Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
70/21.8T9PTM.E1
Relator: MARIA PERQUILHAS
Descritores: MEDIDA DE SEGURANÇA
INTERNAMENTO DE INIMPUTÁVEL
PRESSUPOSTOS
PERIGOSIDADE
Data do Acordão: 11/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. A aplicação da medida de segurança de internamento radica sempre na necessidade de prevenção da prática futura de factos ilícitos típicos sendo, por isso, orientada por uma finalidade de prevenção especial ou individual da repetição da prática de factos ilícitos típicos.
II. Não basta, porém, que se verifique a probabilidade de cometimento de «outros factos típicos graves», como se previa na versão inicial do Código Penal, mas que essa probabilidade tenha por referência a prática de outros factos ilícitos típicos «da mesma espécie», sendo que factos da mesma espécie são os que lesem ou ponham em perigo o mesmo tipo de bem jurídico.
III. A aferição da perigosidade do agente, traduzida, por meio de uma valoração global do facto e do agente, no «fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie», deve ser feita no momento da decisão, pertencendo ao tribunal de julgamento.
Decisão Texto Integral:

I – Relatório:
AA veio recorrer da sentença através da qual se decidiu:
A. Absolver o arguido AA pela prática em autoria material de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 3, alíneas a) e c), por referência ao artigo 170.º, ambos do Código Penal.
B. Declarar que o arguido AA, em razão de anomalia psíquica e, em consequência, nos termos do disposto no artigo 376.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, absolvê-lo, por falta de imputabilidade, pela prática em autoria material do crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea b) e 177.º, n.º 6 do Código Penal, pelo qual vem acusado.
C. Declarar o arguido autor do facto ilícito típico previsto nos artigos 176.º, n.º 1, alínea b), e 177.º, n.º 6 do Código Penal e, em consequência, condená-lo na medida de segurança de internamento em estabelecimento para inimputáveis prevista no artigo 91.º, n.º 1 do Código Penal, com a duração mínima de 3 (três) anos e com a duração máxima de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses.
D. Suspender na sua execução a medida de segurança ora decretada, pelo mesmo período máximo de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses, devendo o arguido submeter-se às seguintes regras de conduta:
i) Submeter-se a exames, observação e tratamento psiquiátrico e/ou psicológico que lhe forem, indicados, frequentar as respectivas consultas com a periodicidade que lhe for exigida, cumprir as prescrições, terapias e tratamentos médicos que lhe forem ordenados;
ii) Aceitar a vigilância tutelar e acompanhamento dos serviços de reinserção social.
E. Determinar que a DGRSP se articule com o serviço de saúde competente para que seja estabelecido um plano de tratamento/acompanhamento.
F. Determinar que a DGRSP informe semestralmente o Tribunal quanto à evolução do tratamento/acompanhamento, ou logo que ocorra qualquer anomalia.
G. Condenar o arguido nas custas e encargos do processo, fixando a taxa de justiça em 2 UC, sem prejuízo da isenção decorrente do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
***
Sem prejuízo da ocorrência de causa justificativa da cessação da medida de segurança de substituição aplicada ou da sua revogação, o tribunal procederá à revisão obrigatória da situação do arguido inimputável periodicamente, até que seja alcançado o limite máximo da medida de segurança ou cesse a perigosidade daquele (cfr. artigos 98.º, n.º 6 e 93.º, n.ºs 1 a 3 do Código Penal).
*
Para o efeito o arguido apresentou as seguintes conclusões:
III- Conclusões:
1. O Tribunal a quo, absolveu o recorrente, por falta de imputabilidade em razão de anomalia psíquica, da prática, em autoria material ,do crime de pornografia de menores agravado p.e p. pelos artigos 176º, n.º 1, al. b) e 177º, n.º 6, do Código Penal, condenando-o, porém, condenando-o na medida de segurança de internamento em estabelecimento para inimputáveis prevista no art.º 91º, n.º 1 do Código Penal, com a duração mínima de 3 (três) anos e com a duração máxima de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses, mediante o cumprimento das seguintes regras de conduta.
2. Entende o recorrente que o Tribunal incorreu em erro na apreciação da prova no que tange à sua perigosidade e ao risco de reincidir na pratica de ilícitos de idêntica natureza, porquanto,
3. O arguido padece de uma Perturbação do Desenvolvimento Intelectual (6ª00 da Edição da Classificação Internacional de Doenças), secundaria ao Síndrome Cornelia de Lange de que sofre, que tem origem genética e é grave no sentido em que o incapacita crónica e irreversivelmente de gerir a sua pessoa de forma adequada e autónoma, bem como o impossibilita de tomar decisões reflectidas e ponderadas (facto prova do 7.)
4. Em sede de factos provados, mais concretamente nos pontos 11. e 12., fez o Tribunal a quo constar que:
Tendo em conta a patologia de que o arguido padece, que lhe condiciona uma debilidade intelectual e uma imaturidade significativas, não passíveis de modificação, o mesmo poderá a voltar a praticar no futuro actos da mesma natureza daqueles ora em causa nos presentes autos ou até outros (ponto 11)
Todavia, posto que conta com adequado suporte familiar, se encontra integrado numa actividade ocupacional em estabelecimento da família e beneficia de acompanhamento clínico, esse risco mostra-se atenuado.
5. No âmbito da perícia técnica na área da psiquiatria, a que o arguido foi sujeito consta que pelo facto de ( o arguido) ter um aparente adequado suporte familiar, bem como estar integrado numa actividade ocupacional em estabelecimento de família e beneficiar de acompanhamento clínico, pode considerar-se que esse risco esteja minimizado (…) devido à sua condição psíquica crónica e irreversível, não se pode assumir como nulo o risco de que venha a cometer factos delituosos graves e que continue com condutas similares àquelas que estão em causa nos autos. No entanto, atendendo os factores protectores identificados (suporte familiar, integração social, acompanhamento clínico) poderá considerar-se que o risco está minimizado. (…)(sublinhado e realce nosso).
6. Do relatório social do arquivo Não há história de comportamentos transgressivos ou confrontos judiciais anteriores e o actual processo parece enquadrar-se em comportamentos exploratórios, para os quais a capacidade de avaliação das consequências parece reduzida, atentos as limitações intelectuais apontadas. A família mostra-se apoiante e preocupada em orientar o arguido de forma normativa, designadamente no que se refere às relações amorosas e comportamento sexual (sublinhado nosso).
7. Os autos não contém qualquer outro elemento probatório ( testemunhal ou documental) que se tenha debruçado sobre as matérias do risco de reincidência e da perigosidade do arguido, pelo que, salvo o devido respeito nada avalizava o Tribunal a dar como provados os factos supra, com o conteúdo e extensão neles constante.
Ao invés, e alicerçando-se no sobredito suporte documental, deveriam o conteúdo daqueles factos ser o seguinte:
A patologia de que o arguido padece, condiciona-lhe uma debilidade intelectual e uma imaturidade significativas (ponto 11)
Dado que conta com adequado suporte familiar, se encontra integrado numa actividade ocupacional em estabelecimento da família e beneficia de acompanhamento clínico, é mínimo o risco de incorrer na prática de facto de idêntica natureza ou de natureza diversa.
8. Em face do exposto dever ser proferida douta sentença, que em substituição da proferida pelo Tribunal a quo altere a matéria de facto dada como provada, e a fixe nos termos propagandas pelo recorrente.
9. Em consequência de tal alteração e em concatenação com os demais factos assentes deverá, a mesma sentença ser revogada e substituída por outra que decida pela inaplicabilidade da medida de segurança por não estarem reunidos os pressupostos de facto e de direito, para tal aplicação.
Sem prejuízo e á cautela de patrocínio, para o caso de a sobredita pretensão não merecer acolhimento;
10. O arguido conta com suporte familiar e integrado numa actividade ocupacional em estabelecimento de família e beneficia de acompanhamento clínico (facto 12, 1ª parte), no meio sócio familiar em que se move não evidencia comportamentos problemáticos (facto 21, 1ª parte), esta é a primeira vez que o arguido se vê confrontado com questões judiciais, não havendo registos disciplinares ou outras tendências transgressivas (facto 23), a família mostra-se apoiante e preocupada em apoiar o arguido de forma normativa, designadamente nas relações amorosas e comportamento sexual (facto 25).
11. Do respectivo relatório social consta que o actual processo parece enquadrar-se em comportamentos exploratórios para os quais a capacidade de avaliação parece reduzida atentas as limitações intelectuais do arguido.
12. A perícia psiquiátrica a que o arguido foi submetido indica que que a integração social, familiar e monitorização clínica à patologia do arguido leva a concluir que o risco de reincidir em condutas de idêntica natureza é mínimo.
13. Estatui o art.º 40º, n.º 1 e n.º 3 do Código Penal que a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade sendo que, a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente (sublinhado nosso).
14. Preceitua do art.º 91º, n.º 1 do Código Penal, que aplicação de uma medida de segurança depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos : (i) a prática de um ou mais factos penalmente relevantes, (ii) a declaração de inimputabilidade do agente e (iii) um juízo afirmativo sobre a sua perigosidade criminal.
15. In casu, não se encontram preenchidos, in totum, tais pressupostos, pois que o arguido apresenta uma reduzida perigosidade criminal encontrando-se socialmente, laboral e familiarmente integrado, beneficiando de suporte familiar e é acompanhado por clínicos da especialidade de psiquiatria.
16. A mitigação do risco de reincidência e a inexistência de perigosidade do arguido decorrendo de forma relevante e manifesta, quer do relatório da perícia médico-legal da especialidade de psiquiatria quer do relatório social.
17. A perigosidade pressuposta na aplicação de medidas de segurança tem que alicerçar-se num juízo de prognose sério e fundado de que o arguido volte a praticar ilícitos típicos da mesma, ou de diversa, natureza,
18. Juízo esse que, in casu, inexiste, pelo que, se impõe que a douta sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que decida pela inaplicabilidade da medida de segurança por não estarem reunidos os pressupostos de facto e de direito, para a sua aplicação.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida e, em sua, substituição ser proferia outra que julgue nos termos propugnados pelos Recorrente.
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O recurso foi recebido por despacho de 01/04/2023, o MP não respondeu.
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A Sr.ª PGA junto desta Relação emitiu o seguinte parecer:
PARECER (“ex vi” - artº 416 nº 1 do CPP) Processo 70/21.8T9PTM.E1
Juízo Local Criminal ... – Juiz ...
Recorrente / arguido: AA
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Excelentíssima Senhora Juíza Desembargadora – Relatora
No âmbito do processo acima referenciado, a MMª Juiz “a quo” proferiu a seguinte:
IV –DECISÃO
Pelo exposto julga-se a acusação parcialmente procedente por parcialmente provada nos termos supra descritos e, consequentemente decide-se:
A. Absolver o arguido AA pela prática em autoria material de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 3, alíneas a) e c), por referência ao artigo 170.º, ambos do Código Penal.
B. Declarar que o arguido AA, em razão de anomalia psíquica e, em consequência, nos termos do disposto no artigo 376.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, absolvê-lo, por falta de imputabilidade, pela prática em autoria material do crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea b) e 177.º, n.º 6 do Código Penal, pelo qual vem acusado.
C. Declarar o arguido autor do facto ilícito típico previsto nos artigos 176.º, n.º 1, alínea b), e 177.º, n.º 6 do Código Penal e, em consequência, condená-lo na medida de segurança de internamento em estabelecimento para inimputáveis prevista no artigo 91.º, n.º 1 do Código Penal, com a duração mínima de 3 (três) anos e com a duração máxima de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses.
D. Suspender na sua execução a medida de segurança ora decretada, pelo mesmo período máximo de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses, devendo o arguido submeter-se às seguintes regras de conduta:
i) Submeter-se a exames, observação e tratamento psiquiátrico e/ou psicológico que lhe forem, indicados, frequentar as respectivas consultas com a periodicidade que lhe for exigida, cumprir as prescrições, terapias e tratamentos médicos que lhe forem ordenados; ii) Aceitar a vigilância tutelar e acompanhamento dos serviços de reinserção social.
E. Determinar que a DGRSP se articule com o serviço de saúde competente para que seja estabelecido um plano de tratamento/acompanhamento.
F. Determinar que a DGRSP informe semestralmente o Tribunal quanto à evolução do tratamento/acompanhamento, ou logo que ocorra qualquer anomalia.
G. Condenar o arguido nas custas e encargos do processo, fixando a taxa de justiça em 2 UC, sem prejuízo da isenção decorrente do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
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Inconformado, o arguido AA apresentou o pertinente recurso tendo, na oportunidade, terminado com a formulação de:
III- Conclusões:
1.O Tribunal a quo, absolveu o recorrente, por falta de imputabilidade em razão de anomalia psíquica, da prática, em autoria material ,do crime de pornografia de menores agravado p.e p. pelos artigos 176º, n.º 1, al. b) e 177º, n.º 6, do Código Penal, condenando-o, porém, condenando-o na medida de segurança de internamento em estabelecimento para inimputáveis prevista no art.º 91º, n.º 1 do Código Penal, com a duração mínima de 3 (três) anos e com a duração máxima de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses, mediante o cumprimento das seguintes regras de conduta.
2.Entende o recorrente que o Tribunal incorreu em erro na apreciação da prova no que tange à sua perigosidade e ao risco de reincidir na pratica de ilícitos de idêntica natureza, porquanto,
3.O arguido padece de uma Perturbação do Desenvolvimento Intelectual (6ª00 da Edição da Classificação Internacional de Doenças), secundaria ao Síndrome Cornelia de Lange de que sofre, que tem origem genética e é grave no sentido em que o incapacita crónica e irreversivelmente de gerir a sua pessoa de forma adequada e autónoma, bem como o impossibilita de tomar decisões reflectidas e ponderadas (facto prova do 7.)
4.Em sede de factos provados, mais concretamente nos pontos 11. e 12., fez o Tribunal a quo constar que:
Tendo em conta a patologia de que o arguido padece, que lhe condiciona uma debilidade intelectual e uma imaturidade significativas, não passíveis de modificação, o mesmo poderá a voltar a praticar no futuro actos da mesma natureza daqueles ora em causa nos presentes autos ou até outros ( ponto 11)
Todavia, posto que conta com adequado suporte familiar, se encontra integrado numa actividade ocupacional em estabelecimento da família e beneficia de acompanhamento clínico, esse risco mostra-se atenuado. 5.No âmbito da perícia técnica na área da psiquiatria, a que o arguido foi sujeito consta que pelo facto de ( o arguido) ter um aparente adequado suporte familiar, bem como estar integrado numa actividade ocupacional em estabelecimento de família e beneficiar de acompanhamento clínico, pode considerar-se que esse risco esteja minimizado (…) devido à sua condição psíquica crónica e irreversível, não se pode assumir como nulo o risco de que venha a cometer factos delituosos graves e que continue com condutas similares àquelas que estão em causa nos autos. No entanto, atendendo os factores protectores identificados (suporte familiar, integração social, acompanhamento clínico) poderá considerar-se que o risco está minimizado. (…)(sublinhado e realce nosso).
6.Do relatório social do arquivo Não há história de comportamentos transgressivos ou confrontos judiciais anteriores e o actual processo parece enquadrar-se em comportamentos exploratórios, para os quais a capacidade de avaliação das consequências parece reduzida, atentos as limitações intelectuais apontadas. A família mostra-se apoiante e preocupada em orientar o arguido de forma normativa, designadamente no que se refere às relações amorosas e comportamento sexual (sublinhado nosso).
7.Os autos não contém qualquer outro elemento probatório ( testemunhal ou documental) que se tenha debruçado sobre as matérias do risco de reincidência e da perigosidade do arguido, pelo que, salvo o devido respeito nada avalizava o Tribunal a dar como provados os factos supra, com o conteúdo e extensão neles constante.
Ao invés, e alicerçando-se no sobredito suporte documental, deveriam o conteúdo daqueles factos ser o seguinte:
A patologia de que o arguido padece, condiciona-lhe uma debilidade intelectual e uma imaturidade significativas ( ponto 11)
Dado que conta com adequado suporte familiar, se encontra integrado numa ocupacional em estabelecimento da família e beneficia de ompanhamento clínico, é mínimo o risco de incorrer na prática de facto de idêntica natureza ou de natureza diversa.
8.Em face do exposto dever ser proferida douta sentença, que em substituição da proferida pelo Tribunal a quo altere a matéria de facto dada como provada, e a fixe nos termos propagandas pelo recorrente.
9.Em consequência de tal alteração e em concatenação com os demais factos assentes deverá, a mesma sentença ser revogada e substituída por outra que decida pela inaplicabilidade da medida de segurança por não estarem reunidos os pressupostos de facto e de direito, para tal aplicação.
Sem prejuízo e á cautela de patrocínio, para o caso de a sobredita pretensão não merecer acolhimento;
10.O arguido conta com suporte familiar e integrado numa actividade ocupacional em estabelecimento de família e beneficia de acompanhamento clínico (facto 12, 1ª parte), no meio sócio familiar em que se move não evidencia comportamentos problemáticos (facto 21, 1ª parte), esta é a primeira vez que o arguido se vê confrontado com questões judiciais, não havendo registos disciplinares ou outras tendências transgressivas (facto 23), a família mostra-se apoiante e preocupada em apoiar o arguido de forma normativa, designadamente nas relações amorosas e comportamento sexual (facto 25).
11.Do respectivo relatório social consta que o actual processo parece enquadrar-se em comportamentos exploratórios para os quais a capacidade de avaliação parece reduzida atentas as limitações intelectuais do arguido.
12.A perícia psiquiátrica a que o arguido foi submetido indica que que a integração social, familiar e monitorização clínica à patologia do arguido leva a concluir que o risco de reincidir em condutas de idêntica natureza é mínimo.
13.Estatui o art.º 40º, n.º 1 e n.º 3 do Código Penal que a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade sendo que, a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente (sublinhado nosso).
14.Preceitua do art.º 91º, n.º 1 do Código Penal, que aplicação de uma medida de segurança depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos : (i) a prática de um ou mais factos penalmente relevantes, (ii) a declaração de inimputabilidade do agente e (iii) um juízo afirmativo sobre a sua perigosidade criminal.
15.In casu, não se encontram preenchidos, in totum, tais pressupostos , pois que o arguido apresenta uma reduzida perigosidade criminal encontrando-se socialmente, laboral e familiarmente integrado, beneficiando de suporte familiar e é acompanhado por clínicos da especialidade de psiquiatria.
16.A mitigação do risco de reincidência e a inexistência de perigosidade do arguido decorrendo de forma relevante e manifesta, quer do relatório da perícia médico-legal da especialidade de psiquiatria quer do relatório social.
17.A perigosidade pressuposta na aplicação de medidas de segurança tem que alicerçar-se num juízo de prognose sério e fundado de que o arguido volte a praticar ilícitos típicos da mesma, ou de diversa, natureza,
18.Juízo esse que, in casu, inexiste, pelo que, se impõe que a douta sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que decida pela inaplicabilidade da medida de segurança por não estarem reunidos os pressupostos de facto e de direito, para a sua aplicação. Termina por pedir a revogação da sentença
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Pese embora ter sido devida e regularmente notificado, o/a nosso/a Ex.mo/a Colega não apresentou a pertinente resposta.
Apreciando
No essencial, o arguido / recorrente pela pena sua Ilustre mandatária / defensora coloca o acento tónico do seu recurso no facto de:
“que o arguido apresenta uma reduzida perigosidade criminal encontrando-se socialmente, laboral e familiarmente integrado, beneficiando de suporte familiar e é acompanhado por clínicos da especialidade de psiquiatria.”
Salvo sempre melhor e mais elevado entendimento, o arguido / recorrente não tem razão.
Atendendo ao que consta da sentença posta em crise dúvidas não nos restam que a mesma foi elaborada respeitando os ditames legais e jurisprudenciais sobre a matéria.
Relativamente à questão da medida de segurança ficou a constar da sentença ora posta em crise, (e que merece a nossa concordância) o seguinte:
De harmonia com o disposto no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que, nos termos do disposto no n.º 3 daquele normativo, a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.
Por seu turno, o artigo 91.º do Código Penal estatui o seguinte:
“1 - Quem tiver praticado um facto ilícito típico e for considerado inimputável, nos termos do artigo 20.º, é mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie.
2 - Quando o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a cinco anos, o internamento tem a duração mínima de três anos, salvo se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.” Recurso Penal
Conforme se já viu, o arguido praticou factos ilícitos e deverá ser declarado inimputável nos termos do disposto no artigo 20.º do Código Penal.
Assim, importa agora decidir se ao arguido deverá ser aplicada uma medida de segurança, o que pressupõe ainda a verificação da gravidade dos factos praticados e a existência de um fundado receio de que o mesmo venha a cometer outros factos da mesma espécie, em virtude da anomalia psíquica de que padece.
No que à gravidade dos factos praticados, importa ter em conta que o arguido praticou factos integradores do tipo de ilícito de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176º n.º 1, alínea b) e 177.º, n.º 6 do Código Penal, na modalidade de aliciamento de menor de 16 anos, através de “chat” associado ao Facebook, a remeter-lhe fotografia sua de conteúdo pornográfico, a que corresponde pena de prisão de um ano e 4 meses a seis anos e oito meses. Assim, a gravidade dos factos ilícitos típicos praticados pelo arguido mostra-se desde logo espelhada nos concretos factos praticados pelo arguido, nos bens jurídicos protegidos pela norma violada e na moldura penal abstractamente aplicável.
Entendemos, assim, que o arguido praticou factos ilícitos típicos com uma gravidade que permite a aplicação de uma medida de segurança.
No que concerne ao requisito da perigosidade do arguido, importa ter em consideração que se trata da formação de um juízo de previsibilidade da repetição da prática pelo mesmo de novos factos ilícitos típicos, sendo por tal que a lei refere um fundado receio de que o agente venha a praticar factos da mesma espécie.
A este propósito, refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/06/2006 (Processo JTRP00039343, in www.dgsi.pt) o seguinte: “Na formulação de Cristina Líbano Monteiro [Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reu, p. 125 e 81] o juízo de inimputabilidade implica uma prova tríplice ou um triângulo probatório cujos lados são: o facto, a anomalia psíquica e o nexo que os junta numa mesma unidade de sentido. A aplicação de uma medida de segurança passa inevitavelmente por um juízo de prognose, que se reputa aliás decisivo e fundamental – o juízo sobre a perigosidade criminal do arguido.”
No caso em apreço, constata-se que o arguido sofre de Perturbação do Desenvolvimento Intelectual, secundária ao Síndrome Cornelia de Lange, que é grave, crónica e irreversível; que em consequência dessa anomalia psíquica não tem capacidade para avaliar da ilicitude dos seus actos, designadamente dos praticados e de actos de conteúdo criminal de natureza sexual, pelo que poderá voltar a praticar factos de igual natureza, sentido no qual se conclui também no relatório do exame pericial a que foi submetido.
Importa, no entanto, ter presente que na determinação da necessidade de aplicação de uma medida de segurança, como nos movemos no plano da estrita legalidade e tipicidade penal, entram em linha de conta os princípios da proporcionalidade e da menor intervenção possível para a escolha da medida, não bastando a perigosidade, pois que daí não deriva a imposição automática de uma medida de segurança, exigindo-se ainda que se verifique a necessidade da medida e que esta seja proporcionada.
Não restando dúvidas de que no caso em apreço a necessidade da aplicação da medida de segurança se verifica, a opção perfila-se entre o internamento efectivo e a suspensão da execução do internamento – autêntica medida de segurança de substituição – e será decidida em função de critérios de proporcionalidade e do princípio da menor intervenção possível, que é reconduzível ao princípio mais amplo da necessidade entendido de acordo com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, do qual decorrer que se uma medida menos gravosa serve a finalidade de protecção comunitárias, a mais gravosa há-de considerar-se desnecessária – Cfr. Cristina Líbano Monteiro, in Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, pág. 132.
Tendo presente o supra exposto, afigura-se-nos que no caso em apreço, no qual o arguido conta com suporte e supervisão familiar, se encontra integrado em actividade ocupacional em estabelecimento de sue pai e beneficia de acompanhamento clínico, mostrando-se socialmente integrado, a suspensão da execução do internamento será suficiente, até porque acompanhada da imposição de deveres, o que possibilita a flexibilização da medida em função das necessidades terapêuticas do arguido.
Assim, deve ser aplicada ao arguido a medida de segurança de internamento, com limite mínimo de 3 (três) anos, sendo no entanto admissível e libertação antecipada se compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (cfr. artigo 91.º n.º 2, do Código Penal) - posto que o arguido cometeu um crime contra as pessoas punível com pena superior a cinco anos - e com o limite máximo de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses (cfr. artigo 92.º, n.º 2 do Código Penal), correspondente ao limite máximo da moldura penal (agravada por circunstâncias atinentes não à culpa mas à ilicitude) aplicável aos factos cometidos – vide para maior desenvolvimento Paulo Pinto de Albuquerque e a doutrina e jurisprudência pelo mesmo citadas in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, p. 282 a 290.
Atentos os princípios da necessidade e da proporcionalidade, tal medida ficará suspensa na sua execução (até que seja alcançado o limite máximo da medida de segurança aplicada ou que cesse a perigosidade do arguido), já que é razoável no caso em concreto esperar que imposição de tratamento/acompanhamento sem internamento seja suficiente, nos termos do disposto no artigo 98.º, n.º 1, do Código Penal, devendo o arguido submeter-se às seguintes regras de conduta, de harmonia com o disposto nos artigos 98.º, n.ºs 3 e 4 e 52.º, n.º 1, ambos do Código Penal:
a) Submeter-se a exames, observação e tratamento psiquiátrico e/ou psicológico que lhe forem, indicados, frequentar as respectivas consultas com a periodicidade que lhe for exigida, cumprir as prescrições, terapias e tratamentos médicos que lhe forem ordenados;
b) Aceitar a vigilância tutelar e acompanhamento dos serviços de reinserção social.
A DGRSP deverá articular-se com o serviço de saúde competente para que seja estabelecido um plano de tratamento/acompanhamento – cfr. artigos 98.º, n.º 4 e 54.º, ambos do Código Penal -, informando semestralmente o Tribunal quanto à evolução do tratamento/acompanhamento ou logo que ocorra qualquer anomalia.
Sem prejuízo da ocorrência de causa justificativa da cessação da medida de segurança de substituição aplicada ou da sua revogação, o tribunal procederá à revisão obrigatória da situação do arguido inimputável periodicamente, até que seja alcançado o limite máximo da medida de segurança ou cesse a perigosidade daquele (cfr. artigos 98.º, n.º 6 e 93.º, n.ºs 1 a 3 do Código Penal).
Em nosso entender, a Mme Juiz “a quo” fundamenta, em termos para nós (muito) claros, a sua opção pela aplicação de uma medida de segurança, suspensa, na sua execução.
Obedeceu, de forma rigorosa, ao princípio da proporcionalidade e respeitou toda a factualidade vertida nos autos.
Acresce que, como qualquer medida de segurança, a medida de internamento só pode ser aplicada se for proporcionada não apenas à gravidade do facto, como à perigosidade do agente (art.º 40.º n.º 3 do CP).
Por outro lado e tendo em atenção o “modus operandi” do arguido à facilidade (cada vez maior) de acesso à internet através de dispositivos móveis, o (elevado) grau de exposição a que os menores se encontram sujeitos (sem supervisão parental), através das redes sociais, verifica-se, de sobejo, o receio de repetição.
Na esteira do referido pelo Prof. Figueiredo Dias há-de dirigir-se à prática de factos ilícitos típicos, que não podem ser de qualquer espécie, mas têm de ser, desde logo factos ilícitos-típicos graves, de uma gravidade, ao menos correspondente à gravidade daquele que foi praticado; e, devem ser, em seguida, factos da mesma espécie daquele que foi praticado. O que não significa, já o sabemos, factos «iguais» (sc integrantes do mesmo tipo de crime), mas significa, em todo o caso, factos que possuam uma conexão substancial com o praticado (v.g. factos violentos contra as pessoas, factos contra o património, crimes económicos ou contra a saúde, etc) .
Salvo sempre melhor e mais elevado entendimento, a implementação da referida medida afigura-se-nos (bastante) protectora do arguido, dado tratar-se de uma medida de segurança, suspensa na sua execução, com supervisão e o devido acompanhamento que lhe confere a necessária flexibilidade.
Nessa conformidade, ousa-se sugerir a Vossa Excelências, Distintos Desembargadores confirmação da sentença proferida em 1ª instância, negando-se provimento ao recurso do arguido.
O presente documento foi integralmente elaborado e revisto pelo signatário “ex vi” – artº 94 nº 2 do CPP, com aposição de assinatura electrónica e data devidamente certificada
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, vindo o arguido responder ao parecer do Sr PGA, pugnando como no seu recurso.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II – Delimitação do âmbito do Recurso:
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar art.ºs 403º e 412º nº 1 CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – art.º 410º nº 2 CPP.
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Tendo em conta as conclusões apresentadas há que analisar e decidir no presente recurso se a decisão recorrida:
- Erro de julgamento;
- Preenchimento dos pressupostos de que depende a aplicação de uma medida de segurança:

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III – Fundamentação:
A decisão de facto sobre a qual recaiu a qualificação jurídica dos factos e foi determinada a medida de segurança aplicada ao arguido é a seguinte:
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A) Factos provados
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa:
I.
1. No dia 01 de Setembro de 2018, o arguido AA, utilizando o perfil de Facebook com o nome “AA”, associado ao endereço de e-mail: ..., trocou mensagens com a menor/ofendida BB, nascida em .../.../2003, que ali se encontrava registada na referida rede social como “BB”, solicitando-lhe o envio de imagens exibindo o seu corpo desnudado.
2. Durante a referida conversação, o arguido, depois de ter conhecimento de que a menor/ofendida tinha apenas 14 anos de idade, enviou-lhe uma fotografia exibindo-lhe o seu pénis nu e erecto.
3. De seguida enviou-lhe uma mensagem com o seguinte teor: “queres brincar mando foto minha mandas tua $ 🔥”, pretendendo assim que a mesma lhe enviasse fotografias suas desnudadas de idêntico conteúdo ao do da fotografia que ele próprio previamente lhe havia a ela enviado.
4. Ao assim actuar o arguido agiu com o propósito de obter e deter imagens onde figurasse a menor/ofendida nua, a fim de satisfazer a sua lascívia e os seus desejos sexuais.
5. Efeito esse que não logrou alcançar em resultado de circunstâncias alheias à sua vontade, pois que a menor/ofendida não lhe enviou quaisquer fotografias suas.
6. Com a sua conduta o arguido ofendeu o sentimento de criança, de inocência e de vergonha da menor, praticando actos idóneos a comprometer a integridade psicológica daquela.
II.
7. O arguido padece de uma Perturbação do Desenvolvimento Intelectual (6A00 da Edição da Classificação Internacional de Doenças), secundária ao Síndrome Cornelia de Lange de que sofre, que tem origem genética e é grave no sentido em que o incapacita crónica e irreversivelmente de gerir a sua pessoa de forma adequada e autónoma, bem como o impossibilita de tomar decisões refletidas e ponderadas.
8. A anomalia psíquica de que padece, influi significativamente na capacidade do arguido de avaliar a ilicitude de um ato de conteúdo criminal de natureza sexual, como aos por si praticados, impedindo-o de avaliar a ilicitude dos seus atos e, consequentemente, de se determinar de acordo com essa avaliação, uma vez que a sua autodeterminação está logo à partida condicionada.
9. Aquando da prática dos factos ora em causa nos autos o arguido não tinha capacidade para avaliar o caráter proibido dos atos que praticou.
10. O arguido não tem capacidade para gerir a sua pessoa e os seus bens de forma adequada, pelo que no futuro se poderá colocar em perigo (ou em situação de aproveitamento por terceiros) ou colocar em risco bens patrimoniais próprios ou de terceiros.
11. Tendo em conta a patologia de que o arguido padece, que lhe condiciona uma debilidade intelectual e uma imaturidade significativas, não passíveis de modificação, o mesmo poderá voltar a praticar no futuro atos da mesma natureza daqueles ora em causa nos presentes autos ou até de outros.
12. Todavia, posto que conta com adequado suporte familiar, se encontra integrado numa atividade ocupacional em estabelecimento de família e beneficia de acompanhamento clínico, esse risco mostra-se atenuado.
III.
13. O arguido, à data dos factos como no presente, o arguido integra o agregado monoparental materno, carecendo do suporte funcional e económico, sendo portador de incapacidade a vários níveis. O agregado reporta-se à mãe, de 54 anos, operadora de supermercado e um irmão, de 16 anos, estudante. O pai ter-se-á separado há cerca de 8 anos, mas reside próximo e permite-se uma relação interfamiliar funcional.
14. É portador de síndrome de Cornelia de Lange, doença congénita, multissistémica, traduzida num atraso de crescimento global, défice intelectual e outras malformações físicas, envolvendo os membros inferiores, os ouvidos e o sistema cardio-respiratório.
15. Ainda que o percurso de vida tenha sido marcado por constantes internamentos hospitalares, cirurgias e reabilitação, AA frequentou o sistema escolar regular. Sinalizado como um aluno de necessidades educativas especiais, concluiu o 9.º ano na Escola EB 2,3 do ... – ....
16. Foi depois integrado num curso profissional regular na Escola Secundária ..., onde não se adaptou.
17. Contudo, no regime mais especializado da ... teve uma boa integração e concluiu os cursos de pastelaria e de empregado de mesa.
18. A partir do verão/ 2021 passou a trabalhar com o pai no restaurante da família paterna, em part-time, em ....
19. Tem relativa independência na vida quotidiana, facilitada pela aquisição de um velocípede, que lhe permite as deslocações necessárias. No entanto, carece de suporte funcional efetivo de terceiros na execução de tarefas quotidianas.
20. Cerca dos 23 anos manteve uma relação de namoro ao longo de 2 anos e no presente encetou uma nova relação amorosa com jovem da sua idade, o que é notoriamente positivo.
21. No meio sócio-familiar em que se move não evidencia comportamentos problemáticos, fora alguns comportamentos de oposição mais evidentes com a mãe – que se vieram mais a evidenciar a partir dos 17 anos, em contexto familiar, prendendo-se o carater problemático dos mesmos mais com as preocupações de saúde e a notória sobrecarga e saturação da mãe, que sempre acompanhou de perto o arguido - sendo descrito como um jovem dócil e de fácil trato.
22. Quer o arguido, quer a mãe beneficiam de apoio psicológico individual no serviço de psiquiatria do CHUA e prevê-se que aquele inicie em breve terapia ocupacional.
23. Esta é a primeira vez que AA se vê confrontado com questões judiciais, não havendo registos disciplinares ou outras tendências transgressivas.
24. Face aos alegados factos, expressa a noção do seu carater reprovador, mas é notória a imaturidade e a falta de noção do que está em causa num processo judicial.
25. A família mostra-se apoiante e preocupada em orientar o arguido de forma normativa, designadamente no que se refere às relações amorosas e comportamento sexual.
26. No Certificado do Registo Criminal do arguido não constam averbadas quaisquer registos de condenações.

B) Factos não provados
Com interesse para a decisão não resultaram provados quaisquer outros factos, para além dos já mencionados, designadamente não resultou provado:
27. Que o arguido compreendesse a relevância de, à data dos factos, a menor/ofendida ter apenas 14 anos de idade e que, apesar disso, se não tenha coibido de praticar os actos supra descritos,
28. Que o arguido ao agir da forma supra descrita se tenha aproveitado de ascendente que tivesse sobre a menor, pois à data dos factos o arguido contava já com 21 anos de idade, e que tal tenha representado e querido.
29. Que o arguido tenha agido forma, livre, deliberada e consciente, sujeitando a menor/ofendida ao contacto de natureza sexual e aliciando-a para esse fim.
30. Que o arguido soubesse que ao se exibir nu em fotografias que enviava à menor, que reflectiam o seu pénis erecto e que ao solicitar à menor que lhe enviasse fotografias de si própria desnuda, praticava condutas adequadas a prejudicar o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade da menor e tinham reflexos na esfera sexual da personalidade da mesma.
31. Que o arguido tenha agido sempre de forma livre, deliberada e consciente, sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.

C) Indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção
Na formação da sua convicção o Tribunal atendeu aos meios de prova disponíveis, atentando nos dados objectivos fornecidos pelos documentos e exames periciais juntos aos autos e efectuando a análise das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas prestados em sede de audiência de discussão e julgamento.
Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas tendo ainda presente o disposto no artigo 163.º do Código de Processo Penal no que à prova pericial respeita, dispensando-se a descrição pormenorizada das declarações e dos depoimentos prestados uma vez que a prova se encontra digitalmente gravada e devidamente registada em suporte magnético.
Concretizando.
O arguido AA cuja patologia psiquiátrica que lhe foi diagnosticada se evidencia no simples contacto com o mesmo – sendo notória a a sua incapacidade para compreender o real alcance da audiência de julgamento que decorre nos presentes autos, bem como a gravidade e consequências para si e para a vítima dos factos que lhe são imputados – no essencial admitiu ter entabulado troca de mensagens com a menor/ofendida BB, saber que a mesma tinha então 14 anos de idade pois que tem por hábito perguntar a idade dos outros, referindo que quando soube da idade da mesma praticamente deixou de lhe falar, negando ter enviado à menor/ofendida a fotografia de sua desnudado ora em causa nos autos e ter-lhe pedido que mesma lhe enviasse fotografias dela desnudada. Referiu ter computador e telemóvel próprios e fazer uso da internet e redes sociais.
A testemunha CC, mãe do arguido, que se nos afigurou ser uma mãe preocupada e atenta a seu filho e cujo depoimento se nos afigurou sincero, no essencial discorreu sobre a doença de que seu filho padece com consequente desadequação do seu grau de maturidades em face da sua idade, fragilidades face ao aproveitamento de terceiros, autonomia apenas relativa na sua vida para tarefas mais básicas, carecendo no mais de ser apoiado. Explicou que o mesmo sempre teve acompanhamento em psicologia, psiquiatria e terapia ocupacional e que ajuda no restaurante do pai à hora dos almoços em tarefas mais simples. Referiu que quando teve conhecimento dos factos ora em causa nos autos por via do inquérito instaurado retirou ao seu filho o computador e o telemóvel, dando-lhe um telemóvel que apenas permitia efectuar telefonemas à família, mas que há cerca de seis meses, porque a Psicóloga que o acompanha assim o entendeu, devolveu-lhos (sendo o pai do arguido quem controla as conversações do fillho). Negou ter conhecimento da ocorrência de situações similares à ora em causa nos autos mas alude a episódio com namorada envolvendo uma fotografia aparentemente tirada mas não enviada segundo o arguido, o qual diz que tem negado os factos ora em causa nos autos.
A testemunha BB, que conta actualmente 19 anos de idade, que referiu nunca ter tido contacto pessoal com o arguido e cujo depoimento pese embora afectado pela memória já esbatida dos factos se nos afigurou sincero e nos mereceu credibilidade, no essencial e no que aos factos concerne referiu pensar que teria então 16 anos de idade, confirmando ter trocado mensagens com AA em chat do Facebook, dizendo já não recordar quem encetou conversação e do que falaram, achando que o mesmo lhe terá enviado uma fotografia do seu pénis, não lembrando o que o mesmo então terá dito, mas achando que falaram da idade de ambos e que o mesmo lhe pediu que lhe enviasse fotografia sua nua, sendo que posteriormente confrontada com os perfis do Facebook seu e do arguido e com o print das mensagens trocadas de fls. 16 a 19, reconheceu o seu perfil, foi-lhe familiar o do arguido e confirmou seu sua a conversação aí retratada, onde constam, depois de cada qual ter indicado a sua idade, uma fotografia de um pénis nu e erecto (em face da qual referiu ter sentido então alguma estranheza) e a mensagem “queres brincar mando foto minha mandas tua $ 🔥” que lhe foram enviadas por AA.
A testemunha DD, mãe de BB, não revelou ter qualquer conhecimento directo dos factos ora em causa nos autos.
O Tribunal atentou ainda na documentação junta aos autos, em particular:
- na certidão extraída do processo n.º 389/18...., DIAP – Secção de ..., Comarca ... este, em que se destaca a certidão do Auto de visualização do perfil de Facebook da então menor BB, associado ao e-mail “...” com análise e preservação de seus conteúdos, complementado pelos prints dos perfis da menor e do arguido AA e do print das conversações entre ambos efectuadas por meio de troca de mensagens de fls. 15 a 19, onde se visualiza, mensagens em que cada qual indica a sua idade (ela 14 anos, ele 21 anos) e no dia 01.09.2018 o envio pelo arguido de fotografia de seu pénis nu e erecto seguido de mensagem enviado pelo mesmo com o seguinte teor: “queres brincar mando foto minha mandas tua $ 🔥” (sendo que da sua conjugação e em face das regras da experiência comum e normalidade dos factos da vida se não pode daí extrair senão que o arguido solicitou então à menor que a mesma lhe envesasse fotografia sua desnudada similar àquela que ele de si lhe enviara), sendo que não se vislumbra aí qualquer fotografia de nudez da menor enviada ao arguido
- na certidão do assento de nascimento de BB de fls. 42 a 43, da qual consta ter nascido a .../.../2003;
- o print das bases de dados do registo civil relativamente ao arguido de fls. 46, do qual consta a idade do arguido;
- o Relatório de perícia criminalística de fls. 54 a 62, respeitante ao telemóvel do arguido e sistema informático associado, onde se visualiza a conversação já constante de fls. 18 a 19, sendo que à data desta perícia a fotografia e mensagem enviadas pelo arguido a que supra aludimos já aí não consta (sendo que é consabido que quando tais elementos não são preservados, como estes o não foram, o seu utilizador pode eliminar o que lhe não interessa que seja detectado).
Em face da prova assim produzida, relativizando as declarações prestadas pelo arguido (pois que pelo menos admitiu a conversação com a ofendida) e entrecruzando o depoimento da testemunha BB com os elementos documentais supra referidos, analisando-os à luz das regras da experiência comum e normalidade dos factos da vida, o Tribunal dúvidas não teve em dar como provada a factualidade referida sob os pontos 1 a 6.
No que concerne à doença de que o arguido padece, suas características, suas consequências - desde logo ao nível da incapacidade de avaliar da ilicitude dos factos praticados e, consequentemente, de se determinar de acordo com essa avaliação - e previsibilidade da repetição de condutas similares à dos autos pelo arguido, o Tribunal teve essencialmente em consideração os relatórios do exame psiquiátrico forense de fls. 179 a 184 e 192 a 195, conjugados com o relatório psicológico de fls. 173 a 176, com os elementos clínicos de fls. 123 a 127 e com o depoimento da testemunha CC (este não do ponto de vista técnico mas sim quanto à vivência do arguido e acompanhamento de que carece e beneficia), o que tudo levou a que, face à provada situação de inimputabilidade do arguido, fosse dada como não provada a factualidade como tal elencada.
No que à evolução pessoal e situação socioeconómica do arguido respeita o Tribunal teve essencialmente em consideração o relatório social elaborado pela DGRSP e junto aos autos, conjugado com as declarações do próprio arguido e o depoimento de sua progenitora.
No que à ausência de antecedentes criminais por parte do arguido concerne, atentou-se no teor do Certificado do Registo Criminal junto aos autos.

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DO MÉRITO DO RECURSO:
Apreciando e decidindo:
Como se verifica da análise das motivações de recurso está em causa apreciar antes de mais se a convicção do tribunal assenta em erro de julgamento.
(i) Impugnação da matéria de facto:
O arguido impugna os factos julgados provados pelo tribunal a quo constantes da decisão sob os números 11 e 12, defendendo que os mesmos devem ser julgados de forma diferente, que indica, no que respeita à possibilidade de voltar a praticar no futuro atos da mesma natureza daqueles ora em causa nos presentes autos ou até de outros (considerado provado no facto 11) e a intensidade desse risco (considerado provado no facto 12 como estando atenuado).
O recurso da matéria de facto não está previsto na lei como um direito ilimitado tendente à reapreciação do julgamento ou repetição do julgamento na segunda instância. Este recurso foi concebido e deve ser usado como remédio jurídico quando o julgamento realizado seja manifestamente erróneo. Deste modo, o tribunal de recurso apenas intervém de forma a corrigir erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, devendo proceder à sua correção se for caso disso. Não se trata, pois, de um novo julgamento da matéria de facto, antes sendo a forma de sanar os vícios de julgamento em primeira instância, como sejam, erro manifesto no julgamento no caso em que se dê como provado facto com base em depoimento de testemunha que não o afirmou, ou com base em depoimento de testemunha que declarar algo que apenas lhe foi relatado por terceiro, ou ainda com base em valoração de prova proibida, etc. Sobre o erro de julgamento, conceito e limites, o Ac. da Relação de Lisboa de 04-02-2016, Proc. n.º 23/14.2PCOER.L1-9, Relator Antero Luís[2], disponível in www.dgsi.pt.
O recurso da matéria de facto não se destina, assim, a postergar o princípio da livre apreciação da prova, com consagração expressa no artigo 127º do C. Processo Penal.
A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade e imediação com que decorre o julgamento em primeira instância. Aquela tem por limites as regras da experiência comum e a obediência à lógica, sendo que, se face à prova produzida, for possível mais do que uma conclusão, a decisão do Tribunal a quo que, devidamente fundamentada, se basear numa das possíveis, é válida.
Ora, o erro de julgamento pode suscitar dois tipos de recurso[3], embora com alcances diferentes e não confundíveis[4]:
- Um com fundamento no próprio texto da decisão, por ocorrência dos vícios a que alude o artº 410º/2 do C.P.P (impugnação em sentido estrito);
- E outro que visa a reapreciação da prova produzida, ao abrigo do artº 412º/3 do C.P.P (impugnação em sentido lato).
O recorrente indica lançar mão de ambos pelo que cumpre iniciar a apreciação e decisão do recurso pela impugnação em sentido lato, cf. art.º 412.º do CPP.
Dispõe o nº 3 do artigo 412º, do Código de Processo Penal, relativo à impugnação em sentido lato “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) as provas que devem ser renovadas.
Da análise deste preceito legal resulta que o recorrente, quando impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art.º 412º do C.P.P, tem que especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como indicar as provas que, no seu entendimento, impunham decisão diversa da recorrida e aquelas que devem ser renovadas.
Por sua vez a norma indicada, dispõe no seu n.º 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens[5] em que se funda a impugnação.
Por sua vez, determina o 364.º, n.º 3 - Quando houver lugar a registo áudio ou audiovisual devem ser consignados na ata o início e o termo de cada um dos atos enunciados no número anterior.
No presente caso, o arguido recorrente fez referência aos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, como os mesmos deveriam ter sido julgados e indicou a prova pericial como impondo julgamento diverso do realizado.
Mas apesar do cumprimento deste ónus, a verdade é que não indica o recorrente qualquer desconformidade entre o que o tribunal dá como provado com base em afirmação concerta do Relatório Pericial e o que nele consta.
É um facto que o Relatório Pericial consta:
Tendo em conta a patologia do Examinado, que lhe condiciona uma debilidade intelectual e uma imaturidade significativas, não passíveis de modificação, pode assumir-se que existe algum risco/perigo de repetição de atos da mesma natureza daqueles que praticou ou até de outros.
Contudo, pelo facto de ter um aparente adequado suporte familiar, bem como estar integrado numa atividade ocupacional em estabelecimento de família e beneficiar de acompanhamento clínico, pode considerar-se que esse risco esteja minimizado.
E ainda:
Conforme elaborado na resposta ao e), devido à sua condição psíquica crónica e irreversível, não se pode assumir como nulo o risco de que venha a cometer factos delituosos graves e que continue com condutas similares àquelas que estão em causa nos autos. No entanto, atendendo os fatores protetores identificados (suporte familiar, integração social, acompanhamento clínico), poderá considerar-se que o risco estará minimizado.
Contudo, este não é o único elemento probatório a ter em conta relativamente ao julgamento dos factos relativos ao risco de cometimento de factos da mesma natureza ou outra, igualmente ilícita. Na verdade, o único aspeto que apenas cabe ao perito determinar é a determinação da doença de que sofre o arguido e a sua consequente inimputabilidade porque subtraídos, em princípio, ao juízo do tribunal. Já no que aos restantes factos o tribunal deve ter em consideração todos os factos relativos à pessoa do arguido, quer anteriores quer posteriores à prática dos factos e bem assim a sua incontestável incapacidade de avaliar a ilicitude dos seus atos. Esta incapacidade acaba por ser o que maior peso assume na determinação da possibilidade de voltar a cometer factos ilícitos e o risco inerente a essa possibilidade.
No que concerne à perigosidade do arguido, condição essencial da aplicação de uma medida de segurança, é necessário que elementos de facto revelem a perigosidade, tendo o tribunal coletivo poderes de livre apreciação, diversamente do que sucede com a comprovação da existência da anomalia psíquica quando esta for a causa da inimputabilidade, que deve ser objecto de prova pericial (Pedro Albergaria, «Aspectos Judiciários da Problemática da Inimputabilidade, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 14, Julho-Setembro de 2004, p. 381 e ss.).
Nestes termos, tendo em conta o que se mostra vertido na justificação do julgamento de facto e nos Relatórios Periciais analisados e valorados, quer pela primeira instância quer por este Tribunal no âmbito do +presente recurso, concluímos que inexiste qualquer erro nos termos que a jurisprudência de forma unânime tem objetivado.
Ora, a prova não é avaliada de forma desgarrada. São analisados e avaliados todos os meios de prova produzidos nos autos de harmonia e à luz das regras da experiência e da lógica. Ou seja, a análise e valoração da prova é uma operação complexa realizada de forma conjugada à luz das regras da experiência comum e da lógica, o que se mostra realizado em conformidade com a lei (art.ºs 127.º do CPP)
Assim, não podemos, por esta via, alterar a matéria de facto considerada provada pela primeira instância dado que não nos encontrarmos perante um erro de julgamento nos termos expostos[6].
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Analisada a decisão não se vislumbra padecer de qualquer vício ou nulidade de conhecimento oficioso.
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(ii) Do preenchimento dos pressupostos de que depende a aplicação de uma medida de segurança:
Defende o arguido que:
15. In casu, não se encontram preenchidos, in totum, tais pressupostos, pois que o arguido apresenta uma reduzida perigosidade criminal encontrando-se socialmente, laboral e familiarmente integrado, beneficiando de suporte familiar e é acompanhado por clínicos da especialidade de psiquiatria.
16. A mitigação do risco de reincidência e a inexistência de perigosidade do arguido decorrendo de forma relevante e manifesta, quer do relatório da perícia médico-legal da especialidade de psiquiatria quer do relatório social.
17. A perigosidade pressuposta na aplicação de medidas de segurança tem que alicerçar-se num juízo de prognose sério e fundado de que o arguido volte a praticar ilícitos típicos da mesma, ou de diversa, natureza,
18. Juízo esse que, in casu, inexiste, pelo que, se impõe que a douta sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que decida pela inaplicabilidade da medida de segurança por não estarem reunidos os pressupostos de facto e de direito, para a sua aplicação.
Como bem salienta o Sr. PGA junto desta Relação, a subsunção dos factos ao direito realizada pelo tribunal de primeira instância mostra-se realizada corretamente.
Quer as penas quer as medidas de segurança constituem reação do direito penal material contra a prática de actos ilícitos típicos, legitimados por finalidades de prevenção geral e especial, positiva e negativa.
Não existe dúvidas que a aplicação de uma medida de segurança pressupõe o preenchimento dos seus pressupostos específicos, a saber a tipicidade, concretizada na tipicidade da conduta que preenche a previsão jurídico-criminal a ilicitude, através da do juízo negativo da não verificação de nenhuma causas de exclusão da ilicitude, e a perigosidade do agente, diretamente relacionada com a causa da inimputabilidade (artigos 40º e 91º do CP).
Sempre que a capacidade do agente para avaliar a ilicitude e se determinar por ela está muito diminuída, embora seja ainda possível um juízo de censura, este é substituído por um juízo de perigosidade, substrato da aplicação de uma medida de segurança (Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, II, pág. 157).
Nos presentes autos o tribunal a quo considerou, e não está colocado em causa nos presentes autos, que se mostravam preenchidos dois primeiros pressupostos, tendo o arguido colocado em causa, quer em termos de impugnação da decisão de facto quer em termos de subsunção jurídica dos factos provados, a perigosidade, legitimadora da aplicação da medida de segurança. E bem cremos nós.
O art. 91° do C. Penal consagra uma conceção da perigosidade criminal fundamentalmente devedora do pensamento probabilístico que se aproxima do conceito de perigo com que opera a dogmática penal e que o perspetiva como dano provável, na mais abrangente das definições (Cristina Líbano Monteiro Perigosidade de Inimputáveis e in dúbio pro reo, Universidade de Coimbra-Coimbra Editora-1997 pp 89 a 92).
«Tendo como conteúdo normativo a probabilidade de o agente de um facto-crime repetir a sua conduta típica e ilícita, o conceito legal de perigosidade corporizado no art. 91° reporta-se à perigosidade subjetiva, ou seja, à perigosidade referida à personalidade do agente (contraposta à perigosidade objetiva, de uma dada ação), o que implica que o juízo adequado a aferir daquela probabilidade não pode deixar de ser um juízo de previsão ou de prognose em que o julgador, projetando-se no horizonte do que ainda não ocorreu, procurará ajuizar sobre a eventualidade de aquela personalidade vir a estar na origem de novos factos ilícitos-típicos no futuro.» (Ac. do STJ de 27.10.2021, proc. 55/19.4SWLSB.L1.S1, in http://www.dgsi.pt).
A perigosidade, traduzida na probabilidade de, em liberdade, o autor do facto típico e ilícito, voltar a praticar novos crimes semelhantes ou relacionados com o praticado, é um atributo do agente, mas não pode ser considerada desligada da noção de perigo, aplicada quer ao facto criminoso, quer às situações exteriores ao delinquente e traduz-se numa criminalidade potencial e a um juízo de prognose quanto à probabilidade de cometimento de outros factos da mesma espécie (Maia Gonçalves in Código Penal Português anotado e comentado, 18ª ed. P. 418, nota 4, e Maria João Antunes in O internamento de Imputáveis em Estabelecimento destinados a Inimputáveis (Os arts 103º, 104º e 105º do Código Penal), Separata do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra).
Por conseguinte, o juízo de prognose que, necessariamente, terá de ser realizado, deverá assentar tanto nos relatórios periciais acerca das faculdades mentais e da personalidade do agente, como em outras circunstâncias exteriores, por exemplo, quanto ao seu modo de vida e condições sócio-familiares, nas estatísticas científicas disponíveis, nas regras de experiência e no bom senso do julgador (Cristina Líbano Monteiro, “Perigosidade de Inimputáveis e “In Dubio Pro Reo”, Studia Iuridica, nº 24, p. 90-91).
E também não é qualquer tipo de ilícito que justifica a aplicação de medidas de segurança, mas apenas os que revelem gravidade, em atenção à natureza dos bens jurídicos violados e à perigosidade social do agente que deriva de possíveis atividades futuras que este venha a levar a cabo e, tal como sucede, com a aplicação das penas, também na aplicação das medidas de segurança devem ser estritamente observados os princípios da legalidade, da tipicidade e da proporcionalidade (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 440/441; Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, p. 392 e 393 e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, p. 162).
Munidos destes ensinamentos, cumpre agora verificar se o tribunal a quo concluiu de forma adequada pelo preenchimento dos pressupostos acima enunciados, concretamente pelo preenchimento da perigosidade do arguido.
A qualificação jurídica dos factos constantes da sentença é a seguinte:
De harmonia com o disposto no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que, nos termos do disposto no n.º 3 daquele normativo, a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.
Por seu turno, o artigo 91.º do Código Penal estatui o seguinte:
“1 - Quem tiver praticado um facto ilícito típico e for considerado inimputável, nos termos do artigo 20.º, é mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie.
2 - Quando o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a cinco anos, o internamento tem a duração mínima de três anos, salvo se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.”
Conforme se já viu, o arguido praticou factos ilícitos e deverá ser declarado inimputável nos termos do disposto no artigo 20.º do Código Penal.
Assim, importa agora decidir se ao arguido deverá ser aplicada uma medida de segurança, o que pressupõe ainda a verificação da gravidade dos factos praticados e a existência de um fundado receio de que o mesmo venha a cometer outros factos da mesma espécie, em virtude da anomalia psíquica de que padece.
No que à gravidade dos factos praticados, importa ter em conta que o arguido praticou factos integradores do tipo de ilícito de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176º n.º 1, alínea b) e 177.º, n.º 6 do Código Penal, na modalidade de aliciamento de menor de 16 anos, através de “chat” associado ao Facebook, a remeter-lhe fotografia sua de conteúdo pornográfico, a que corresponde pena de prisão de um ano e 4 meses a seis anos e oito meses.
Assim, a gravidade dos factos ilícitos típicos praticados pelo arguido mostra-se desde logo espelhada nos concretos factos praticados pelo arguido, nos bens jurídicos protegidos pela norma violada e na moldura penal abstractamente aplicável.
Entendemos, assim, que o arguido praticou factos ilícitos típicos com uma gravidade que permite a aplicação de uma medida de segurança.
No que concerne ao requisito da perigosidade do arguido, importa ter em consideração que se trata da formação de um juízo de previsibilidade da repetição da prática pelo mesmo de novos factos ilícitos típicos, sendo por tal que a lei refere um fundado receio de que o agente venha a praticar factos da mesma espécie.
A este propósito, refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/06/2006 (Processo JTRP00039343, in www.dgsi.pt) o seguinte: “Na formulação de Cristina Líbano Monteiro [Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reu, p. 125 e 81] o juízo de inimputabilidade implica uma prova tríplice ou um triângulo probatório cujos lados são: o facto, a anomalia psíquica e o nexo que os junta numa mesma unidade de sentido. A aplicação de uma medida de segurança passa inevitavelmente por um juízo de prognose, que se reputa aliás decisivo e fundamental – o juízo sobre a perigosidade criminal do arguido.”
No caso em apreço, constata-se que o arguido sofre de Perturbação do Desenvolvimento Intelectual, secundária ao Síndrome Cornelia de Lange, que é grave, crónica e irreversível; que em consequência dessa anomalia psíquica não tem capacidade para avaliar da ilicitude dos seus actos, designadamente dos praticados e de actos de conteúdo criminal de natureza sexual, pelo que poderá voltar a praticar factos de igual natureza, sentido no qual se conclui também no relatório do exame pericial a que foi submetido.
Importa, no entanto, ter presente que na determinação da necessidade de aplicação de uma medida de segurança, como nos movemos no plano da estrita legalidade e tipicidade penal, entram em linha de conta os princípios da proporcionalidade e da menor intervenção possível para a escolha da medida, não bastando a perigosidade, pois que daí não deriva a imposição automática de uma medida de segurança, exigindo-se ainda que se verifique a necessidade da medida e que esta seja proporcionada.
Não restando dúvidas de que no caso em apreço a necessidade da aplicação da medida de segurança se verifica, a opção perfila-se entre o internamento efectivo e a suspensão da execução do internamento – autêntica medida de segurança de substituição – e será decidida em função de critérios de proporcionalidade e do princípio da menor intervenção possível, que é reconduzível ao princípio mais amplo da necessidade entendido de acordo com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, do qual decorrer que se uma medida menos gravosa serve a finalidade de protecção comunitárias, a mais gravosa há-de considerar-se desnecessária – Cfr. Cristina Líbano Monteiro, in Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, pág. 132.
Tendo presente o supra exposto, afigura-se-nos que no caso em apreço, no qual o arguido conta com suporte e supervisão familiar, se encontra integrado em actividade ocupacional em estabelecimento de sue pai e beneficia de acompanhamento clínico, mostrando-se socialmente integrado, a suspensão da execução do internamento será suficiente, até porque acompanhada da imposição de deveres, o que possibilita a flexibilização da medida em função das necessidades terapêuticas do arguido.
Nada a apontar nem à qualificação jurídica dos factos nem à medida de segurança fixada. É necessário ter em conta que, como se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa, de 16 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 457/12.7PBBJA.E1.S1, da 5.ª Secção:
“A aplicação da medida de segurança de internamento radica sempre na necessidade de prevenção da prática futura de factos ilícitos típicos sendo, por isso, orientada por uma finalidade de prevenção especial ou individual da repetição da prática de factos ilícitos típicos. Não basta, porém, que se verifique a probabilidade de cometimento de “outros factos típicos graves”, como se previa na versão inicial do Código Penal. Com a Lei 48/95, de 15-03, passou a exigir-se a prática de outros factos ilícitos típicos “da mesma espécie”. Os factos da mesma espécie são factos que lesem ou ponham em perigo o mesmo tipo de bem jurídico.
A aferição da perigosidade do agente, traduzida, por meio de uma valoração global do facto e do agente, no “fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie”, deve ser feita no momento da decisão, pertencendo ao tribunal de julgamento.
Esta avaliação e finalidade mostram-se plenamente realizada e tida em consideração não merecendo qualquer censura a decisão recorrida.
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IV - Decisão:
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação de Évora, em julgar não provido o recurso interposto pelo arguido AA, e em consequência mantém-se na íntegra a sentença proferida.
c) Custas pelo arguido fixando-se em 3 (três) UC’s a taxa de justiça;
Évora, 21 de novembro de 2023
Processado e revisto pela relatora (art.º 94º, nº 2 do CPP).
Maria Perquilhas (relatora)
Filipa Costa Lourenço
João Carrola
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[1] Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263);
SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48; SILVA, GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363.

[2] O erro de julgamento capaz de conduzir à modificação da matéria de facto pelo Tribunal de recurso, nos termos dos artigos 412º, nº 3 e 431º, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, reporta-se, normalmente, às seguintes situações:
- o Tribunal a quo dar como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha e a mesma nada declarou sobre o facto;
- ausência de qualquer prova sobre o facto dado por provado;
- prova de um facto com base em depoimento de testemunha sem razão de ciência da mesma que permita a prova do mesmo;
- prova de um facto com base em provas insuficientes ou não bastantes para prova desse mesmo facto, nomeadamente com violação das regras de prova;
- e todas as demais situações em que do texto da decisão e da prova concretamente elencada na mesma e questionada especificadamente no recurso e resulta da audição do registo áudio, se permite concluir, fora do contexto da livre convicção, que o tribunal errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas.
II. A diferente valoração da prova não se confunde com o erro de julgamento ou com qualquer dos vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal.
[3] O que a arguida bem refere no seu recurso.
[4] Como se esclareceu no Ac. STJ de 15/09/2010, proc. n.º 173/05.6GBSTC.E1.S1, Relator Fernando Fróis: O erro de julgamento da matéria de facto existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado não provado, ou então, o inverso e tem a ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação da prova, constante do art. 127.º do CPP.
XII - Os vícios do nº 2 do art. 410.º do CPP são de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Os vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, nomeadamente o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no citado normativo – art. 127.º do CPP.
XIII - Não incidindo o recurso sobre prova documentada nem se estando perante prova legal ou tarifada, não se pode sindicar a boa ou má valoração daquela, e querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida é afinal querer impugnar a convicção do tribunal, esquecendo a citada regra. Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é a convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.
XIV - O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas. Embora em ambos se esteja no domínio da sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, verifica-se em momento anterior à elaboração do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício não se estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto.
[5] Sublinhado nosso.
[6] Ac. STJ de 15/09/2010, proc. n.º 173/05.6GBSTC.E1.S1, Relator Fernando Fróis.