de reconhecer e deixou expresso no Preâmbulo do DL 72/2023, de 23 de Agosto, que aquele revogou, o regime então instituído “não conheceu a aplicação esperada, em face das dificuldades decorrentes da excessiva fragmentação da propriedade. Isto, apesar da especial necessidade de cadastro dos prédios rústicos, particularmente urgente nos espaços florestais de minifúndio, onde a ausência de cadastro prejudica a execução de medidas de ordenamento e de gestão do território que contribuam para prevenir incêndios florestais de crescente gravidade”.
Com relevância para a decisão, importa referir que o cadastro geométrico vigorou no concelho de Nisa, tendo por base um levantamento efectuado entre 1955 e 1959 e iniciou a sua vigência e em 1/4/1969[3], tendo sido portanto executado em conformidade com o estabelecido no DL 12451, de 9 de Outubro então em vigor, valendo aqui plenamente quanto concluiu o STJ em acórdão de 9/10/2010 (proferido no processo 398/04.1TBPNI.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt), ou seja, que “Face ao quadro normativo aplicável à organização do cadastro geométrico em determinado concelho, executado em 1976, com base na disciplina constante do DL 12451, a que sucedeu o DL 143/82, não pode afirmar-se, - perante as regras técnicas e procedimentais aplicadas à execução do referido cadastro, - que os elementos por ele documentados quanto à exacta delimitação dos prédios devam dispor de força probatória plena, que iniba às partes em litígio a demonstração dos seus direitos por via judicial através da produção de outros meios de prova – cabendo ao juiz valorar livremente todos esses elementos e formar a sua livre convicção sobre a matéria litigiosa”.
Tal conclusão é válida ainda à luz do agora revogado DL 172/95, que, pese embora a mencionada ambição de estabelecer um cadastro predial multifuncional, e não já com vocação essencialmente tributária, não logrou, conforme se deixou já referido, atingir esses objectivos. De igual modo, e pese embora o agora vigente DL 72/2023 (aqui não aplicável) preveja que os prédios rústicos em regime de cadastro geométrico da propriedade rústica transitam automaticamente para o regime do cadastro, na ausência de actualização afigura-se não ser ainda de lhe reconhecer valor probatório pleno quanto a áreas e localização dos prédios.
Deste modo, concedendo embora que a resposta dada pela DGT é clara, independentemente das competências de cada uma das entidades que prestou informação nos autos, no caso aquela Direcção Geral e a União das Freguesias de Espírito Santo, Nossa Senhora da Graça e S. Simão, a verdade é que o Município de Nisa suscitou no seu ofício dúvida pertinente, que o ofício da DGT não esclarece, sendo ainda relevante indagar qual o processo de recolha dos elementos disponíveis nas secções cadastrais consultadas, já que o subscritor daquele ofício se baseou, como não podia deixar de ser e, de resto, consta expressamente do mesmo ofício, na consulta feita às secções cadastrais (…) e (…) da União das sobreditas freguesias.
Atendendo a quanto vem de se dizer, afigura-se que o pedido de esclarecimentos ao técnico que subscreve a informação prestada pela DGT assume pertinência e pode efectivamente influir na decisão da causa, pelo que não sufragamos o despacho recorrido quando afirma a sua irrelevância, antes devendo proceder-se à tomada de esclarecimentos ao Sr. Eng.º (…) em sede da audiência, conforme foi requerido pelos recorrentes (cfr. artigo 411.º do CPC).

Sumário: (…)
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que determine a audição em audiência do Sr. Eng.º que subscreveu a informação prestada nos autos pela DGT para prestar esclarecimentos.
Custas a cargo dos recorridos.
Évora, 23 de Novembro de 2023
Maria Domingas Simões
Rui Machado e Moura
Francisco Matos

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[1] José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil Conceito e Princípios Gerais, págs. 108/109.
[2] Nuno Lemos, Jorge, DIREITO À PROVA: BREVÍSSIMO ROTEIRO JURISPRUDENCIAL, acessível em file:///C:/Users/MJ01415/Downloads/07-Nuno-LJ-Direito-%C3%A0-prova.pdfúive.
[3] Informação acessível em https://snic.dgterritorio.gov.pt/cartaCadastral.
Com a entrada em vigor do novo Regime Jurídico do cadastro Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2023, de 23 de Agosto, os prédios rústicos em regime de cadastro geométrico da propriedade rústica transitaram para o regime do cadastro (cfr. art.º 79.º, n.º 1).