Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1998/17.5T8SLV-F.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: PERSI
CARTA MISSIVA
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. Em sede de processo executivo, a falta de oposição a um articulado ou a qualquer incidente não acarreta uma cominação, quando essa factualidade estiver em oposição com a posição processual anterior sobre o tema controvertido.
2. A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
3. Este incumprimento do regime legal traduz-se numa falta de condição objectiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias e que conduz à absolvição da instância.
4. As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do procedimento têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL 227/2012, de 25/10, não sendo exigível o envio de correio registado.
5. Se esse facto for contraditado pela parte contrária, não se pode retirar da simples junção aos autos de cópias de cartas que foram efectivamente cumpridas as exigências formais de integração no PERSI e da subsequente extinção do procedimento, dado que estamos perante declarações receptícias que adicionalmente implicam a demonstração do envio e recepção desses suportes.
6. O conhecimento da matéria pode decorrer de intervenção ex officio ou de factos, impugnações ou excepções que não constem do articulado de oposição à execução e pode ocorrer até à primeira transmissão de bens, devendo, assim, caso a questão seja controvertida e não esteja integrada em defesa mediante embargos de executado, ao abrigo do princípio da adequação formal, ser submetida ao crivo da prova contraditória incidental.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Execução de Silves – J2
Processo n.º 1998/17.5T8SLV-F.E1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente acção executiva para pagamento de quantia certa proposta por “(…) Banco, SA” contra (…) e (…) e outros, os executados interpuseram recurso da decisão que julgou não verificada a excepção dilatória inominada e insuprível decorrente na alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
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O exequente instaurou a execução contra os executados e respectivos fiadores por incumprimento de empréstimos destinados à aquisição de imóveis. Para tanto, alega que, após a concessão de empréstimos, a partir de 30/04/2015, de acordo com o plasmado no ponto 15 do requerimento executivo, os executados deixaram de efectuar os pagamentos das prestações que se obrigaram liquidar.
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Os executados (…) e (…) apresentaram oposição à execução mediante embargos sem terem invocado a excepção dilatória de não integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
Os embargos de executado foram liminarmente indeferidos.
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As oposições mediante embargos propostas por (…) e (…) foram julgadas improcedentes.
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A “(…), STC, SA” foi habilitada no lugar do Exequente “(…) Banco, SA”.
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Posteriormente, nos autos principais, individualmente, os executados (…) e (…) vieram invocar a existência de nulidade por ausência de integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), requerendo a absolvição a absolvição da instância.
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Em resposta, o exequente invocou que remeteu cartas nos dias 03 e 04 de Julho de 2015, as quais foram enviadas individualmente a cada um dos destinatários para as moradas dos executados 3 cartas (uma para cada contrato ora dado à execução), com os valores em dívida, condições e declaração para integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) e, mais tarde, em 29/07/2015, remeteu uma carta para cada um dos executados informando-os que o procedimento estava extinto.
Adiantou que nenhuma desta missivas obteve resposta dos executados e juntou suporte documental destinado a comprovar essa realidade.
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Os executados não se pronunciaram sobre a referida junção.
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O despacho recorrido têm o seguinte conteúdo:
«A lei impõe, de facto, às instituições de crédito que promovam, junto dos seus cliente que se encontrem em mora, as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto no artigo 12.º e seguintes do Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
Pelo que a instituição de crédito, antes de recorrer às vias judicias com vista à cobrança coerciva do seu crédito, tem, pois, imperativamente de proceder à abertura, tramitação e encerramento do referido procedimento. O qual se identifica com uma etapa pré – judicial, de verificação necessária e ou obrigatória, destinada à composição consensual ou amigável do litigio que, face à verificada situação de incumprimento, passou a opor o banco/ ou instituição de crédito ao cliente.
O referido procedimento compreende diversas fases, as quais se encontram previstas no artigo 14.º e seguintes do Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, sendo certo, que antes da extinção de tal procedimento está vedado ao credor a instauração de qualquer acção judicial que vise a satisfação do crédito devido, conforme decorre do artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, o mesmo sucedendo caso nem sequer diligencie pela sua implementação.
Com efeito, a propositura de acção judicial sem a prévia integração do devedor no PERSI, vem sendo classificada como uma excepção dilatória atípica ou inominada, insuprível, já que está em causa falta de um pressuposto prévio e antecedente da própria instauração da acção executiva.
Pelo que tal omissão a verificar-se conduz à absolvição do demandado da instância executiva, nos termos do artigo 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
E daí que por estar justamente em causa a própria regularidade da instância executiva, associada à inobservância pelo credor de normas de cariz imperativo (que visam a tutela do devedor), se entenda que se trata de matéria de conhecimento oficioso, não sujeita ao princípio da preclusão – artigo 578.º do Código de Processo Civil.
Ora, in casu, sem prejuízo do que foi alegado pelos devedores, sucede que a Exequente juntou aos autos missivas que atestam a implantação e o encerramento do referido procedimento, nomeadamente quanto aos dois créditos exequendos sendo certo, que os executados não contestaram o respectivo recebimento de tais comunicações, nem a veracidade dos fundamentos que são invocados em tais documentos.
Com efeito resulta dos documentos juntos aos autos que os executados foram integrados no em 03.07.2015, procedimento esse que foi encerrado em 29.07.2015, com fundamento na falta de capacidade financeira dos executados para regularizarem a dívida.
Pelo que inexiste, assim, qualquer fundamento para concluir pela verificação da excepção dilatória invocada, improcedendo a arguição da sua verificação.
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A recorrente (…) não se conformou com a referida decisão e as alegações de recurso apresentavam as seguintes conclusões, aliás extensas e prolixas e que, na sua essencialidade, transportam toda a matéria alegada para o resumo conclusivo[1] [2] [3] [4] [5]:
«1. O douto tribunal a quo bem entendeu ser a nulidade invocada pela Requerente de classificar como uma excepção dilatória atípica ou inominada, insuprível, já que está em causa a falta de um pressuposto prévio e antecedente da própria instauração da acção executiva.
2. Por estar justamente em causa a própria regularidade da instância executiva, associada à inobservância pelo credor de normas de cariz imperativo (que visam a tutela do devedor), se entenda que se trata de matéria de conhecimento oficioso, não sujeita ao princípio da preclusão – artigo 578.º do Código de Processo Civil.
3. Porém, considerou o douto tribunal que “os executados não contestaram o respectivo recebimento de tais comunicações” do Tribunal a quo, referindo-se aos documentos – constituídos pela missiva do credor – sem qualquer outra fundamentação.
4. O conceito de que “os executados não contestaram o respectivo recebimento de tais comunicações”, é parco, vago e indeterminado.
5. O Tribunal a quo, sem delonga – e cita-se “(…) Com efeito resulta dos documentos juntos aos autos que os executados foram integrados no em 03.07.2015, procedimento esse que foi encerrado em 29.07.2015, com fundamento na falta de capacidade financeira dos executados para regularizarem a dívida”.
6. De facto, os executados não foram integrados no PERSI.
7. O douto tribunal conclui que a Exequente juntou aos autos missivas que atestam a implantação e o encerramento do referido procedimento, apenas pela junção de carta, sem qualquer comprovativo de envio e recebimento da mesma, presunção que não pode ter lugar.
8. Não podia ser dada essa virtude às missivas juntas.
9. A junção do documento foi previamente contraditada pela Executada, quando alega não ter sido integrada no PERSI, o que apenas acontece com a existência dessa comunicação, do seu envio e da sua recepção pela Executada, o que a Exequente não provou ter feito conforme lhe competia.
10. A junção de uma carta simples, que pode ser produzida em qualquer altura, sem o suporte documental de expedição da mesma, como seja o talão de registo, a respectiva chegada ao conhecimento dos Executados, não pode constituir prova inequívoca do seu envio e, muito menos, do recebimento por parte dos destinatários, ora Executados, conforme a Exequente quer fazer crer.
11. As declarações de integração e de extinção no PERSI são declarações receptícias e a sua eficácia está dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário (artigo 224.º/1, 1ª parte, do CC que consagra a teoria da recepção), recaindo sobre a instituição bancária o ónus de o provar (artigo 342.º/1, CC)” (Ac. do TRE de 27/04/2017, citado acima).
12. Compete sempre ao remetente da comunicação receptícia o ónus da prova, além da respectiva expedição, também da sua efectiva chegada ao conhecimento do seu destinatário, condição de eficácia da mesma, ou de que foi por culpa deste que a mesma se frustrou.
13. A esse propósito, os Acórdãos do TRP de 25/06/2013, Proc. 4832/10.3TBVFR-C, Acórdão do TRL de 09/05/2006, proc. 1979/2006-7, e Acórdão do TRL de 20/03/2012, proc. 6456/10.6TBSXL.L2-7.
14. Não é prova suficiente da existência do envio e muito menos da recepção da dita declaração, uma cópia da mesma, sem prova directa e objectiva que a corrobore, como seja a/r, um registo, ónus que não foi cumprido pelo Exequente, conjugados com as regras do artigo 224.º do Código Civil.
15. O douto tribunal não deveria ter considerado como bastante a mera junção da referida missiva, como comunicação válida em termos de PERSI.
16. Não era exigível à Executada impugnar a carta junta, uma vez que tal já se encontrava contraditada pela mesma, ao suscitar que o credor instaurou a presente acção executiva, sem a sua prévia integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
17. Mal decidiu igualmente o douto tribunal quando, sem qualquer outra fundamentação, sustentou apenas a sua decisão de improcedência da nulidade arguida pela falta de impugnação por parte do Executada, do documento junto pela Exequente, porquanto, a posição da Executada já assumida nos autos, para além de coerente e esclarecedora, permitia a conclusão pelo douto tribunal, que o documento já estava devidamente impugnado por aquela.
18. Verifica-se erro na apreciação desse facto.
19. Exigir o tribunal, após a junção da carta pelo Exequente, a impugnação pela Executada, não faz qualquer sentido e revelar-se-ia um acto inútil e dilatório, uma vez que, esta já havia pugnado pela sua falta.
20. Não se pode entender que a Executada, ao não impugnar o documento após a sua junção, o tenha admitido e aceite o efeito que o Exequente pretendia, porque tal está directamente em oposição à pretensão desta, já previamente assumida, aliás, pela Executada nestes autos em momento anterior aquando da arguição da referida nulidade.
21. Perante o que, seria forçoso concluir que a Executada não seria obrigada a tomar posição perante a junção de tal documento, uma vez que, o mesmo estava em manifesta oposição com a defesa considerada no seu conjunto e expressa pela Executada, nos termos do consignado pelo artigo 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
22. Não poderia o tribunal ter decidido pela improcedência da excepção invocada apenas e só por considerar que o documento não foi impugnado, quando, atendendo à defesa assumida, a parte – Executada – a tal já não estava obrigada.
23. E, como referido anteriormente, a mencionada nulidade é de conhecimento oficioso e como tal deveria o tribunal a quo ter-se pronunciado sobre o documento junto pelo exequente e não o ter valorado, por não haver prova de que aquela comunicação de integração e de extinção do PERSI foi expedida (talão de registo) e que a mesma tenha sido recepcionada pela executada (A/R) ou dos factos suficientes para permitir essa conclusão – depósito e aviso, conjugados com as regras do artigo 224.º do Código Civil.
24. A falta de junção de prova do envio ou da sua recepção, permite concluir, com elevado padrão de certeza, que as declarações de integração não foram do conhecimento efectivo dos destinatários porque o Exequente assim não actuou de forma clara e inequívoca.
25. O Exequente não actuou como devia e não é legítimo que seja a Executada penalizada pela omissão do Exequente.
26. A declaração receptícia ou recipienda é a declaração que carece de ser dada a conhecer a um destinatário de forma efectiva.
27. Não a tendo recebido, a Executada nada mais podia fazer senão o que fez, insurgindo-se contra a omissão do Exequente através dos presentes autos.
28. Salvo o devido respeito, que o tribunal a quo não decidiu bem, ao valorar aquela comunicação como valorou, pela mesma não reunir a formalidade que ao caso seria exigível.
29. Estando em causa uma nulidade – por falta de integração no PERSI do devedor por parte do credor – deveria o quo ter determinado a sua procedência, não se escudando apenas na não impugnação do documento, sem mais.
30. Dúvidas não existem que nos autos e do teor do requerimento indeferido, resultavam motivos atinentes e mais que justificados, bem como, cabimento legal, para que fosse declarada a nulidade suscitada pela ora recorrente, com vista à absolvição da instância executiva e, consequente, formalização da integração em PERSI da recorrente.
31. Pelo que, mal andou o douto Tribunal a quo quando decidiu, sem mais, indeferir o requerimento da aqui Recorrente, dado que, competia ao douto Tribunal a quo através da análise cuidada dos documentos juntos aos autos e com a prévia oposição da recorrente, declarar o justo ao caso em concreto, dado que é isso que os cidadãos, através da confiança e a boa-fé que depositam nos Tribunais enquanto órgãos de soberania, pretendem que lhes sejam declarado e reconhecido.
32. O douto despacho proferido e do qual ora se recorre, ignora a factualidade e não cumpre com os deveres pela boa administração da Justiça.
33. A conduta da Recorrente sempre se pautou pela boa-fé processual sem delongas ou manobras dilatórias, pois, atendendo à simples junção da missiva sem qualquer comprovativo do envio da mesma pelo credor à devedora e executada e da sua boa recepção, entende a recorrente que face ao já alegado por esta, em sede da nulidade suscitada, só por si, constituía matéria suficiente para o douto tribunal decidir sem mais contraditório da ora recorrente.
34. Não se entende o juízo de “os executados não contestaram o respectivo recebimento de tais comunicações” do Tribunal a quo, referindo-se aos documentos – constituídos pela missiva do credor – sem qualquer outra fundamentação. Quando existia cabimento legal para o seu pedido e para a sua decisão.
35. Embora a questão suscitada se trate de uma nulidade de conhecimento oficioso, a recorrente ao dirigir-se ao douto tribunal carreando informação relevante para a boa decisão do mérito da causa, contribuiu assim para a boa administração da Justiça.
36. Não pode o tribunal denegar esse direito, quando a Executada fez o que lhe competia e estava ao seu alcance, encontrando-se o douto tribunal em condições, sem demais, para analisar e decidir a questão suscitada e contraditada previamente pela executada, o que teria, necessariamente, de conduzir à procedência da nulidade.
37. O douto tribunal ao dar como provada a matéria quanto ao envio da carta sem o suporte desse envio, aderiu à oposição do Exequente com a simples junção da carta, lesando assim os interesses da Executada, não tendo em conta o contraditório desta, ainda que antecipado, relativamente à pretensão do Exequente de fazer valer o envio da carta simples, omitindo a formalidade que subjaz a uma comunicação receptícia.
38. Verifica-se um erro na apreciação da prova junta, que se não poderia ter levado à decisão proferida, por ser uma comunicação receptícia, repita-se, relativamente à qual as formalidades não foram cumpridas pelo Exequente.
39. Não se demonstrando a existência da comunicação da integração dos executados no PERSI, não existe uma condição objectiva de procedibilidade da execução (artigo 18.º/1-b, do referido DL 227/2012 e ac. do TRL de 26/10/2016, proc. 4956/14.8T8ENT-A.E1), pelo que esta não pode prosseguir.
40. Ao decidir como decidiu, o douto tribunal a quo violou as normas contidas nos artigos 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e 224.º, n.º 1 e 342.º, n.º 1, ambos do Código Civil e artigo 18.º/1-b, do referido DL 227/2012, de 25 de Outubro.
Nestes termos e nos demais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o douto Despacho, ora recorrido, ser revogado e substituído por outro que considere a excepção inominada de nulidade procedente por provada, declarando-se extinta a instância executiva e absolvendo-se a Executada da mesma.
Porém, V. Exas. decidirão como for de Justiça».
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A recorrente (…) não se conformou com a referida decisão e as alegações de recurso apresentavam as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto do douto despacho com a referência 112778865 que concluiu pela não verificação da exceção dilatória invocada, improcedendo, assim, a arguição da nulidade insanável invocada pelo recorrente.
B. As declarações de integração e de extinção no PERSI são declarações receptícias e a sua eficácia está dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário (artigo 224.º, n.º 1, 1.ª parte, do CC, que consagra a teoria da receção), recaindo sobre a instituição bancária o ónus de o provar (artigo 342.º, n.º 1, do CC)” (cfr. Ac. do TRE de 27/04/2017, Processo n.º 37/15.5T8ODM-A.E1, disponível in http://www.dgsi.pt/).
C. Compete sempre ao remetente da comunicação receptícia o ónus da prova, além da respetiva expedição, também da sua efetiva chegada ao conhecimento do seu destinatário, condição de eficácia da mesma, ou de que foi por culpa deste que a mesma se frustrou.
D. Não é prova suficiente da existência do envio e muito menos da receção da dita declaração, uma cópia dessa mesma declaração, sem prova direta e objetiva que a corrobore, como seja um aviso de receção, um registo, ónus que não foi cumprido pelo exequente, segundo as regras do artigo 224.º do Código Civil.
E. O douto tribunal não deveria ter considerado como bastante a mera junção da referida missiva, como comunicação válida nos termos do PERSI.
F. Por outro lado, a junção do documento foi previamente contraditada pelo
executado, quando alega não ter sido integrado no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
G. Não era exigível ao executado impugnar a carta junta, uma vez que tal já se encontrava contraditado pelo mesmo, ao suscitar que o credor instaurou a presente ação executiva, sem a sua prévia integração no PERSI.
H. Não se pode entender que o executado, ao não impugnar o documento após a sua junção, o tenha admitido e aceite o efeito que o exequente pretendia, porque tal está diretamente em oposição à pretensão deste, já assumida, aliás, pelo executado nestes autos em momento anterior aquando da arguição da nulidade.
I. Perante o que, seria de concluir que o executado não seria obrigado a tomar posição perante a junção de tal documento, uma vez que, o mesmo estava em manifesta oposição com a defesa considerada no seu conjunto e expressa pelo executado, nos termos do consignado pelo artigo 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
J. Salvo o devido respeito, o tribunal a quo não decidiu bem, ao valorar aquela comunicação como valorou, pela mesma não reunir a formalidade que ao caso seria exigível.
K. Estando em causa uma nulidade – a falta de integração no PERSI do devedor por parte do credor – deveria o tribunal a quo ter determinado a sua procedência, não se escudando na não impugnação do documento, sem mais.
L. O douto tribunal ao dar como provada a matéria quanto ao envio da carta sem o suporte desse envio, omitiu a formalidade que subjaz a uma comunicação receptícia.
M. Há um erro na apreciação da prova junta, que se não poderia ter levado à decisão proferida, por ser uma comunicação receptícia, repita-se, relativamente à qual as formalidades não foram cumpridas pelo exequente.
N. Ao decidir como decidiu, o douto tribunal a quo violou as normas contidas nos artigos 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e artigos 224.º, n.º 1 e 342.º, n.º 1, ambos do Código Civil e artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.
Nestes termos e nos melhores de Direito, os quais V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o douto Despacho, ora recorrido, ser revogado e substituído por outro que considere a exceção dilatória inominada procedente por provada, declarando-se extinta a instância executiva e absolvendo-se o executado da mesma.
Porém, V. Exas., farão a tão costumada Justiça!».
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Houve lugar a respostas do “(…) Banco, SA”, que defendeu a manutenção da sentença proferida.
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Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento universal que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da errada interpretação do Tribunal recorrido quanto à realização da comunicação da integração da dívida no plano PERSI e da posterior extinção do procedimento.
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III – Factualidade com interesse para a justa resolução do recurso:
Os factos com interesse para a justa resolução do recurso constam do relatório inicial.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Do erro de direito [Do incumprimento da notificação obrigatória prevista no âmbito do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)] – Considerações gerais:
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras.
Está vertido no preâmbulo do diploma que «a concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a actuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afecta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma actuação prudente, correcta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na acepção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril».
Prosseguindo, no referido preâmbulo pode ler-se que se institui um «Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor».
O regime em discussão entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013, face ao consignado no artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
O artigo 1.º do diploma em causa estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito, destacando-se, a este propósito, «a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte».
Em acréscimo, a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º integra os contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel na esfera de previsão do PERSI. Esta opção visa, entre outros aspectos, (i) restringir dentro dos clientes bancários aqueles que poderiam beneficiar do PARI / PERSI e em (ii) afastar do âmbito de aplicação do diploma aqueles que, apesar de estabelecerem relações com uma instituição de crédito, não se colocaram, nessa relação, na posição de credor de uma específica prestação.
O citado Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro dispõe, no artigo 18.º[6], sobre as garantias do cliente bancário.
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O PERSI consiste num procedimento tipificado de composição extrajudicial, por mútuo acordo, de situações de mora e/ou incumprimento, que se desenrola em três fases:
i) uma fase inicial – na qual as instituições de crédito mutuantes informam o cliente da ocorrência de uma situação de mora e dos montantes vencidos em dívida, procurando obter informações acerca das razões subjacentes ao incumprimento. Sendo que, caso esse incumprimento se mantenha, o cliente será obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31º dia e 60º dia posterior à entrada em mora.
ii) uma fase de avaliação e proposta – na qual as instituições de crédito mutuantes procuram apurar se o incumprimento é pontual e temporário ou, ao invés, se denota uma incapacidade do cliente em cumprir de forma continuada com as suas obrigações contratuais, comunicando-lhe posteriormente o resultado dessa indagação, e apresentando ou não uma proposta de regularização adequada à sua situação financeira, objectivos e necessidades (consoante concluam que a renegociação das condições do contrato, ou a consolidação do crédito com outros, são soluções exequíveis). E, finalmente,
iii) uma fase de negociação – no âmbito da qual o cliente poderá recusar ou propor alterações à proposta apresentada e, por sua vez, a instituição de crédito mutuante poderá rejeitar as alterações sugeridas ou, quando considere que não existem alternativas viáveis e adequadas ao cliente, abster-se de apresentar uma contraproposta ou uma nova proposta.
Para além do caso mencionado a propósito da fase inicial supra mencionada, a instituição de crédito mutuante está sempre obrigada a incluir o cliente no PERSI quando aquele esteja numa situação de mora e o solicite, ou quando um cliente que já tivesse alertado para o risco do seu incumprimento entre, efectivamente, em mora.
A integração de cliente bancário no PERSI é obrigatória, quando verificados os seus pressupostos e a acção judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI, conforme decorre do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012.
A omissão da informação ou a falta de integração do devedor no PERSI, pela instituição de crédito, constituí violação de normas de carácter imperativo, que configuram, também, excepções dilatórias atípicas ou inominadas, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da acção.
Feito o anúncio das mais pertinentes normas legais contidas no diploma habilitante e dos trâmites burocráticos a estas associados, passemos à apreciação jurídica da decisão.
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4.2 – Da avaliação concreta da questão fundamental da integração dos executados no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento:
Como já se assinalou na secção precedente, a falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
Este incumprimento do regime legal traduz-se numa falta de condição objectiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias e que conduz à absolvição da instância.
Em decisão datada de 06/10/2016, foi debatida pelo actual relator a questão da falta da notificação dos devedores e garantes do pagamento como uma questão de falta de condição objectiva de procedibilidade. Essa posição já foi por nós renovada no acórdão datado de 31/01/2019 e tem sido objecto de jurisprudência concordante noutras decisões do Tribunal da Relação de Évora, como por exemplo daquelas que foram proferidas em 28/06/2018, 02/05/2019, 16/05/2019 ou 26/05/2022, as quais podem ser consultadas em www.dgsi.pt, entre muitas outras. Esta posição é partilhada pelos Juízes Desembargadores Adjuntos[7].
Porém, a questão judicanda não é exactamente essa. Na realidade, aquilo que, num primeiro momento, se discute nesta sede é simplesmente apurar se foi cumprida a obrigação de notificação expressa no diploma legal sub judice.
É entendimento pacífico que compete ao credor alegar e demonstrar que os devedores tiveram conhecimento da sua integração no PERSI, bem como da extinção desse procedimento.
Também não sofre contestação que se tratam de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada[8] [9].
As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL 227/2012, de 25/10.
Na realidade, resulta da letra da alínea h) do artigo 3.º do Regime Geral que se considera suporte duradouro qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações inalteradas.
A exigência legal de celebração por escrito e em suporte duradouro do contrato de edição constitui uma formalidade ad probationem, sujeita ao regime estabelecido no n.º 2 do artigo 364.º[10] do Código Civil, sendo que a omissão deste documento escrito que prove a declaração negocial – que se presume imputável ao editor – carece de ser invocada pelo autor para produzir o típico efeito que lhe aparece associado, só ele tendo legitimidade para se prevalecer do défice formal do negócio.
No entanto, relativamente à necessidade de correio registado não é essa a nossa posição[11] [12] [13]. A este respeito e com total razão, também se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, ao referir que «se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de recepção, tê-la-ia consagrado expressamente»[14].
Efectivamente, a nosso ver, a lei não exige que as missivas dirigidas aos clientes pela instituição bancária tenham que obedecer a qualquer formalidade, por exemplo sejam enviadas por carta registada com aviso de recepção, bastando-se, a nosso ver, para o cumprimento da lei, o envio de tal documentação em conformidade com o estabelecido no contrato para a comunicação entre a instituição de crédito e o cliente, nomeadamente, se assim for o caso, por carta simples para a morada do cliente contratualmente convencionada ou por email, documentação essa que deve constar do referido suporte duradouro[15].
A lei faz recair sobre o declarante o ónus de efectuar uma comunicação eficiente[16]. E na visão de Ferreira Pinto compete-lhe fazer com que a declaração seja recepcionada pelo destinatário em circunstâncias tais que possa este possa ter um efectivo acesso ao seu conteúdo[17].
Em sede de declarações recepiendas, de acordo com as regras gerais de distribuição do ónus da prova, incumbe ao Autor da declaração demonstrar que empregou um meio de transmissão que se revele idóneo a atingir a esfera do conhecimento do declaratário e que a declaração foi por ele efectivamente recebida, enquanto que compete a este último convencer que a declaração foi recebida em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida.
A declaração recepienda, de acordo com o estatuído no artigo 224.º[18] do Código Civil, torna-se apta a produzir os efeitos pretendidos pelo declarante logo que que é efectivamente conhecida pelo destinatário ou quando ao poder deste em condições de ser por ele conhecida ou a partir do momento em que, normalmente, teria sido recebida pelo destinatário, caso este não tivesse obstado, com culpa, à sua oportuna recepção.
A lei parte da situação regular e normal de que, com a chegada ao poder, o destinatário (o declaratário) está em condições de tomar conhecimento e que ele toma este conhecimento. O saber se a chegada ao poder conduz realmente a uma situação, suposta pela lei, que permite o conhecimento efectivo, determina-se em conformidade com as concepções reinantes no tráfico jurídico para os negócios em causa[19].
A exigência probatória ad probationem apenas se reporta ao cumprimento da obrigação procedimental (o documento é exigido apenas para prova da declaração), mas a prova da entrega das missivas ao cliente pode ser concretizada por qualquer meio probatório, inclusive por prova testemunhal.
Apesar de a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de recepção para cumprir a obrigação legal sub judice, o envio da carta em correio simples só dificulta a questão da prova por parte da sociedade exequente relativamente ao conhecimento da declaração receptícia, que poderá ser assim confrontada com uma indefinição probatória que lhe será imputável, mas o registo não constitui uma formalidade obrigatória e insubstituível.
Na realidade, face a algum insucesso probatório perscrutável em diversas fontes jurisprudenciais, no binómio entre custo e benefício, as instituições de crédito devem analisar se é ou não mais vantajoso alterar o seu padrão operativo no domínio da realização das comunicações PERSI.
No entanto, esta concepção não basta para resolver a questão controvertida, antes disso, aquilo que importa é saber se foi accionado algum efeito cominatório, designadamente o que se mostra previsto no artigo 574.º[20] do Código de Processo Civil, tal como resulta implicitamente da decisão recorrida.
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Neste particular, o exequente adianta que os executados, ao não terem contestado as referidas comunicações e ao não haverem suscitado essa questão nos embargos de executado apresentados, aceitaram tal factualidade e a mesma deve ser reconhecida.
Na perspectiva dos recorrentes, a não impugnação do documento após a sua junção, não implica a aceitação de tal realidade, porquanto a mesma está directamente em oposição à pretensão formulada em momento anterior aquando da arguição da nulidade.
Tal como ressalta da simples leitura do requerimento inicial, em sede de propositura da acção executiva, o exequente não menciona o cumprimento das obrigações de integração e de extinção do PERSI, donde dali nunca resultaria um efeito confessório.
Também é transparente que o fundamento em causa não foi integrado no articulado de oposição à execução. Na sua estrutura processual os embargos constituem uma acção declarativa que, simultaneamente, são um meio de defesa posta em benefício do executado, visando extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva[21].
Como a questão não integrou o acertamento negativa da situação substantiva[22] nem ali foi invocada em sede de articulados a falta concreta da condição de admissibilidade aqui em discussão nunca teria aplicação o disposto quanto à falta de apresentação da contestação, nos termos conjugados dos artigos 567.º[23] e 732.º, n.º 3,[24] do Código de Processo Civil.

E, ainda que assim não fosse, é assertivo Lebre de Freitas quando sublinha que nem a omissão de oposição produz a situação de revelia nem a omissão de impugnação dum facto constitutivo da causa de pedir produz qualquer efeito probatório[25]. Por outras palavras, em sede de processo executivo, o silêncio do exequente ou executado não tem necessariamente o valor de admissão[26] [27] [28] [29], cominação que é própria da omissão de contestar no processo declarativo.
Estamos, assim, numa sede em que o efeito cominatório não tem a extensão prevista para o processo declarativo. E, além do mais, a matéria em questão foi previamente contraditada pelos executados em sede de dedução da nulidade, articulado esse em que se exerce uma manifesta oposição com a tese da integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI). E isso basta para tornar a questão judicanda incerta e controvertida.
Nesta ordem de ideias, em sede de processo executivo, a falta de oposição a um articulado ou a qualquer incidente não acarreta uma cominação, quando essa factualidade estiver em oposição com a posição processual anterior sobre o tema controvertido.
Nesta sede, é consensual que estamos perante matéria de conhecimento oficioso e que a integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento perfectibiliza e dá eficácia ao próprio título executivo, o qual não incorpora a declaração de um direito de crédito exequível se for preterido determinado percurso negocial legalmente tabelado antecedente da propositura da acção.
E, nessa medida, mesmo que a matéria de excepção não tenha integrada na oposição, por a questão não necessitar de ser convocada pelos executados, a falta de condição de procedibilidade chamada à colação pode ser conhecida a todo tempo até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, tal como resulta da análise do artigo 734.º do Código de Processo Civil[30].
Efectivamente, Lebre de Freitas sublinha que só com a primeira transmissão de bens realizada no processo executivo, seja por venda, seja por adjudicação, seja por entrega de dinheiro, à qual deve ser assimilada a consignação de rendimentos, é que preclude a possibilidade de apreciação, no âmbito do processo executivo, dos pressupostos processuais gerais e das questões de mérito respeitantes à existência da obrigação exequenda[31].
Desta sorte, o conhecimento da matéria pode decorrer de intervenção ex officio ou de factos, impugnações, nulidades ou excepções que não constem do articulado de oposição à execução e pode ocorrer até à primeira transmissão de bens, o que não terá acontecido de acordo com a certidão disponibilizada pelas partes e face à consulta do processo electrónico.
Aqui chegados, por aquilo que se disse acima a propósito da intervenção processual dos executados ao dardejarem com a questão do incumprimento, mesmo não havendo pronúncia sobre os documentos juntos, não existe qualquer dado que permita considerar que houve uma declaração confessória ficta por parte dos executados discordando-se do entendimento do tribunal a quo quando dá por assente que foram cumpridas todas as formalidades exigidas por lei.
Perante aquilo que foi alegado na questão incidental, apenas temos uma parte a dizer que não foi cumprida uma formalidade obrigatória e a outra a contraditar essa tese e a apresentar meios de prova que visam demonstrar a sua tese, mas que não têm o valor de prova insofismável e plena.
Com efeito, a comunicação em causa deverá ser submetida ao crivo da prova contraditória incidental, não se podendo retirar da simples junção aos autos destes suportes que foram efectivamente cumpridas as exigências formais de integração no PERSI e da subsequente extinção do procedimento.
Na realidade, neste momento, não existem dados fácticos que permitam declarar que foi perfectibilizada a exteriorização exigida por lei e que os destinatários tomaram (ou não) conhecimento do respectivo conteúdo. Ou seja, nesta hipótese, a junção da documentação apenas permite afirmar que determinado suporte e com certa redacção foi emitido pela entidade credora, mas já nada existe de seguro e inquestionável quanto ao respectivo envio e recepção, em face da prévia posição assumida no incidente de nulidade.
Sucede que, mesmo nos incidentes de instância ou de situação jurídica equiparável, o mérito da causa apenas será julgado de imediato se a questão poder ser decidida neste momento com perfeita segurança. E é ainda actual a lição de José Alberto dos Reis quando refere que «julga com segurança o Tribunal que só emite a sua decisão quando está de posse de todos os elementos necessários para proferir um veredictum consciencioso, ponderado e justo»[32] [33].
Pode vir a revelar-se acertada (ou não) a conclusão já tomada, mas ela não é indiscutível em função do posicionamento de divergência existente sobre o cumprimento da formalidade. Eventualmente, essa dúvida poderia não existir se tivessem sido prosseguidos outros meios de notificação que atestassem inequivocamente o envio e o recebimento das comunicações sub judice.
Assim, por corresponder a matéria controvertida e não ser, desde já, passível de ser formulado um juízo de convicção, usado em conformidade com as regras da experiência, que autorize a concluir de forma incontroversa sobre a veracidade do cumprimento da sobredita obrigação, o Tribunal de Recurso não dispõe de elementos que lhe permitam optar por uma ou outra das alternativas ao nível da prova e os autos devem assim prosseguir para a fase de julgamento da questão incidental deduzida nos termos dos artigos 292.º a 295.º do Código de Processo Civil, ao abrigo do princípio da adequação formal[34].
Em suma, revoga-se a decisão recorrida, devendo ser produzida prova dialéctica e contraditória sobre a questão, com a prática dos actos instrumentais que a Primeira Instância entender por convenientes ao nível da instrução dos autos, em ordem a concluir posteriormente se estão (ou não) verificada a excepção dilatória inominada e insuprível decorrente na alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos, revogando-se a decisão recorrida, devendo a questão incidental ser solucionada de acordo com as regras dos artigos 292.º e seguintes do Código de Processo Civil.
Custas pelo apelado, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 07/11/2023
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
Vítor Sequinho dos Santos


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[1] Artigo 639.º (Ónus de alegar e formular conclusões):
1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.
[2] Na visão de Abrantes Geral, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, Almedina, Coimbra 2016, pág. 130, «as conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados».
[3] No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 137/97, de 11/03/1997, processo n.º 28/95, in www.tribunalconstitucional.pt é dito que «A concisão das conclusões, enquanto valor, não pode deixar de ser compreendida como uma forma de estruturação lógica do procedimento na fase de recurso e não como um entrave burocrático à realização da justiça».
[4] O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2013, in www.dgsi.pt assume que «o recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida)».
[5] No caso concreto, não se ordena a correcção das conclusões ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil por que, na hipótese vertente, tal solução apenas implicaria um prolongamento artificial da lide e, infelizmente, no plano prático, a actuação processual subsequente constitui na generalidade dos processos uma mera operação de estética processual que não se adequa aos objectivos do legislador e do julgador.
[6] Artigo 18.º (Garantias do Cliente bancário):
«1 – No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
2 – Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode:
a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efectividade do seu direito de crédito;
b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou
c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.
3 – Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.
4 – Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os actos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do n.º 1 ou as alíneas c), f) e g) do n.º 2, todas do artigo anterior”.
[7] Podem ser lidos os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 10/09/2020 e 15/09/2023, integrados na plataforma www.dgsi.pt.
[8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/04/2021, consultável em www.dgsi.pt.
[9] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16/12/2021, também visitável em www.dgsi.pt.
[10] Artigo 364.º (Exigência legal de documento escrito):
1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
2. Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.
[11] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21/05/2020, pesquisável em www.dgsi.pt.
[12] No seio do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24/09/2020, publicitado em www.dgsi.pt, ficou consignado que: «A lei não exige à instituição bancária que a comunicação do início do PERSI ou da sua extinção observe a forma de correio registado, exige uma comunicação em suporte duradouro como é o caso da comunicação por escrito em carta simples».
[13] O aqui primeiro adjunto – e ali relator – e a segunda adjunta também já se pronunciaram no âmbito de acórdão datado de 14/10/2021, também disponível em www.dgsi.pt, no sentido que: «1. O regime legal do PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – não obriga a instituição bancária a enviar as comunicações dele decorrentes através de correio registado.
2. Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento a comunicar através de correio registado, tê-lo-ia consagrado expressamente.
3. Apresentando a instituição bancária cópia das cartas simples enviadas aos executados no âmbito do PERSI, estas constituem princípio de prova do envio da comunicação, pelo que o juiz não pode oficiosamente concluir pela não recepção de tais cartas.
4. Caberia aos executados, através dos meios processuais ao seu alcance, efectuar essa alegação, caso em que a exequente ofereceria a prova, inclusive testemunhal, apta a demonstrar o efectivo recebimento da correspondência».
[14] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/11/2019, publicado em www.dgsi.pt.
[15] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11/02/2021, não publicado, prolatado no âmbito do processo registado sob o n.º 1983/20.0T8ENT.E1 (relator Silva Rato).
[16] José Alberto Vieira, Negócio Jurídico – Anotação ao regime do Código Civil (artigos 217.º a 295.º), Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 30.
[17] Fernando A. Ferreira Pinto, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 506.
[18] Artigo 224.º (Eficácia da declaração negocial):
1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.
2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz.
[19] Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 449.
[20] Artigo 574.º (Ónus de impugnação):
1 - Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.
2 - Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior.
3 - Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.
4 - Não é aplicável aos incapazes, ausentes e incertos, quando representados pelo Ministério Público ou por advogado oficioso, o ónus de impugnação, nem o preceituado no número anterior.
[21] José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, pág. 141.
[22] José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 3ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 473.
[23] Artigo 567.º (Efeitos da revelia):
1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
2 - É concedido o prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito.
3 - Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.
[24] Artigo 732.º (Termos da oposição à execução):
1 - Os embargos, que devem ser autuados por apenso, são liminarmente indeferidos quando:
a) Tiverem sido deduzidos fora do prazo;
b) O fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º;
c) Forem manifestamente improcedentes.
2 - Se forem recebidos os embargos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo.
3 - À falta de contestação é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 567.º e no artigo 568.º, não se considerando, porém, confessados os factos que estiverem em oposição com os expressamente alegados pelo exequente no requerimento executivo.
4 - A procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte.
5 - Em caso de procedência dos embargos fundados em qualquer das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º é admitida a renovação da instância deste processo a requerimento do exequente apresentado no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão dos embargos.
6 - Para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.
[25] José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª edição, Gestlegal, Coimbra, 2017, pág. 216.
[26] Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, 2019/06.
[27] José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 3ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 475.
[28] José Lebre de Freitas, Ação Executiva, Gestlegal, Coimbra, 2017.
[29] José Lebre de Freitas, Novos estudos sobre direito civil e processo civil, Gestlegal, Coimbra, 2021.
[30] Artigo 734.º (Rejeição e aperfeiçoamento):
1 - O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
2 - Rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte.
[31] José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 3ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 486.
[32] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 190.
[33] No mesmo sentido, pode ser consultado Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, págs. 254-255.
[34] Artigo 547.º (Adequação formal):
O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.