Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
45/20.4GBODM.E1
Relator: MARIA CLARA FIGUEIREDO
Descritores: CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE
REFERÊNCIA EXPRESSA NA ACUSAÇÃO
VALORAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 07/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Pese embora da acusação se não tenha feito constar da acusação que o arguido sabia que a sua conduta era “punida” por lei, aí se menciona ser do conhecimento daquele que tal conduta era “proibida”, pelo que, na realidade, a consciência de que a sua conduta era ilícita, ou seja, contrária à lei, consta expressamente da acusação, nenhuma relevância revestindo a circunstância de em tal peça se não aludir ao conhecimento da punição.
II - Nas situações reportadas ao direito penal clássico, resultando a consciência da ilicitude implicitamente dos elementos subjetivos do tipo, não se revela imprescindível a sua consignação expressa na acusação, não se encontrando aquela incluída nos elementos que, obrigatoriamente, e sob pena de nulidade, deverão constar de tal peça processual, nos termos estabelecidos pelo artigo 283º, nº 3 do CPP.

III - A menção à ausência do arguido nas várias sessões de julgamento – quando as atas atestam que o mesmo esteve sempre presente – bem como a falta de referência à identificação da assistente e à contestação, mais não consubstanciam do que meros erros da sentença – previstos nas alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 374º e nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 380º, ambos do CPP – suscetíveis de retificação.

IV - As dificuldades de prova associadas às versões antagónicas apresentadas por arguido e ofendida – que surgem com maior frequência nos julgamentos dos crimes não presenciados por terceiros, entre os quais se inclui o crime de violência doméstica praticado na residência comum do casal – não poderão legitimar a adoção de regras próprias de apreciação da prova, necessariamente especiais em relação às previstas no CPP conducentes a uma anulação das valências das versões apresentadas, numa operação quase aritmética, com subsequente e inevitável recurso ao princípio do in dubio pro reo.

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no Juízo de Competência genérica de … - Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º45/20.4GBODM, foi o arguido AA, natural de …, divorciado, filho de BB e de CC, nascido a …1977, com residência na Rua das …, em …- …, condenado pela prática, na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado p. e p. pelo art.º 152º nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a) do CP (1), na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, acompanhada de regime de prova, nos termos do art.º 50º e 53º do C.P. e sujeita à regra de conduta de pagar à ofendida, no período de suspensão e nos termos do art.º 51º nº1, a) do CP, uma indemnização no valor de 3.000,00€ (três mil euros), a título de reparação da vítima, no âmbito do artigo 82º-A do C.P.P.. Mais foi o arguido condenado na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, pelo período de 3 anos, nos termos do artigo 152º nºs 4 e 5 do C.P.

***

Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

“I - O arguido AA, foi condenado “pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado p. e p. pelo art.º 152º nº 1 a) e 2 do C.P., na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, acompanhada de regime de prova, nos termos do art.º 50º e 53º do C.P. e sujeita à regra de conduta de pagar a indemnização no valor de € 3.000,00 no período de suspensão, nos termos do art.º 51º nº1 a) do C.P.”;

II - O recorrente considera a acusação – nula e manifestamente infundada - nos termos e para os efeitos do art.º 311º, do C.P.Penal, uma vez que se constata que a mesma omite toda e qualquer referência aos elementos integrantes da consciência da ilicitude, habitualmente traduzido na expressão de que “o arguido atuou sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei” ou qualquer outra que comporte o respetivo conteúdo, concluindo-se, assim, que a acusação deduzida não contém a descrição dos factos integrantes da totalidade dos elementos subjetivos do tipo, necessária à verificação do crime imputado ao arguido;

III - A douta sentença no ponto I – Relatório, consignou que “a audiência decorreu com observância do formalismo legal, na ausência do arguido, conforme resulta da respetiva ata”, o que não corresponde à verdade, uma vez que o julgamento do presente processo não decorreu apenas numa sessão, mas em várias, e todas com a presença do arguido, como aliás decorre das respetivas atas, elaboradas de acordo com o art.º 362º, do C.P.Penal;

IV - Do relatório da sentença recorrida também se extrai que a mesma é omissa quanto à identificação da assistente, quando de acordo com o art.º 374º, n.º 1, alínea b), tal deveria constar;

V - Igualmente também não se extrai da sentença recorrida, qualquer menção à contestação do arguido, que foi apresentada, quando o já citado art.º 374º, n.º 1, d) do C.P.Penal impõe que deverá a sentença proceder à indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada;

VI - O recorrente considera incorretamente julgados os pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 27, 28, 29, 30, 31 e 32, pois é seu entendimento que os mesmos não traduzem a prova produzida em audiência de julgamento bem como não tomaram em consideração a prova documental carreada para os autos;

VII - A factualidade descrita naqueles pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 27, 28, 29, 30, 31 e 32, deve ser dada como não provada;

VIII - E se o Tribunal “a quo” tinha dúvidas, deveria ter recorrido, à aplicação do princípio “in dubio pro reo”;

IX - O depoimento da assistente foi prestado em várias sessões de julgamento e em dias diferentes, sendo que as mesmas foram sempre confusas, contraditórias e muitas das vezes o seu depoimento a ser sugerido, o que desde logo coloca em causa a espontaneidade e a imparcialidade de como a assistente depôs, nunca clara tentativa de “condenar” o arguido;

X - De todas as testemunhas ouvidas em sede de julgamento nenhuma assistiu a quaisquer agressões ou discussões entre o arguido e a assistente, o que por si só é relevante em termos de ausência de prova para que a Mma. Juiz “a quo” dê como provados os factos que se consideram incorretamente julgados;

X I- Concatenando todos os depoimentos prestados pelas testemunhas que se transcreveram, as declarações prestadas pelo arguido em contraponto com o depoimento prestado pela assistente, é notório a ausência de prova concreta que permita concluir pelo maior peso do depoimento daquela em detrimento das declarações do arguido.

XII - Caso assim não se entenda, a pena aplicada ao arguido, afigura-se manifestamente excessiva, e sobretudo a obrigação a que se sujeitou o arguido para beneficiar da suspensão da pena de execução da pena;

XIII - A douta decisão recorrida alheou-se de toda a factualidade dada como provada no ponto 34, e que são factos que permitem concluir que o arguido se encontra profissionalmente e socialmente inserido no meio onde habita e que na sua ótica são deveras importantes e contribuem para a determinação da medida da pena;

XIV - Todos aqueles factos não foram levados em consideração pela Mma. Juiz “a quo” para determinação da medida da pena, nos termos dos arts.º 70º e 71º do C.Penal, quando assim deveria ter acontecido, pelo que violou assim aquelas disposições legais;

XV - O valor indemnizatório a que o arguido foi condenado afigura-se excessivo designadamente pela ausência de danos quer físicos quer psíquicos, resultantes diretamente da alegada violência, pois a arguida já sofria de depressões e nervosismo derivadas de outras situações, e que remontam do seu primeiro relacionamento, na … com o pai do seu filho e do processo judicial a que foi condenada pelo crime de associação criminosa e tráfico de pessoas, na pena de 5 anos de prisão, ainda que suspensa.”

Termina pedindo a revogação da sentença recorrida.

*

O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“I. Inexiste qualquer nulidade da acusação pública.

II. Inexiste qualquer nulidade do despacho de recebimento proferido.

III. Inexiste qualquer nulidade da sentença proferida.

IV. Quaisquer vícios, a existir, estariam sanados e não tiveram qualquer relevo para a decisão condenatória proferida.

V. O Tribunal analisou crítica e analiticamente a prova testemunhal produzida em audiência e a prova documental constante dos autos, sendo a mesma suficiente para sustentar a decisão condenatória proferida.

VI. O Tribunal ouviu ainda diversas testemunhas, essenciais para a apreciação contextual dos factos sob investigação, para além da prova documental.

VII. Perante duas versões opostas dos factos, o Tribunal não está obrigado a recorrer ao princípio do in dúbio pro reo, já que este só opera perante dúvida sobre a verificação ou não verificação de determinado facto.

VIII. A pena aplicada não merece qualquer reparo, sendo desproporcional a suspensão simples tal como proposta pelo Recorrente.

IX. A indemnização arbitrada mostra-se proporcional, nada havendo a corrigir nesta sede.

X. A sentença condenatória não merece, por isso, qualquer reparo, devendo manter-se nos seus precisos termos.”

*

A Exmª. Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da eventual procedência parcial do recurso no que tange à nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à matéria de facto alegada pelo arguido na contestação (caso tivesse existido tal alegação), ao abrigo do disposto no artigo 379º nº 1º, alínea c) do CPP, pugnando pela sua improcedência quanto às demais questões que integram o seu objeto.

*

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir, a saber: A) Apreciar se a acusação enferma do vício de nulidade por não conter a referência ao conhecimento do arguido de que a sua conduta era “punida” por lei. B) Apreciar se a sentença enferma dos seguintes vícios e, caso existam, determinar a sua qualificação jurídica: a) Consignação no relatório da menção à ausência do arguido nas várias sessões de julgamento, quando as atas atestam que o mesmo esteve sempre presente; b) Ausência de referência à identificação da assistente; c) Falta de referência à contestação. C) Determinar se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova produzida em audiência, com desrespeito do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127º do CPP e com violação do princípio “in dubio pro reo”. D) Determinar se existiu erro de julgamento da matéria de direito relativamente aos princípios e regras legalmente previstos para a determinação da medida da pena e do valor da indemnização atribuída à vítima.

* II.II - A decisão recorrida.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que deu como provados e não provados, com relevo para a apreciação da situação do arguido recorrente, os seguintes factos:

“2. 1. - Matéria de Facto Provada:

Da audiência de julgamento resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos – com exclusão dos repetidos, irrelevantes, conclusivos ou de direito:

1. AA e DD mantiveram uma relação amorosa desde cerca de meio do ano de 2015 e até 01.01.2020, período durante o qual viveram maritalmente, primeiro em … e desde 2017 em ….

2. Em data não concretamente apurada, mas no final do ano de 2016, o Arguido chegou ébrio a casa e quando DD lhe disse que não podia beber pois sabia que tinham que ir a … despedir-se de uma amiga, o Arguido dirigiu-se a ela e agarrou-a por trás, usando os dois braços que entrelaçou nos dela e puxou-a para trás, fazendo com que esta caísse direta no sofá.

3. Após, o Arguido agarrou-lhe na cabeça e atirou-a várias vezes contra o sofá, enquanto aquela gritava e pedia-lhe para não lhe bater na cabeça, acabando aquele por cessar a sua conduta e dirigir-se para a cozinha.

4. No dia 07.03.2017, depois das 23h00, altura em que o Arguido chegou a casa ébrio, após uma discussão, aquele saiu de casa a dizer que se ia enforcar, deixando DD num estado extremamente nervoso e ansioso, não tendo pedido ajuda por ter vergonha da situação.

5. De volta a casa, DD sentiu-se mal, com falta de ar e pediu-lhe para chamar uma ambulância, ao que este, estando de frente para ela e usando a sua própria mão, apertou-lhe o pescoço e empurrou-a contra o armário, fazendo com que ela batesse com a zona da nuca naquele armário, ao mesmo tempo que lhe dizia “vais, mas é dormir, acalmar-te e dormir.”

6. DD disse que estava farta daquela situação e que à irmã EE ia contar tudo, ao que o Arguido dirigiu-se à porta da rua e trancou-a, por dentro, tendo ficado na posse da respetiva chave.

7. Por estar muito alcoolizado, o Arguido acabou por cair inanimado no chão, altura em que DD o tentou reanimar, mas aproveitou para lhe tirar as chaves e fugir, indo bater à porta do vizinho FF para se proteger, tendo o Arguido lhe gritado “já para casa”, “já para casa”, acabando, contudo, este por regressar a casa pois aquela permaneceu a bater na porta do vizinho até este abrir.

8. Quando o Arguido percebeu que o vizinho estava em casa, disse à Ofendida que se ia matar e voltou para casa, fechou a porta e começou a atirar as malas e roupas desta para rua, tendo DD que ir para casa da irmã, para onde se dirigiu de táxi e onde ficou quatro dias.

9. DD acabou por voltar para casa, pois o Arguido telefonava-lhe constantemente a chorar e a dizer que nunca mais lhe batia, contudo, voltava sempre aos mesmos comportamentos.

10. Por altura do final do verão de 2017, o Arguido chegou a casa ébrio e começou a querer ter relações sexuais com a Ofendida, ao que esta não anuiu, pelo que o mesmo apodou-a de “puta” e agarrou-a por trás, pelo pescoço, mas conseguiu soltar-se e disse-lhe “experimenta só tocar-me” ao mesmo tempo que ligava para a irmã, o que fez com que aquele cessasse tal comportamento.

11. Nessa sequência, DD voltou a fazer as malas e foi viver para casa da irmã EE, tendo, contudo, depois, o Arguido insistido para que a mesma voltasse, fazendo mais promessas de que tudo iria mudar, pelo que esta anuiu e voltou a viver com aquele.

12. Numa outra ocasião, em data não concretamente apurada, mas perto do final do ano de 2019, em que o Arguido não estava bêbado, após uma discussão relativa a dinheiro, o Arguido disse a DD que era “uma puta estrangeira e só queres dinheiro”.

13. Para evitar maior confusão, DD subiu para o quarto e tendo aquele ali entrado, empurrou-a na zona da nuca, o que fez com que esta caísse em cima da cama de barriga para baixo, ao que ela conseguiu levantar-se iniciando-se a discussão por esta não querer ter relações sexuais com o Arguido, o que dizia ser porque ela tinha amantes.

14. Quando DD disse que não aguentava mais e se ia embora, o Arguido agarrou-a pela camisola que trazia vestida, de frente e com a duas mãos, e voltou a atira-la para cima da cama, tendo esta ficado de barriga para baixo, tendo aquele se sentado em cima dela.

15. Ao mesmo tempo que DD esperneava para se soltar, o Arguido agarrou no seu cabelo e atirou com a sua cabeça várias vezes contra o colchão, tapando-lhe a boca com uma das suas mãos, pois que esta começou a gritar, enquanto que com a outra mão lhe desferiu cerca de 3 a 4 socos na cabeça, na zona por trás da orelha direita.

16. Ao mesmo tempo do supra descrito, o Arguido gritava, “ai não queres nada comigo? Diz-me com quem é que andas? Agora é que vais ver quem te fode melhor!”

17. Quando DD se conseguiu virar, ficando deitada de barriga para cima, com o Arguido sentado em cima dela, este agarrou na almofada e empurrou-a contra a cara daquela, impedindo que a mesma respirasse, tendo este conseguido vira-la novamente de barriga para baixo e, ato contínuo, puxou-lhe as calças do pijama que tinha vestidas para baixo, enquanto DD gritava por favor para parar, que lhe doía muito a cabeça, ao que o Arguido retorquiu “agora vais ver quem te fode melhor”.

18. Estando completamente exausta e sem forças, acabou por ficar inerte, o que permitiu que o Arguido consumasse cópula vaginal, contra a vontade daquela.

19. No final de tal ato, o Arguido disse à Ofendida “tu és parva, cabrona, não vês que eu te amo?”

20. No dia 31 de Dezembro de 2019, estando combinado irem jantar a casa da irmã de DD, EE, o Arguido chegou a casa cerca das 20h30, alcoolizado, olhou várias vezes fixamente para a Ofendida enquanto abanava a cabeça e resmungava e falava “para dentro” de forma impercetível.

21. Percebendo que naquele contexto poderia ser mais uma vez agredida, DD foi buscar a mala e os seus documentos e, como desculpa, disse ao Arguido que ia entregar a prenda à sobrinha.

22. Ao passar pelo Arguido, voltou a dizer-lhe que ia dar a prenda à sobrinha, ao que este disse-lhe “Ai é? Sim… à esta bem!” e, ato contínuo, agarrou-a pelo pescoço e empurrou-a para dentro da cozinha, mas esta conseguiu sair de casa.

23. DD saiu de casa e ficou em casa da sua irmã, EE.

24. Cerca das 14h00 de dia 01.01.2020, DD voltou para casa, disse “boa tarde” ao Arguido que estava sentado no sofá e, por medo deste, abriu as portas para o quintal e a porta da rua.

25. DD sentou-se na sala de jantar, do outro lado da mesa, enquanto o Arguido permaneceu sentado no sofá e tentou explicar-lhe que tinham que resolver a vida deles, tendo ainda pedido ao Arguido para ficarem juntos e para ele procurar ajuda para se tratar.

26. O Arguido permaneceu no sofá, a entrelaçar os dedos das mãos, a abrir e fechar as mãos e perguntou-lhe se tinha aberto as portas para os vizinhos ouvirem.

27. DD respondeu que desta vez se lhe batesse ia gritar, ao que o Arguido foi na direção daquela, tendo a mesma procurado afastar-se e pedindo-lhe para que tivesse calma, mas o Arguido agarrou-a pela cabeça, na zona da nuca e empurrou-a em direção à porta da rua enquanto dizia: “queres foder-me? Já me disseram que me queres deixar. Nada disto é teu! É tudo meu! Puta do caraças, agora vais ver como sou eu a foder a tua vida.”

28. Já após a separação, na segunda semana de Janeiro, quando DD foi a casa buscar as suas coisas, o Arguido estava lá e disse-lhe que ela não tinha lá nada, tendo aquela ainda pedido a este os € 10.000,00 que lhe havia emprestado, ao que este se riu e disse “nunca ninguém vai acreditar numa puta estrangeira”.

29. Nessa mesma ocasião de tempo e lugar, o Arguido ainda lhe disse que ela não sabia quem ele era, que se ela quisesse estragar-lhe a vida, ia ver como a vida dela ficava, que ela sabia quem era o GG e o que ele era capaz de fazer e que não devia esquecer que tinha ainda dois anos de pena suspensa.

30. Em quase todos os atos supra descritos, o Arguido agiu sob o efeito do álcool.

31. Ao agir do modo supra descrito, o Arguido quis maltratar física e psicologicamente, ofendendo a liberdade e autodeterminação sexual da Ofendida DD, ao longo de quase todo período em que se relacionaram, como efetivamente maltratou, bem como pretendeu, com tais expressões e condutas amedrontá-la, o que conseguiu, originando-lhe um medo constante das suas reações, como medo daquilo que o Arguido pudesse vir a fazer no futuro, contra a sua integridade física ou a sua vida, bem como humilhando-a na sua honra e consideração.

32. O Arguido agiu consciente, voluntaria, livre e deliberadamente, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei e que tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.

33. O arguido não possui antecedentes criminais registados.

34. Condições económicas, sociais e pessoais

a) AA já não reside na morada dos autos, encontrando-se a residir, atualmente e há cerca de 2 meses, na seguinte morada: Rua …, …. Trata-se de uma propriedade com características rurais, composta por imóvel de tipologia T2, descrito como tendo satisfatórias condições de habitabilidade e terreno com pomar e área para desenvolver cultivo agrícola. A quinta foi adquirida, recentemente, pelo progenitor não tendo o arguido qualquer encargo sobre o mesmo.

b) Aquando do seu relacionamento com a alegada vítima, DD, viviam ambos na localidade da …, em casa arrendada.

c) empresa.

d) Atualmente, o arguido centralizou toda a sua atividade laboral numa única Deixou de ter sociedade na empresa “…” que atualmente se denomina “…”, mas continua a dedicar-se à prestação de serviços de natureza rural, com um rendimento médio de 1500.00€

e) Tem uma situação económica satisfatória, em face do volume de trabalho atual.

f) Procede ao pagamento de € 200,00 /mês, correspondente à mensalidade destinada à filha menor, HH.

g) AA é o mais novo de três irmãos, descendentes de um casal ligado à exploração agro-pecuária e leiteira, de gado bovino.

h) Cresceu em herdade da família, próxima do …, atividade prosseguida há alguns anos por um dos irmãos, face à idade do progenitor para a continuidade de tal trabalho.

i) Completou em criança o 6º ano de escolaridade.

j) Em adulto completou, através de RVCC -Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências Escolares, o 9.º ano de escolaridade.

k) Permaneceu a viver na herdade da família até aos 20 anos, altura em que os pais estabeleceram residência no …, onde ainda reside o progenitor.

l) Começou a trabalhar com a família, na respetiva exploração agro-pecuária.

m) Casou com II em 2008, união afetiva da qual nasceu a única filha do casal, atualmente com doze anos de idade.

n) O relacionamento conjugal deteriorou-se, e em 2017, ocorreu a sua rutura.

o) Mantém um trato cordial e frequente com o seu ex-cônjuge, o qual lhe reconhece grande capacidade e iniciativa de trabalho, valorizando a ligação afetiva próxima entre aquele e a filha comum.

p) O arguido tem também um filho de 21 anos, fruto de um relacionamento anterior, que reside na localidade da … (…) com o qual não possui proximidade afetiva.

q) Sendo percetível que o distanciamento em relação à progenitora do jovem terá condicionado o seu relacionamento com o filho.

r) Durante cerca de 2 anos, até ao final do ano de 2019, AA viveu maritalmente com DD, funcionária da empresa que aquele detinha na altura e que posteriormente transacionou.

s) Após o fim do seu relacionamento com DD, AA viria a manter relacionamento afetivo com outra companheira, JJ, com quem viveu maritalmente durante cerca de um ano.

t) Este relacionamento terminou em setembro último.

u) Das informações recolhidas parecem existir hábitos de consumo de bebidas alcoólicas frequentes por parte do arguido.

v) No meio social onde se movimenta, o arguido detém uma imagem positiva, reconhecendo-se-lhe competências sociais.

w) Revela hábitos de trabalho, que tem desenvolvido na área da prestação de serviços ligados à agricultura e estruturas agrícolas, no qual investe e subsiste.

x) AA apresenta competências para se submeter e cumprir regras bem como capacidade para compreender as decisões judiciais.

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2.2 NÃO PROVADOS

Inexistem factos não provados com relevo para a boa decisão da causa.”

***

II.III - Apreciação do mérito do recurso.

A) Da invocada nulidade da acusação por não conter a referência ao conhecimento do arguido de que a sua conduta era “punida” por lei.

Alega a este propósito o recorrente que:

“(…) 5- No último ponto da acusação (ponto 32), o Ministério Público alegou o seguinte e que por comodidade se transcreve:

“32. O Arguido agiu consciente, voluntaria, livre e deliberadamente, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei e que tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação”.

6- Ora, o Ministério Público, apenas refere que o arguido agiu conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei, porém em lado algum da acusação, refere que o arguido tinha conhecimento que tal conduta é punida. (…)

10- Voltando ao ponto 32 da acusação pública, constata-se que a mesma omite toda e qualquer referência aos elementos integrantes da consciência da ilicitude, habitualmente traduzido na expressão de que “o arguido atuou sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei” ou qualquer outra que comporte o respetivo conteúdo, concluindo-se, assim, que a acusação deduzida não contém a descrição dos factos integrantes da totalidade dos elementos subjetivos do tipo, necessária à verificação do crime imputado ao arguido. (…)

14- Ora, na falta de alguns dos elementos caraterizadores do tipo subjetivo do ilícito, a integração de deficiências não consubstancia uma alteração não substancial dos factos, pelo que sendo o processo despachado para julgamento, sem ter passado pela instrução, impunha-se a rejeição da acusação, por a mesma ser nula e por ser manifestamente infundada ao não conter a narração dos factos, vicio esse que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

15- No presente caso, e como foi realizado o julgamento, deveria a sentença ora recorrida, atenta a deficiente, ou incompleta caracterização, do tipo subjetivo, necessariamente, em naquela sede, decidir pela absolvição da prática do crime.(…)”

Tendo presente o enquadramento normativo do tipo legal imputado ao arguido (2) à luz do qual deveremos apreciar a validade e suficiência do despacho acusatório, desde já adiantamos que se nos afigura não assistir razão ao recorrente, não se encontrando, a nosso ver, a acusação deduzida nos autos ferida de qualquer nulidade.

Vejamos.

O processo penal português tem estrutura basicamente acusatória, da qual decorre que a acusação delimita o objeto do processo. O tribunal não atenderá, pois, a factos que não foram objeto de acusação, limitando a sua atividade cognitiva e decisória ao acervo factual que integra tal peça processual. Subjacentes a tal princípio fundamental do nosso processo penal encontramos razões atinentes à salvaguarda das garantias de defesa do acusado, que impõem que a imputação de um crime a alguém seja feita de forma clara e rigorosa, com narração dos factos concretos dos quais aquele deverá defender-se e com indicação das normas que os criminalizam. Importante é ainda realçar neste domínio que a relevância jurídica dos factos que constituem o objeto do processo resulta da incriminação que lhes está associada. Estas serão sem dúvida as razões pelas quais a lei exige ao Ministério Público que, na acusação, faça a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação aos arguidos de uma pena ou de uma medida de segurança e que indique as disposições legais aplicáveis, nos termos expressamente estabelecidos no artigo 283.º, nº 3, alíneas b) e d) do CPP.

De acordo com o disposto no artigo 283º, nº 3, alínea b) do CPP, “A acusação contém, sob pena de nulidade: (…) a narração, ainda que sintética dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.”

Como sabemos, os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança são aqueles que permitem, uma vez julgados provados, considerar verificada a prática de um ilícito criminal, ou seja, fazendo apelo à definição legal de crime contida na alínea a) do artigo 1º do CPP, aqueles que formarão “o conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança”.

No caso dos autos, o arguido está acusado da prática do crime de um crime de violência doméstica agravado p. e p. pelo art.º 152º nº 1, alínea a) e nº 2 do CP e no elenco factual constante no libelo acusatório estão incluídos todos os factos objetivos e subjetivos que permitem imputar-lhe tal crime. Caberá, antes de mais, assentar em que a insuficiência da acusação invocada no recurso se reporta à consciência da ilicitude e não ao dolo, percebendo-se que à alegação recursiva subjaz uma manifesta confusão de tais conceitos que tentaremos clarificar brevemente nos parágrafos seguintes.

No que diz respeito à necessidade de a referência à consciência da ilicitude constar da acusação, acompanhamos, sem hesitações, a posição que tem vindo a ser defendida pela maior parte da jurisprudência, no sentido de que, nas situações reportadas ao direito penal clássico, resultando tal consciência implicitamente dos elementos subjetivos do tipo, não se revela imprescindível a sua consignação expressa na referida peça processual. (3) E a tal solução se chega, a nosso ver, de forma simples e linear, pela interpretação conjugada da norma processual penal que estabelece o elementos que deverá conter a acusação – artigo 283º, nº 3 do CPP – e das normas penais que, incluídas no Capítulo dos “Pressupostos da punição”, se reportam aos elementos subjetivos do tipo e à falta de consciência da ilicitude – artigos 13º a 15º e 17º do CP. De tais normas legais, analisadas à luz da conceção tripartida do crime (facto típico, ilícito e culposo) acolhida no nosso Código Penal, decorre que:

- São apenas dois os elementos que compõem o dolo (sendo este o elemento subjetivo do tipo que “in casu” releva), uma vez que o artigo 14º do CP o define como correspondendo ao conhecimento e vontade de realização do facto que preenche os elementos típicos objetivos do crime, descortinando-se em tal definição apenas o elemento cognitivo e o elemento volitivo.

- A consciência da ilicitude não encontra qualquer referência no mencionado artigo 14º, precisamente porque a mesma se reporta à culpa e não ao dolo (4), encontrando-se, pois, prevista autonomamente como causa de exclusão da culpa no artigo 17º nº1 do CP. (5)

- Como decorrência das duas asserções constantes pontos precedentes, temos que a referência expressa à consciência da ilicitude não se encontra incluída nos elementos que, obrigatoriamente, e sob pena de nulidade, deverão constar da acusação, nos termos estabelecidos pelo artigo 283º, nº 3 do CPP.

- A consciência da ilicitude assume autonomia apenas nos casos em que se discuta a sua falta, ou seja, sempre que, atendendo à natureza do crime – não se incluindo este nos crimes de direito penal clássico nos quais a referida consciência está implícita no preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo, em especial do dolo – se encontre controvertida a verificação de tal elemento enquanto causa de exclusão da culpa, nos termos estabelecidos pelo 17º do C.P.

Na verdade, nos chamados crimes de direito penal clássico (6), ou seja, nos crimes cuja existência se presume conhecida da normalidade dos cidadãos – como sucede no crime de condução de violência doméstica pelo qual o arguido recorrente foi acusado e condenado nos presentes autos – e aos quais se reporta o artigo 17º do CP, a consciência da ilicitude decorre da própria representação e vontade de praticar os factos que preenchem objetivamente o tipo penal. Nesses casos, como bem se compreende, inexiste necessidade de expressamente se articular na acusação e de autonomamente se provar em julgamento que o arguido estava consciente da ilicitude da sua conduta.

Tal necessidade surgirá apenas nos crimes relativamente aos quais – quer por lhes não estar associada grande relevância axiológica, quer por consubstanciarem incriminações recentes ainda não enraizadas na consciência comunitária e nas práticas sociais – seja aceitável o desconhecimento da sua previsão legal. Quanto a estes, porém – nos quais, seguramente, se não inclui o crime da condenação dos presentes autos – o erro sobre a proibição encontra-se previsto no artigo 16º nº1, 2ª parte do CP e aí é tratado não como uma falta da consciência da ilicitude, mas antes como uma questão de “erro sobre proibições cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da licitude do facto”. Ou seja, nos crimes em que a consciência da ilicitude se não pode presumir por associada ao dolo, o legislador previu o erro sobre a proibição como se se tratasse de um erro sobre os elementos de facto, pelo que a sua verificação exclui o dolo e não a ilicitude. Esta a razão pela qual, em tais situações – diferentemente do que sucede com a consciência da ilicitude que constitui o objeto da nossa análise no presente recurso – se exige a consignação expressa do conhecimento da proibição na acusação, juntamente com os demais factos que integram o dolo do tipo.

Diremos, finalmente, quanto à questão da não obrigatoriedade de inclusão da consciência da ilicitude na acusação, que o princípio do acusatório e da vinculação temática ao objeto do processo, subjacente à previsão do 283º nº 3, alínea b) do CPP, exige apenas que da referida peça se faça constar – sob pena de a mesma se encontrar irremediavelmente afetada do vício da nulidade – a factualidade que integra os elementos do tipo legal, razão pela qual, ao contrário do que propugna o recorrente, os mencionados princípios em nada são postos em causa com a falta de referência na acusação à consciência da ilicitude, através da fórmula “bem sabendo o arguido ser a sua conduta proibida e punida por lei” ou qualquer outra de sentido equivalente.

Acresce que, ainda que assim não fosse, como é, pese embora da acusação se não tenha feito constar que o arguido sabia que a sua conduta era “punida” por lei, aí se menciona ser do conhecimento daquele que tal conduta era “proibida”, pelo que, na realidade, a consciência de que a sua conduta era ilícita, ou seja, contrária à lei, consta expressamente da acusação, nenhuma relevância revestindo a circunstância de em tal peça se não aludir ao conhecimento da punição.

Somos assim a concluir que a factualidade imputada ao arguido na acusação deduzida nos autos preenche a totalidade dos elementos do tipo penal do crime de violência doméstica, pelo que, não sendo manifestamente infundada, o julgador se encontrava habilitado a recebê-la, como recebeu, nos termos do disposto no artigo 311.º, n.º 1 do CPP e a, subsequentemente, realizar o julgamento, como veio a realizar.

*

B) Dos invocados vícios da sentença e da sua qualificação jurídica:

a) Quanto à consignação no relatório da menção à ausência do arguido nas várias sessões de julgamento, quando as atas atestam que o mesmo esteve sempre presente;

b) quanto à ausência de referência à identificação da assistente;

c) quanto à falta de referência à contestação.

Alega o recorrente a este propósito que:

“(…) 16- A douta sentença no ponto I – Relatório, consignou que “a audiência decorreu com observância do formalismo legal, na ausência do arguido, conforme resulta da respetiva ata”.

17- Ora, como facilmente se extrai, o julgamento do presente processo não decorreu apenas numa sessão, mas em várias, e todas com a presença do arguido, como aliás decorre das respetivas atas, elaboradas de acordo com o art.º 362º, do C.P.Penal.

18- Ou seja, a sentença consigna algo que não corresponde à verdade, o que implica um vício processual que aqui expressamente se invoca.

Da violação do art.º 374º, do C.P.Penal – falta de requisitos da sentença;

19- Estatui o art.º 374º, n.º 1, do C.P.Penal, que “a sentença começa por um relatório, que contém:

a) As indicações tendentes à identificação do arguido;

b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;

c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;

d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada”.

20- Do relatório da sentença recorrida desde logo se extrai que a mesma é omissa quanto à identificação da assistente, quando de acordo com a alínea b) da disposição acima referida, tal deveria constar.

21- Não tendo dado cumprimento aquele normativo, também aqui a sentença recorrida padece de um vício processual, que aqui expressamente se invoca.(…)

23- O arguido em 25/01/2021, pela referência 1908075, apresentou a sua contestação e o seu rol de testemunhas, a qual por despacho de 04/’2/2021 com a referência 31583686, foi admitida aos autos.

24- Ora, não decorre da sentença recorrida, qualquer menção à contestação do arguido, quando o já citado art.º 374º, n.º1, d) do C.P.Penal impõe que deverá a sentença proceder à indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.

25- Não o tendo feito, mais uma vez a sentença recorrida incorre em vicio processual, qua aqui expressamente se invoca.”

Reza da seguinte forma a norma processual na qual se arrimou o recorrente para invocar os vícios da sentença acima enunciados:

“Artigo 374.º

Requisitos da sentença

1 - A sentença começa por um relatório, que contém:

a) As indicações tendentes à identificação do arguido;

b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;

c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;

d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada. (7)

(…)”

Por seu turno, no que tange à correção da sentença, preceitua o artigo 380º do CP que:

“Artigo 380.º

Correção da sentença

1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correção da sentença quando:

a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º;

b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.

2 - Se já tiver subido recurso da sentença, a correção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.

3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos restantes atos decisórios previstos no artigo 97.º”

Ora, sem nos alongarmos neste segmento recursivo, uma vez que a sua simplicidade e a evidência da solução o não reclamam, diremos apenas que, conforme claramente resulta da análise conjugada dos preceitos transcritos, a menção à ausência do arguido nas várias sessões de julgamento – quando as atas atestam que o mesmo esteve sempre presente – bem como a falta de referência à identificação da assistente e à contestação, mais não consubstanciam do que meros erros da sentença – previstos nas alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 374º e nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 380º, ambos do CPP – suscetíveis de retificação. Com efeito, de acordo com o estatuído no artigo 380º, nº1 do CPP, verificados tais erros, o tribunal procede oficiosamente ou a requerimento, à correção da sentença, sendo que, nos termos do seu nº 2, “Se já tiver subido recurso da sentença, a correção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso”. Na verdade, retificar erros materiais mais não significa do que proceder à correção de inexatidões devidas a omissão ou lapso manifesto (8) (9)

Deixamos ainda a este propósito uma nota breve relativamente à referência constante do Parecer da Exm.ª Procuradora Geral Adjunta no que diz respeito à eventual procedência parcial do recurso no que tange à nulidade da sentença por omissão da matéria de facto alegada pelo arguido na contestação ao abrigo do disposto no artigo 379º nº 1º, alínea c) do CPP, apenas para dizermos que na contestação apresentada em 25.01.2021 o arguido se limitou a contestar a acusação e o pedido de indemnização civil, a oferecer o merecimento dos autos e a apresentar o seu rol de testemunhas, nenhum facto tenho alegado em sua defesa em tal peça processual.

O vício da sentença sinalizado no aludido parecer, a verificar-se, consubstanciaria a nulidade legalmente prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea c) do CPP. Tal nulidade pressupõe que o tribunal se não tenha pronunciado sobre questões que deveria ter conhecido. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 374º, nº 2 do CPP, depois do relatório e antes do dispositivo a sentença penal deverá conter a fundamentação, na qual deverão enunciar-se, sob pena de nulidade, todos os factos considerados relevantes para a apreciação dos autos – retirados da acusação, do pedido cível e da contestação – integrando-os expressamente no elenco dos factos provados e não provados. Apenas se concebe que o tribunal não inclua nos factos provados e não provados aqueles que, não obstante constarem da acusação, do pedido cível ou da contestação, se não revelarem relevantes para a boa decisão da causa ou os que assumirem natureza conclusiva, o que, no rigor, deverá assinalar-se na decisão.

Ora, reiteramos, face à falta de alegação de factos na contestação, a nulidade da sentença prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea c) do CPP, referida pela Exm.ª Procuradora Geral Adjunta no seu Parecer, não se verifica “in casu”.

***

C) Do invocado erro de julgamento quanto à matéria de facto

Os poderes de cognição dos Tribunais da Relação encontram-se expressamente consignados no artigo 428.º do CPP, dispondo o mesmo que “As Relações conhecem de facto e de direito”. Sabendo-se que os recursos são soluções de natureza jurídico processual, que se encontram vocacionados para verificar a existência e, sendo caso disso, para corrigir erros de julgamento – quer os que resultam da violação de normas direito processual, quer os emergentes da não aplicação ou da aplicação incorreta de normas de direito substantivo – importa ter presente que no caso dos recursos sobre a matéria de facto, ao tribunal de recurso não cabe julgar novamente, devendo respeitar a liberdade de apreciação da prova que o legislador concedeu ao “juiz a quo”.

No presente recurso encontra-se impugnada a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, invocando-se, assim, a existência de um erro de julgamento. O erro de julgamento – que deverá ser invocado através da impugnação da matéria de facto em sentido amplo, com observância dos ónus impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 (10) – ocorre quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova bastante, pelo que deveria ter sido considerado não provado; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.

Relativamente à satisfação dos requisitos estabelecidos pelo artigo 412.º do CPP, escreve Paulo Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código de Processo Penal, em anotação à referida norma que “[a] especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado (…)” ;

“[a] especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida (…) [m]ais exatamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento”. “(…) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação.” (11)

Verificamos, pois, que para a arguição de um erro de julgamento não é suficiente a invocação de mera divergência de entendimento do recorrente relativamente à convicção formada pelo julgador, uma vez que é a este que a lei atribui o poder de apreciar livremente as provas, o que deverá fazer de acordo com o disposto no artigo 127.º CPP, ou seja, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, mas segundo parâmetros racionais controláveis.

Assim, sempre que seja impugnada a matéria de facto, por se entender que determinado aspeto da mesma foi incorretamente julgado, o recorrente deverá indicar expressamente: tal aspeto; a prova em que apoia o seu entendimento; e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida. Tais indicações constarão, pois, da motivação do recurso, que deverá ser elaborada de forma a permitir apontar ao Tribunal ad quem o que, na perspetiva do recorrente, foi mal julgado, oferecendo uma proposta de correção que possa ser avaliada pelo tribunal de recurso. (12)

E foi isso que o recorrente fez nos presentes autos, tendo assinalado os factos que considera erradamente julgados e tendo apresentado as provas em que sustenta o seu entendimento, quer transcrevendo parte dos depoimentos que entendeu relevantes, quer indicando as passagens da gravação que registam tais depoimentos. Previamente à incursão que se impõe realizar sobre as provas concretas produzidas nos autos e que sustentaram a decisão recorrida, importa fazer uma breve referência ao princípio da livre apreciação da prova, que encontra consagração legal no artigo 127.º CPP. Assim, caberá reter que, segundo tal princípio processual penal, «a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente». Tal liberdade de apreciação da prova assenta em pressupostos valorativos e obedece aos critérios da razão, da lógica, da experiência comum e dos conhecimentos científicos disponíveis, tendo por referência a pessoa média suposta pela ordem jurídica, pelo que, de forma alguma, poderá confundir-se com arbítrio. Encontra-se a referenciada liberdade orientada para a objetividade, com vista a lograr obter a verdade validamente adquirida. A formação da convicção do julgador só será válida se for fundamentada e, desse modo, se tiver a capacidade de se impor aos seus destinatários através da demonstração do processo intelectual e lógico seguido para a afirmação da verdade dos factos, para além de dúvida razoável. Assentamos, pois, em que o princípio da livre apreciação da prova consignado no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, não representa a possibilidade de uma apreciação puramente subjetiva, arbitrária, baseada em meras impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, antes pressupõe uma cuidada valoração objetiva e crítica e, em boa medida, objetivamente motivável, de harmonia com as regras da lógica, da razão, da experiência e do conhecimento científico.

Pretendendo impugnar a matéria de facto considerada provada pelo tribunal a quo, e em observância das exigências legais necessárias à impugnação da matéria de facto constantes do artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP acima explicitadas, o recorrente:

- Indicou os pontos concretos da sua discordância, que no caso do presente recurso, são todos os factos imputados ao arguido, ou seja, os constantes dos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 27, 28, 29, 30, 31 e 32 dos factos provados.

- Especificou os pontos do suporte informático em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados de que se socorreu, passagens que transcreveu parcialmente na sua motivação de recurso;

- E explica as razões pelas quais, no seu entendimento, tal prova levaria a decisão diversa da recorrida. Desde já se adianta que, pese embora tenhamos analisado cuidadosamente as considerações apresentadas pelo recorrente para fundamentar a sua discordância quanto ao juízo probatório exposto na sentença recorrida, cremos que não lhe assiste razão, pois que a prova produzida nos autos, a nosso ver, permite confirmar os termos da fixação factológica daquela constante. Registamos que a sentença recorrida constitui uma peça processual elaborada de forma completa, na qual o tribunal “a quo” elencou os factos que considerou provados e não provados e expôs e, através da formulação de juízos racionais controláveis, a motivação da convicção probatória que formulou. Realizando então a análise crítica das provas sobre as quais o recurso assentou o invocado erro de julgamento, importa atentar na forma como o tribunal a quo justificou a sua decisão quanto aos factos provados e não provados e que mais adiante transcreveremos. Analisada a prova produzida nos autos, constatamos que a referida motivação, no que diz respeito ao que foi relatado em audiência por cada um dos intervenientes, arguido, assistente e testemunhas, está alinhada com o que foi efetivamente dito por cada um deles.

As questões colocadas pelo recorrente reportam-se à alegada falta de credibilidade das declarações da assistente e dos depoimentos das testemunhas que, em parte, as corroboraram, nos quais se arrimou a decisão sindicada e na relevância que, no seu entender, deverá ser atribuída às suas declarações. Mais alega que, caso o tribunal mantivesse o entendimento de não fazer prevalecer o sentido das suas declarações, deveria ter aplicado o princípio do in dubio pro reo e ter considerado os factos como não provados.

Mas, a nosso ver, não tem razão relativamente a nenhum dos fundamentos da impugnação que apresentou.

Antes de mais, importa realçar que, ao contrário do que afirma ou insinua o recorrente, o tribunal recorrido deixou claro na motivação da sua convicção probatória o que o levou a decidir no sentido da existência de prova bastante dos factos subjacentes à condenação. A leitura da sentença permite-nos apreender o raciocínio racional e lógico dedutivo subjacente a tal decisão. Aí se encontra explicado por que razão o tribunal recorrido, por referência à lógica e por apelo racional às regras de experiência comum, entendeu que a prova produzida em julgamento se revelou suficiente para firmar convicção relativamente aos aludidos factos, não correspondendo à verdade que o tribunal recorrido se tenha baseado apenas no depoimento da assistente e que tenha ignorado as declarações que o arguido entendeu prestar e os depoimentos das testemunhas indicadas pela defesa. Com efeito, escrutinada a prova constante dos autos, concretamente ouvidas as declarações do arguido e da assistente e os depoimentos das testemunhas também produzidos em audiência, nenhuma censura nos merece o juízo probatório realizado na sentença recorrida e consignado na motivação da convicção probatória – cuja completude e clareza expositiva tornam despicienda a realização de nova exposição do juízo valorativo – que passamos a transcrever: “(…)2. 3. - Motivação da Decisão de Facto A convicção do Tribunal quanto à factualidade considerada provada radicou na análise crítica e ponderada da prova produzida em julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção do julgador, conjugadas com a prova testemunhal produzida, bem como: pericial, quanto ao Relatório médico pericial de fls. 208 a 210, quanto às lesões da ofendida, que mereceu resposta negativa; documental: • Auto de notícia de fls. 19/20, Relatório de Serviço de fls. 53/ 54, Episódio de urgência de fls.180/181 e Informação da DGRSP de fls. 216, quanto à data e contexto dos factos; • Ofício de 20-04-2021 do CRI do …, do qual se retira que, nessa data, o arguido não tinha problemática aditiva de álcool; • Carta de Mandatário da ofendida, da qual resulta a existência de um litígio entre a ofendida e arguido, quanto a um empréstimo bancário, no valor de 10.000,00€, junta em audiência de 09-02-2022; • Ref.ª152643008 de 06-05-2022 do processo comum (Tribunal Coletivo) nº 1496/15.1…, Juízo Central Criminal de … - Juiz …, quanto aos termos de tal processo, donde se retira a condenação da arguida; • Relatório social da DGRSP, quanto às condições de vida do arguido; • CRC quanto aos antecedentes criminais; O arguido prestou declarações, de modo pouco sincero, inseguro e numa versão dos factos desadequada às regras de experiência comum. Vejamos. Referiu que toda a versão da acusação pública é mentira, que existiram discussões, mas não agressões. Acha que a ofendida está a projectar devido a agressões de uma outra relação que ela teve. Ainda, acha que a ofendida quer dinheiro, porque lhe disse que não ia sair da relação com as mãos a abanar – neste ponto, cumpre referir que a ofendida, efectivamente, pediu dinheiro ao arguido, nomeadamente, referente a um empréstimo que assumiu, no valor de 10.000,00€ - cfr. carta de Mandatário da ofendida, junta em audiência de 09-02-2022. Sem prejuízo, da análise da dinâmica de ambos como casal, parece-nos que a origem desta exigência tem fundamentos diferentes, como veremos. Referiu que não consome álcool e que as discussões existiam por ciúmes da filha que tinha de uma outra relação. Ainda disse que ela inventava coisas.

Disse que teve um relacionamento com ela ainda casado, sendo ela a supervisora do campo agrícola, depois de ter sido funcionária. Referiu que a ofendida enfrentou um processo crime por estar envolvida com pessoas ilegais, a quem ajudava, passava facturas, tratava documentos, etc., tendo existido problemas de tráfico de pessoas e prostituição. A ofendida, por sua vez, confirmou a versão da acusação pública, em todos os seus pontos, num depoimento seguro, coerente, que nunca falhava na sua generalidade – sem prejuízo de normais falhas de memória, típicas de um discurso não estudado e preparado - sendo, porém, perceptível o sofrimento que lhe causou relatar o sucedido. Como contexto dos factos, relatou que trabalhou como supervisora do campo agrícola, sendo que, um ano depois começaram a relacionar-se. Sendo que, o arguido apenas passou a viver junto com a ofendida, quando ela foi detida no âmbito do referido processo crime, tendo o arguido lhe dito que não se preocupasse com nada, que trataria de tudo, que ia viver com ele. Disse que pagou cerca de 10.000,00€ a uma advogado – Dr.KK – que foi arranjado pelo arguido, sendo que, houve sempre discussões desde o momento em foi condenada, porque achava estranho a sua condenação e queria explicações e ver os documentos, o que nunca lhe foi permitido, nem explicado, inclusive pelo advogado. Referiu ainda que o arguido tentou controlar o que ela dizia no processo. Referiu que se apercebeu que o arguido tinha muitas dívidas e ainda a sua ex-mulher lhe pedia todos os meses cerca de 1.000,00€ para pagar empréstimos do arguido. Como o arguido não tinha dinheiro, pedia à ofendida, que lhe emprestava, sendo este um dos motivos das discussões entre ambos. Entre os actos mais comuns, disse que o arguido bebia muito e lhe batia, tendo uma vez ameaçado mesmo que se ia enforcar e que a iriam culpabilizar disso. Sendo ainda frequente atirá-la ao chão, dizendo “não queres dormir comigo”, “agora vais ver quem te fode melhor”, tendo tentado estrangulá-la, entre os demais episódios descritos na acusação pública, que confirmou. Fugiu de casa em 31-12-2019 ou 2020. Depoimentos espontâneos e seguros, igualmente: EE, referiu que a ofendida é sua irmã, sendo que, do que se percebeu da sua relação com o arguido, este nunca pagava nada, alegava que não tinha dinheiro e ela fazia empréstimos para os pagar. Num episódio a ofendida pediu-lhe para a ir buscar, porque tinha medo que ele a atacasse e ela chamou a GNR. Disse ainda que, num dia, lhe viu hematomas na cabeça, pescoço e costas. LL, cunhado da assistente, referiu, com relevo, que num dia a sua esposa lhe ligou para informar que a irmã estava em casa e depois disse-lhe que o arguido lhe batia. MM, vizinho, referiu que vivia perto, disse que nunca viu nada, mas que um dia a ofendida lhe pediu para ligar, para pedir ajuda. NN, disse que nunca viu agressões, mas que a ofendida lhe disse que o arguido lhe tinha batido, bem como, que o arguido bebia, mas apenas socialmente.

OO, irmã da ofendida, disse que nunca gostou da relação da irmã, tendo-a visto com nódoas negras, que o arguido lhe dizia que como ela era estrangeira ninguém acreditava nela. PP, disse que não viu nada, mas que a ofendida lhe disse que viu agressões e que um dia lhe pediu para ir ao Centro de Saúde. QQ, referiu que a ofendida lhe confidenciou que era vítima de ameaças – “lhe podiam acontecer coisas, pelo pessoal da noite” - e agressões do arguido, ele acreditou e deu-lhe um lugar para dormir. II, ex-mulher do arguido, referiu que o arguido nunca foi violento com ela e que bebe socialmente. SS, referiu que o arguido é uma pessoa consensual e específica, trabalhador e integrado, nunca o tendo visto alcoolizado. Tudo conjugado, demos como provado a existência dos episódios da acusação pública, que a assistente descreveu no seu longo depoimento, sendo que, a sinceridade e espontaneidade do mesmo nos mereceu credibilidade. Anda, cumpre notar que, o elemento de poder e subordinação do arguido sobre a ofendida era evidente e iniciou-se com a sua mudança para a casa deste, logo após a detenção da arguida. Dado que o arguido referiu que o relacionamento entre ambos não era ainda assumido, que não tinha nada a ver com os factos do processo-crime, que se opunha aos actos da arguida relativamente a tais crimes, a conduta do arguido é, no mínimo, estranha. De seguida, a ofendida descreveu, de modo isento e espontâneo, um controlo completo sobre a sua vida e sobre quem a mesma escolheu como advogado, o que dizer no processo, etc. Sem prejuízo dos factos de tal processo (que não estão aqui em julgamento), nem de qual a relevância criminal a dar ou não a estes factos relatados pela ofendida (actualmente, sob investigação criminal – cfr.ref.ª 32620507 de 27-04-2022), certo é que, a versão da ofendida é mais credível do que a do arguido, que não soube explicar porque é que a ofendida se mudou para a sua casa, negou consumos de álcool – todos referiram que o mesmo bebia socialmente, mas é certo que, o que a ofendida referiu era que o arguido ia bebendo durante todo o dia e quando chegava à casa, no final do dia, estava bêbado e batia-lhe - e os actos de agressão, que, porém, pese embora, não presenciados por ninguém, certo é que, a ofendida transmitiu a ideia que era agredida e que existia um aproveitamento económico desta, impondo-lhe empréstimos para pagar as dívidas do arguido. No que diz respeito aos elementos psicológicos e volitivos imputáveis ao arguido, aquando da prática dos factos, os mesmos foram fixados atentos os meios probatórios referidos, sendo que, de acordo com critérios de lógica e experiência comum, outro não podia ser o conhecimento e intenção do arguido, do que o que ficou fixado supra – atingir o bem-estar psicológico da ofendida, fragilizando-a e gerando um ambiente de intimidação, por via de agressão verbal e física da ofendida e ameaça com ofensas à sua integridade física e à vida desta, no domicílios comum (ampliando o seu sentimento de vergonha, intranquilidade e vulnerabilidade), actuando de modo livre e consciente.

Consigna-se ainda a exclusão dos elementos irrelevantes, conclusivos ou de direito.(…)” Subscrevemos integralmente a linha argumentativa exposta na sentença no que diz respeito à suficiência da prova produzida em audiência para formar convicção probatória segura relativamente à veracidade dos factos tidos por provados e que se encontram impugnados no recurso. Assim, ao contrário do que refere o recorrente, verificamos que as declarações da assistente não enfermam de contradições relevantes (13), mostrando-se, ao invés, coerentes e consentâneas no que à essencialidade dos factos diz respeito, nenhuma razão válida se vislumbrando para pôr em causa a seriedade e a credibilidade das mesmas. Por seu turno, as declarações do arguido não se revelam suficientes para infirmar o teor de tais declarações, desde logo atendendo às circunstâncias indicadas na sentença para pôr em causa a sua credibilidade. (14)

Consabidamente, as dificuldades de prova associadas às versões antagónicas apresentadas por arguido e ofendida surgem com maior frequência nos julgamentos dos crimes não presenciados por terceiros, entre os quais se inclui o crime de violência doméstica praticado na residência comum do casal. Porém, pese embora não descuremos tais circunstancialismos específicos, que se verificam também na situação presente, temos para nós que os mesmos não poderão legitimar a adoção de regras próprias de apreciação da prova, necessariamente especiais em relação às previstas no CPP – e que as alegações de recurso parecem pressupor – conducentes a uma anulação das valências das versões apresentadas, numa operação quase aritmética, com subsequente e inevitável recurso ao princípio do in dubio pro reo. Com efeito, nada impõe que o depoimento da vítima tenha que ser corroborado por outros depoimentos para que lhe seja atribuída valência probatória bastante, nem que o mesmo não possa ser feito prevalecer relativamente às declarações do arguido, bastando para tanto que àquele seja conferida maior credibilidade do que a este. Na verdade, o que se impõe ao julgador é que, não perdendo de vista o circunstancialismo dificultador da prova a que acima nos reportámos, cuide de justificar a maior ou menor credibilidade que conferiu, quer às declarações da vítima, quer às declarações do arguido. E foi o que fez o tribunal recorrido no caso presente. Entendeu a julgadora que as declarações do arguido se mostraram inverosímeis e não credíveis e que, em contraponto, as declarações da assistente se revelaram absolutamente credíveis e bastantes para, em conjugação com a restante prova produzida nos autos, sustentar a prova de todos os factos imputados ao arguido e que se encontram impugnados no recurso. E explicou as razões pelas quais assim entendeu.

Verificamos, pois, que, para além de nenhuma razão válida existir para descredibilizar o depoimento da assistente, foi da conjugação de todas as provas que se inferiram os factos dados como provados e impugnados no recurso. Está claro, revelando-se incontornável, que todas as provas enunciadas têm um referente, que são as declarações da ofendida sobre os factos a que se reporta o objeto do processo. Porém, e ao contrário do que pressupõe a argumentação recursiva, não há entre as declarações da vítima (ainda que nos autos assuma a qualidade de assistente) e as declarações do arguido nenhuma paridade ou equivalência. Desde logo a assistente está vinculada ao dever de verdade e sujeita a responsabilidade penal pela sua violação (artigo 142.º, nº 2 do CPP), enquanto ao arguido/recorrente, sendo presumivelmente inocente, assiste o direito de nada declarar, de não responder a quaisquer perguntas, sem que tal opção o possa desfavorecer (artigos 61.º, nº 1, al. d) e 343.º CPP). Mas o que acima de tudo releva é o princípio da livre apreciação das provas, a que acima amplamente nos reportámos, que se revela uma “aquisição da modernidade”(15) e com o qual se superou o paradigma da prova legal ou tarifada, não podendo esquecer-se, ademais, que o ato de julgar é exclusivo do tribunal. Acresce que, a mais de valorizarmos a importância da imediação na apreciação da prova, que, incontornavelmente, coloca o juiz de julgamento numa posição privilegiada para proceder à sua apreciação – conquanto o mesmo tem acesso não só à expressão verbal, escrutinada pelo tribunal de recurso através da audição das gravações, mas também às expressões não verbais a que aquele não tem acesso – a audição da integralidade da prova produzida em audiência permite-nos atestar a naturalidade e a coerência das declarações da assistente e dos depoimentos das testemunhas que atestaram terem recebido queixas daquela em relação às condutas do arguido e até pedidos de ajuda face ao medo que aquela afirmava sentir (16), sufragando-se, por isso, a valoração de tal prova efetuada na sentença recorrida.

Vale o mesmo por dizer que não concordamos com a alegação da recorrente no sentido de que a prova constante dos autos não permite formular um juízo probatório positivo sobre os factos tidos por provados e impugnados no recurso. Afigura-se-nos, ao invés, que o que legitimamente fez o tribunal “a quo” foi analisar a prova produzida de acordo com um critério lógico e, com auxílio das regras da experiência comum, realizar as devidas inferências, sendo que estas lhe permitiram chegar à autoria dos factos por parte do arguido. Em rigor, em nenhum passo do recurso é apresentada qualquer prova ou conjunto de provas que possa consistentemente contrariar aquelas em que o tribunal a quo firmou a sua convicção. O mesmo sucedendo relativamente às operações de valoração das provas expostas na motivação respetiva. Em suma, as diferentes versões dos factos apresentadas, por um lado, pelo arguido e, por outro, pela assistente, foram devidamente ponderados pela julgadora que, fundadamente, decidiu que, analisadas ambas as declarações, em conjunto com a restante prova produzida, com apoio racional nas regras da experiência comum, não se verificaram incongruências ou contradições determinantes da criação de qualquer dúvida sobre a veracidade dos factos imputados ao arguido, pelo que, ao contrário do propugnado no recurso, inexistiu fundamento para convocar o princípio do in dubio pro reo.

*

Quento a tal princípio, invocando o arguido que a sentença recorrida o desrespeitou, deixamos uma breve nota.

Como corolários do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no seu artigo 1.º, estabelece a Constituição da República Portuguesa, como direitos fundamentais o direito à liberdade (artigo 27.º, nº 1) e o princípio da presunção de inocência dos arguidos, plasmado nos artigos 32.º, nº 2 e 27.º, nº 1. O princípio da livre apreciação da prova, a que se refere o artigo 127.º CPP, constitui uma concretização do princípio da presunção de inocência – maxime na sua dimensão in dubio por reo – que encontra referência normativa expressa no artigo 6.º, nº 2.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 14.º, nº 2.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Retenhamos, porém, que «o princípio da presunção de inocência excede em significado e consequências o princípio in dubio pro reo, constituindo este apenas um critério de decisão em caso de dúvida quanto à verificação dos factos. (17)» ou seja, uma «regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos» (18). De acordo com tal regra, que inevitavelmente se conexiona com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, determina-se que a dúvida seja resolvida a favor do réu. O seu âmbito reconduz-se, pois, à valoração pelo julgador de toda a prova produzida. Se o resultado desse processo de valoração for uma dúvida – uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos – o juiz terá que decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.

Voltando ao caso em apreciação nos presentes autos, verificamos que os princípios explanados se mostram devidamente observados. Efetivamente, analisada a sentença recorrida, constata-se que, após o processo de valoração da prova não subsistiu ao julgador qualquer dúvida razoável que impusesse a aplicação do princípio do in dubio pro reo. Levando em conta as razões descritas na motivação da decisão recorrida e as considerações que deixámos expostas, somos, pois, a concluir que da valoração da prova produzida não surgiu o non liquet, que, por aplicação do aludido princípio, determinaria que alguns dos factos considerados provados devessem ser julgados não provados. Deverão, pois, manter-se nos factos provados os factos impugnados no recurso, nenhuma censura nos merecendo o juízo probatório realizado pelo tribunal “a quo”, nada havendo a alterar a tal respeito.

***

D) Da medida da pena e da adequação do montante indemnizatório fixado na sentença recorrida.

O recorrente questiona o processo de determinação da medida concreta da pena, alegando que o tribunal não teve em consideração determinadas circunstâncias atenuantes relativas às suas condições pessoais.

Analisemos então se lhe assiste razão.

Retenhamos que no caso dos recursos sobre a pena ou sobre a medida da pena, ao tribunal ad quem caberá verificar o respeito pelas normas e pelos princípios gerais que regulam tal matéria. E tão somente isso.

Conforme é amplamente aceite pela jurisprudência dos tribunais superiores, o sistema de recursos no processo penal português tem como escopo a correção dos erros ocorridos na primeira apreciação judicial dos factos e na sua subsunção ao direito. Daqui resulta que o tribunal de recurso só deve intervir na escolha da pena e da sua medida concreta quando detetar incorreções no processo da sua determinação, quer ao nível da valoração factual, quer no que diz respeito à aplicação das normas legais que regem a matéria em causa. Tal sindicância não abrange, pois, a fiscalização do quantum exato de pena, na perspetiva da realização de uma nova determinação da mesma, devendo manter-se a pena concretamente aplicada sempre que se verifique que a sua fixação assentou numa correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais e que, consequentemente, não se revela desajustada, nem desproporcionada.

Estabelecida a margem de atuação deste tribunal da Relação no presente recurso, será importante recordar os princípios basilares e orientadores da matéria que temos em análise. Assim, estabelece o artigo 40º do CP que a finalidade das penas é a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena exceder a medida da culpa do infrator. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 70.º e 40.º do CP, se os crimes forem puníveis alternativamente com pena de prisão ou com pena de multa, o tribunal deve dar preferência à pena de multa, desde que a mesma realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, determina-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, com respeito pelos critérios definidos pelo artigo 71.º do CP.

Realizado o enquadramento normativo, analisemos então as circunstâncias do caso em apreço e, bem assim, o processo de escolha e de determinação das penas concretas realizado pelo tribunal a quo, na perspetiva da realização da sindicância com a abrangência acima delineada.

Sendo o crime de violência doméstica pelo qual o arguido foi condenado punido apenas com pena de prisão e contendo-se a sua moldura abstrata entre os 2 (dois) a 5 (cinco) anos, a sentença recorrida fixou a pena concreta em 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, acompanhada de regime de prova, nos termos do art.º 50º e 53º do C.P. e sujeita ao cumprimento da regra de conduta consubstanciada no pagamento à ofendida, no período de suspensão, da indemnização que lhe foi arbitrada, nos termos do art.º 51º nº1 a) do C.P.. Mais se decidiu condenar o recorrente na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, pelo período de 3 anos, nos termos do artigo 152º nº4 e 5 do C.P.

Pensamos, porém, que, ao contrário do que sustenta o recorrente, o fez com justificação bastante. Vejamos.

Devemos em primeiro lugar atentar na factualidade provada – que acima transcrevemos e para a qual remetemos – na qual se descreve a atuação do arguido, as consequências da mesma, o contexto em que ocorreu e as suas motivações e, bem assim, os elementos relativos às condições pessoais do primeiro.

A este propósito, alega o recorrente que:

“(…) 69- Salvo o devido respeito, a pena aplicada afigura-se manifestamente excessiva, e sobretudo a obrigação a que se sujeitou o arguido para beneficiar da suspensão da pena de execução da pena.

70- Desde logo e conforme resulta dos factos dados como provados (ponto 33), o arguido é primário, não possuindo quaisquer antecedentes criminais registados.

71- De acordo com o ponto 34 dos factos dados como provados, relativamente às suas condições económicas, sociais e pessoais, provou-se que:

“c) Atualmente, o arguido centralizou toda a sua atividade laboral numa única empresa.

d) Deixou de ter sociedade na empresa “…” que atualmente se denomina “…”, mas continua a dedicar-se à prestação de serviços de natureza rural, com um rendimento médio de 1500.00€.

e) Tem uma situação económica satisfatória, em face do volume de trabalho atual.

f) Procede ao pagamento de € 200,00 /mês, correspondente à mensalidade destinada à filha menor, HH.

g) AA é o mais novo de três irmãos, descendentes de um casal ligado à exploração agro-pecuária e leiteira, de gado bovino.

h) Cresceu em herdade da família, próxima do …, atividade prosseguida há alguns anos por um dos irmãos, face à idade do progenitor para a continuidade de tal trabalho.

i) Completou em criança o 6º ano de escolaridade.

j) Em adulto completou, através de RVCC -Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências Escolares, o 9.º ano de escolaridade.

k) Permaneceu a viver na herdade da família até aos 20 anos, altura em que os pais estabeleceram residência no …, onde ainda reside o progenitor.

l) Começou a trabalhar com a família, na respetiva exploração agro-pecuária.

m) Casou com II em 2008, união afetiva da qual nasceu a única filha do casal, atualmente com doze anos de idade.

n) O relacionamento conjugal deteriorou-se, e em 2017, ocorreu a sua rutura.

o) Mantém um trato cordial e frequente com o seu ex-cônjuge, o qual lhe reconhece grande capacidade e iniciativa de trabalho, valorizando a ligação afetiva próxima entre aquele e a filha comum.

p) O arguido tem também um filho de 21 anos, fruto de um relacionamento anterior, que reside na localidade da … (…) com o qual não possui proximidade afetiva.

q) Sendo percetível que o distanciamento em relação à progenitora do jovem terá condicionado o seu relacionamento com o filho.…

v) No meio social onde se movimenta, o arguido detém uma imagem positiva, reconhecendo-se-lhe competências sociais.

w) Revela hábitos de trabalho, que tem desenvolvido na área da prestação de serviços ligados à agricultura e estruturas agrícolas, no qual investe e subsiste.

x) AA apresenta competências para se submeter e cumprir regras bem como capacidade para compreender as decisões judiciais”.

72- Parece que a douta decisão recorrida alheou-se de toda a factualidade dada como provada no ponto 34, e que são factos que permitem concluir que o arguido se encontra profissionalmente e socialmente inserido no meio onde habita e que na sua ótica são deveras importantes e contribuem para a determinação da medida da pena.

73- Significa isto, que todos aqueles factos não foram levados em consideração pelo Mma. Juiz “a quo” para determinação da medida da pena, nos termos dos arts.º 70º e 71º do C.Penal, quando assim deveria ter acontecido.

74- A moldura penal do crime imputado ao arguido, é punido com pena de prisão de 2 até 5.

75- A determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e na determinação concreta da pena o Tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depuserem a favor do agente.

76- Ora, foi isso que a Mma. Juiz “a quo” não fez, como já se referiu, pelo que violou os arts.º 70º e 71º, n.º 1 e 2, do C. Penal.

77- Acresce ainda o facto de o arguido não ter qualquer condenação pelo mesmo tipo de crime, ou de qualquer outro.

78- Deveria assim a Mma. Juiz “a quo”, nos termos do art.º 70º, do C. Penal, ter optado por uma pena mais reduzida, sem necessidade de qualquer regime de prova.

79- Destarte seja qual for a pena encontrada como sendo a mais justa, deve a mesma ter em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a seu favor e que se encontram plasmadas no ponto 34 dos factos dado como provados. (…)”

Mas não tem razão. Efetivamente, ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer, todas as circunstâncias indicadas no artigo 71º do CP, foram tidas em conta na sentença, conforme se atesta pela leitura das considerações aí tecidas relativamente à determinação das medidas das penas, que passamos a transcrever:

“(…) A moldura penal abstracta para o crime de violência doméstica p. e p. pelo art.º 152º n.º 1 al. a) e 2 do C.P., é a de pena de prisão de 2(dois) a 5(cinco) anos.

Os critérios que a lei fornece para tanto são os previstos nos art.º 40º e 70º do C.P.: a pena não pode ultrapassar a medida da culpa, entendida esta no sentido material, compreendendo tanto a vontade culpável como o seu objecto, que é o facto ilícito e na sua concretização há que ter em conta a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Tendo em conta estes critérios, a fim de determinar a medida da pena, há que atender não só às circunstâncias que fazem parte do tipo (na sua intensidade), como à imagem global do facto e todas as circunstâncias que neste contexto mais amplo, mas sempre com conexão com o facto, deponham contra ou a favor do agente (art.º 71º do C.P.).

Deste modo, obter-se-á um limite máximo constituído pela culpa e uma sub-moldura, que em caso algum ultrapassará este, condicionada por considerações de prevenção geral positiva, dentro do qual funcionarão considerações de prevenção especial (art.º 40º e 71º do C.P.).

A nível de prevenção geral, as exigências são muito elevadas, dada a frequência com que ocorre e as consequências tão negativas no seio familiar para a saúde física e psíquica do lesado, para além da consciencialização comunitária quanto à violência doméstica e da ressonância fortemente negativa que adquiriram.

Ao nível de prevenção especial, o arguido não tem antecedentes criminais registados – ponto 33 – encontrando-se social e familiarmente integrado – ponto 34. (19)

Porém, há que considerar as lesões psíquicas sofridas pela ofendida, em grande número e de natureza grave.

Neste exposto, tudo ponderado, não podendo, atenta a gravidade dos factos, a pena fixar-se no limite mínimo legal, mostra-se adequado aplicar ao arguido, pela prática de um crime de violência doméstica simples p. e p. pelo art.º 152º nº 1 al. a) do C.P., a pena de 3 anos de prisão.”

Nenhum reparo nos merece a sentença recorrida também neste temário. Subscrevemos integralmente todas as considerações transcritas, que se nos afiguram acertadas e respeitadoras dos critérios legais. Assim, e ao contrário do que propugna o recorrente, a censurabilidade que nos merece a sua conduta, nos termos acima consignados, associada à ilicitude dos factos e à necessidades de prevenção geral e especial, também corretamente avaliadas pelo tribunal a quo, sustenta totalmente a pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, acompanhada de regime de prova, nos termos do art.º 50º e 53º do C.P. e sujeita ao cumprimento da regra de conduta consubstanciada no pagamento à ofendida, no período de suspensão, da indemnização que lhe foi arbitrada, nos termos do art.º 51º nº1 a) do C.P..

Sopesadas todas as circunstâncias enunciadas, entendemos revelarem-se adequadas e proporcionais as penas principal e acessória (esta última pelo mesmo não questionada) aplicadas ao arguido, consignando-se o acerto no processo aplicativo desenvolvido na sentença, na qual avulta uma ponderação correta dos factos e uma adequada valoração dos mesmos à luz das regras e dos princípios que regem a escolha e a determinação da medida concreta da pena acima enunciados. Nesta conformidade, somos a concluir que a sentença recorrida realizou uma correta e equilibrada ponderação de todas as circunstâncias relevantes, tendo cumprido os critérios legalmente estabelecidos para a determinação das medidas das penas, encontrando-se adequadamente fundamentada, pelo que o recurso deverá improceder também quanto a este aspeto.

*

Não se tendo conformado com a parte da sentença recorrida que, nos termos do disposto nos artigos 21.º da Lei n.º 112/2009 de 16 de setembro e 82.º-A do C.P.P, arbitrou à vítima a quantia de 3.000,00 € (três mil euros) a título de indemnização pelo ressarcimento dos danos causados com a prática do crime de violência doméstica, solicita o recorrente a alteração da decisão também nessa parte.

Não subscrevemos, porém, o seu entendimento.

Conforme abundantemente reflete o elenco dos factos provados, é inequívoco que se encontra demonstrada a ilicitude da conduta do arguido e o nexo de causalidade entre os factos e os danos, pois não fora a conduta reiterada daquele e a assistente não teria sofrido as lesões físicas e psicológicas mencionadas no acervo factológico tido por provado na sentença (20). Assim, começando por verificar a existência dos pressupostos da responsabilidade civil, diremos apenas que, provadas que estão as condutas criminosas (ofensas físicas e psicológicas provocadas pelas várias agressões do arguido à ofendida), os danos da mesma resultantes (lesões e sequelas sofridas pela vítima) e o nexo de causalidade entre tais condutas e os referidos danos (relação de causa e efeito entre as ofensas e os danos), se encontram verificados os mencionados pressupostos, a saber: o facto voluntário do lesante; a ilicitude de tal facto; a imputação do facto ao lesante; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 129º do C.P e 483º, nº 1, 502º, nº 1, 563º, 493º, nº 1 e 496º, nº 1, todos do Código Civil.

A equidade surge como o critério norteador, obrigatório e decisivo, da fixação dos montantes indemnizatórios, determinando o artigo 496º, nº 3, em conjugação com o artigo 494º ambos do Código Civil, que, na fixação do quantum indemnizatório, o juiz deverá fazer uso de critérios de equidade, tomando em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e a do lesado, bem como as demais circunstâncias concretas relevantes.

No caso sub judice, a culpa não pode deixar de considerar-se acentuada, atendendo à censurabilidade que merece a conduta do demandado, traduzida numa contínua e reiterada violação do dever de respeito da integridade física, do bem estar psicológico e da honra da sua mulher. Igualmente se impõe considerar as condições sociais e económicas do recorrente, que se encontram exaradas no ponto 34. dos factos provados.

A decisão sindicada valorou todas estas circunstâncias, tendo consignado as considerações que passamos a transcrever:

“IV- DO ARBITRAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO – REPARAÇÃO DA VÍTIMA EM CASOS ESPECIAIS – art.º 82º-A do C.P.P.

Dispõe o art.º 21.º da Lei n.º 112/2009 de 16 de Setembro, que à vítima é reconhecido o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável, havendo sempre lugar à aplicação do disposto no art.º 82.º-A do C.P.P.

Por sua vez, dispõe o art.º 82.º-A do C.P. que, não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de indemnização, quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham, as quais no âmbito do crime de violência doméstica se presumem, sendo obrigatória a sua fixação, apenas quando a vítima a tal expressamente se opuser – o que não sucedeu nos autos.

Analisada a matéria de facto, resulta a existência da prática, pelo arguido, contra a ofendida, no interior da residência comum do casal, de actos integrante de maus-tratos físicos e psíquicos – empurrões, apertar de pescoço, etc. - actos estes ofensivos do corpo e saúde física e psíquica da ofendida integradores do tipo legal de ofensa à integridade física simples -art.º 143º nº1 do C.P. – bem como, da imputação directa de factos ofensivos da honra e dignidade da arguida – “uma puta estrangeira e só queres dinheiro”, “vais ver quem te fode melhor”, etc. - integradores do tipo legal de injúria simples – art.º 181º do C.P. – e ainda, a forçou a ter relações sexuais, isto é, as ofensas sexuais, do tipo legal do art.º152º nº1 do C.P.

Tais condutas são tipificadas penalmente, isto é, são condutas ilícitas.

No demais, a sua conduta foi produtora de danos físicos para a ofendida – derivados das agressões do arguido – e danos psíquicos, traduzidos em humilhação e intimidação – ponto 31.

Encontra-se igualmente demonstrado o nexo de causalidade entre a actuação do arguido e as lesões psíquicas descritas – pontos 1 a 32 – cujos danos se qualificam no âmbito generalizado de danos não patrimoniais.

Encontrando-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, o arguido constitui-se responsável pelo ressarcimento dos danos que causou, cujo valor se fixa, com recurso à equidade pelo tribunal, num valor total de 3.000,00€, valor simultaneamente adequado às capacidades económicas do arguido e aos danos da ofendida (pontos 34) – art.º 496º nº1 e 3 e 82º-A nº1 do C.P.P.”

Insurge-se o recorrente relativamente ao montante indemnizatório fixado na sentença recorrida, invocando concretamente que:

“(...) Por maioria de razão também se afigura que o valor de € 3.000,00 a que o arguido foi condenado em termos de reparação à vítima se afigura por excessivo de acordo com o já alegado nesta motivação, designadamente pela ausência de danos quer físicos quer psíquicos, resultantes diretamente da alegada violência, pois a arguida já sofria de depressões e nervosismo derivadas de outras situações, e que remontam do seu primeiro relacionamento, na Ucrânia com o pai do seu filho e do processo judicial a que foi condenada pelo crime de associação criminosa e tráfico de pessoas, na pena de 5 anos de prisão, ainda que suspensa.(…)”

Carece, a nosso ver, de sustentação a referida alegação, não só porque os danos físicos e psíquicos causados à assistente pelas condutas do recorrente se encontram sobejamente descritos na matéria de facto provada constante da sentença, mas também porquanto nenhuma referência consta no acervo probatório ao facto de a assistente já sofrer anteriormente de “depressões e nervosismo derivadas de outras situações, e que remontam do seu primeiro relacionamento, na … com o pai do seu filho e do processo judicial a que foi condenada pelo crime de associação criminosa e tráfico de pessoas, na pena de 5 anos de prisão, ainda que suspensa” conforme invocado pelo recorrente.

Improcede, pois, a argumentação do recorrente também neste ponto.

Assim, atendendo aos mencionados critérios acima explanados, somos a concluir que, considerando as desvaliosas condutas sancionadas nos autos, o contexto em que as agressões foram perpetradas pelo arguido, o período temporal durante o qual as mesmas ocorreram, as concretas lesões e sequelas sofridas pela ofendida, ao nível físico e ao nível psicológico, e a condição económica do lesante, se revela justo e equitativo o montante indemnizatório encontrado pelo tribunal recorrido para ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial resultantes para a ofendida da prática pelo arguido do crime de violência doméstica.

*

Nesta conformidade, improcedendo todos os fundamentos do recurso – com exceção dos erros materiais que importa retificar, nos termos acima explicitados – nenhum reparo nos merece a decisão recorrida, pelo que a mesma se manterá integralmente no que tange ao que aí se encontra decidido.

***

III- Dispositivo.

Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

A) Conceder provimento parcial ao recurso, decidindo, consequentemente, retificar a sentença recorrida, determinando que da mesma passe a constar:

a) A referência à presença do arguido nas várias sessões de julgamento em substituição da referência à sua ausência;

b) A referência, no Relatório, à identificação da assistente e à contestação do arguido.

B) Negar provimento ao recurso quanto às restantes questões que integram o seu objeto, mantendo integralmente o decidido na sentença recorrida.

Sem custas (artigo art.º 513.º, n.º 1 do CPP “a contrario”).

(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelos signatários)

Évora, 31 de julho de 2023.

Maria Clara Figueiredo

J. F. Moreira das Neves

Ana Pessoa

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1 Pese embora no dispositivo da sentença se faça referência ao “art.º 152º nº 1 a) e 2 do C.P.”, não podemos deixar de atribuir tal indicação normativa a mero lapso de escrita, conquanto o arguido vinha acusado pela prática do crime p. e p. no 152º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a) do Código Penal (conforme resulta do próprio relatório da sentença), não tendo o tribunal alterado tal qualificação jurídica na fundamentação da sentença e tendo, inclusive, a fls. 16 de tal peça, consignado que o arguido cometeu “o crime de que vinha acusado”.

2 Preceitua o artigo 152º nºs 1, alínea b) e nº 2, alínea a) do CP que:

“Artigo 152.º

Violência doméstica

1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: (…)

b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;(…)

é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:

a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima;)(…)

é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.(…)”

3 Neste sentido se pronunciaram entre outros os seguintes acórdãos desta Relação: acórdãos de 10.01.2017 e de 26.06.2018, ambos relatados pelo Desembargador Sérgio Corvacho; acórdão de 19.12.2018, relatado pelo Desembargador Renato Barroso; acórdão de 12.03.2019, relatado pelo Desembargador António João Latas; acórdão de 26.10.2021, relatado pela Desembargadora Beatriz Marques Borges (subscrito pela signatária como adjunta); acórdão de 24.05.2022, relatado pela Desembargadora Maria Margarida Bacelar; acórdão de 11.10.2022, relatado pelo Desembargador João Carrola e acórdão de 10.01.2023, relatado pelo Desembargador Moreira das Neves (subscrito pela signatária como adjunta). No mesmo sentido decidiram também, entre outros, os acórdãos da Relação do Porto, de 12.07.2017, relatado pela Desembargadora Maria Dolores da Silva e Sousa e de 26.05.2022, relatado pelo Desembargador José Carreto, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

4 Diferentemente, a exclusão do dolo opera nas situações em que o agente se encontra em erro sobre as circunstâncias de facto, nos termos previstos no artigo 16º do CP.

5 Contrariamente ao defendido na doutrina do causalismo clássico, que colocava a consciência da ilicitude no dolo (dolo do tipo) e que, atendendo à opção legislativa acima explicitada, não é compatível com o direito penal português atual.

6 Também chamados de “crimes naturais” ou “crimes em si”.

7 Negritos acrescentados.

8 Cfr. Alberto dos Reis in CPC anotado, Coimbra 1981, Volume V, p.129.

9 No mesmo sentido, o artigo 249.º do Código Civil dispõe que o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta.

10 preceitua o art.º 412.º do CPP, com referência à motivação e às conclusões do recurso:

“(…) 3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a ) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b ) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c ) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas , as especificações previstas nas alíneas b ) e c ) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 364.º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

11 3.ª edição, página 1121.

12 Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 9.ª edição, 2020, página 109.

13 Comungamos da apreciação realizada na sentença a este respeito, no sentido de que: “(…)A ofendida, por sua vez, confirmou a versão da acusação pública, em todos os seus pontos, num depoimento seguro, coerente, que nunca falhava na sua generalidade – sem prejuízo de normais falhas de memória, típicas de um discurso não estudado e preparado - sendo, porém, perceptível o sofrimento que lhe causou relatar o sucedido.(…) Tudo conjugado, demos como provado a existência dos episódios da acusação pública, que a assistente descreveu no seu longo depoimento, sendo que, a sinceridade e espontaneidade do mesmo nos mereceu credibilidade.”

14 Refere a este propósito a sentença que “(…) O arguido prestou declarações, de modo pouco sincero, inseguro e numa versão dos factos desadequada às regras de experiência comum.

(…) a versão da ofendida é mais credível do que a do arguido, que não soube explicar porque é que a ofendida se mudou para a sua casa, negou consumos de álcool – todos referiram que o mesmo bebia socialmente, mas é certo que, o que a ofendida referiu era que o arguido ia bebendo durante todo o dia e quando chegava à casa, no final do dia, estava bêbado e batia-lhe - e os actos de agressão, que, porém, pese embora, não presenciados por ninguém, certo é que, a ofendida transmitiu a ideia que era agredida e que existia um aproveitamento económico desta, impondo-lhe empréstimos para pagar as dívidas do arguido.(…)”

15 Citando o acórdão desta Relação, relatado pelo Desembargador Gomes de Sousa, datado de 25.10.2022 e disponível em www.dgsi.pt.

16 Concretamente as testemunhas EE (irmã da ofendida) – que referiu que numa ocasião a ofendida lhe pediu para a ir buscar, porque tinha medo que ele a atacasse e ela chamou a GNR, bem como que noutro dia lhe viu hematomas na cabeça, pescoço e costas; LL (cunhado da assistente) – que disse que num dia a sua esposa lhe ligou para informar que a irmã estava em casa, tendo-lhe dito depois que o arguido lhe batia; MM (vizinho) – que referiu que vivia perto e que nunca viu nada, mas que um dia a ofendida lhe pediu para ligar, para pedir ajuda; NN – que disse que nunca viu agressões, mas que a ofendida lhe disse que o arguido lhe tinha batido, bem como que o arguido bebia, mas apenas socialmente; OO (irmã da ofendida) – que disse que nunca gostou da relação da irmã, tendo-a visto com nódoas negras e que o arguido lhe dizia que como ela era estrangeira ninguém acreditava nela; PP – que disse que não viu nada, mas que a ofendida um dia lhe pediu para ir ao Centro de Saúde – e QQ – que referiu que a ofendida lhe confidenciou que era vítima de ameaças, que “lhe podiam acontecer coisas, pelo pessoal da noite” e que era vítima de agressões do arguido, sendo que ele acreditou e deu-lhe um lugar para dormir.

17 Helena Bolina, Razão de Ser, Significado e Consequências do Princípio da Presunção de inocência, Boletim da Faculdade de Direito, 70, 1994, pp. 433.

18 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pp. 215.

19 Negrito por nós acrescentado para assinalar a referência expressa que o tribunal fez aos factos relativos às condições pessoais do arguido constantes dos pontos 33 e 34.

20 Consignou-se a este propósito no ponto 31. que: “31.Ao agir do modo supra descrito, o Arguido quis maltratar física e psicologicamente, ofendendo a liberdade e autodeterminação sexual da Ofendida DD, ao longo de quase todo período em que se relacionaram, como efetivamente maltratou, bem como pretendeu, com tais expressões e condutas amedrontá-la, o que conseguiu, originando-lhe um medo constante das suas reações, como medo daquilo que o Arguido pudesse vir a fazer no futuro, contra a sua integridade física ou a sua vida, bem como humilhando-a na sua honra e consideração.”