Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
644/18.4T9ABF.E1
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: FURTO
ABUSO DE CONFIANÇA
ELEMENTOS DOS TIPOS PENAIS
NÃO PREENCHIMENTO
NÃO PRONÚNCIA
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Se a acusação não contém todos os pressupostos – nomeadamente de facto – de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, ao Juiz de Instrução só resta a alternativa de proferir despacho de não pronúncia, nos termos do art. 308.º, n.º 1, in fine, do CPP.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos autos com o nº 644/18.4T9ABF, do Tribunal Judicial da Comarca de …– Juízo de Instrução Criminal de … – Juiz …, foi proferida, aos 18/04/2023, decisão instrutória que julgou nula a acusação particular deduzida pela assistente AA contra a arguida BB no que tange aos crimes de natureza semi-pública, bem assim quanto aos crimes de furto e abuso de confiança e não a pronunciou pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, do Código Penal; um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal; um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205º, nº 1, do Código Penal; um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal; um crime de coacção, p. e p. pelo artigo 154º, nº 1, do Código Penal e um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nº 1, do Código Penal.

2. A assistente não se conformou com esse despacho e dele interpôs recurso, impetrando a sua revogação e substituição por outro que pronuncie a arguida pelos crimes de natureza particular.

2.1 Extraiu a recorrente da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1. Através do presente recurso, pretende a recorrente colocar em crise a Decisão de Não Pronúncia quanto aos crimes de natureza particular, nomeadamente, quanto à falta de fundamentação, com especificação dos motivos de facto e de direito da Decisão de Não Pronúncia e da validade da acusação particular.

2. É aceite na Jurisprudência, que a Decisão Instrutória (neste caso de Não Pronúncia), sendo um ato judicial decisório, tem obrigatoriamente que ser fundamentada, com a especificação dos motivos factuais e legais de tal Decisão, nos termos dos artigos 307.º, n.º 1, 308.º, n.º 2, 283.º, n.º 3, al. b), e 97.º, n.º 5, todos do Código de Processo Penal.

3. Não sendo na Decisão cumprida tal obrigação ou havendo omissão quanto à mesma, nomeadamente quanto à devida enunciação dos factos indiciados e não indiciados, ocorre uma manifesta falta de fundamentação.

4. Tal omissão configura uma nulidade que deve ser sanada pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal (adiante JIC), nos termos e para os efeitos dos artigos 120º e 122º do CPP.

5. No presente caso, a Decisão Instrutória não enunciou devidamente os factos indiciados e não indiciados.

6. Volvidos 4 anos de inquérito, sem diligências ou acusação do Ministério Público, atentos os factos praticados e os indícios existentes, nomeadamente, em termos testemunhais e de declarações para memória futura), tivesse o mesmo acusado, e não ocorreria certamente uma Decisão de Não Pronúncia, nesse caso.

7. Pois que, seria a arguida certamente, pronunciada com o argumento reiterado e frequente de que se apreciaria em sede de discussão e julgamento.

8. Em sede de Debate Instrutório, nada ocorreu que abalasse ou fizesse duvidar do alegado na Acusação Particular.

9. A referência aos crimes de natureza semi pública, serviram de referência e desabafo da assistente à estagnação do processo em fase de inquérito,

10. Os Assistentes, tinham à data dos factos mais de 87 e 91 anos.

11. Defende o Sr. Conselheiro Maia Costa, num comentário ao artigo 308.º do CPP (Loc. Cit.), “o despacho de não pronúncia por insuficiência de indícios deverá fixar expressamente quais os factos considerados suficientemente indiciados. É que sobre tais factos forma-se caso julgado, em termos de ser inadmissível a reabertura do processo face à eventual descoberta de novos factos ou meios de prova, ao contrário do que acontece com o inquérito arquivado, que pode ser reaberto se forem descobertos factos novos (artigo 279.º, n.º 1)”.

12. E, salvo o devido respeito pelo Douto Tribunal, não se concorda com a decisão de Não Pronuncia, por se entender que a acusação não padece de uma nulidade, pois contém a narração, ainda que sintética de todos factos imputados à arguida.

13. De igual é realizada a imputação subjectiva.

14. E, não poderia o JIC considerar inócua a factualidade descrita na acusação particular.

15. A decisão do Tribunal “a quo” decidiu considerar nula a acusação particular da assistente, por violação do disposto no artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, na parte em que é imputada à arguida a prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal e de um crime de abuso confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1, do Código Penal, proferindo despacho de não pronúncia.

16. Não há, no modesto entendimento da assistente, fundamento para tal decisão, uma vez que não se verifica nenhum dos vícios previstos no artigo 311.º do C.P.P., na medida em que contém todos os elementos integradores do tipo de ilícitos em questão, o crime de abuso de confiança e do crime de furto.

17. Pelo que deverá ser revogada a decisão de não pronúncia, por manifestamente infundada, por violar o disposto nos artigos 203.º, n.º 1 e 205.º, n.°1, ambos do Código Penal e 311.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e em sua substituição ser proferida decisão que pronuncie a arguida pelos crimes de furto e abuso de confiança.

18. A Douta Decisão recorrida violou, assim, entre outros, os artigos 97.º, n.º 5, 120º, 122º, 307.º, n.º 1, 283.º, n.º 3, al. b), 308.º, n.º 2 e 311.º do Código de Processo Penal do Código de Processo Penal, e, os artigos. 203.º, n.º 1 e 205.º, n.º 1, do Código Penal.

NESTES TERMOS, dando-se provimento ao recurso, revogando-se a Decisão recorrida nos termos supra expostos, substituindo-se a mesma por outra que pronuncie a arguida pelos crimes de natureza particular, V. Exas. farão, como sempre, INTEIRA JUSTIÇA!

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

4. Respondeu a Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo à motivação de recurso, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

5. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

6. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, Editora Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. Pleno STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série –A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação.

Não verificação da nulidade da acusação particular quanto aos crimes de furto e abuso de confiança.

Suficiência de indícios da prática dos crimes de injúria e difamação.

2. Elementos relevantes para a decisão

2.1 Em sede de inquérito foi lavrado despacho pelo Ministério Público, aos 14/07/2022, relativamente à queixa apresentada por CC e AA contra sua neta BB (…), em que se entendeu que “os factos participados apenas podem integrar, em abstracto, a prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205º, nº 1, do Código Penal”, que tem, no caso, natureza particular, atento o disposto no artigo 207º, nº 1, do Código Penal, pelo que determinou fossem notificados “os assistentes, nos termos do disposto no artigo 285º, nº 1, do Código de Processo Penal, para, querendo, em 10 dias, deduzir acusação particular, considerando que o Ministério Público não tem legitimidade para acusar, consignando-se, na notificação a efectuar e para efeitos do nº 2 do normativo já citado, que não foram recolhidos indícios suficientes da prática de crime”.

2.2 Em 02/08/2022, AA (tendo, entretanto, falecido o assistente CC) deduziu acusação particular contra BB, imputando-lhe a prática de factos integradores, na sua perspectiva, em autoria material, de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, do Código Penal; um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal; um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205º, nº 1, do Código Penal; um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal; um crime de coacção, p. e p. pelo artigo 154º, nº 1, do Código Penal e um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nº 1, do Código Penal.

2.3 Por despacho de 09/09/2022, o Ministério Público não acompanhou a acusação particular deduzida pela assistente quanto ao crime de abuso de confiança, porquanto, “atenta a prova carreada nos autos, não se mostram recolhidos indícios suficientes da verificação do crime imputado.”

Quanto aos crimes de injúria, difamação e furto, igualmente a não acompanhou, com fundamento na posição anteriormente assumida.

Relativamente aos crimes de natureza semi-pública (ameaça e coacção), pugna pela rejeição da acusação particular, por faltar à assistente legitimidade para a dedução da acusação, porquanto o Ministério Público a não deduziu.

2.4 Aos 27/02/2023, a arguida requereu a abertura da instrução, impetrando a sua não pronúncia pela prática dos crimes imputados na acusação particular.

2.5 A decisão recorrida, proferida em 18/04/2023, tem o seguinte teor, na parte que releva (transcrição):

I – RELATÓRIO

A. AA, assistente no âmbito dos presentes autos, sob a forma de processo comum e mediante intervenção do Tribunal singular, deduziu acusação particular contra:

BB, divorciada, nascida em ……..1979, natural de …, filha de DD e EE, titular do cartão de cidadão n.º … e residente na Rua …, lote …, n.º…, …, imputando-lhe a prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de coacção, previsto e punido pelo artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal, e de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal.

B. Inconformada com a acusação particular veio a arguida BB requerer a abertura da fase de instrução, pretendendo a sua não pronúncia pela prática dos crimes imputados, alegando, em apertada síntese, a nulidade da acusação por falta de descrição dos elementos subjectivos dos tipos de ilícito ali plasmados e, de outra banda, a inexistência de indícios suficientes recolhidos durante o inquérito.

C. O Ministério Público não acompanhou a acusação particular [09.09.2022: fls. 329-330].

Foi declarada aberta a instrução em 23.03.2023 – fls. 404-405.

Não foram realizados quaisquer actos instrutórios.

II – SANEAMENTO

O Tribunal é competente.

Os sujeitos processuais têm legitimidade para intervir no exercício da acção penal.

Da (falta) de legitimidade da assistente para deduzir acusação particular nos termos do artigo 285.º do Código de Processo Penal por crimes de natureza semi-pública.

Compulsado o teor da acusação particular apresentada pela assistente AA a fls. 308-317, constata-se que, de forma totalmente surpreendente, são imputados à arguida a prática, em concurso efectivo, de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de coacção, previsto e punido pelo artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal.

Que dizer desta acusação “particular”?

Talvez fosse avisado à assistente percorrer o Código de Processo Penal no título dedicado ao princípio da oficialidade cujo titular é o Ministério Público e respectivas limitações ou excepções antes de assumir, por si, a veste de “detentor da acção penal” ao deduzir uma acusação enxameada de crimes pelos quais não detém qualquer legitimidade para o efeito.

Resulta de meridiana clareza, bastando ler os respectivos preceitos legais elencados no Código Penal, que exceptuando os crimes de injúria, difamação, furto e abuso de confiança, os quais têm natureza particular [e, por conseguinte, a assistente tem legitimidade para deduzir acusação], os restantes detêm uma faceta semi-pública, pelo que só o Ministério Pública poderia, findo o inquérito, deduzir a respectiva acusação, o que não sucedeu.

Neste seguimento, quanto aos crimes de natureza pública vigora em pleno o princípio da oficialidade, ao passo que nos crimes semi-públicos estamos apenas perante uma limitação do princípio da oficialidade que enforma o processo penal e, por conseguinte, em ambos os casos, a legitimidade para a apresentação da acusação pertence, claro está, em exclusivo, ao Ministério Público, em consonância com o disposto nos artigos 48.º e 49.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

A assistente não pode, por crimes de natureza semi-pública – como sucede no caso em apreço – deduzir acusação ao abrigo do disposto no artigo 285.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, pois esta acusação demanda que esteja em causa ilícito de natureza particular – excepção ao princípio da oficialidade (cfr. artigo 50.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

A reacção da assistente, em face da natureza do crime (i), da prolação do despacho de arquivamento (ii) e com o fito de submissão da arguida a julgamento (iii), só poderia ser impetrada através do requerimento de abertura da fase de instrução, nos termos do disposto no artigo 287.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal.

Destarte, quando a assistente deduz a acusação ao abrigo do disposto no artigo 285.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, por crimes que não têm natureza particular, não só procede sem ter legitimidade/ilegitimamente, como, por via disso, dá azo à nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea b), do Código de Processo Penal [cfr. Assento n.º 1/2000, publicado no Diário da República, I Série, de 06.01.2000].

Pelo exposto:

- julga-se verificada a nulidade insanável a que alude o artigo 119.º, alínea b), do Código de Processo Penal, a qual, por ser de conhecimento oficioso, pode ser declarada em qualquer fase do processo, o que se decide.

Por conseguinte impor-se-á, a final, proferir despacho de não pronúncia da arguida BB pela prática dos crimes de natureza semi-pública imputados na acusação “particular” da autoria da assistente.

Da nulidade da acusação particular quanto aos crimes de abuso de confiança e de furto.

A assistente AA imputa à arguida, além do mais, a prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal e de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1, do Código Penal.

Apesar do normativo ser totalmente olvidado no libelo acusatório, aqueles tipos de ilícito, face à relação familiar existente entre assistente e arguida [avó e neta, respectivamente], assumem uma natureza particular ex vi do disposto no artigo 207.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Neste apartado a questão da falta de legitimidade já não se coloca, pois sendo crimes de natureza particular o princípio da oficialidade “cede” e caberá à assistente, querendo, deduzir a respectiva acusação nos termos do disposto no artigo 285.º do Código de Processo Penal.

Mas detecta-se um outro problema, de índole distinta, intrínseco à própria acusação particular que a faz padecer de nulidade.

E qual é?

A ausência, cabal, de uma das dimensões atinentes à construção do tipo de ilícito penal: a vertente subjectiva.

Consabidamente, o tipo de ilícito subdivide-se em duas dimensões: a componente objectiva e a componente subjectiva.

Se a propósito dos elementos típicos objectivos dos crimes de furto e de abuso de confiança, isto é, as circunstâncias de facto que, em abstracto, preenchem determinada previsão legal como sendo crime a assistente, ainda que num discurso palanfrório, cumpre minimamente esse desiderato, o mesmo não é transponível para a componente subjectiva, mormente a descrição dos elementos intelectual e volitivo do dolo [isto porque todos os ilícitos plasmados naquele libelo, de natureza particular, apenas são puníveis na modalidade dolosa].

Percorrida a acusação particular em toda a sua extensão em momento algum enxergamos a mínima identificação/alusão a esses elementos de natureza subjectiva, e que se traduzem, grosso modo, na intenção e vontade de realização de determinado tipo objectivo de ilícito.

Tal como prescreve o artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal [para o qual remete o artigo 285.º, n.º 3, do mesmo diploma legal], “a acusação contém, sob pena de nulidade:

b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.”

Naturalmente, para que um determinado comportamento possa assumir a feição de um ilícito típico criminal é ainda necessário que estejam verificados os respectivos elementos subjectivos (além dos objectivos), caso contrário a conduta seria axiologicamente neutra para fins criminais.

Ora, em traços muito simples e sem necessidade de grandes considerações, os factos relatados na acusação particular da assistente a propósito dos crimes de furto e de abuso de confiança não integram qualquer tipo criminal.

É que, sem alegação do elemento subjectivo, não é possível pronunciar à arguida, como pretende a assistente.

Também, o juiz não se pode substituir ao assistente, colocando por sua (do juiz) iniciativa os factos em falta, que eram essenciais para a imputação do crime em questão.

Estes são elementos essenciais do tipo subjectivo de ilicitude que a jurisprudência, especialmente após a prolação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2015, considera que não podem deixar de constar da acusação e cuja falta não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao artigo 358.º do Código de Processo Penal.

De acordo com esta fixação de jurisprudência, “a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.” (1)

Tanto significa que a falta de narração dos elementos subjectivos do crime na acusação exclui a tipicidade da conduta, não sendo admissível aditá-los numa fase subsequente do processo, designadamente, por via do disposto nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal, uma vez que tal alteração consubstanciaria a convolação de uma conduta não punível numa conduta punível ou uma conduta atípica para uma conduta típica. (2)

Em apertada síntese, o juiz não pode transformar uma narração de factos que é inócua, numa infracção criminal: caso viesse a acrescentar factos integradores do elemento subjectivo em falta, estar-se-ia perante uma alteração substancial dos factos, o que tornaria nula a decisão instrutória – artigo 309.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Por outro lado, encontra-se também afastada a possibilidade de convidar o assistente ao aperfeiçoamento, face ao teor do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2005, de 12.05 (3), segundo o qual “não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.

Chamado a apreciar a constitucionalidade do artigo 287.º do Código de Processo Penal perante este entendimento, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 636/2011, de 20.12 (4), decidiu:

“Não julgar inconstitucional a norma contida conjugadamente nos n.ºs 2 e 3 do artigo 287.º do CPP, na interpretação segundo a qual, não respeitando o requerimento de abertura de instrução as exigências essenciais de conteúdo impostas pelo n.º 2 do artigo 287.º do CPP, e não ocorrendo nenhuma das causas de rejeição previstas no n.º 3 do mesmo preceito, cabe rejeição imediata do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente (não devendo antes o assistente ser convidado a proceder ao seu aperfeiçoamento para suprir as omissões/deficiências constatadas).”

Termos em que, também neste segmento [embora por diferentes motivos], se considera a acusação particular da autoria da assistente nula, por violação do disposto no artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, aqui aplicável ex vi do artigo 285.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, quando imputa à arguida a prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal e de um crime de abuso confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1, do Código Penal [ex vi do artigo 207.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal].

Será, por conseguinte, e a final, proferido despacho de não pronúncia.

Inexistem outras nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à prolação de uma decisão de mérito nos presentes autos – artigo 308.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Procedeu-se à realização de debate instrutório, na presença da arguida, com observância de todas formalidades legais, conforme se constata da respectiva acta.

Declara-se encerrada a fase de instrução – artigo 306.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

III – FUNDAMENTAÇÃO

A. Da Instrução

No sistema processual penal português a sindicância dos motivos imanentes a uma decisão de arquivamento do inquérito ou de acusação tem lugar através da fase de instrução, que é da competência de um juiz e tem cariz facultativo – ex vi artigo 286.º do Código de Processo Penal.

A instrução, descrita nestes moldes, tem como finalidade “saber se existe fundamento para abrir a fase de julgamento, que é a fase central e paradigmática do processo penal, segundo o modelo garantista herdado do Iluminismo”.(5)

Embora seja comum apelidar a fase instrutória de “instrumental” e “preparatória” da fase de julgamento, aquela não se traduz numa espécie de audiência de julgamento antecipada, razão pela qual é inexigível a mesma intensidade a nível de produção e valoração da prova.

A prova produzida em sede de instrução tem carácter meramente indiciário, no sentido em que não se pretende através dela a demonstração da realidade dos factos, antes e tão só indícios – suficientes -, sinais de ocorrência do crime, donde se pode formar a convicção, para a decisão de pronúncia, de que existe uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena ou uma medida de segurança – cfr. artigos 308.º, n.ºs 1 e 2, 283.º, n.º 2 e 301.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

O que sejam indícios suficientes procurou o legislador definir no artigo 283.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando estatui “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.

Pelo exposto, não basta, em ordem a submeter um arguido a julgamento, a presença de meros indícios ou de um mero juízo subjectivo do juiz, porque na esteira do entendimento preconizado pela jurisprudência a este respeito “a pronúncia de um arguido em sede instrutória assenta num juízo de probabilidade elevada ou particularmente qualificada quanto à condenação do mesmo em julgamento, devendo, por isso, o respectivo juízo de prognose exibir a potencialidade de vir a ultrapassar a barreira do in dubio pro reo em fase de julgamento” (6).

E também ADÉRITO TEIXEIRA se pronunciou no mesmo sentido quando defende que apenas “o critério da possibilidade particularmente qualificada ou de possibilidade elevada de condenação, a integrar o segmento legal da “possibilidade razoável”, responde convenientemente às exigências do processo equitativo, da estrutura acusatória, da legalidade processual e do Estado de Direito Democrático, e que é o que melhor se compatibiliza com a tutela da confiança do arguido, com a presunção de inocência de que ele beneficia e com o in dubio pro reo.” (7)

Na verdade, crê-se que o juízo ou a convicção a estabelecer na fase da prolação da acusação ou do despacho de pronúncia, há-de ser (quase) equivalente ao de julgamento, quer ao nível da apreciação da fenomenologia, quer na objectividade da indagação fáctica e na apreciação do material probatório, quer ainda na conformação desse material probatório às normas atinentes com as proibições de valoração de prova e na racionalidade lógica em que assenta a apreciação dos elementos probatórios coligidos.

A grande diferença de convicção, no momento do inquérito/instrução ou no momento do julgamento, reside, precisamente, no contexto ou na ambiência em que essas provas se produzem, dado que, em audiência de discussão e julgamento, esta fase é marcada pelos princípios da concentração e, sobretudo, pelo princípio do contraditório, enquanto acto de defesa, cuja verificação em inquérito/instrução apenas se descortina em determinadas situações – esta opção surge reforçada pelo indelével carácter criminógeno que representa a indevida sujeição do arguido à fase de julgamento, o que, por imperativos de justiça, deve ser evitado. (8)

Nesta sequência, dir-se-á que só indícios necessariamente fortes ou de elevada intensidade são suficientes para, findo o inquérito ou a instrução, ser deduzida a acusação ou proferido despacho de pronúncia.

Ou seja, e em jeito de resumo, os indícios serão suficientes quando os elementos de facto trazidos ao processo pelos meios probatórios, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, a manterem-se em julgamento, terão probabilidades sérias de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado, na medida em que, logicamente relacionados e conjugados, formam um todo persuasivo da culpabilidade do arguido.

B. Dos tipos legais de crime

A assistente AA deduziu acusação particular contra a arguida pela prática, além do mais, de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180º, n.º 1 do Código Penal e de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal.

1 – Do crime de difamação – artigo 180.º do Código Penal:

O artigo 180.º do Código Penal estatui que: “1 - quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um

juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.”

O crime de difamação tutela o bem jurídico honra, assente na imputação indirecta de factos e juízos desonrosos, que inclui não apenas a reputação e o bom nome de que a pessoa goza junto da sociedade, mas também a dignidade inerente a qualquer pessoa, independentemente do seu estatuto social.

Com este tipo legal de crime protege-se a honra, encarada numa perspectiva dual, em que se combina uma concepção fáctica, subjectiva e objectiva, com uma concepção normativa, pessoal e social.

A honra é, assim, vista como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior (9).

Como decorrência da premissa volvida, a honra subdivide-se, neste conspecto, em honra interior e honra exterior, tal como vem sido entendido actualmente pela jurisprudência.

A honra interior inclui o interesse da estima que cada um tem por si próprio, radicado na sua inviolável dignidade pessoal, ao invés, a honra exterior, própria reputação ou consideração exterior, o apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade do indivíduo enquanto pessoa e os demais valores pessoais por ele adquiridos no plano moral, intelectual, sexual, profissional ou político, o bom nome e reputação, o direito ao crédito pessoal e o direito ao decoro (10).

A incriminação da difamação é uma decorrência do princípio da dignidade humana, reclamando o respeito e o reconhecimento que deve imperar por parte dos outros. É nisto que se traduz o lado social da incriminação, uma exigência constitucional radicada numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa dos outros, de molde a permitir à pessoa realizar os seus planos de vida na multiplicidade de contextos e relações sociais em que intervém.

O conteúdo do bem jurídico honra e a extensão com que é protegida têm a sua referência essencial na Constituição da República Portuguesa.

E, assim, o artigo 25.º, n.º 1, daquele diploma estabelece a inviolabilidade da integridade moral e física das pessoas, e, o seu artigo 26.º, n.º 1 consagra, entre outros direitos de personalidade, o direito ao bom nome e reputação que emana de outro valor constitucional que é a dignidade da pessoa humana.

O direito à honra ou ao bom nome e reputação é, assim, um direito fundamental integrado no Capítulo I, Título II, Parte I, consagrado aos direitos, liberdades e garantias pessoais.

O crime de difamação, numa perspectiva que perfilhamos, é um crime de dano quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido e de mera actividade quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção. (11)

Ao nível objectivo, “a difamação consiste na imputação a alguém, levada a terceiros e na ausência do visado, de facto ou juízo que encerre em si uma reprovação ético-social, sendo ofensivos da honra e consideração do visado, enquanto pretensão de respeito que decorre da dignidade da pessoa humana e pretensão ao reconhecimento da dignidade moral da pessoa por parte dos outros. (12)

Ao nível da adequação das expressões para atingir o bem jurídico protegido, deve levar-se em linha de conta não a susceptibilidade pessoal de cada um, mas sim a dignidade individual a que todos os cidadãos têm direito.

Para assumir materialidade a nível objectivo, exige-se que a actuação consista na imputação de um facto ou na formulação de um juízo, ou na reprodução de tal imputação ou juízo, dirigida ao visado, mas veiculada através de terceiros.

Face à equiparação que o artigo 182.º, do Código Penal realiza, e com interesse para os autos, o tipo objectivo do crime de difamação compreende, ainda, os escritos, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.

Nas palavras de PINTO DE ALBUQUERQUE, que acompanhamos, atenta a importância do bem jurídico honra, sob pena de incoerência, a protecção penal é alargada àquelas modalidades de acção típica de forma a prevenir problemas colocados pelo princípio da legalidade e na interpretação dos artigos 180.º e 181.º do Código Penal. (13)

O tipo subjectivo requer o dolo, em qualquer das suas modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal, bastando, aqui, um dolo genérico em qualquer das suas formas, de directo, necessário ou eventual para integrar o mesmo.

Apesar de não exigir um dolo específico, é necessário que o agente vise, através da sua acção típica, ofender a honra ou a consideração pessoal de outrem, ou preveja essa ofensa de modo a que a mesma possa ser imputada dolosamente.

2 – Do crime de injúria – artigo 181.º do Código Penal

O artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal estatui que “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias.”.

O bem jurídico protegido pela incriminação é a honra, “numa dupla concepção fáctico-normativa, que inclui não apenas a reputação e o bom nome de que a pessoa goza na comunidade, mas também a dignidade inerente a qualquer pessoa, independentemente do seu estatuto social e, nessa medida, como um conceito normativo cujo concretização não dispensa a convocação de uma dimensão fáctica ou existencial do homem enquanto ser social, enquanto pessoa empenhada na realização dos seus planos de vida e ideais de excelência, o que tem correspondência constitucional no n.º 1, do artigo 26.º, da Constituição. É este bem jurídico, necessariamente complexo – como o interesse da estima que cada um tem por si próprio, e simultaneamente, como valor de não desconsideração social -, que a norma protege através dos tipos legais das injúrias e difamação.” (14)

A honra pertence por igual a todas as pessoas, independentemente do seu contexto social e do seu valor social concreto.

Assim, na sua concepção normativa, representa, nas palavras de FARIA COSTA, “um objecto ideal em que a lesão se dá apenas no ataque à pretensão de respeito decorrente daquele valor, pretensão essa que constitui o real objecto de acção dos crimes de injúria.” (15)

Na concepção fáctica, a honra é vista como “um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior. O que se protege é a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade.”(16)

A honra é um bem jurídico pessoalíssimo e imaterial que possui dignidade penal, sendo que o detentor do mesmo bem jurídico é o próprio sujeito, a própria pessoa de quem ela é qualidade intrínseca ou atributo.

Tal como estabeleceu lapidarmente BELEZA DOS SANTOS, “a honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale.

A consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração e ao desprezo público.” (negritos e sublinhados nossos) (17).

Assim, e de acordo com o erudito pensamento do citado autor, conclui-se que a honra se refere ao “apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral”, referindo-se a consideração ao “juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou ao menos de o não julgar um valor negativo.” (18).

Para se aferir da potencialidade ofensiva da honra ou da consideração de determinadas expressões ou imputações, importa, entre o mais, avaliar o contexto em que aquelas se inserem, sendo certo que existem expressões que, de forma isolada e desgarrada do contexto, são adequadas a ofender a honra e consideração do visado.

Contudo, essas mesmas expressões ou imputações, se enquadradas num contexto do qual resulte um significado ou uma conotação diferente, podem perder aquela carga ofensiva.

Ao nível do tipo objectivo, o crime de injúria é composto pelas mesmas condutas do crime de difamação, com a seguinte particularidade: as expressões, imputações devem ser dirigidas directamente ao ofendido, ainda que sob a forma de suspeita, embora não se exija que o ofendido se encontre no mesmo espaço físico, nem que a recepção da comunicação tenha lugar no mesmo momento em que a comunicação, sendo suficiente que o ofendido presencie a conduta do agente, ainda que noutro espaço físico (ex. videoconferência) ou em momento diferido no tempo (ex. mensagem gravada no telemóvel ou email). (19)

O tipo subjectivo do crime de injúria admite qualquer modalidade de dolo prevista no artigo 14.º do Código Penal, bastando, aqui, um dolo genérico nas suas formas directo, necessário ou eventual para integrar o mesmo.

Todavia, é necessário que o agente vise, através da sua acção típica, ofender a honra ou a consideração pessoal de outrem, ou preveja essa ofensa de modo a que a mesma possa ser imputada dolosamente.

C. Dos indícios

Os presentes autos tiveram início com a queixa apresentada por CC e AA contra a arguida BB na qual referem, em apertada síntese e no que ora importa, que na sequência de problemas advindos de umas doações prediais, a visada dirigiu as seguintes expressões aos assistentes: “vocês não valem nada, não prestam”, “não ajudam ninguém”, “bem fez o meu pai em abandonar-vos”, “mal vocês morram eu vendo tudo, não quero saber”.

Mais acrescentam que a visada tem difamado os assistentes referindo a várias pessoas que “não estão bem da cabeça” e que “estão doentes e sem capacidade de gerir as coisas”, bem como “são influenciáveis”.

Perante tais afirmações, os assistentes referem que foram ofendidos na sua honra e consideração pessoais.

De olhos postos no inquérito podemos avançar que a prova coligida não favorece o substrato acusatório da assistente, isto porque a esmagadora maioria das testemunhas inquiridas pouco ou nenhum conhecimento revelam acerca das imputadas afirmações à arguida.

Com excepção da assistente e da testemunha FF [fls. 85-86], mais ninguém corrobora a factualidade inserta no libelo acusatório no que concerne aos crimes de injúria e difamação.

Salientar, ainda, numa espécie de parêntesis, que a factualidade de reporte ao crime de difamação está no limiar da nulidade por falta de descrição dos elementos típicos subjectivos, pois é de forma muito benevolente que se considera cumprido esse requisito. Se atentarmos no libelo acusatório apenas é feita uma referência genérica à circunstância de a arguida ter referido a várias pessoas [sem dizer quantas e quem] que os assistentes “não estão bem da cabeça” e que “estão doentes e sem capacidade de gerir as coisas”, bem como “são influenciáveis”, sem acrescentar que, ao dirigir essas expressões a terceiros, quis ofender a honra e consideração dos visados.

Mas prosseguindo, até porque o “busílis da questão” é mais jurídico ou valorativo do que propriamente indiciário.

Não descurando que o contexto envolvente [questões hereditárias] é, de certa forma, relevante para a compreensão cabal do objecto dos presentes autos, a verdade é que a nossa actividade de cognição procurará saber se as expressões utilizadas pela arguida são ou não idóneas a ofender a honra e consideração pessoal dos visados.

Neste seguimento, repita-se, o Tribunal fixará a sua atenção no teor daquelas afirmações, de molde a aferir se as mesmas são susceptíveis de ser subsumidas na factualidade típica imanente aos crimes de difamação e de injúria – sem deixar de atender ao contexto de onde emergem.

Diga-se, desde já, que o Tribunal não consegue assinalar, nas ditas afirmações, frases ou vocábulos atentatórios da honra e da consideração pessoal dos visados.

Olhando desapaixonadamente para as afirmações, e em termos de pura exegese, a conclusão que se retira é que a arguida se limita a manifestar desagrado e a tecer considerações acerca da actuação/conduta dos assistentes no âmbito da partilha de bens, sem que se possa extrair, dos vocábulos utilizados, uma intenção de agredir ou manchar a imagem dos assistentes.

Podemos questionar (ou não), do ponto de vista ético, a pertinência/intensidade de tais afirmações de uma neta para com os avós e a particular vulnerabilidade destes em face da avançada idade, mas daí não pode extrapolar-se, sem mais, para o conteúdo difamatório/injurioso dos mesmos no plano criminal.

As querelas atinentes às partilhas de bens há muito que espalham divisão, discórdia e desavenças entre as famílias, motivo pelo qual algumas palavras poderão não ser contidas, apenas e só, no espartilho jurídico, extravasando para considerações pessoais ou juízos de valor.

Todavia, repita-se, não se enxerga, em lado algum, que a arguida, com aquelas expressões, quisesse visar a honra e consideração pessoal dos assistentes, nem se alcança como poderão estes sentir-se verdadeiramente atingidos nessa esfera.

Não duvidamos que os assistentes possam não ter gostado de ouvir aquelas palavras, certamente desagradáveis, ainda por cima advindas de uma neta, mas isso não adquire a virtualidade de encerrar em si uma reprovação ético-social e, qua tale, ofensiva da honra e consideração daqueles.

É de facto próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas, com frequentes desavenças, diferentes opiniões ou colisões de interesses incompatíveis que provocam animosidades, sendo igualmente normal e compreensível que as mesmas tenham expressão ao nível da linguagem, com a utilização de palavras inamistosas ou até acintosas.

De igual forma, não pode ser ignorado que nem todo o facto ou juízo que envergonha e perturba ou humilha, cabem nas previsões dos artigos 180.º ou 181.º do Código Penal, pois existem margens de tolerância conferidas pela liberdade de expressão, que compreende não só a liberdade de pensamento, como a liberdade de exteriorização de opiniões e de juízos, havendo que conciliar o direito à honra e à consideração, com o direito à crítica, pois um e outro, pese embora sejam direitos fundamentais, não são direitos absolutos, nem ilimitados.

Na situação concreta, apreciando o teor das expressões proferidas, as mesmas não têm o condão de afectar a honra e consideração pessoal dos assistentes.

As expressões proferidas terão de ser consideradas dentro da ampla liberdade de expressão e manifestação.

Apesar de deselegantes para os assistentes, aquelas não merecem a tutela penal porque não atingem o tal restrito núcleo da esfera da vida privada.

O direito penal como ultima ratio só deve ser chamado a intervir quando ultrapasse o permitido e consagrado no artigo 10.º, §1º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, não sendo esta a situação dos autos, não integrando aquelas expressões, atento o contexto em que o foram, o conceito de ofensa numa dimensão jurídico-penalmente relevante.

Lapidarmente, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.04.2019 (20) diz-nos que: “I - O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos reconhece a honra pessoal e a consideração como parte integrante do direito ao respeito pela vida privada na medida em que a entende como parte integrante da identidade pessoal e da integridade psicológica da pessoa humana. II - No entanto, vem defendendo que, para haver uma violação de tal direito, o concreto ataque à honra ou consideração (“reputação”) terá de atingir um certo nível de gravidade, de molde a prejudicar o gozo daquele direito pois que só um determinado nível de gravidade permitirá que uma eventual condenação, com base na violação desse direito, não possa ser considerada uma interferência ilegítima no direito de liberdade de expressão. III - A condenação só pode ser aceitável na medida em que se mostre necessária, numa sociedade democrática, à protecção da reputação ou de direitos de outrem, devendo por isso, uma intervenção desse jaez, revelar-se concretamente necessária, proporcional e baseada numa interpretação razoável das normas do Código Penal. IV - O vocábulo “necessário”, constante da norma do art.º 10º, § 2º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem deverá ser interpretado com o sentido de “uma necessidade social imperiosa”. V - Afirma o mesmo Tribunal que “a liberdade constitui um dos fundamentos essenciais duma sociedade democrática, uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento pessoal de cada um”.

Como mencionado, na situação concreta não se justifica a intervenção do direito penal, não excedendo as expressões proferidas o aceitável.

Face ao exposto, conclui-se que não se encontra suficientemente indiciada a prática, pela arguida BB, de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal, nem de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, pelo que não será pronunciada a esse título.

O tribunal, em resumo, e por referência à acusação particular, pode portanto concluir que se mostram suficientemente indiciados os factos constantes dos artigos 7.º a 10.º da acusação particular [porque comprovados documentalmente nos autos].

Por outro lado, não se mostram suficientemente indiciados os seguintes factos constantes dos artigos 11.º a 57.º da acusação particular.

Por tudo o que fica exposto terá que ser emitida decisão de não pronúncia.

IV – DECISÃO

Em face de todo o exposto decide-se:

- NÃO PRONUNCIAR a arguida BB pela prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de coacção, previsto e punido pelo artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal, e de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal.

Apreciemos.

Nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação

Sustenta a recorrente que o despacho de não pronúncia revidendo padece de nulidade, porquanto não “enunciou devidamente os factos indiciados e não indiciados.”

Tem assento na Lei Fundamental – artigo 205º, nº 1, da CRP – a imposição da fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente, devendo esta ser feita na forma prevista na lei.

Por sua vez, estabelece-se no artigo 97º, nº 5, do CPP, que os actos decisórios, onde se incluem os despachos de pronúncia e de não pronúncia, são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

E, especificamente no que tange a esses despachos, regula o nº 2, do artigo 308º, do mesmo Código, de acordo com o qual lhe são aplicáveis o disposto nos números 2, 3 e 4, do artigo 283º.

Ora, de acordo com o nº 3 deste, o despacho de acusação padece de nulidade quando não contenha “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança”.

Trata-se, porém, de uma nulidade sanável, porquanto não cominada legalmente como nulidade insanável, nem constante do elenco das nulidades que revestem essa natureza do artigo 119º, do CPP e vero é que o regime das nulidades se apresenta sujeito aos princípios da legalidade e tipicidade, como resulta do artigo 118º, nº 1.

De onde, se impunha que fosse arguida junto do tribunal a quo, sendo admissível recurso da decisão por este proferida a propósito.

Não tendo a recorrente assim procedido, arguindo a nulidade perante o tribunal de 1ª instância, tal nulidade, a existir, estaria sanada.

Não obstante, sempre se dirá, para mero sossego das consciências, que a assinalada omissão não se verifica.

Com efeito, estabelece-se no artigo 307º, nº 1, do CPP, que “encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou de não pronúncia, que é logo ditado para a acta, considerando-se notificado aos presentes, podendo fundamentar por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura da instrução.”

E, assim procedeu o tribunal recorrido, ao efectuar a exigida narração dos factos que entendeu estarem indiciados e não indiciados por remissão para os vertidos na acusação particular, como é patente da seguinte passagem do despacho criticado:

O tribunal, em resumo, e por referência à acusação particular, pode portanto concluir que se mostram suficientemente indiciados os factos constantes dos artigos 7.º a 10.º da acusação particular [porque comprovados documentalmente nos autos].

Por outro lado, não se mostram suficientemente indiciados os seguintes factos constantes dos artigos 11.º a 57.º da acusação particular.

Face ao que, improcede o recurso neste segmento.

Não verificação da nulidade da acusação particular quanto aos crimes de furto e abuso de confiança

Discorda também a assistente/recorrente do entendimento do tribunal recorrido de que a acusação particular que deduziu contra a arguida pela prática dos crimes de furto (p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal) e abuso de confiança (p. e p. pelo artigo 205º, nº 1, do mesmo Código) é nula.

Diz-se no despacho sob censura, no que a essa problemática tange, entre o mais:

Se a propósito dos elementos típicos objectivos dos crimes de furto e de abuso de confiança, isto é, as circunstâncias de facto que, em abstracto, preenchem determinada previsão legal como sendo crime a assistente, ainda que num discurso palanfrório, cumpre minimamente esse desiderato, o mesmo não é transponível para a componente subjectiva, mormente a descrição dos elementos intelectual e volitivo do dolo [isto porque todos os ilícitos plasmados naquele libelo, de natureza particular, apenas são puníveis na modalidade dolosa].

Percorrida a acusação particular em toda a sua extensão em momento algum enxergamos a mínima identificação/alusão a esses elementos de natureza subjectiva, e que se traduzem, grosso modo, na intenção e vontade de realização de determinado tipo objectivo de ilícito.

(…)

Termos em que, também neste segmento [embora por diferentes motivos], se considera a acusação particular da autoria da assistente nula, por violação do disposto no artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, aqui aplicável ex vi do artigo 285.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, quando imputa à arguida a prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal e de um crime de abuso confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1, do Código Penal [ex vi do artigo 207.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal].

Será, por conseguinte, e a final, proferido despacho de não pronúncia.

Analisemos.

Resulta do nº 3, do artigo 285º, do CPP, que à acusação particular se aplica o disposto nos nºs 3, 7 e 8 do artigo 283º, do mesmo Código.

De onde, na acusação particular se tem de fazer “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada” e bem assim “a indicação das disposições legais aplicáveis.”

Ou seja, impõe-se que contenha os factos concretos susceptíveis de integrar todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo (ou tipos) criminal que o assistente considera terem sido preenchidos.

Estabelece-se no artigo 203º, nº 1, do Código Penal (crime de furto):

“Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel ou animal alheios, é punido (…)”.

O bem jurídico protegido pela norma é, essencialmente, a propriedade, mas também se protege a “disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica”. Isto é, a “incolumidade da posse ou detenção de uma coisa móvel”, como refere José de Faria e Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, págs. 30 e segs. e 94.

Quanto ao artigo 205º, nº 1 (crime de abuso de confiança), dispõe:

“Quem legitimamente se apropriar de coisa móvel ou animal que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade é punido (…)”.

Nela se tutela exclusivamente a propriedade.

Estes tipos de crime apenas admitem a forma dolosa da sua prática (de acordo com o disposto no artigo 13º, do Código Penal, “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”).

Tem-se sedimentado na doutrina penalista o entendimento do dolo do tipo de ilícito como composto pelo conhecimento (momento intelectual ou cognitivo) e vontade (momento volitivo) de realização do facto, o que plasmado está no referenciado artigo 14º, de onde, para que o dolo do tipo esteja presente necessário se torna, desde logo, que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto que preenche um tipo objectivo de ilícito (isto é, o conhecimento dos elementos materiais constitutivos do mesmo).

Com efeito, é necessário que ao actuar, o agente conheça “tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter de ilícito”, porquanto só quando os elementos do facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá vir a afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito – assim, Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 351 - exigindo-se ainda que a prática do facto seja presidida por uma vontade dirigida à sua realização.

Daí que, como se refere no Ac. da Relação de Coimbra de 13/09/2017, Proc. nº 146/16.3 PCCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt, “a acusação tem de descrever os elementos em que se analisa o dolo, ou seja: o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito; a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo directo, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual)”.

E, no Ac. do STJ nº 1/2015, de 20/11/2014, DR nº 18, I Série, de 27/01/2015, fixou-se a seguinte jurisprudência: “a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP”.

No mesmo se podendo ler, que “a acusação, enquanto delimitadora do objecto do processo, tem de conter os aspectos que configuram os elementos subjectivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa no sentido acima referido, englobando a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação, de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação desse evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), actuando, assim, conscientemente contra o direito.”

Acrescentando-se ainda: “conexionada com o problema anterior, coloca-se finalmente a questão de saber se a falta, na acusação, de todos ou alguns dos elementos caracterizadores do tipo subjectivo do ilícito, mais propriamente, do dolo (englobando o dolo da culpa, no sentido atrás referido), pode ser integrada no julgamento por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP.

Tal equivalerá a considerar essa integração como consubstanciando uma alteração não substancial dos factos.

11.1. Já vimos que esses elementos têm de constar obrigatoriamente da acusação, implicando a sua falta a nulidade do libelo (art. 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP)” (…) a exigida narração dos factos é a de todos os factos constitutivos do tipo legal de crime, sejam eles pertencentes ao tipo objetivo do ilícito, sejam ao tipo subjetivo e ainda, naturalmente, na sequência do que temos vindo a expor, os elementos referentes ao tipo de culpa. A factualidade relevante, como factualidade típica, portadora de um sentido de ilicitude específico, só tem essa dimensão quando abarque a totalidade dos seus elementos constitutivos. Não existem puros factos não valorados, como vimos, a propósito, nomeadamente, das teorias do objeto do processo, e a valoração especifica que aqui se reclama, consonante com um tipo de ilícito, só se alcança com a imputação do facto ao agente, fazendo apelo à representação do facto típico, na totalidade das suas circunstâncias, à sua liberdade de decisão, como pressuposto de toda a culpa, e, envolvendo a consciência ética ou dos valores, à posição que tomou, do ponto de vista da sua determinação pelo facto. Sem isso, não está definida a conduta típica, ilícita e culposa” – fim de citação.

Pois bem.

Percorrendo a acusação particular, revela-se que, quanto à materialidade subjectiva, o que apenas se descreve é o seguinte:

A denunciada agiu e age com o único propósito de molestar fisicamente, mentalmente e moralmente, causar dor, causar medo, abusar da confiança e exercer coacção aos assistentes e, consequentemente, causou e causa danos aos mesmos – ponto 56.

A denunciada, agiu livre, voluntária e consciente, tendo conhecimento, ao efectuar aquelas condutas, de que, eram e são proibida por lei, e que as mesmas causaram e causam dor, mau estar, receio, entre outros, aos assistentes, afectando a sua dignidade, honra e integridade física, mental e moral – ponto 57.

Do exposto, resulta que a acusação contém a descrição dos factos que concernem ao elemento volitivo do dolo do tipo (vontade livre de realização das condutas objetivas. Isto é, que a arguida agiu voluntariamente e livre no seu processo de decisão) e bem assim ao dolo da culpa (onde se inclui a consciência da ilicitude).

Mas, nada descreve quanto ao elemento cognitivo do dolo do tipo (de ambos os crimes), como mostrámos se configurar.

Como não relata, no que diz respeito ao crime de furto, os factos do elemento “ilegítima intenção de apropriação” ou intencionalidade exclusivamente virada para a apropriação, que se tem de acopular ao dolo, porquanto, enquanto elemento subjectivo do tipo de ilícito, reveste também uma dimensão subjectiva, como alumia José de Faria e Costa, ob. cit. pág. 46.

De onde, se impõe a conclusão de que a factualidade narrada na acusação particular formulada nos autos não preenche a totalidade dos elementos dos tipos penais dos crimes de furto e abuso de confiança imputados.

Elucida-nos o Ac. da Relação de Lisboa de 30/01/2007; Proc. nº 10221/2006-5, disponível em www.dgsi.pt , que “concluindo o juiz de instrução que a acusação não contém todos os pressupostos – nomeadamente, de facto – de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, só lhe resta a alternativa de proferir despacho de não pronúncia, nos termos do art. 308.º, n.º 1, in fine, do CPP.”

Foi como decidiu o Mmº Juiz de Instrução Criminal, não pronunciando a arguida pela prática desses crimes, sendo a menção à nulidade da acusação particular, como se vê do despacho em causa, meramente preliminar daquela.

Assim sendo, carece de razão a recorrente, não merecendo censura a decisão de não pronúncia quanto à prática dos referidos crimes.

Suficiência de indícios da prática dos crimes de injúria e difamação

O tribunal recorrido não pronunciou a arguida pela prática imputada pela assistente dos crimes de injúria (p. e p. pelo artigo 181º, nº 1, do Código Penal) e difamação (p. e p. pelo artigo 180º, do mesmo Código), por insuficiência de indícios e bem assim por, em qualquer caso, as expressões descritas como utilizadas pela arguida não serem idóneas a ofender a honra e consideração pessoal dos assistentes.

A assistente diverge deste entendimento, apelando de forma genérica para a prova testemunhal e por declarações para memória futura, sem, porém, fazer o obséquio de elucidar a que elementos probatórios específicos se reporta.

Estabelece o artigo 308º, nº1, que “se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia” - nº 1.

Por seu turno, esclarece-se no artigo 283º, nº 2, do mesmo diploma legal, que se consideram suficientes os indícios “sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.

Está em causa a apreciação de todos os elementos de prova produzidos no inquérito e na instrução e a respectiva integração e enquadramento jurídico, em ordem a aferir da sua suficiência ou não para fundamentar a sujeição a julgamento do arguido.

Nessa aferição o tribunal aprecia a prova (indiciária, obviamente) segundo as regras da experiência e a sua livre convicção - artigo 127º, do CPP.

Salienta Figueiredo Dias que “(...) os indícios só serão suficientes, e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a absolvição”. E acrescenta ainda: “tem pois razão Castanheira Neves quando ensina que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final, só que a instrução preparatória (e até a contraditória) não mobiliza os mesmos elementos probatórios que estarão ao dispor do juiz na fase do julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação” - Direito Processual Penal, 1º vol., Coimbra Editora, Reimpressão, 1984, pág. 133.

Como sustenta Carlos Adérito Teixeira, no conceito de indícios suficientes “liga-se o referente retrospectivo da prova indiciária coligida ao referente prospectivo da condenação, no ponto de convergência da “possibilidade razoável” desta, por força daqueles indícios e não de outros” - Indícios suficientes: parâmetros de racionalidade e “instância de legitimação” (…) Revista do CEJ, 2º semestre 2004, nº 1, pág. 189.

Assim, os indícios qualificam-se de “suficientes” quando justificam a realização de um julgamento; tal ocorre quando a possibilidade de condenação, em função deles, for razoável.

No que concerne à dedução de acusação ou de pronúncia, constitui uma garantia fundamental de defesa, manifestação do princípio da presunção de inocência constitucionalmente consagrado, que ninguém seja submetido a julgamento penal senão havendo “indícios suficientes” de que praticou um crime. E o conteúdo normativo a conferir a este conceito não pode alhear-se do mencionado princípio.

No desenvolvimento deste entendimento, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 439/2002, de 23 de Outubro, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, considerou que “a interpretação normativa dos artigos citados (286º nº 1, 298º e 308º nº1, do CPP) que exclui o princípio in dubio pro reo da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia reduz desproporcionada e injustificadamente as garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência do arguido, previstas no art. 32º nº 2, da Constituição” – e no mesmo sentido da aplicação deste princípio em qualquer fase do processo, nomeadamente no inquérito e na instrução, se perfilam, entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 04/01/2006, Proc. nº 0513975 e de 22/10/2008, Proc. nº 0814910, bem como da Relação de Lisboa de 02/05/2006, Proc. nº 849/2006-5 e 16/11/2010, Proc. nº 3555/09.TDLSB.L1-5, todos consultáveis em www.dgsi.pt.

Face ao que, o juízo sobre a suficiência dos indícios, no contexto probatório em que se afirma, deverá passar pela fasquia da probabilidade elevada ou particularmente qualificada, correspondente à formação de uma verdadeira convicção de probabilidade de condenação, que será aquela que, num juízo de prognose, manifestar a potencialidade de vir a ultrapassar a barreira do in dubio pro reo na fase do julgamento.

Em todo o caso, o referente da condenação respeita ao crime que é imputado e em relação ao qual o juízo de indiciação suficiente se reporta.

Regressando à matéria concreta dos autos, há que questionar se, com base nos elementos de prova indiciária recolhidos no inquérito e na instrução, é de formular um juízo de probabilidade elevada de que, em julgamento, a arguida venha a ser condenada pelos factos e incriminação legal imputados na acusação particular.

E, esse juízo, há-de atender para a sua formação não só à prova directa (em que o facto probatório - meio de prova - se refere imediatamente ao facto probando), como também à prova indirecta ou indiciária, que igualmente é admissível pelo nosso ordenamento jurídico – cfr. neste sentido, Acs. do STJ de 11/12/2003, Proc. nº 03P3375, 07/01/2004, Proc. nº 03P3213, 09/02/2005, Proc. nº 04P4721, 04/12/2008, Proc. nº 08P3456, 12/03/2009, Proc. nº 09P0395 e de 18/06/2009, Proc. nº 81/04PBBGC.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt – e reporta-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o recurso às regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.

Vejamos então a situação sub judice.

Os indícios suficientes terão de se reportar aos factos e às infracções criminais cujo cometimento se imputa ao arguido, ou seja, de difamação e injúria.

Estabelece-se no referido artigo 180º, nº 1, do Código Penal (difamação):

“Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido (…)”.

E, no artigo 181º, nº 1, do mesmo (injúria):

“Quem, injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido (…)”.

Como é sabido, a referida honra ou consideração consiste num bem jurídico complexo, que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior.

Mas, a protecção penal conferida só encontra justificação nos casos em que objectivamente as expressões que são proferidas não têm outro sentido que não seja o de ofender, que inequívoca e em primeira linha visam gratuitamente ferir, achincalhar, rebaixar a honra e o bom nome de alguém, sendo que o contexto em que determinadas expressões são proferidas pode ter relevância – e tem, comummente - para ajudar a compreender o seu sentido e, portanto, apurar do seu eventual carácter ofensivo da honra ou consideração da pessoa a quem são dirigidas – cfr. Ac. do STJ de 02/01/2015, Proc. nº 168/12.TRPRT.S1 e Ac. da Relação de Coimbra de 09/11/2016, Proc. nº 459/13.6TAMGR.C1, que podem ser lidos no referenciado sítio.

Da acusação particular consta o seguinte:

- Que pretendendo a arguida, aos 4 de Abril de 2018, que os assistentes (seus avós, tendo CC nascido em …/…/1927 e falecido aos …/…/2022 e AA nascido em …/…/1931) assinassem vários documentos que trazia consigo, relativos ao arrendamento sazonal de um imóvel que tinha sido doado pelos assistentes à primeira ou a seus filhos (a descrição não se mostra clara), com reserva de usufruto para os assistentes, perante a recusa destes, proferiu na sua direcção as expressões: vocês não valem nada, não prestam; não ajudam ninguém; bem fez o meu pai em abandonar-vos; mal vocês morram eu vendo tudo, não quero saber.

- Por outro lado, desde Abril de 2018 e até à presente data, a denunciada tem difamado os assistentes referindo a várias pessoas que os mesmos “não estão bem da cabeça” e que estão “doentes e sem capacidade de gerir as coisas”, bem como “são influenciáveis”, o que de todo não corresponde à verdade.

Considera o tribunal recorrido que de olhos postos no inquérito podemos avançar que a prova coligida não favorece o substrato acusatório da assistente, isto porque a esmagadora maioria das testemunhas inquiridas pouco ou nenhum conhecimento revelam acerca das imputadas afirmações à arguida. Com excepção da assistente e da testemunha FF [fls. 85-86], mais ninguém corrobora a factualidade inserta no libelo acusatório no que concerne aos crimes de injúria e difamação.

Como ficou já referido, a recorrente não especifica qual a específica prova produzida nos autos que apoia a sua dissensão da conclusão sobre a insuficiência de indícios a que chegou o tribunal recorrido e não vemos que esta esteja manifestamente errada por obliteração das regras da experiência comum.

Na verdade, a assistente nas declarações que prestou em sede de inquérito – aos 30/10/2028 -, nem sequer refere as expressões que constam da acusação particular, limitando-se a afirmar que a denunciada disse-lhes que assim que os avós morressem venderia tudo, lendo-se ainda no respectivo auto: a denunciada começou a telefonar à avó, insistindo com a mesma para a deixar vir viver para … e como a avó não concordava e dizia-lhe que precisava de tratamento, que não estava bem, a denunciada dizia-lhe que ela era fria, má, que não fazia nada pela família e que era a avó que precisava de tratamento, que não estava bem. A testemunha refere que a denunciada terá dito à Sra. GG que a testemunha era fria, má, que não conhecia a avó e quando a conhecesse ia ver que ela tinha razão. Soube ainda, através do marido da neta, FF que no norte, a denunciada terá dito perante várias pessoas que conhecia que tinha de vir viver para o … porque os avós não estavam bem.

E, nas declarações para memória futura- prestadas em 29/06/2022 e a cuja audição se procedeu na gravação disponibilizada na plataforma “Citius” – a assistente AA começou por afirmar que infelizmente conhece a arguida BB, por ser minha neta.

Referiu que em data que não sabe precisar, sua neta foi ter com a assistente e seu marido para assinarem uns documentos para arrendamento de um dos imóveis que tinha recebido por doação que lhe fizeram, mas como se tivesse recusado a assinar, a arguida disse-lhes, em tom de voz alto: não querem? não fazem nada por ninguém, vocês não prestam para nada, bem fez o meu pai ir embora e deixá-los. Uma vez que vocês morram, deixem estar, vendo esta porcaria toda.

Estas últimas declarações não são coincidentes com as primeiras prestadas perante Magistrado do Ministério Público e considerando a forma como o relato foi feito, revelam uma forte animosidade em relação à arguida, o que faz descrer da sua isenção e, por consequência, colocam em crise a credibilidade respectiva.

Já o assistente, entretanto falecido, nas suas declarações prestadas naquele mesmo dia, de acordo com o que consta do auto, relatou: a neta residiu na vivenda por pouco mais de uma semana, sendo que foi ter com a testemunha e com a sua esposa e disse-lhe que ia arrendar a vivenda (que lhe tinha sido doada pelos assistentes, com reserva de usufruto), que já tinha pessoas interessadas, não se recordando de quanto tempo seria nem o preço e que iria lá com umas pessoas para assinar o contrato. A testemunha e a esposa disseram que não queriam arrendar, que nunca tinha arrendado e que a casa era deles e não dela. A denunciada, nesse momento, começou a dizer que a testemunha e a respectiva esposa não estavam bons da cabeça, que assim que fosse tudo seu e que os avós morressem ia vender tudo (…) Soube, através do ex-marido da neta, o Sr. FF, que a denunciada andou a dizer a diversos conhecidos no norte que os avós eram maus e que não estavam bons da cabeça nem em condições de tomarem conta dos seus bens.

Comparando as declarações de ambos entre si, manifesto se torna que também não são correspondentes.

E, quanto à testemunha FF, trata-se do ex-marido da arguida/neta, tendo referido a assistente, que trata aquele por meu neto, a propósito da relação que a neta abandonou os filhos. Que esta lhe disse: deixei o FF e os filhos de ambos ficaram entregues ao pai, ficaram com o pai, ficaram muito bem, de onde se pode extrair que o fim do enlace não foi pacífico e, por isso, previsivelmente pouco isento e credível será o seu depoimento.

Assim, mantendo-se a matéria indiciária produzida em sede de inquérito – não olvidando que o assistente CC, entretanto faleceu - não se pode efectivamente efectuar um juízo de prognose condenatório, antes predomina uma razoável, séria mesmo, possibilidade de a arguida vir a ser absolvida por esses factos e vestígios probatórios, caso fosse submetida a julgamento.

Mas, ainda que assim se não entendesse, se considerar-mos que existem esses suficientes indícios de que as expressões imputadas foram proferidas, dado o contexto e circunstancialismo em que ocorreram, temos de concluir que não têm aptidão para ofender a honra e consideração da assistente (embora se possam integrar, aceitamos, num excesso de linguagem, com a virtualidade de incomodar ou ferir a susceptibilidade da visada, sua avó) mas que é manifestação de fortes desentendimentos e litígios familiares, não se podendo depreender que, em resultado delas, a sua honra e consideração ficou abalada ou diminuída.

Donde se conclui que a decisão instrutória fez um enfoque da questão que consideramos essencialmente correcto e, tendo decidido em conformidade, não merece censura.

Termos em que, ao recurso não pode deixar de ser negado provimento.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pela assistente AA e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.

Évora, 7 de Novembro de 2023

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)

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(Artur Vargues)

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(Jorge Antunes)

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(Margarida Bacelar)

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1 Disponível em Diário da República n.º 18/2015, Série I de 2015.01.27.

2 Neste sentido também, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 07.03.2018, no proc. n.º 189/14.1PFCBR.C1, 13.09.2017, pro. n.º 146/16.3PCCBR.C1, 21.06.2017, proc. n.º 89/12.0EACBR.C1, 02.03.2016, proc. n.º 2572/10.2TALRA.C2, 06.07.2011, proc. n.º 2184/06.5JFLSB.C1, e 04.05.2011, proc. n.º 102/09.8GAAVZ.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

3 Publicado em Diário da República, n.º 212 – S-A de 4-11-2005.

4 Publicado em Diário da República, II Série, de 26.11.2012.

5 Cfr. MAIA COSTA, in Código de Processo Penal Comentado, HENRIQUES GASPAR [et. alii.], Almedina, 2.ª Edição, 2016, p. 958.

6 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28.03.17, Proc. 4726/15.6T9SNT.L1, disponível em www.dgsi.pt.

7 ADÉRITO TEIXEIRA, Carlos, in «Indícios suficientes: parâmetro de racionalidade e instância de legitimação concreta do poder-dever de acusar», Revista do CEJ, n.º 1, pp. 151 a 190.

8 Cf. neste sentido e entre muitos outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20.1.2010, proc. n.º 25/08.8TARSD.P1, disponível em www.dgsi.pt.

9 FARIA COSTA, op. cit., pp. 602 – 607.

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 05.03.2018, disponível em www.dgsi.pt.

10 Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 23.01.2018, disponível em www.dgsi.pt.

11 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto, op. cit., p. 723.

12 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.04.2015, disponível em www.dgsi.pt.

13 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto, op. cit., p. 732.

14 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, in Comentário do Código Penal á luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 3.ª Edição, 2015, p. 731.

15 FARIA COSTA, José de, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 603.

16 Ibidem, ibidem.

17 BELEZA DOS SANTOS, José, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Coimbra Editora, Ano 92, pp. 161-168.

18 Ibidem, pp. 167-168.

19 Neste sentido, PINTO DE ALBUQUERQUE, op. cit., p. 731.

20 Proc. n.º 14936/16.3T9PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.