Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3446/20.4T8FAR.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM SEDE DE RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 11/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Incumbe à parte que pretenda proceder à junção de documentos na fase de recurso, o ónus de demonstrar que se verifica uma das situações excecionais em que a lei o permite;
II - A improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto importa se considere prejudicada a apreciação da questão de direito suscitada na apelação, se a solução que o recorrente defende para o litígio assenta na alteração da factualidade provada.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3446/20.4T8FAR.E1
Juízo Local Cível de Faro
Tribunal Judicial da Comarca de Faro


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

(…) intentou, em 23-12-2020, a presente ação declarativa, com processo comum, contra (…) e (…), melhor identificados nos autos, pedindo: a) se declare a resolução do contrato de arrendamento que identifica; b) se condene os réus a entregarem, de imediato, a fração autónoma arrendada, livre de pessoas e bens, no estado de conservação e limpeza em que a receberam; c) se condene os réus a pagarem à autora a quantia de € 2.100,00, referente às rendas vencidas e não pagas à data da propositura da ação, bem como as rendas que se vencerem na pendência da mesma e até ao trânsito em julgado da decisão que declare resolvido o contrato de arrendamento; d) se condene os réus a pagarem à autora indemnização de montante correspondente a um mês de renda por cada mês, ou fração de mês, desde o trânsito em julgado da decisão que declare resolvido o contrato de arrendamento até efetiva entrega do locado; e) se condene os réus nas custas.
A justificar o pedido, alega que, em 31-05-2019, deu de arrendamento ao 1.º réu, para habitação, a fração autónoma que identifica, mediante a renda mensal de € 700,00, a pagar por transferência bancária até ao dia 8 do mês a que disser respeito, pelo prazo de 2 anos, com início em 01-06-2019, renovando-se automática e sucessivamente por períodos de um ano enquanto não for denunciado por qualquer das partes, tendo os réus passado a habitar no locado a partir de 01-06-2019; sustenta que os réus não procederam ao pagamento das rendas respeitantes aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2020, na sequência do que procedeu ao envio ao 1.º réu de diversas missivas interpelando-o para o pagamento, as quais vieram devolvidas, como tudo melhor consta da petição inicial.
O 1.º réu contestou, defendendo-se por exceção – invocando o pagamento – e por impugnação.
Citada editalmente, a 2.ª ré não contestou, na sequência do que foi citado o Ministério Público, que igualmente não apresentou contestação.
Foi realizada audiência prévia, na qual a autora se pronunciou quanto à matéria de exceção deduzida na contestação, foi fixado o valor à causa e proferido despacho saneador, após o que se identificou o objeto do litígio e se enunciou os temas da prova.
Em 25-03-2022, o 1.º réu apresentou articulado acompanhado por documentos, cuja junção requereu.
A autora exerceu contraditório sobre o articulado apresentado.
Em 18-05-2022 foi proferido o despacho seguinte:
Requerimento de 25.03.2022 (com a ref.ª CITIUS n.º 41760076):
O Réu (…), no requerimento de 25.03.2022 (com a ref.ª Citius n.º 41760076), veio apresentar o que denomina por “articulado superveniente” a “exercer o contraditório relativamente à resposta às exceções”, para o que convoca os artigos 3.º, n.º 3, e 423.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil (doravante CPC).
A Autora opôs-se à sua admissão.
*
Cumpre decidir.
O articulado em causa, que configura uma resposta do Réu ao exercício do direito de contraditório da Autora à matéria de exceção deduzida na contestação, não está expressamente previsto na lei para o processo comum declarativo.
Por outro lado, também não há contraditório do Réu à impugnação da Autora dos factos integradores de exceções invocadas pelo próprio Réu, pelo que não tem aqui aplicação o artigo 3.º, n.º 3, invocado pelo Réu.
Está igualmente fora de questão a possibilidade de admissão do articulado superveniente do Réu no exercício do poder de adequação formal a que aludem os artigos 6.º, n.º 2 e 547.º, ambos do CPC, desde logo por a fase dos articulados já ter terminado no momento em que ele foi apresentado, após a realização da audiência prévia.
Por último, também não se pode aproveitar o articulado em questão apenas na parte em que junta 17 documentos, desde logo por não se verificar o circunstancialismo para a admissibilidade da apresentação tardia desses documentos, previsto no artigo 423.º, n.º 3, do CPC, pois a sua apresentação era já perfeitamente possível aquando da contestação, onde foram alegados os factos integradores da defesa por exceção
Neste contexto, a apresentação pelo Réu do articulado superveniente em causa, para além de manifestamente irregular, densifica a complexidade do procedimento, sem qualquer benefício útil.
Não pode assim ser atribuído qualquer efeito ao articulado superveniente junto pelo Réu, impondo inclusive os poderes de gestão processual do artigo 6.º, n.º 1, do CPC que se determine a sua eliminação do processo eletrónico.
*
Pelo exposto, decide-se não considerar o articulado superveniente do Réu, com a referência Citius n.º 41760076, determinando-se, após trânsito deste despacho, a sua eliminação do processo eletrónico (bem como dos documentos a ele juntos), devendo ficar cópia do mesmo no processo físico, na qual deve ser aposta menção da ordem de eliminação.
Notifique.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual se decidiu o seguinte:
Pelo exposto, decide-se:
a) Declarar a resolução do contrato de arrendamento urbano firmado entre a autora (…) e o réu (…);
b) Condenar o réu (…) a entregar à autora (…), completamente livre e devoluto de pessoas e bens a fracção autónoma, designada pelas letras (…), destinada a habitação, correspondente ao nono andar frente, do prédio sito na Rua (…), n.º 11, União das Freguesias de Faro (…), concelho de Faro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro com o n.º (…) e inscrita na matriz predial urbana com o artigo (…).
c) Condenar o réu (…) a pagar à autora (…), (i) a quantia de € 16.100,00 (dezasseis mil e cem euros) a título de rendas propriamente ditas até Setembro de 2022, e as rendas que poderão vir a vencer-se até ao trânsito em julgado da presente sentença; (ii) valor indemnizatório equivalente ao das rendas desde o trânsito em julgado da presente sentença até à efectiva entrega do prédio identificado em 1, sendo-o em € 700,00 (setecentos euros) por cada mês.
d) Absolver a ré (…) do peticionado pela Autora.
Custas pelo Réu – cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Registe e Notifique.
Inconformado, o 1.º réu interpôs recurso da sentença, pugnando pela respetiva revogação e substituição por decisão que julgue a ação improcedente, requerendo a junção de 20 documentos e terminando as alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«1ª - Nos presentes autos de recurso, vem o Recorrente impugnar a decisão proferida nos autos, que declarou a resolução do contrato de arrendamento urbano que celebrou com Autora, condenando-o a entregar a esta a fração arrendada, livre e devoluta de pessoas e bens e, bem assim, que o condenou a pagar as rendas respeitantes aos meses de Novembro e Dezembro de 2020.
2ª – Impugna-se a decisão proferida no ponto 7) da matéria de facto dada como provada.
3ª – E a decisão proferida na alínea A) da matéria dada como não provada.
4ª – A decisão sobre o ponto 7) fundamentou-se em prova documental insuficiente e nas declarações (interessadas) da Autora, contrariadas pelas do Réu.
5ª – A decisão sobre a alínea A) da matéria não provada poderia ter sido facilmente esclarecida pelo Tribunal, ordenando ao Réu ou requisitando à entidade bancária a junção dos comprovativos das transferências das rendas.
6ª – Na presente ação, a Autora peticionou a resolução do contrato de arrendamento que celebrara com o Réu, com o fundamento na falta de pagamento de três rendas.
7ª – O Réu alegou firmemente que pagara todas as rendas, à exceção da última que, contudo, também pagara entretanto, com um mês de atraso.
8ª – No julgamento foi peremptório ao afirmar que as rendas (à exceção da última) estavam todas pagas e que o tinham sido através de transferência bancária.
9ª – Juntou alguns documentos comprovativos, mas não os suficientes para se perceber que rendas pagara.
10ª – A Autora limitou-se a afirmar que não tinha recebido.
Ora,
11ª – Entende o Recorrente que, tendo em conta que a prova a fazer era meramente documental e que o Réu afirmava ter pago todas as rendas por transferência bancária; tendo, ainda, em conta que estava em causa o direito à habitação do executado, o que requeria um esforço adicional no esclarecimento da verdade,
12ª – O Tribunal devia ter usado do poder-dever inscrito no artigo 436.º do Código de Processo Civil e devia ter ordenado a junção ou requisitado à entidade bancária os comprovativos das transferências efetuadas.
13ª – É certo que incumbe às partes a junção da prova dos factos que alegam.
14ª – Mas ao Tribunal interessa o esclarecimento da verdade e, quando essa verdade é alcançada através da mera análise de documentos, a lei prescreve que ao Tribunal “incumbe” requisitá-los por sua iniciativa, se necessário for.
15ª – Neste caso, e como o Recorrente agora demonstrou, tal análise permitiria rapidamente verificar que a Autora errou e que – quando intentou a ação – só estava uma renda em dívida e não três, não existindo causa de resolução do contrato de arrendamento, o qual devia ter sido mantido.
16ª – Por só agora o Réu ter obtido dos seus Bancos todos os documentos que comprovam o que sempre afirmou, vem, ao abrigo do disposto no artigo 425.º do Código de Processo Civil requerer a junção dos documentos que comprovam as rendas que pagou e, ainda,
17ª – A prova de que – quando a ação deu entrada no Tribunal – só estava em dívida uma renda.
18ª – Julgando como julgou, violou a Mma. Juiz a quo o disposto nos artigos 436.º do CPC e 1083.º, n.º 3, do Código Civil.»
A autora apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido e arguindo a litigância de má fé pelo apelante, requerendo a respetiva condenação em multa e indemnização a favor da apelada, terminando com a formulação das conclusões seguintes:
«1 - O Recorrente, com as suas doutas alegações de recurso, veio apresentar 20 documentos, que constituem documentos bancários.
2 - Porém, os documentos 2 a 19 (inclusive) juntos com as alegações de recurso, tinham já sido apresentados, nos autos, pelo Recorrente, com o seu requerimento referenciado sob o número 41760076, de 25.03.2022, sendo que os documentos agora juntos como documentos 15, 16, 18 e 19 foram, também, juntos com a contestação.
3 - Sobre tal requerimento, foi proferido douto despacho referenciado sob o número 124320193, de 18 de maio de 2022, o qual decidiu “(…) não considerar o articulado superveniente do Réu, com a referência Citius n.º 41760076, determinando-se, após trânsito deste despacho, a sua eliminação do processo eletrónico (bem como dos documentos a ele juntos), devendo ficar cópia do mesmo no processo físico, no qual deve ser aposta menção da ordem de eliminação”.
4 - Tal despacho já transitou em julgado.
5 - Além disso, sendo tais documentos referentes à conta bancária do Recorrente, nenhuma razão existe para, não terem sido tempestivamente apresentados em juízo, tanto mais que a presente ação foi intentada em 23/12/2020, tendo o Recorrido sido citado, no âmbito da referida ação, em 31/12/2020, data a partir da qual poderia ter obtido tais documentos.
6 - Além do mais, não se vislumbra a necessidade de tais documentos, em face de julgamento proferido no douto Tribunal Recorrido, nem o Recorrente foi surpreendido, em face da douta decisão recorrida, relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes dos autos.
7 - O Recorrente, não justificou, nem demonstrou, a razão pela qual só agora pode efetuar a junção dos documentos aqui em causa. Aliás, nem poderia fazê-lo, relativamente a 18 desses documentos, atento ao teor do seu requerimento apresentado em 25.03.2022 e ao teor da douta decisão de 18 de maio de 2022.
8 - De igual modo também não demonstrou a necessidade de tal junção, em face do julgamento proferido pelo douto Tribunal Recorrido, nem se vislumbra qual a necessidade da junção, considerando que 18 desses documentos já se encontram nos autos.
9 - Assim, não deverá ser admitida a junção dos 20 documentos, juntos pelo Recorrente, com as suas alegações de recurso, fazendo-se boa aplicação do disposto nos artigos 425.º e 651.º, n.º 1, ambos do CPC.
10 - Em face disto, deverá ser ordenado o desentranhamento de tais documentos.
11 - Sem prescindir do que se vem alegando sempre se dirá que se impugna, expressamente, todo o teor dos documentos, agora juntos aos autos.
12 - Refere o Recorrente que o douto Tribunal Recorrido fez incorreta apreciação da prova quando deu como provado que “A última transferência bancária efetuada pelo Réu para a conta da Autora ocorreu em 11.01.2021, no valor de € 700,00, este imputado pela Autora à renda do mês de Outubro de 2020” (ponto 7, dos Factos Provados) e deu como não provado que “(…) o Réu efectuou o pagamento das rendas relativas aos meses de Novembro e Dezembro de 2020”, ponto A), do Factos Não Provados.
13 - Ora, entende a Recorrida que o douto Tribunal a quo fez correta interpretação da prova produzida, quer a documental, quer a testemunhal, e, em consequência bem andou quando deu como provada a matéria de fato constante no ponto 7), dos Factos Provados, e deu como não provada a matéria do ponto A), dos Factos Não Provados.
14 - Da prova documental constante nos autos, não se pode extrair que o Recorrente pagou a renda relativa aos meses de Novembro e Dezembro de 2020.
15 - Idêntica conclusão, se retira do depoimento das testemunhas.
16 - O depoimento da testemunha (…), que depôs no dia 09 de setembro de 2022, encontrando-se o seu depoimento gravado através do sistema informático em uso no Tribunal, em suporte digital – CD – com a duração de 00:13:00, e no que se refere à matéria em causa prestou o depoimento gravado aos minutos 00:04:51; 00:05:15; 00:05:36 e 00:05:39.
17 – E bem assim do teor das declarações de parte da Autora (…) que depôs no dia 09 de setembro de 2022, encontrando-se o seu depoimento gravado através do sistema informático em uso no Tribunal, em suporte digital – CD – com a duração de 00:15:42, e no que se refere à matéria em causa prestou o depoimento gravado aos minutos 00:03:53; 00:06:53; 00:07:10 e 00:09:31.
18 - Conclui-se, dessa forma que o douto tribunal recorrido não laborou em erro na apreciação da prova produzida nestes autos.
19 - O Recorrente ao pretender juntar aos autos, com as alegações de recurso, 18 documentos sobre os quais já tinha recaído a douta decisão, já transitada em julgado, referenciada sob o n.º 124320193, de 18 de maio de 2022, que lhe indeferiu a junção de tais documentos, tendo alguns desses documentos sido apresentados também com a contestação está intencionalmente a fazer dos meios processuais, uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça e protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, alterando a verdade dos fatos e deduzindo oposição cuja falta de fundamento não deveria ignorar.
20 - Assim, o Recorrente litiga com má-fé, nos termos do disposto nos números 1 e 2, alíneas a), b) e d), do artigo 542.º do CPC.
21 - Tal conduta do recorrente leva a condená-lo, como litigante de má-fé, em multa e uma indemnização à parte contrária, que desde já se pede, em quantia que o douto Tribunal prudentemente julgue mais adequada, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 542.º e números 2 e 3, do artigo 543.º, ambos do CPC.
22 - Em face do que se vem alegando, a douta decisão, sob censura, fez boa interpretação e aplicação da prova produzida e das normas legais, em causa nestes autos. Consequentemente, tal decisão, deverá ser mantida, por não violar qualquer dispositivo legal, fazer boa interpretação da prova produzida e ser ponderada e justa.»
Notificado para exercer o contraditório sobre a litigância de má fé arguida pela apelada nas contra-alegações, o apelante não se pronunciou.
Face às conclusões das alegações do recorrente e à questão suscitada pela recorrida, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da omissão da requisição de documentos pelo Tribunal;
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- do incumprimento da obrigação de pagamento das rendas;
- da litigância de má fé pelo apelante.
A título de questão prévia, cumpre ainda aferir da admissibilidade da junção dos documentos apresentados pelo apelante com as alegações de recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto
2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1. Encontra-se registada a favor da Autora a aquisição da fracção autónoma, designada pelas letras (…), destinada a habitação, correspondente ao nono andar frente, do prédio sito na Rua (…), n.º 11, União das Freguesias de Faro (…), concelho de Faro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro com o n.º (…) e inscrita na matriz predial urbana com o artigo (…).
2. Por acordo escrito assinado por Autora e Réu, que intitularam de “Contrato de arrendamento para habitação”, datado de 31.05.2019 e com início em 01.06.2019, a primeira cedeu ao segundo, para habitação, o gozo, temporário, do prédio identificado em 1, mediante o pagamento de determinada quantia mensal.
3. Em tal acordo escrito fixou-se a duração de 2 (dois) anos, com a possibilidade de ser sucessivamente prorrogado por iguais períodos de 1 (um) ano.
4. A quantia mensal relativamente à qual o Réu se obrigou a pagar à Autora foi de € 700,00 (setecentos euros), a pagar entre o dia 1 (um) e o dia 8 (oito) do mês a que dissesse respeito, através de transferência bancária.
5. O Réu passou a ocupar o prédio identificado em 1. em 01.06.2019.
6. O prédio identificado em 1, após o acordo aludido em 2, passou a constituir a habitação do Réu, onde este dorme, faz refeições e higiene, recebe amigos e familiares, e correspondência, entre os demais actos da rotina doméstica.
7. A última transferência bancária efectuada pelo Réu para a conta da Autora ocorreu em 11.01.2021, no valor de € 700,00, este imputado pela Autora à renda do mês de Outubro de 2020.
8. A Autora procedeu ao envio de carta registada endereçada ao Réu, em 13.05.2020.
9. Tal carta foi devolvida à Autora com a menção “recusada”.
10. Por carta, registada com aviso de recepção, datada de 28 de Setembro de 2020, a Autora comunicou ao Réu o seguinte:
Serve a presente para, na qualidade de proprietária da fracção autónoma designada pelas letras “(…)” do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito em Urbanização do (…), Rua (…), Lote 7, n.º 11, correspondente ao 9.º andar frente, inscrito na matriz sob o artigo (…) da União de freguesias da (…), comunicar a V. Exa. o seguinte. Pelo que respeita ao primeiro ano de vigência do presente contrato de arrendamento, todas as rendas, com excepção das vencidas nos dias 01.06.2019 e 01.09.2019, foram pagas após constituição de V.ª Ex.ª em mora, superior a 8 dias, nomeadamente as seguintes:
Data de vencimento de rendaData de pagamento
01.07.2019 26.07.2019
01.08.2019 23.08.2019
01.10.2019 10.10.2019
01.11.2019 03.12.2019
01.12.2019 08.01.2020
01.01.2020 06.02.2020
01.02.2020 13.03.2020
01.03.2020 11.05.2020
01.04.2020 09.06.2020
01.05.2020 15.07.2020
Pelo que respeita ao segundo ano de vigência do contrato foram ultrapassados os oito dias de constituição em mora nos seguintes meses:
Data de vencimento de rendaData de pagamento
01.06.202031.07.2020
01.07.202011.08.2020
01.08.2020----------
01.09.2020-----------
Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 1083.º do Código Civil é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias no pagamento da renda, por mais de quatro vezes seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato.
Face à verificação de mora superior a oito dias durante todo o período de vigência do contrato referente ao período compreendido entre 01.06.2019 e 31.05.2020, com excepção dos meses de Junho e Setembro de 2019, bem como ao período compreendido entre 01.06.2020 e 31.07.2020, sendo que não se encontra pagas as rendas vencidas em 01.08.2020 e 01.09.2020 neste segundo ano de vigência do contrato, informo V. Exa. nos termos do n.º 6 do artigo 1083.º do Código Civil que é minha intenção pôr fim ao contrato de arrendamento entre nós outorgado nos termos do n.º 4 da mesma disposição legal, face à verificação de mora consecutiva por período superior a 8 dias no pagamento das rendas”.
11. Esta carta foi devolvida à Autora com a menção “objecto não reclamado”.
12. A Autora instaurou a presente acção em 23.12.2020.
13. O Réu foi citado em 31.12.2020.
14. Consta do acordo escrito aludido em 2. “2.º Outorgante – (…), casado com (…)”.

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
A. O Réu efectuou o pagamento das rendas relativas aos meses de Novembro e Dezembro de 2020.
B. A Ré ocupou o prédio identificado em 1. dos factos provados.
C. O prédio identificado em 1 dos factos provados constituiu habitação da Ré, onde esta dormia, fazia refeições e higiene, recebia amigos e familiares, e correspondência, entre os demais actos da sua rotina doméstica.

2.2. Admissibilidade da junção dos documentos apresentados com as alegações de recurso
Previamente à apreciação do objeto do recurso, importa decidir a questão da admissibilidade da junção de 20 documentos apresentados pelo 1.º réu com as alegações de recurso.
No que respeita à junção de documentos em sede de recurso, dispõe o artigo 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. O mencionado artigo 425.º do mesmo Código, por seu turno, dispõe que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Da análise conjugada destes preceitos decorre que a junção de documentos em sede de recurso assume natureza excecional, só sendo admissível em duas situações: quando se trate de documentos cuja apresentação não tenha sido possível em momento anterior ou quando a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido. Tal regime impõe, à parte que pretenda proceder à junção de documentos na fase de recurso, o ónus de demonstrar que se verifica uma das situações em que a lei o permite.
O recorrente não apresenta fundamentação autónoma, destinada a justificar e legitimar a junção dos aludidos documentos, limitando-se a apresentá-los e a afirmar, no corpo das alegações do recurso, que só agora os conseguiu obter dos seus bancos.
Não demonstrando o recorrente que se verifica qualquer das situações excecionais em que a lei permite a junção de documentos em fase de recurso, inexiste fundamento legal para admitir tal junção.
No entanto, sempre se dirá que os documentos ora apresentados como docs. 18, 19, 16 e 15 haviam já sido anteriormente juntos aos autos com a contestação como docs. 1, 2, 3 e 4, respetivamente, pelo que a repetição da sua junção se traduziria num ato inútil e, por isso, ilícito, nos termos do artigo 130.º do CPC.
Acresce que os documentos ora apresentados como documentos 1 a 19 haviam sido anteriormente juntos aos autos pelo réu com o requerimento de 25-03-2022, cujo desentranhamento foi ordenado por despacho de 18-05-2022, transitado em julgado, o que – independentemente da eventual ofensa de caso julgado decorrente da prolação de decisão que, contrariando o despacho anterior, viesse a admitir a junção dos mesmos documentos nesta fase subsequente – demonstra a possibilidade de apresentação pelo réu dos aludidos documentos em fase anterior, afastando o fundamento invocado para a respetiva junção com as alegações de recurso.
Quanto ao documento ora apresentado como doc. 20, tratando-se de um documento bancário datado de 08-01-2021, não se vislumbra que não pudesse ter sido apresentado com a contestação deduzida pelo réu em 29-06-2021.
Nesta conformidade, cumpre rejeitar a junção dos documentos apresentados pelo réu com as alegações de recurso.

2.3. Apreciação do objeto do recurso

2.3.1. Omissão da requisição de documentos pelo Tribunal
Na apelação interposta, o apelante invoca o incumprimento do disposto no artigo 436.º do CPC, sustentando que cabia ao Tribunal de 1.ª instância, por sua iniciativa, ter requisitado os comprovativos das transferências bancárias relativas ao pagamento, invocado pelo réu, de rendas consideradas em dívida pela autora, com vista ao esclarecimento da verdade.
É certo que o apelante não retira qualquer consequência jurídica da omissão que invoca, não arguindo qualquer vício processual ou outro. No entanto, perante a alegação de que o Tribunal omitiu um ato que a lei prescreve, cumpre apreciar se a respetiva arguição se mostra tempestiva e, em caso afirmativo, se ocorreu irregularidade anterior que possa ter influído no exame da causa operado na decisão recorrida
Sob a epígrafe Requisição de documentos, o invocado artigo 436.º tem a redação seguinte: 1 - Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade. 2 - A requisição pode ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros.
No caso presente, não foi requerida por qualquer das partes a requisição de documentos pelo Tribunal, nem foi arguida perante a 1.ª instância a omissão ora invocada pelo recorrente da prática de tal ato.
Não configurando nulidade principal, a omissão invocada encontra-se sujeita ao regime de arguição fixado nos artigos 197.º e 199.º, conforme decorre da regra sobre a nulidade dos atos estatuída no artigo 195.º, n.º 1, todos do CPC.
No que respeita ao prazo da arguição das nulidades secundárias, extrai-se do artigo 199.º a regra seguinte: se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, dispõe para a arguição do prazo geral de 10 dias, contado desde o dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
No caso em apreciação, terminada a fase da instrução do processo, na qual foram produzidos os diversos meios de prova, designadamente em sede de audiência final, na presença do réu e da sua ilustre mandatária, sem que tenha sido invocada a omissão da requisição de quaisquer documentos, é de considerar extemporânea a invocação de tal omissão no presente recurso de apelação, pelo que não se apreciará a questão suscitada.
Nesta conformidade, por extemporaneidade da respetiva arguição, não se apreciará a questão da verificação da invocada omissão da requisição de documentos.

2.3.2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
O recorrente põe em causa a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, defendendo a exclusão da matéria provada do facto tido por assente sob o ponto 7 de 2.1.1. e o aditamento a tal matéria do facto considerado não provado sob a alínea A) de 2.1.2..
Sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, dispõe o artigo 662.º do CPC, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Está em causa, no caso presente, a reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância relativa a dois pontos da matéria de facto, com vista a apurar se deve ser determinada a exclusão da matéria provada do facto constante do ponto 7 – com a redação: A última transferência bancária efetuada pelo Réu para a conta da Autora ocorreu em 11.01.2021, no valor de € 700,00, este imputado pela Autora à renda do mês de Outubro de 2020 – e o aditamento a tal matéria do facto constante da alínea A) – com a redação: O Réu efetuou o pagamento das rendas relativas aos meses de Novembro e Dezembro de 2020 –, nos termos preconizados pelo apelante.
No que respeita à alínea A), o apelante baseia a discordância que manifesta sustentando que, nas declarações que prestou, afirmou ter procedido ao pagamento de todas as rendas por transferência bancária, pelo que deveria o Tribunal ter ordenado a junção aos autos de todos os comprovativos dessas operações bancárias, o que teria permitido comprovar que, à data da propositura da ação, apenas se encontrava em dívida a renda relativa ao mês de dezembro de 2020 e que esta foi entretanto paga por transferência efetuada no dia 08-01-2021.
Porém, o recorrente não especifica qualquer concreto meio de prova, constante do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que entenda impor que o facto constante da alínea A) seja julgado provado, não requerendo a reapreciação de qualquer elemento probatório, nem apresentando algum meio de prova como fundamento da decisão que entende dever ser proferida quanto esse ponto de facto.
Não sendo especificados pelo apelante os meios probatórios que entende imporem decisão diversa relativamente ao aludido facto, é de concluir que se mostra incumprido o ónus estabelecido no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC, o qual dispõe que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, além do mais, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
O incumprimento, pelo recorrente, deste ónus, de especificação dos concretos meios probatórios que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, é cominado com a rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, conforme decorre do estatuído no corpo do n.º 1 do citado artigo 640.º, assim se encontrando afastada a possibilidade de a Relação convidar ao aperfeiçoamento das alegações, de forma a suprir tal omissão.
Como tal, rejeita-se o recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão relativa ao facto constante da alínea A), o que não prejudica a apreciação da impugnação deduzida a outros pontos de facto, concretamente ao facto constante do ponto 7.
Extrai-se da sentença recorrida que a decisão relativa a este ponto 7 se baseou no seguinte:
A factualidade descrita em 7 obteve ganho de prova na análise dos documentos: nota de lançamento bancária de 27.10.2020 (fls. 30v.), factura-recibo n.º (…) (fls. 31), factura-Recibo n.º (…) (fls. 31v.), nota de lançamento bancária de 15.07.2020 (fls. 32v.), e declarações de parte da Autora, no sentido de, apesar do não pagamento das rendas referentes aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 e subsequentes, o Réu ter efectuado transferência bancária em 11.01.2021, no valor de € 700,00, que acabou por imputar ao mês de Outubro de 2020.
Sustenta o apelante que os documentos tidos em conta pela 1.ª instância se mostram insuficientes para considerar provado o ponto 7 de 2.1.1., não permitindo aferir quais as rendas efetivamente pagas e aquelas que se encontram em dívida; mais afirma que as declarações prestadas pela autora se mostram, na parte relativa à falta de pagamento de rendas, contrariadas pelas declarações prestadas pelo réu, que afirmou ter procedido ao pagamento de todas as rendas.
Vejamos se lhe assiste razão.
Analisando a redação do facto constante do ponto 7, verifica-se que comporta dois segmentos, a saber: i) A última transferência bancária efetuada pelo Réu para a conta da Autora ocorreu em 11.01.2021, no valor de € 700,00; ii) este imputado pela Autora à renda do mês de Outubro de 2020.
Na petição inicial, a autora alegou, além do mais, o seguinte:
- artigo 11.º: A renda contratada foi de € 700,00 mensais, pagável por transferência bancária para o IBAN (…), de que é titular a A., até ao dia 8 do mês a que disser respeito;
- artigo 13.º: (…) os RR. não procederam ao pagamento das rendas respeitantes aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020, na data do vencimento indicado em 11º supra;
- artigo 15.º: Os RR. não procederam ao pagamento do preço da renda referente aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 nos 8 dias seguintes a contar do início da mora, nem posteriormente.
Na contestação, o réu impugnou o alegado pela autora nos transcritos artigos 13.º e 15.º, alegando, por seu turno, o seguinte:
- artigo 6.º: (…) o Réu procedeu ao pagamento das rendas referentes aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020, embora com algum atraso – Cfr. docs. n.ºs 1, 2 e 3 que se protesta juntar no prazo de 10 (dez) dias;
- artigo 23.º: (…) procedeu o Réu ao pagamento das rendas relativas aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 – Cfr. docs. n.ºs 1, 2 e 3 que se protestaram juntar.
Porém, conforme decorre do facto tido por não provado sob a alínea A), não logrou o réu provar o pagamento das rendas respeitantes aos meses de novembro e dezembro de 2020. Por outro lado, nas alegações de recurso, o mesmo afirma que os documentos mencionados na contestação como docs. 1, 2, 3 e 4 não permitem aferir quais as rendas efetivamente pagas, o que sempre importaria se considerasse não paga também a renda relativa ao mês de outubro de 2020.
Reapreciadas as declarações prestadas em audiência pela autora, verifica-se que declarou que a transferência da quantia de € 700,00 a que se reporta o doc. 1, efetuada pelo réu em 27-10-2020, respeitou ao pagamento da renda relativa ao mês de agosto de 2020, a transferência de igual quantia a que se reporta o doc. 2, efetuada pelo réu em 27-11-2020, respeitou ao pagamento da renda relativa ao mês de setembro de 2020. Mais declarou ter recebido em 11-01-2021, após a propositura da ação, a quantia de € 700,00 proveniente de transferência efetuada pelo réu, a qual imputou ao pagamento da renda relativa ao mês de outubro de 2020, que se encontrava em dívida.
Nesta conformidade, não tendo o réu logrado demonstrar o pagamento, que invoca, das rendas relativas aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2020, e tendo a autora admitido o recebimento em 11-01-2021 da quantia de € 700,00, através de transferência bancária efetuada pelo réu, que declarou imputar ao pagamento da renda relativa ao mês de outubro de 2020, impõe-se julgar improcedente a impugnação deduzida pelo réu ao facto constante do ponto 7.
Em conclusão, decide-se o seguinte:
i) rejeitar o recurso, na parte relativa à impugnação da decisão de facto respeitante à alínea A) de 2.1.2.;
ii) indeferir, no mais, a impugnação da decisão de facto deduzida pelo apelante.

2.3.3. Incumprimento da obrigação de pagamento das rendas
A improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, com a consequente não alteração da factualidade considerada provada, importa se considere prejudicada a reapreciação da questão do incumprimento da obrigação de pagamento das rendas devidas.
Efetivamente, a solução que o recorrente defende para o litígio assenta na exclusão da matéria provada do facto tido por assente sob o ponto 7 de 2.1.1. e no aditamento a tal matéria do facto considerado não provado sob a alínea A) de 2.1.2.; rejeitada tal modificação da matéria de facto provada, não defende qualquer alteração da matéria de direito, a apreciar na hipótese de se manter a factualidade fixada pela 1.ª instância.
Mostra-se, assim, face à improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, prejudicada a apreciação da questão de direito suscitada.
Improcede, assim, a apelação.

2.4. Litigância de má fé imputada ao recorrente
Nas contra-alegações do presente recurso de apelação, a recorrida invoca a litigância de má fé por parte do recorrente e pede a respetiva condenação em multa e indemnização.
A apelada baseia a litigância de má fé que imputa ao apelante nos fundamentos que sintetiza na conclusão 19.ª das contra-alegações, com a redação seguinte: O Recorrente ao pretender juntar aos autos, com as alegações de recurso, 18 documentos sobre os quais já tinha recaído a douta decisão, já transitada em julgado, referenciada sob o n.º 124320193, de 18 de maio de 2022, que lhe indeferiu a junção de tais documentos, tendo alguns desses documentos sido apresentados também com a contestação está intencionalmente a fazer dos meios processuais, uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça e protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, alterando a verdade dos fatos e deduzindo oposição cuja falta de fundamento não deveria ignorar.
Litiga de má fé, nos termos do artigo 542.º, n.º 2, do CPC, a parte que, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
No que respeita ao conhecimento da litigância de má fé, explica António Santos Abrantes Geraldes (Temas Judiciários, I volume, Coimbra, Almedina, 1998, pág. 331), “a gravidade das consequências não é compatível com simples conjecturas do julgador, ainda que passíveis de forte verosimilhança, devendo basear-se em factos que o juiz indicará na fundamentação da decisão”.
Compulsados os autos, verifica-se que deles não decorrem elementos que permitam considerar assente factualidade que caracterize a atuação do apelante como integradora da previsão de qualquer das alíneas do n.º 2 do artigo 542.º.
Apesar de se ter rejeitado a junção dos documentos apresentados pelo réu com as alegações de recurso, por se ter considerado não verificada qualquer das situações excecionais em que a lei permite a junção de documentos em fase de recurso, e de se ter consignado que a junção dos documentos apresentados como docs. 18, 19, 16 e 15 sempre se traduziria num ato inútil, por se encontrarem já juntos aos autos, e que os documentos apresentados como docs. 1 a 19 haviam sido anteriormente juntos aos autos pelo réu com o requerimento de 25-03-2022, cujo desentranhamento foi ordenado por despacho de 18-05-2022, transitado em julgado, daqui não decorre, sem mais, qualquer elemento relativo a uma eventual atitude censurável ou maliciosa por parte do mesmo, antes resultando desta atuação a existência de alguma desorganização na documentação dos movimentos bancários efetuados.
Em conclusão, não se encontrando assentes factos com relevo para a apreciação da conduta maliciosa imputada pela apelada ao apelante, cumpre considerar não verificada a litigância de má fé que lhe é imputada, absolvendo-o do pedido de condenação como litigante de má fé.

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em:
a) julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida;
b) julgar não verificada a litigância de má fé imputada ao apelante, absolvendo-o do pedido de condenação como litigante de má fé formulado pela apelada.
Custas pelo apelante.
Notifique.
Évora, 23-11-2023
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (1.ª Adjunta)
Francisco Matos (2.º Adjunto)