Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1678/14.3TBFAR-G.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO COMPLEMENTAR
CÁLCULO
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A majoração de 5% da remuneração variável do administrador de insolvência nomeado pelo juiz – n.º 7 do artigo 23.º do EAJ – calcula-se por referência ao grau de satisfação dos créditos e não por aplicação direta de 5% ao montante dos créditos satisfeitos.
II - O grau de satisfação dos créditos expressa-se aritmeticamente pela proporção ou percentagem entre o montante dos créditos admitidos a pagamento e o montante dos créditos pagos aos credores.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1678/14.3TBFAR-G.E1

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. (…), administrador de insolvência, no processo em que foi declarada insolvente (…), veio requerer a aprovação da sua remuneração variável, no montante de € 74.301,91, a que acresce IVA, na qual incluiu a majoração de € 35.908,87 correspondente a 5% dos créditos satisfeitos.
Por termo nos autos, a secretaria prestou informação segundo a qual a remuneração variável devida ao Administrador de insolvência corresponde a € 41.617,36, acrescida de IVA, a qual inclui a quantia de € 2.806,12 a título de majoração.

2. Seguiu-se despacho que depois de considerar que “no cálculo da majoração importa incluir (…) a percentagem dos créditos satisfeitos e admitidos”, fixou € 51.187,53 a remuneração variável do Sr. Administrador da insolvência, com a seguinte fundamentação:
“4.1. Apuramento do valor da remuneração variável nos termos do artigo 23.º, n.º 4, alínea b), EAJ.
Foram reclamados créditos num total de € 9.406.789,77.
Foram obtidas receitas no valor total de € 807.884,34.
Foram realizadas despesas num valor total de € 42.483,55.
Sendo que o valor das despesas realizadas, com dedução do valor da remuneração fixa e das custas de processos judiciais pendentes à data da declaração de insolvência, perfaz € 31.659,55.
Em face destes dados, o resultado da liquidação a que alude o artigo 23.º, n.º 6, EAJ corresponde a € 776.224,79.
Assim, o valor da remuneração variável a que alude o artigo 23.º, n.º 4, alínea b) (correspondente a 5% do resultado da liquidação) é de € 38.811,24 (€ 776.224,79 x 5%).
4.2. Apuramento do valor majorado a que se refere o artigo 23.º, n.º 7, EAJ.
O valor destinado à satisfação dos créditos reclamados e admitidos corresponde à diferença entre as receitas obtidas e as despesas realizadas e a remuneração variável calculada nos termos do artigo 23.º, n.º 4, alínea b), EAJ.
No caso, o valor destinado à satisfação dos créditos reclamados é € 726.589,55 (€ 807.884,34 - € 42.483,55 - € 38.811,24).
Assim, foram satisfeitos 7,72% dos créditos reclamados e admitidos (€ 726.589,55 x 100 / € 9.406.789,77).
Majorando o valor da retribuição variável (nos termos do artigo 23.º, n.º 4, alínea b)) em 5% do montante dos créditos satisfeitos em função do grau de satisfação dos créditos reclamados, alcançamos o valor de € 2.804,64 (€ 726.589,55 x 7,72% x 5%).
4.3. Valor final da remuneração variável do administrador da insolvência
Para obtenção do valor total de remuneração variável do administrador da insolvência devemos adicionar o valor da remuneração variável resultante da aplicação do artigo 23.º, n.º 4, b), com o valor da majoração alcançada nos termos do artigo 23.º, n.º 7, o que perfaz o valor de € 41.615,88.
A este valor acresce IVA de 23% (€ 9.571,65), perfazendo um valor total de € 51.187,53.”

3. O Administrador de insolvência recorre e conclui assim a motivação do recurso:
“1. Por despacho notificado ao Recorrente em 15/05/2023, veio o Tribunal a quo decidir sobre o montante da remuneração variável a atribuir-lhe, na qualidade de Administrador de Insolvência, fixando-o em € 51.187,53 (cinquenta e um mil, cento e oitenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos), IVA incluído.
2. O Recorrente não pode concordar com o cálculo da majoração efetuado por aquele Tribunal, uma vez que não aplicou corretamente a fórmula legal prevista no artigo 23.º, n.º 7, da Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro.
3. Não se compreende o raciocínio do Tribunal, que concluiu que daquele normativo resulta que o grau de satisfação corresponderá a uma percentagem que tenha de ser apurada e aplicada na fórmula de cálculo da majoração.
4. Não existe qualquer percentagem a apurar no cálculo da majoração.
5. Para esse cálculo apenas haverá que subtrair ao resultado da liquidação a remuneração fixa e a remuneração variável, apurada nos termos do n.º 4 do artigo 23.º, acrescida de IVA, aplicando-se a esse valor a percentagem de 5%.
6. No caso, o valor da majoração deveria ter sido calculado por aplicação da percentagem de 5% à quantia de € 726.589,55 – valor disponível para pagamento aos credores. Resultando num total de € 36.329,48 (trinta e seis mil e trezentos e vinte e nove euros e quarenta e oito cêntimos).
7. Face ao exposto, ao decidir da forma como o fez, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação e aplicação, a norma do artigo 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro.
8. Pelo que deverá ser totalmente revogado o despacho de que ora se recorre e recalculada a remuneração variável do Sr. Administrador da Insolvência de acordo com a fórmula correta – a que ora apresentamos.
NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, CONCEDENDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO O DESPACHO DE QUE ORA SE RECORRE, FARÃO V. EXAS. JUSTIÇA”
Não houve lugar a resposta.
Observados os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objeto do recurso
Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), nos recursos apreciam-se questões e não razões ou argumentos, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido e vistas as conclusões do recurso, importa decidir se a majoração da remuneração variável, a que se reporta o n.º 7 do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, incide diretamente sobre o montante do produto da massa insolvente a distribuir pelos credores.

III. Fundamentação
1. Factos relevantes
a) O resultado da liquidação ascendeu a € 726.589,55 (deduzidas as despesas de liquidação e as custas do processo de insolvência).
b) Foram admitidos créditos no valor de € 9.406.789,77.

2. Direito
2.1. Se a majoração da remuneração variável, a que se reporta o n.º 7 do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, incide diretamente sobre o montante do produto da massa insolvente a distribuir pelos credores
O administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis [artigo 60.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)].
Sobre esta remuneração – administrador judicial nomeado por iniciativa do juiz – o artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial (EAJ), aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26/2, com as alterações da Lei n.º 9/2022, de 11/1), dispõe, designadamente, o seguinte:
1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2.000 (euro).
(…)
4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes:
a) 10% da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;
b) 5% do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.
(…)
6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.
(…)
A remuneração do administrador da insolvência, nomeado pelo juiz, compreende uma parte fixa – € 2.000,00 – e uma parte (duplamente) variável: 5% do resultado da liquidação da massa insolvente [n.º 4, alínea b) e n.º 6]; uma majoração, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles [n.º 7].
A questão colocada nos autos prende-se com a interpretação desta última variável – majoração em 5% do montante dos créditos satisfeitos – uma vez que a decisão recorrida a calculou por referência ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos – expressando aritmeticamente este grau de satisfação por uma proporção (percentagem) entre o montante dos créditos que foram admitidos a pagamento e o montante disponível para pagamento dos credores – e a Recorrente considera que “não existe qualquer percentagem a apurar no cálculo da majoração o que corresponde a dizer, no contexto, que a majoração de 5% deve incidir diretamente sobre a quantia global a ratear pelos credores.[1]
A interpretação da norma – majoração, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos – não se mostra isenta de dificuldades, uma vez que grau de satisfação dos créditos e créditos satisfeitos são realidades de expressão económica distintas, cuja coincidência apenas se verificará em casos marginais de plena satisfação dos créditos admitidos – 100% de grau de satisfação dos créditos e 100% de créditos satisfeitos – e não expressar a norma, ao menos com clareza, corresponder a majoração a 5% do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos ou corresponder a majoração a 5% do montante dos créditos satisfeitos.
Ainda assim,
A solução defendida no recurso apresenta, para nós uma intransponível dificuldade hermenêutica decorrente da ablação de um dos seus segmentos necessariamente significativos – o grau de satisfação dos créditos – uma vez que transporta, em si, a ideia que a remuneração, em qualquer caso, corresponde a 5% do montante dos créditos satisfeitos e transforma em letra morta o grau de satisfação dos créditos.
Dificuldade identificada v.g. no acórdão desta Relação de 29/09/2022: “caso a expressão não tivesse qualquer interesse para a justa solução do problema, na construção da regra o legislador teria de evitar qualquer referência ao “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”. E, se assim fosse, na redação da norma seria bastante a alocução normativa: «o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, […] em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles». Com efeito, não é inócua a expressão nem a mesma pode ser tratada como um mero elemento decorativo da norma colocada em crise. E, assim, para que a mesma tenha algum efeito prático e consequências jurídicas, importa estabelecer alguma correlação entre o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos e o montante dos créditos satisfeitos.”
Na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, o que significa que a forma de expressão do legislador – a letra da lei – não pode ser ignorada pelo intérprete.
“Se se prescinde totalmente do texto já não há interpretação da lei, pois, já não estaremos a pesquisar o sentido que se alberga em dada exteriorização.”[2]
A solução preconizada pela decisão recorrida, ao fazer incidir a majoração de 5% sobre o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, não tem idênticos reveses interpretativos e confere sentido útil, embora corretivo, a todo o texto da norma, uma vez que encontra o grau de satisfação dos créditos admitidos e faz incidir sobre ele a percentagem de majoração, o que significa que esta incide – a final e ainda – sobre o montante dos créditos satisfeitos.
O elemento histórico apoia, se bem vemos, este sentido literal.
A majoração em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos estava presente na solução pregressa.
O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 3 e 4 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1” – artigo 23.º, n.º 5, do EAJ, aprovado pela Lei n.º 22/2013, sem as alterações da Lei n.º 9/2022.
A Portaria n.º 51/2005, de 20/1 – publicada na vigência do Estatuto do Administrador da Insolvência, aprovado pela Lei n.º 32/2004, de 22/7, e aplicada na vigência do referido n.º 5 do artigo 23.º do EAJ, sem as alterações da Lei n.º 9/2022, de 11/1 – estabelecia vários escalões progressivos do fator aplicável para cálculo da remuneração em função da percentagem dos créditos admitidos que foi satisfeita, quanto maior fosse a percentagem dos créditos satisfeitos maior seria a remuneração do administrador.
O n.º 7 do artigo 23.º do EAJ, vigente, deixou cair o cálculo da majoração por aplicação dos fatores constantes da portaria (anterior n.º 5), introduziu um fator constante do cálculo da majoração – 5% – e deixou inalterada a primeira parte da previsão da norma – “majoração, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados” – o que significa que o grau de satisfação dos créditos reclamados se manteve enquanto critério para cálculo da remuneração.
Solução de que resulta, aliás, a progressividade da remuneração – quanto maior for a base dos 5%, ou seja, o grau de satisfação dos créditos, maior a remuneração – presente nos escalões da portaria.
Com ganhos de previsibilidade, a majoração não resulta de portaria a publicar, resulta da aplicação do critério previsto na própria lei.
Acresce, que causa/função da norma – elemento teleológico – não parece coincidir, ao menos em toda a linha, com a razão presente na remuneração variável que é devida ao administrador em função da liquidação da massa insolvente [alínea b), n.º 4].
O resultado da liquidação da massa – cobrança de créditos e alienação de bens e direitos compreendidos na massa insolvente – depende do administrador, da sua maior ou menor diligência e do seu empenho e, assim, quanto maior o resultado da liquidação, maior a remuneração, daqui o estimulo; a repartição do produto obtido pela liquidação da massa pelos credores [n.º 7] depende, é certo, daquele produto, mas em tais operações releva essencialmente o que foi reclamado e admitido, independentemente da maior ou menor diligência do administrador no cálculo aritmético que a repartição representa, os credores recebem a final o que lhes houver que caber no rateio do produto da liquidação.
Por isto que a justificação ou razão de ser, ao menos imediata, da majoração não é a de estimular o administrador a distribuir mais pelos credores – só poderá distribuir o que liquidou – é a de colocar, parte da remuneração do administrador, enquanto credor da insolvência, em pé de igualdade com os demais credores – a sorte deles será a sua – na medida em que parte da sua retribuição se mostra indexada, por assim dizer, ao grau de satisfação dos credores.
Em conclusão, a majoração de 5% da remuneração variável do administrador de insolvência nomeado pelo juiz – n.º 7 do artigo 23.º do EAJ – calcula-se por referência ao grau de satisfação dos créditos e não por aplicação direta de 5% ao montante dos créditos satisfeitos.[3]
O grau de satisfação dos créditos expressa-se aritmeticamente pela proporção ou percentagem entre o montante dos créditos admitidos a pagamento e o montante dos créditos pagos aos credores.
Havendo sido este o sentido da decisão recorrida, resta confirmá-la.
Improcede o recurso.

2.2. Custas
Vencido no recurso, incumbe ao Recorrente pagar as custas (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC).

Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)

IV. Dispositivo
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 7/11/2023
Francisco Matos
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
Cristina Maria Xavier Machado Dá Mesquita
__________________________________________________
[1] Questão idêntica foi equacionada no Ac. desta Relação de 30/03/2023 [(proc. n.º 1414/18.5T8STR-H.E1), disponível em www.dgsi.pt], relatado pelo ora relator, o qual aqui se segue de muito perto.
[2] Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 2ª ed., pág. 354.
[3] Neste sentido, o Ac. STJ de 18/04/2023 (proc. n.º 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1) e, nesta Relação, para além do já citado Ac. de 29/9/2022, o recente Ac. de 14/09/2023 (proc. n.º 331/10.1T2ODM.E1) e jurisprudência nele mencionada e v.g. o Ac. RC de 28/09/2022 (proc. n.º 2495/20.7T8ACB.C1) e o Ac. RP de 11/11/2022 (proc. n.º 2631/20.3T8OAZ-E.P1), disponíveis em www.dgsi.pt.