Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1047/22.1T8PTG-B.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: PRESCRIÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
Data do Acordão: 11/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Prescrevem no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, as prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, em que se fracionou a obrigação de restituição do capital mutuado, acrescido de juros;
II – Em caso de incumprimento por parte do mutuário de uma ou mais prestações, o exercício pelo credor da faculdade que o artigo 781.º do Código Civil lhe concede, de exigir o cumprimento da totalidade da dívida, não altera o prazo de prescrição aplicável.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1047/22.1T8PTG-B.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre
Juízo Central Cível e Criminal de Portalegre


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

(…) deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa que lhe move, e a outro executado, (…) III S.A.R.L., na qual é apresentado, como título executivo, um contrato de mútuo com hipoteca e fiança outorgado em 03-05-2000.
A embargante, para o que releva no âmbito do recurso interposto, invoca a exceção de prescrição da dívida exequenda, sustentando a aplicabilidade ao caso do prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º, alíneas d) e e), do Código Civil, e o respetivo decurso, como tudo melhor consta do articulado apresentado.
Admitidos os embargos, sustentou a embargada, na contestação apresentada, que o prazo prescricional aplicável é antes o ordinário de vinte anos consagrado no artigo 309.º do Código Civil, pugnando pela improcedência da exceção.
Realizou-se a audiência prévia, na qual se comunicou às partes que o estado do processo permitia a apreciação do mérito da causa, sem necessidade da produção de provas, e se concedeu prazo para se pronunciarem por escrito, conforme requerido.
A embargada emitiu pronúncia, apresentando alegações escritas.
Por decisão de 20-06-2023, foi fixado o valor ao incidente, proferido despacho saneador e discriminados os factos tidos por provados, após o que se apreciou considerou verificada a exceção de prescrição invocada, julgando-se procedentes os embargos, nos termos seguintes:
Em face do exposto, julgo procedentes, por provados, os embargos de executado deduzidos por (…) contra (…), S.A.R.L., pela verificação de excepção peremptória de prescrição e, em consequência, determino a extinção da execução contra si pendente, mais se ordenando o levantamento da penhora aí realizada.
Custas a cargo da Embargada, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Inconformada, a embargada interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação e substituição por decisão que julgue improcedente a exceção deduzida, formulando as conclusões que se transcrevem:
«A. Em 21-06-2023, no âmbito dos presentes autos, foi proferida Sentença, no âmbito dos embargos apresentados pela executada (…), que julgou verificada a exceção perentória de prescrição e, em consequência, determinou a extinção da execução contra si pendente, mais se ordenando o levantamento da penhora aí realizada.
B. A recorrente discorda, totalmente, que tenha ocorrido a prescrição da dívida pelos fundamentos que se destacarão.
C. Entre o credor originário, o Banco (…), S.A., cujos créditos foram cedidos à ora exequente e a executada, aqui recorrida, estabeleceu-se uma relação contratual.
D. No âmbito da sua atividade, a 3 de Maio de 2000, o então Companhia (…), S.A., ao qual veio a suceder o Banco (…), celebrou com a executada um Contrato de Mútuo com Hipoteca e Fiança ao qual foi atribuído o n.º (…).
E. O incumprimento desse contrato levou a que, após interpelação e permanecendo a situação por regularizar, tenha sido intentada, pelo credor originário, a ação judicial que correu os seus termos no Tribunal Judicial de Avis, secção única, com o n.º 105/08.0TBAVS.
F. Essa ação executiva veio a extinguir-se, por desistência do exequente, na sequência da celebração de acordo extrajudicial de regularização da dívida coma executada, aqui recorrida.
G. Esse acordo nunca foi cumprido pela executada.
H. Aliás, o acordo celebrado configura o nascer de uma nova obrigação, incumprida, uma vez mais pela executada.
I. É indiscutível que o atuar da executada, quer antes, quer após a instauração da execução, sempre se norteou por uma clara despreocupação e desinteresse por cumprir as obrigações assumidas perante o credor originário e, agora, perante a exequente.
J. Note-se que, o crédito foi cedido duas vezes.
K. Em primeiro lugar, a cessionária foi a (…), S.A.R.L..
L. Posteriormente, essa entidade cedeu o crédito, em 01/08/2019, à exequente, aqui recorrente.
M. Ora, quando a exequente adquiriu o crédito, preocupou-se em dar conta dessa ocorrência à executada, na medida em que prontamente a notificou.
N. Essa notificação ocorreu, precisamente, em 21/08/2019.
O. O atuar da exequente denota uma preocupação de celeridade em recuperar o seu crédito e em ser processualmente diligente.
P. Após, reuniu toda a documentação necessária para poder instaurar um novo processo executivo, como o desiderato de recuperar o seu crédito.
Q. O que só foi possível em 2022, face à morosidade subjacente a todos os procedimentos internos.
R. A executada, antes da interposição da primeira ação judicial foi interpelada para voltar a cumprir.
S. Essa interpelação levou, nos termos do artigo 781.º do CC a que se tenha verificado o vencimento da obrigação.
T. Vencendo-se a obrigação, deixaram de existir prestações em dívida para passar a haver a globalidade de um montante em dívida.
U. Com a citação no âmbito do processo 105/08.0TBAVS, ocorreu a interrupção da prescrição, por aplicação do artigo 326.º, n.º 1, do CC.
V. Nestes termos, segundo a jurisprudência que a recorrente acompanha com o vencimento da obrigação e em virtude de ter havido uma conversão de dívida parcelar em dívida considerada como um todo o novo prazo prescricional não pode deixar de ser um prazo de 20 (vinte) anos.
W. E mais, deverá considerar-se, até, que o acordo celebrado em sede de primitiva a obrigação dá corpo ao nascimento de uma nova obrigação sujeita a um novo prazo de 20 (vinte) anos.
X. Face ao exposto, é totalmente improcedente e a exequente não concorda com a aplicação ao caso do artigo 310.º, alínea e), do CC, como o fez o tribunal a quo na sentença de que se recorre, mas sim com a subsunção do caso no artigo 309.º do CC.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre determinar o prazo de prescrição aplicável e apreciar a questão da invocada prescrição do crédito exequendo.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Fundamentos de facto
Na 1.ª instância, foram considerados provados os factos seguintes:
1 No âmbito da sua actividade, a 3 de Maio de 2000, o então (…), S.A., ao qual veio a suceder o Banco (…), celebrou com os executados um Contrato de Mútuo com Hipoteca e Fiança ao qual foi atribuído o n.º … (documento junto com o requerimento executivo e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos);
2 Nos termos acordados, o Banco entregou aos Executados a quantia de Escudos 13.750.000$00 (treze milhões e setecentos e cinquenta mil escudos), o equivalente a € 68.750,00 (sessenta e oito mil, setecentos e cinquenta euros), ficando estes obrigados a restituir o capital mutuado acrescido de juros anuais às taxas contratualizadas entre as partes nos termos ali descritos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
3 O empréstimo seria pago em 360 prestações mensais e sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira um mês após a data da celebração do contrato (cláusula 9ª);
4 Para garantia do pontual cumprimento das responsabilidades assumidas pelos ora executados, foi constituída hipoteca sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Avis sob o n.º (…), da freguesia de Avis e inscrito na respectiva matriz urbana com o artigo (…), urbano;
5 Os mutuários deixaram de cumprir as obrigações decorrentes daquele contrato em Novembro de 2007, tendo a Exequente proposto a respectiva acção executiva em 29.09.2008 que correu no Tribunal Judicial de Avis – secção única – com o n.º 105/08.0TBAVS, tendo a citação ocorrido em 29-01-2009;
6 Na pendencia da acção, no ano de 2009, foram realizados dois pagamentos – € 97,44 e € 1.270,00;
7 Posteriormente, e com vista à celebração de acordo extrajudicial, as partes requereram a desistência da instância, o que foi homologado por sentença datada de 27-06-2011;
8 O acordo nunca foi cumprido, não tendo sido paga qualquer quantia nesse âmbito;
9 Por Escritura Pública de Cessão de Créditos, outorgada em 11 de Dezembro de 2015, o Banco (…), S. A. cedeu à (…), S.A.R.L., que por sua vez cedeu, em 1 de Agosto de 2019 à ora embargada o crédito que detinha sobre a ora embargante, com todas as garantias e acessórios a ele inerentes, incluindo as respectivas hipotecas;
10 A execução foi intentada a 12 de Setembro de 2022;
11 A executada (…), e ora embargante, foi citado em 19 de Dezembro de 2022.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
A recorrente põe em causa a decisão que julgou extinta a ação executiva movida contra a embargante no processo principal, em consequência de se ter considerado verificada a arguida exceção de prescrição, com fundamento na aplicação do prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º, alíneas d) e e), do Código Civil, e no respetivo decurso à data da propositura da execução.
Discorda a apelante do prazo de prescrição tido em conta pelo Tribunal de 1.ª instância, sustentando que é aplicável à dívida exequenda o prazo ordinário de vinte anos previsto no artigo 309.º do Código Civil, não decorrido à data da propositura da execução.
Vejamos se o caso presente preenche os pressupostos de aplicação do prazo especial de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º do Código Civil, conforme entendeu a 1.ª instância, ou se é aplicável o prazo ordinário de prescrição de vinte anos previsto no artigo 309.º do mesmo código, como defende a recorrente.
Sob a epígrafe Prazo ordinário, dispõe o mencionado artigo 309.º que o prazo ordinário de prescrição é de vinte anos, preceito do qual decorre que será este o prazo aplicável na ausência de disposição especial que preveja prazo mais curto. O referido artigo 310.º, por seu turno, com a epígrafe Prescrição de cinco anos, prevê diversas situações às quais aplica este prazo especial de prescrição mais curto, designadamente a indicada na alínea e), com a redação seguinte: as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
Cumpre verificar se o crédito exequendo consiste em quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, conforme se considerou na decisão recorrida.
Foi apresentado como título executivo um contrato de mútuo com hipoteca e fiança outorgado em 03-05-2000, entre a (…), S.A. – a que veio a suceder o Banco (…), S.A. – e os executados, ao qual foi atribuído o n.º (…), encontrando-se assente que, por escritura de cessão de créditos, outorgada em 11-12-2015, o Banco (…), S. A. cedeu à (…), S.A.R.L., que por sua vez cedeu, em 01-08-2019, à embargada o crédito que detinha sobre a embargante, com todas as garantias e acessórios a ele inerentes, incluindo as respetivas hipotecas.
Extrai-se da factualidade provada que, nos termos acordados, o banco entregou aos executados a quantia de 13.750.000$00 (equivalente a € 68.750), ficando estes obrigados a restituir o capital mutuado acrescido de juros anuais às taxas contratualizadas entre as partes; o empréstimo seria pago em 360 prestações mensais e sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira um mês após a data da celebração do contrato; para garantia do pontual cumprimento das responsabilidades assumidas pelos executados foi constituída hipoteca sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Avis sob o n.º (…), da freguesia de Avis e inscrito na respetiva matriz urbana com o artigo (…).
Encontra-se provado que os mutuários deixaram de cumprir as obrigações decorrentes daquele contrato em novembro de 2007, na sequência do que intentou o banco em 29-09-2008 uma ação executiva – que correu termos Tribunal Judicial de Avis sob o n.º 105/08.0TBAVS, tendo a citação ocorrido em 29-01-2009 –, na pendência da qual foram realizados em 2009 dois pagamentos – € 97,44€ e € 1270 –, processo que se extinguiu por desistência da instância homologada por sentença de 27-06-2011.
Decorre dos termos da concessão de crédito acordados entre as partes a assunção, pelos executados, da obrigação de restituição do capital mutuado, acrescido de uma taxa anual efetiva de percentagem previamente determinada, a qual tipicamente engloba juros, impostos, seguros obrigatórios e outros encargos a integrar no custo a suportar pelos mutuários como contrapartida da concessão do crédito. Convencionaram as partes, ainda, fracionar o pagamento do montante total da dívida em determinadas prestações mensais e sucessivas de igual montante.
Trata-se, assim, de uma única obrigação, de montante previamente determinado, cujo pagamento acordaram as partes fracionar em prestações mensais e sucessivas. Tendo em conta que aquela obrigação engloba a restituição do capital mutuado e os juros e demais encargos abrangidos pela taxa anual efetiva, daqui decorre que as prestações em que as partes fracionaram tal obrigação configuram a restituição fracionada do capital, acrescido dos juros e demais encargos abrangidos pela taxa anual efetiva, pelo que se mostra preenchida a previsão da citada alínea e) do artigo 310.º, relativa a quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, sendo aplicável o prazo especial de prescrição de cinco anos estabelecido neste preceito.
Sustenta a apelante que, por efeito da falta de pagamento de uma ou mais das prestações acordadas, se venceram as restantes prestações em que as partes haviam fracionado o montante global, cumprindo apreciar se tal altera o prazo de prescrição aplicável.
Tratando-se de contrato de mútuo liquidável em prestações, cumpre atender ao disposto no artigo 781.º do Código Civil, o qual, sob a epígrafe Dívida liquidável em prestações, dispõe o seguinte: Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.
Em anotação ao preceito, afirma Ana Prata (Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, págs. 979-980) o seguinte: “Esta norma trata das obrigações instantâneas, cujo cumprimento é fracionado ou parcelado, em regra por acordo das partes”.
Decorre do acordado entre as partes a assunção, pelos mutuários, da obrigação de restituição do capital mutuado, acrescido de juros e demais encargos previstos no contrato, a integrar no custo a suportar como contrapartida da disponibilização temporária da quantia emprestada; convencionaram as partes, ainda, fracionar o pagamento do montante total da dívida em prestações mensais e sucessivas. Está em causa, como supra exposto, uma única obrigação, de montante previamente determinado, cujo pagamento acordaram as partes fracionar em prestações mensais e sucessivas de montante que fixaram. Considerando que as prestações em que as partes fracionaram tal obrigação configuram a restituição fracionada do capital, acrescido dos juros e demais encargos, é aplicável o disposto no citado artigo 781.º.
Analisando o preceito, verifica-se que prevê o efeito jurídico decorrente da falta de pagamento de uma das prestações, estatuindo que tal incumprimento importa o vencimento das restantes prestações. Porém, não decorre do preceito que o vencimento da totalidade da dívida resulte automaticamente da falta de pagamento de uma das prestações, antes sendo facultada ao credor a possibilidade de exigir o cumprimento das prestações restantes, o que lhe permite optar entre exigir ou não tal cumprimento antecipado.
Pretendendo o credor, em caso de incumprimento por parte do mutuário, exigir o cumprimento da totalidade da obrigação, deverá interpelar o devedor, nos termos do artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil. Conferindo o artigo 781.º ao credor o direito a exigir o cumprimento da totalidade da dívida, tal direito deverá ser exercido mediante interpelação do devedor para cumprir.
O exercício pelo credor desta faculdade – de exigir, em caso de incumprimento por parte do mutuário, o cumprimento da totalidade da dívida – não tem a virtualidade de alterar o prazo de prescrição aplicável, mantendo-se os pressupostos de aplicação do prazo especial de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do citado Código.
Em análise efetuada no âmbito de situação análoga, considerou-se, no acórdão desta Relação de 27-01-2022 (relator: Vítor Sequinho dos Santos), proferido no processo n.º 791/20.2T8MMN-A.E1 (publicado em www.dgsi.pt), que um argumento a favor da tese da manutenção do prazo de prescrição de 5 anos não obstante o vencimento antecipado das prestações remanescentes nos termos do artigo 781.º é o de que a alteração daquele prazo para 20 anos, nos termos do artigo 309.º, equivaleria a deixar ao arbítrio do credor a opção por um ou outro prazos, consoante exigisse, ou não, o cumprimento antecipado das referidas prestações.
No aludido acórdão, explica-se o seguinte:
Este argumento pressupõe uma tomada de posição acerca da interpretação do artigo 781.º. Não obstante a redacção desta norma poder inculcar que, uma vez incumprida uma das prestações em que a obrigação foi fraccionada, as restantes prestações se vencem automaticamente, isto é, sem necessidade de qualquer manifestação de vontade do credor nesse sentido, a melhor doutrina inclina-se no sentido de que tal vencimento não é automático, antes dependendo de uma manifestação de vontade do credor que, com fundamento no incumprimento, interpele o devedor para efectuar o pagamento antecipado das prestações ainda não vencidas. Excluem-se, naturalmente, do âmbito de tal interpelação, a ou as prestações cujo incumprimento fundamentou a interpelação pois essas venceram-se nas datas para o efeito estipuladas, independentemente de interpelação, nos termos do artigo 805.º, n.º 2, alínea a).
Sendo o regime decorrente do artigo 781.º o descrito, o argumento exposto tem razão de ser. O credor que, apesar da falta de pagamento de uma ou mais prestações, não interpelasse o devedor para cumprir antecipadamente as restantes, ficaria com a possibilidade de, segundo o seu arbítrio, determinar, a qualquer momento, a ampliação do prazo de prescrição para 20 anos, efectuando a referida interpelação. Ora, esta disponibilidade do prazo da prescrição por uma das partes contraria as exigências de certeza e segurança ínsitas no instituto da prescrição.
Concluindo, a única consequência da falta de pagamento de uma ou mais das prestações em que uma obrigação se encontre fraccionada é a perda do benefício do prazo estabelecido em benefício do devedor, nos termos do artigo 781.º, devidamente interpretado. As prestações vincendas tornam-se exigíveis em sentido fraco, podendo o credor exigir o seu pagamento antecipado mediante interpelação do devedor. O prazo de prescrição continua a ser de 5 anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e) (…).
No mesmo sentido, tem entendido a jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça que, no aludido contexto, o vencimento antecipado das restantes prestações não altera a aplicabilidade do prazo de prescrição de cinco anos, conforme decorre, entre outros, dos arestos seguintes:
- acórdão de 14-07-2021 (relator: Ilídio Sacarrão Martins), proferido na revista n.º 1249/18.5T8MMN-A.E1.S1- 7.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), o qual, reportando-se a situação análoga à que está em causa nos presentes autos, considerou o caso enquadrável na situação prevista na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil;
- acórdão de 06-07-2021 (relatora: Fátima Gomes), proferido na revista n.º 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização; II - Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do CC; III - A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do CC;
- acórdão de 04-05-2021 (relator: Pedro Lima Gonçalves), proferido na revista n.º 3522/18.3T8LLE-A.E1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fraciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fraciona é uma quota de amortização; II - Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do CC; III - A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do CC;
- acórdão de 29-04-2021 (relator: João Cura Mariano), proferido na revista n.º 723/18.8T8OVR-A.P1.S1 - 2.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - O disposto no artigo 781.º do CC aplica-se às prestações fracionadas ou repartidas, isto é, aquelas em que o objeto global está previamente determinado, mas o seu cumprimento se divide no tempo por várias e sucessivas prestações instantâneas, nelas se incluindo a prestação de reembolso do mútuo, quando é dividida em amortizações parcelares que devem ocorrer periodicamente; II - Apesar da redação equívoca do referido artigo 781.º, a mesma deve ser interpretada no sentido de que o vencimento antecipado das demais prestações, tendo por causa a falta de pagamento de uma delas, não ocorre automaticamente, sendo apenas concedida ao credor a faculdade de exigir, antecipadamente, o cumprimento de todas as prestações; III - As prescrições de curto prazo das alíneas d) e e) do artigo 310.º do CC abrangem as obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas, englobando o pagamento de juros convencionais e a amortização de capital mutuado, com origem na celebração de um contrato de mútuo;
- acórdão de 28-04-2021 (relatora: Graça Amaral), proferido na revista n.º 1736/19.8T8AGD-A.P1.S1 - 6.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - O contrato de mútuo bancário em que a obrigação de restituição do capital mutuado se mostra fraccionada (prestações) consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas fracções: uma de capital e outra de juros), sendo, por isso, aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do CC; II - Não releva para efeitos de enquadramento em termos de prescrição a circunstância de, em consequência da perda do benefício do prazo, o direito de crédito se vencer na sua totalidade com o vencimento imediato de todas as fracções;
- acórdão de 08-04-2021 (relator: Nuno Pinto Oliveira), proferido na revista n.º 5329/19.1T8STB-A.E1.S1 - 7.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: Em contratos de mútuo, em que se “compartimenta” a obrigação de restituição do capital em quotas de amortização, o vencimento antecipado de todas as prestações, em consequência do artigo 781.º do CC, não prejudica a aplicação do prazo do artigo 310.º do CC;
- acórdão de 09-02-2021 (relator: Fernando Samões), proferido na revista n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - Os créditos emergentes de contratos de mútuo bancário em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respectivos juros estão sujeitos ao prazo de prescrição quinquenal previsto no artigo 310.º, alínea e), do CC; II - O vencimento antecipado da totalidade das prestações não altera o seu enquadramento em termos da prescrição;
- acórdão de 26-01-2021 (relatora: Maria João Vaz Tomé), proferido na revista n.º 20767/16.3T8PRT-A.P1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - No mútuo bancário, as obrigações que visam simultaneamente amortizar e remunerar o capital – obrigações híbridas ou mistas não são nem obrigações de reembolso de capital e nem obrigações de pagamento de juros. São obrigações unitárias, ainda que se destinem a cumprir uma dupla função: restituição e remuneração do capital mutuado; II - Segundo a doutrina dominante, o incumprimento de uma das prestações em que a obrigação de reembolso é dividida ou repartida preenche a facti-species do artigo 781.º do CC, ainda que o incumprimento se reporte a uma prestação com função simultaneamente amortizadora e remuneratória do capital; III - De modo a evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para tutelar o devedor contra a acumulação da sua dívida, deve aplicar-se o prazo de prescrição do artigo 310.º, alíneas d) e e), do CC – de cinco anos a contar do respetivo vencimento; IV - O facto de o incumprimento de uma prestação implicar o vencimento antecipado das restantes prestações em “nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida”;
- acórdão de 14-01-2021 (relator: Tibério Nunes da Silva), proferido na revista n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1 - 7.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - Nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime previsto no artigo 781.º do CC (que não tem natureza imperativa), o não pagamento de uma delas, conferindo ao credor o direito de exigir antecipadamente o cumprimento das vincendas, não o dispensa de interpelar o devedor para proceder ao respectivo pagamento; II - Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da alínea e) do artigo 310.º do CC, as obrigações decorrentes de um contrato de mútuo bancário, desdobradas em quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, com prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos; III - A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, não altera o dito enquadramento em termos da prescrição;
- acórdão de 12-11-2020 (relatora: Maria do Rosário Morgado), proferido na revista n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 - 7.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - O crédito emergente de um contrato de mútuo bancário, em que, por acordo entre credor e devedor, se prevê a amortização da dívida em diversas prestações periódicas de capital e dos juros correspondentes está sujeito ao prazo de prescrição, previsto na alínea e) do artigo 310.º do CC; II - A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição;
- acórdão de 03-11-2020 (relatora: Fátima Gomes), proferido na revista n.º 8563/15.T8STB-A.E1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização; II - Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do CC; III - A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do CC;
- acórdão de 10-09-2020 (relator: Rijo Ferreira), proferido na revista n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1 - 2.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: Às quotas de amortização de capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no artigo 310.º, alínea e), do CC, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas;
- acórdão de 16-06-2020 (relatora: Maria João Vaz Tomé), proferido na revista n.º 23762/15.6T8PRT-A.P1.S1 - 1.ª Secção (cujo sumário se encontra publicado em www.stj.pt), no qual se entendeu: I - No mútuo bancário, as obrigações que visam simultaneamente amortizar e remunerar o capital – obrigações híbridas ou mistas não são nem obrigações de reembolso de capital e nem obrigações de pagamento de juros – são obrigações unitárias, ainda que se destinem a cumprir uma dupla função: restituição e remuneração do capital mutuado; II - Segundo a doutrina dominante, o incumprimento de uma das prestações em que a obrigação de reembolso é dividida ou repartida preenche a facti-species do artigo 781.º, ainda que o incumprimento se reporte a uma prestação com função simultaneamente amortizadora e remuneratória do capital; III - Revestindo-se o preceito do artigo 781.º do CC de natureza supletiva, à luz do princípio da autonomia negocial, as partes podem afastar a disciplina nele consagrada, acordando, designadamente, o vencimento automático das prestações vincendas, sem necessidade, para tal efeito, de interpelação do devedor; IV - Considerando-se estarem em causa dívidas a prestações, uma vez que o objeto da prestação se encontra pré-determinado, o valor da prestação não depende da duração da relação contratual e, por isso, aplicar-se-ia, o prazo ordinário de prescrição de vinte anos; V - Porém, e de modo a evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para tutelar o devedor contra a acumulação da sua dívida, deve aplicar-se o prazo de prescrição do artigo 310.º, alíneas d) e e), do CC – de cinco anos a contar do respetivo vencimento; VI - O facto de o incumprimento de uma prestação implicar, nos termos acordados pelas partes, o vencimento antecipado e automático das restantes prestações, em “nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida”;
- acórdão de 18-10-2018 (relator: Olindo Geraldes), proferido na revista n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 - 7.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – artigo 310.º, alínea e), do CC; II - A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.
Face à controvérsia jurisprudencial de que tem sido objeto a mencionada questão de direito, o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência, pelo seu Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022, de 30-06-2022 (publicado no Diário da República, n.º 184/2022, Série I de 2022-09-22), nos termos seguintes: «I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo a quo na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.»
No caso presente, resultando da análise supra efetuada, a qual se encontra em consonância com a orientação jurisprudencial constante dos mencionados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, que se mostra preenchida a previsão da alínea e) do artigo 310.º, cumpre concluir que é aplicável o prazo de prescrição de cinco anos, conforme considerou a 1.ª instância.
Acresce que a decisão recorrida se mostra conforme à orientação jurisprudencial recentemente fixada no citado Acórdão Uniformizador, não apresentando a apelante nas alegações de recurso qualquer argumento ou motivo que justifique o respetivo afastamento.
Como tal, decorrendo da aplicação do prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), a prescrição de todas as prestações não liquidadas, impõe-se declarar extinta a execução movida contra a executada no processo principal, conforme se decidiu.
Mostra-se, assim, acertada a decisão recorrida, improcedendo a apelação.

Em conclusão: (…)


3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
Évora, 23-11-2023
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Eduarda Branquinho (1.ª Adjunta)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (2.ª Adjunta)