Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA ISABEL DUARTE | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR CRIME DE DESOBEDIÊNCIA DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
Data do Acordão: | 11/29/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
Sumário: | I – Para que se verifique o cometimento do crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.º do CP, é necessário (a) contrariar uma ordem ou mandado, (b) que consubstanciem uma norma de conduta concreta, directa e expressa, a impor uma específica conduta, activa ou omissiva, de estrito cumprimento, (c) emanado de uma autoridade estadual ou de um dos seus agentes, no exercício das suas funções e dentro das suas competências legais- legítimos e (d) que tenham sido regular e claramente comunicados à pessoa obrigada a cumprir, de modo que esta tenha pleno conhecimento do seu conteúdo- que lhe seja regularmente comunicado; II – Cominando o artigo 391º do CPC com desobediência qualificada o desrespeito da ordem emanada da decisão da providência cautelar, é desnecessário para efeitos da prática do crime, que na comunicação – notificação - dessa ordem se comine a desobediência da mesma com a prática do referido crime; III – Todavia, para que se verifique a prática do referido crime desobediência ao cumprimento de uma sentença proferida em procedimento cautelar, é necessário, entre o mais, a notificação/comunicação que possibilite ao agente/destinatário tomar conhecimento e ficar elucidado sobre o conteúdo integral da ordem, que no caso é uma decisão judicial; IV – Tal não corre se tendo embora o mandatário da sociedade requerida na providência cautelar sido notificado da sentença proferida na mesma, da qual interpôs recurso, não se prova, contudo, que aquela tenha sido regular e integralmente comunicada aos arguidos (a sociedade requerida e o seu legal representante), sendo que imputar a alguém um crime de desobediência qualificada, respeitante ao não acatamento de uma sentença judicial, obriga a ter como certo que essa pessoa foi notificada do seu conteúdo integral, tendo, por isso, tomado dele cabal conhecimento. | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. N.º 1627/09.0TAFA.E1 Acordam, em conferência, na 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório 1 - O presente recurso vem interposto pelos arguidos, BB, filho de (…); e CC, LDA., com sede na…Praia de Faro, em Faro, da sentença proferida no processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 1627/09.0TAFAR (neste mesmo processo foi proferido despacho que determinou a apensação dos processos N.ºs. 975/11.4GCFAR, 579/11.1GCFAR e 456/10.3GCFAR), que decidiu: “a)Absolver os arguidos DD e EE, do crime que cada um vinha acusado; b)Condenar a arguida CC, LDA. na prática de três crimes de desobediência qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 348.°, n.ºs 1 e 2, 11º, n.ºs 2, alínea a), e 7, ambos do Código Penal, e 391.° do Código de Processo Civil (redacção pré-vigente), sendo o praticado em 06.06.2009, na pena de 70 (setenta) dias de multa; o praticado em 09.10.2011, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa; e o praticado em de 22.10.2011, na pena 200 (duzentos) dias de multa; c)Proceder ao cúmulo jurídico das penas de multa aplicadas, e condenar a arguida CC, LDA., na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de €10,00 (dez euros), num total de €3.000,00 (três mil euros); d)Condenar o arguido BB, na qualidade de gerente da sociedade CC, Lda., na prática de quatro crimes de desobediência qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 348.°, n.º s 1 e 2, 11., n.º 2, alínea a), 4 e 7, ambos do Código Penal, e 391º, do Código de Processo Civil (redacção pré-vigente), sendo o praticado em 26.06.2010, na pena de 70 (setenta) dias de multa; o praticado em 18.06.2011, na pena de 90 (noventa) dias de multa; o praticado em 09.10.2011, na pena de 120 (cento e vinte) dias; e o praticado em 22.10.2011, na pena de 190 (cento e noventa) dias; e)Proceder ao cúmulo jurídico das penas de multa aplicadas, e condenar o arguido BB, na qualidade de gerente da sociedade CC, Lda.. na pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à razão diária de €8,00 (oito euros), num total de €2.240,00 (dois mil duzentos e quarenta euros). 2.Julgar parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civil e, em consequência: a)Absolver os demandados DD e EE do pedido de indemnização civil contra cada um deles formulado; b)Condenar os demandados CC, LDA. e BB, a pagar, solidariamente, ao demandante FF a quantia de €2.500,00 (factos 09 e 22 de Outubro de 2011), acrescido de juros à taxa legal desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral e efectivo pagamento; c)Condenar o demandado BB, na qualidade de gerente da sociedade CC, Lda., a pagar ao demandante FF a quantia de € 1.000.00 (factos de 26.06.2010) e €1.300,00 (factos de 18.06.2011), acrescido de juros à taxa legal desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral e efectivo pagamento. (…).” 1.1 - Nas suas alegações, apresentaram as seguintes conclusões: “I - A matéria de facto dada como provada não preenche o tipo legal do crime imputado aos arguidos (desobediência), uma vez que não se mostra verificado o elemento de comunicação regular da ordem aos arguidos, conforme prevê o art. 348° n.º 1, do Cod. Penal. II - A ordem só se considera regularmente comunicada se for efectuada por meio tal que o seu destinatário se tenha inteirado de todo o seu conteúdo. 111- A ordem (sentença judicial) não foi notificada judicialmente aos arguidos (factos 8 e 35) nem lhes foi comunicada por outra forma de comunicação que permitisse aos mesmos ter conhecimento total e integral do seu conteúdo. 1V- os factos n.ºs 17, 18, 42, 45, 64, 67 e 68 dado como Provados por presunção judiciária devem ser dados como Não Provados por nenhuma prova sobre eles se ter feito e não ser possível presumi-los (natural ou judiciariamente) a partir do facto de a sentença proferida no procedimento cautelar ter sido notificada ao mandatário da arguida CC e do facto de o arguido BB ser um dos gerentes daquela arguida sociedade. V- Os factos constantes dos pontos 17,18, 42, 64, 67 e 68 foram dados como provados por "presunção judiciária" a partir da constatação de que a arguida sociedade tinha constituído mandatário no procedimento cautelar e que este mandatário foi notificado da sentença e dela recorrer. VI- Tal facto, que serviu de base para presumir o conhecimento da sentença pelos arguidos não consta na acusação do processo principal nem dos apensos nem da matéria provada. VII - Não existe qualquer nexo logico seguro, causal, preciso, directo, unívoco e necessário entre o facto conhecido (constituição de mandatário) e o facto desconhecido (conhecimento pelos arguidos do teor total e completo da sentença proferida) pelo que não é legítimo fazer tal presunção (cfr. Ac. Rel. Évora de 21-06-2011) (J. Gomes Sousa 1237/08). VIII - O arguido BB era um dos gerentes da arguida CC, não foi notificado da sentença proferida no Procedimento Cautelar (facto provado 35) não foi parte nem interveio em tal procedimento nem outorgou sequer a procuração da sociedade a favor do seu mandatário naquele processo. IX- A notificação ao mandatário não preenche o tipo legal de crime de desobediência previsto no art. 348° n.ºs. 1 e 2 do Cod. Penal pelo que relativamente à arguida Sui generis não se mostra preenchido o tipo legal de crime. X. Não se mostra preenchido o tipo legal de crime de desobediência previsto no art. 348° n.º 1 e 2 do Cod. Penal relativamente ao arguido BB por o mesmo nunca ter sido notificado, nem pessoalmente nem na pessoa de mandatário, da decisão proferida no procedimento cautelar em que foi parte-requerida apenas a arguida Sui Generis. XI- Não consta da acusação de nenhum dos processos (principal e apensos) que os arguidos ou alguns deles tenham constituído mandatário no procedimento cautelar sendo certo que tal "facto" veio, a final, a servir de fundamento para, a partir dele, "presumir" o conhecimento do teor da sentença pelos arguidos e que determinou a condenação dos mesmos, tomando a sentença nula nos termos do art. 379° n° 1 al. b) e c) do CPP. XII- Os montantes indemnizatórios fixados no pedido cível mostram-se exagerados atenta a matéria de facto apurada. XIII- Foram violados entre outros e conjugadamente o art. 348° do Cod. Penal e os arts. 379° n° 1 al. b) e c) do CPP, Nestes termos e nos mais de Direito aplicável deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência serem os arguidos absolvidos com o que se fará a costumada JUSTIÇA” 2 - O M.º P.º, junto do tribunal “a quo”, apresentou resposta, com as seguintes conclusões: “1 - Da motivação da decisão de facto da sentença ficasse a saber porque é que os arguidos foram condenados. A prova testemunhal e documental foram devidamente valoradas, bem como as declarações da arguida e do assistente. 2- Do exame crítico das provas ficou-se claramente a saber porque é que se deram como provados os factos que levaram à condenação dos arguidos (sendo desnecessárias quaisquer outras considerações face à fundamentação constante da sentença). 3-A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (dentro desses pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova). 4- A regra de que a convicção do julgador se deve fundar na livre apreciação da prova implica a possibilidade de dar como demonstrado certo facto certificado por uma única testemunha. 5-A prova produzida em audiência de julgamento é manifestamente suficiente para dar como provados os factos constantes da sentença, não se verificando qualquer erro notório na apreciação da prova. 6- É de referir que apenas existe erro notório na apreciação da prova quando para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulado no artigo 127 do C.P.P. 7-De salientar também que quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum. 8-A imediação e a oralidade é que transmitem com precisão o modo e convicção como as pessoas depuseram, nomeadamente a coerência e sequência lógica com que o fizeram, o tom de voz utilizado, o tempo e a forma de resposta, os gestos e as hesitações, a postura e as reacções, o que não pode ser completamente transmitido para a gravação. 9-Ao decidir como decidiu, não se alcança que o tribunal tenha valorado contra os arguidos qualquer estado de dúvida em que tenha ficado sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, devesse efetivamente ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dúbio pro reo. 10-Assim, face aos factos que foram provados não restam dúvidas de que os arguidos cometeram os ilícitos pelos quais foram condenados, não se verificando qualquer nulidade. 11- As penas aplicadas são justas, equilibradas e adequadas aos factos dados como provados, designadamente tendo em atenção as consequências do crime e a falta de arrependimento do arguido. 12- Assim nenhum reparo nos merece a sentença recorrida. 13- Nenhuma disposição legal foi violada. 14 - Deve assim, manter-se a mesma fazendo-se assim JUSTIÇA” 3 - Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo: “ Os recorrentes entendem que o Tribunal a quo violou o estatuído pelo citado artigo 348° do Código Penal, na medida em que não se demonstra nos autos terem os arguidos sido notificados de maneira regular do trânsito em julgado da providência cautelar interposta pelo ofendido e demandante civil. Ora, da sentença recorrida resulta que a convicção do Tribunal de que os arguidos tinham conhecimento da decisão da providência cautela, transitada em julgado, foi formada tendo por base numa mera presunção judicial de que os arguidos teriam tal conhecimento, por outras vias que não fosse a proveniente de ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente. Assim sendo, falta um dos pressupostos da punição pela prática do ilícito em causa. Pelo exposto, somos de parecer de que o recurso merece provimento e, por conseguinte, ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que absolva os arguidos em obediência ao princípio in dubio pro reo.”. 4 - Foi cumprido o preceituado não art.º 417º n.º 2, do C.P.P. 5 - Foram colhidos os vistos legais. II - Fundamentação 2.1 - O teor da decisão recorrida, na parte que importa é a seguinte: ” Factos Provados Produzida a prova, resultaram provados os seguintes factos com pertinência para a decisão: (Processo 1627j09.0T AFAR) (Pronúncia) 1.A arguida CC, Lda. explorava o estabelecimento comercial denominado GG, sito na Praia de Faro. 2.Por sentença proferida em 3 de Abril de 2009, no âmbito da providência cautelar n.º 2130/08.1TBFAR, que correu termos no 1º Juízo Cível de Faro, a ora arguida foi condenada a não emitir, produzir ou reproduzir qualquer tipo de música naquele estabelecimento comercial, à sexta-feira e aos fins de semana, no período compreendido entre as 23 horas e as 4 horas que fosse audível na residência de FF, sita na… Praia de Faro. 3.Não obstante a arguida ser conhecedora da decisão do Tribunal e do comportamento que este impunha, decidiu-se a solicitar à Câmara Municipal de Faro licenças especiais de ruído para funcionar como bar e espaço de diversão no dia 6 de Junho de 2009. 4.Tendo obtido as licença, a arguida veio a realizar no dia 6 de Junho de 2009 uma festa no seu estabelecimento comercial, festa que perdurou até de madrugada de dia 7. 5.Enquanto decorria a festa, organizada e realizada no espaço explorado pela arguida, era audível na casa de FF o ruído provocado pela música que a arguida permitia que fosse executado. 6.0 ruído da música foi audível na casa de FF, pelo menos, entre as 00h20 e as 02h00. 7.A arguida sabia que ao actuar desta forma estava a ir contra o decidido na sentença, agindo de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. (Contestação da arguida CC, Lda.) 8.A arguida não foi pessoalmente, na pessoa dos seus gerentes, notificada da sentença proferida no processo n.º 2130/08.1TBFAR do 1.° Juízo Cível de Faro. 9.Ao tempo dos factos a referida sentença ainda não tinha transitado em julgado por ter sido objecto de recurso ao qual foi atribuído efeito suspensivo. 10.No dia dos factos a arguida tinha obtido da Câmara Municipal de Faro uma licença de recinto de 900 lugares para realizar um evento musical na Praia de Faro (…) e obteve também para tal recinto na praia uma licença especial de ruído. (Provou-se ainda o seguinte facto com relevância para a decisão) 11.A atribuição de efeito suspensivo ao recurso aludido em 9., só o foi por despacho datado de 16.06.2009, após prestação de caução pela recorrente. (Processo 579/11.1GCFAR) (Acusação) 12.Do registo comercial constava como gerentes da sociedade CC, Lda., BB e DD. 13.Por decisão transitada em julgado (datada de 3 de Abril de 2009 e confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora em 09.12.2009), proferida no âmbito da providência cautelar com o n.º 1081/09.7TBFAR-A (originariamente 2130/08.1TBFAR), que correu os seus termos pelo Tribunal Judicial de Faro, foi a sociedade CC, Lda. condenada a não emitir, produzir ou reproduzir qualquer tipo de música no supra referido estabelecimento comercial, às sextas-feiras e aos fins de semana, no período compreendido entre as 23 e as 4 horas, que fosse audível na residência de FF. 14.A sociedade referida em 13. foi notificada da decisão que decretou a providência cautelar na pessoa do seu mandatário. 15.À data, era o arguido BB quem geria de facto a sociedade em tudo o que excedia a contabilidade, designadamente a exploração propriamente dita do estabelecimento comercial de restauração / bar "GG". 16.A instruções do arguido BB e enquanto legal representante da sociedade aludida em 13., o mandatário desta no âmbito do procedimento cautelar aludido em 13., recorreu da decisão que decretou a providência cautelar. 17.Todavia, no dia 18 de Junho de 2011, após as 23h00, o arguido BB, conhecedor da decisão aludida em 13., fez reproduzir música no supra aludido estabelecimento, sendo o som da mesma perfeitamente audível na residência do denunciante. 18.O arguido BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, na qualidade de legal representante da sociedade aludida em 13., bem sabendo que ao actuar como descrito estava a desobedecer a uma ordem legitimamente emanada e que a sua conduta era proibida e criminalmente censurável e, mesmo assim, não se absteve de a levar a cabo. (Pedido de indemnização civil) 19. O demandante é comproprietário, na proporção de 1/3 do prédio urbano sito na… Praia de Faro, Freguesia da Sé, Concelho de Faro, o qual é contíguo ao prédio onde funciona o Bar GG. 20. O demandante é médico de profissão e tinha por hábito passar todos os seus momentos de lazer e descanso na sua casa de praia, onde teve aliás o centro da sua vida social e familiar até ao mês de Junho de 2009. 21.Sendo que nesta altura teve que abandonar essa casa como sua residência principal precisamente devido ao ruído emitido pelo Bar GG, que o impedia de descansar. 22.Situação que motivou a que o demandante tivesse sido o requerente da providência cautelar que correu termos no Tribunal Judicial de Faro sob o n.º 1081/09.7TBFAR-A, transitada em julgado em 04.01.2010. 23.Não obstante ter mudado a sua residência para Faro, o demandante ainda tentava passar na praia os fins-de-semana e os dias de folga para desfrutar de momentos de tranquilidade e sossego junto do mar. 24.O dia 18 de Junho de 2011 era um sábado e o demandante encontrava-se, com a esposa, na casa da praia a fim de passarem o fim-de-semana e descansarem. 25.A partir das 23h00 a música e o ruído provenientes do estabelecimento comercial era claramente audível no interior da casa do demandante, tendo-se tornado insuportável e impeditivo do seu repouso, bem como do seu sono, o que lhe provocou dores de cabeça e grande ansiedade. 26.Bem como à sua esposa e à filha de ambos, à data com meses de idade, que por causa do barulho não conseguia adormecer. 27.O barulho provocado era de tal forma intenso que provocava trepidação e vibração nas paredes de sua casa. 28.O demandante viu-se obrigado a chamar a GNR ao local, o que fez pelas 01h20 do dia 19 de Junho. 29.Nesse telefonema informou da existência de barulho audível na sua residência, proveniente do estabelecimento comercial explorado pelos arguidos, bem como do incumprimento por parte destes da providência cautelar decretada. 30.Os militares da GNR que foram ao local confirmaram a existência de barulho, tendo-lhe solicitado que formalizasse a queixa no Posto da GNR de Faro, (…) o que o demandante fez no dia 20 de Junho de 2011. 31.Quando os militares da GNR abandonaram o local, sob orientação do arguido BB enquanto legal representante da sociedade aludida em 13., voltaram a ligar a música com som alto, o qual se manteve até ao romper do dia. 32.Em virtude desse comportamento, o demandante viu-se impossibilitado de descansar e de dormir nessa noite de 18 de Junho de 2011. 33.Tendo passado o dia seguinte com fortes dores de cabeça, cansaço e náuseas, bem como a sua esposa. 34.Para além disso, uma vez o requerente da providência cautelar, sentiu o demandante grande frustração em virtude de ver que se incumpria ordem judicial sem que mais nada pudesse fazer para além da queixa-crime. (Contestação dos arguidos BB e DD) 35. Os arguidos não foram notificados da decisão judicial a que se faz referência na acusação. 36. A arguida DD apesar de gerente de direito, apenas se ocupava das questões financeiras e contabilísticas da empresa na parte que respeitava ao pagamento dos ordenados dos empregados e das facturas, cabendo todos os restantes actos de gestão da sociedade ou do estabelecimento exclusivamente ao arguido BB. (Processo 456/l0.3GCF AR) (Acusação) 37. O arguido BB era sócio gerente da sociedade CC, Lda., que explorava um estabelecimento comercial restaurante, sito no …Praia de Faro, em Faro. 38. Por decisão transitada em julgado (datada de 3 de Abril de 2009 e confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora em 09.12.2009), proferida no âmbito da providência cautelar com o n.º 1081/09.7TBFAR-A (originariamente 2130/08.1TBFAR), que correu os seus termos pelo Tribunal Judicial de Faro, foi a sociedade CC, Lda. condenada a não emitir, produzir ou reproduzir qualquer tipo de música no supra referido estabelecimento comercial, às sextas-feiras e aos fins de semana, no período compreendido entre as 23 e as 4 horas, que fosse audível na residência de FF. 39. A sociedade referida em 38. foi notificada da decisão que decretou a providência cautelar na pessoa do seu mandatário. 40. À data, era o arguido BB quem geria de facto a sociedade em tudo o que excedia a contabilidade, designadamente a exploração propriamente dita do estabelecimento comercial de restauração/bar "GG". 41.A instruções do arguido BB e enquanto legal representante da sociedade aludida em 38., o mandatário desta no âmbito do procedimento cautelar aludido em 38., recorreu da decisão que decretou a providência cautelar. 42. No dia 26 de Junho de 2010 (sábado), o arguido BB, conhecedor da decisão aludida em 38., decidiu realizar uma festa com música ao vivo no referido estabelecimento comercial. 43. O som proveniente dessa festa, na qual foi colocada música em alto som, e uma aparelhagem no exterior, era audível na residência de FF, a qual se situa ao lado do bar, impedindo desse modo, que o mesmo e a sua família pudessem repousar e descansar, àquela hora. 44.De facto, nesse dia, cerca das 23h20, o som proveniente do estabelecimento "GG" era audível na residência do ofendido, e nas residências dos moradores vizinhos do referido estabelecimento. 45.O arguido BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, na qualidade de legal representante da sociedade aludida em 13., bem sabendo que ao actuar como descrito estava a desobedecer a uma ordem legitimamente emanada e que a sua conduta era proibida e criminalmente censurável e, mesmo assim, não se absteve de a levar a cabo. (Pedido de indeminização civil) 46.O dia 26 de Junho de 2010 era um sábado e o demandante encontrava-se, com a esposa, na casa da praia a fim de passarem o fim-de-semana e descansarem. 47.A partir das 23h00 a música e o ruído provenientes do estabelecimento comercial eram claramente audíveis no interior da casa do demandante, tendo-se tornado insuportável e impeditivo do seu repouso, bem como do seu sono, o que lhe provocou dores de cabeça e grande ansiedade. 48.Bem como à sua esposa que na altura se encontrava grávida. 49.O barulho provocado era de tal forma intenso que provocava trepidação e vibração nas paredes de sua casa. 50.O demandante viu-se obrigado a chamar a GNR ao local, a quem informou do ruído que se produzia no estabelecimento "GG" e incumprimento da providência cautelar decretada. 51. Os militares da GNR que foram ao local confirmaram a existência de barulho no interior da habitação do demandante, tendo-lhe solicitado que os acompanhasse ao posto…, em Faro, para que formalizasse a queixa, o que fez. 52.Finalizado o expediente referente à queixa, o demandante regressou para a sua casa, na praia, onde contava poder descansar até de manhã. 53.O que todavia não sucedeu porquanto, sob orientação do arguido BB enquanto legal representante da sociedade aludida em 38., durante a ausência do demandante e depois de a GNR abandonar o local, no estabelecimento voltou-se a ligar música com som alto, o qual se manteve até ao romper do dia. 54.Em virtude desse comportamento o demandante viu-se impossibilitado de descansar e de dormir nessa noite de 26 de Junho de 2010. 55.Tendo passado o dia seguinte com fortes dores de cabeça, cansaço e náuseas, bem como a sua esposa. 56.Para além disso, uma vez o requerente da providência cautelar, sentiu o demandante grande frustração em virtude de ver que se incumpria ordem judicial sem que mais nada pudesse fazer para além da queixa-crime. (Contestação do arguido BB) 57.Não foram feitas quaisquer medições acústicas. 58.O estabelecimento estava afecto, na altura, exclusivamente ao serviço de um casamento, não recebendo outros clientes estando encerrado ao público. (Processo 975/11.4GCFAR) (Acusação) 59.Do registo comercial constava como gerente da sociedade CC, Lda.. BB. 60.Por decisão transitada em julgado (datada de 3 de Abril de 2009 e confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora em 09.12.2009), proferida no âmbito da providência cautelar com o n.º 1081/09.7TBFAR-A (originariamente 2130/08.1TBFAR), que correu os seus termos pelo Tribunal Judicial de Faro, foi a sociedade CC, Lda. condenada a não emitir, produzir ou reproduzir qualquer tipo de música no supra referido estabelecimento comercial, às sextas-feiras e aos fins de semana, no período compreendido entre as 23 e as 4 horas, que fosse audível na residência de FF. 61.A sociedade referida em 60. Foi notificada da decisão que decretou a providência cautelar na pessoa do seu mandatário. 62.À data, era o arguido BB quem geria de facto a sociedade em tudo o que excedia a contabilidade, designadamente a exploração propriamente dita do estabelecimento comercial de restauração/bar "GG". 63.As instruções do arguido BB e enquanto legal representante da sociedade aludida em 60., o mandatário desta no âmbito do procedimento cautelar aludido em 60., recorreu da decisão que decretou a providência cautelar. 64. Nos dias 9 de Outubro de 2011 (Domingo) e no dia 22 de Outubro de 2011 (Sábado) o arguido BB, conhecedor da decisão aludida em 60., fez reproduzir música em tom alto a qual era audível no exterior do referido bar. 65.O som proveniente do bar GG era audível na residência de FF a qual se situa ao lado do bar e nas residências mais próximas do bar impedindo desse modo que o mesmo e a sua família pudessem repousar e descansar àquela hora. 66.De facto, quer no dia 9 de Outubro de 2011, entre as 00h00 e as 01h00, quer no dia 22 de Outubro de 2011, entre as 00h00 e as 0lh00, os moradores daquela zona e a patrulha da GNR verificaram que o som proveniente do estabelecimento GG era audível no exterior do estabelecimento comercial. 67. Os arguidos estavam cientes da legalidade e legitimidade da entidade judicial de onde havia emanado a decisão judicial relativa à providência cautelar, não obstante, desrespeitaram-na ao emitir música em som alto e audível após aquela hora, sendo o arguido BB na qualidade de legal representante da sociedade. 68.Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, e sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. (Pedido de indemnização civil) 69.Nos dias 9 e 22 de Outubro de 2011 o demandante deslocou-se para a sua casa de praia, com a sua mulher e filha, a fim de descansar. 70.Nesses dias porém, o ruído proveniente do estabelecimento comercial "GG" tornou-se insuportável e impeditivo do repouso bem como do seu sono do demandante e família, o que lhe provocou, ao demandante e à sua mulher, dores de cabeça e grande ansiedade. 71.A filha de ambos, à data com cerca de um ano de idade, não conseguia adormecer, não parando de chorar. 72.O barulho provocado era de tal forma intenso que provocava trepidação e vibração nas paredes de sua casa. 73.O demandante viu-se obrigado a chamar a GNR ao local, a quem informou do ruído que se fazia naquele estabelecimento e incumprimento por parte dos mesmos da providência cautelar decretada. 74.Os militares da GNR que foram ao local confirmaram que o barulho era audível no exterior do estabelecimento. 75.O ruído diminuiu durante a presença das forças da autoridade no local mas mal a GNR abandonou o local, sob orientação do arguido BB enquanto legal representante da sociedade arguida, voltaram a ligar música com som alto, situação que se manteve até ao romper do dia. 76.Em virtude desse comportamento o demandante viu-se impossibilitado de descansar e de dormir em ambas as noites. 77.Tendo passado o dia seguinte com fortes dores de cabeça, cansaço e náuseas, bem como a sua esposa. 78.Para além disso, uma vez o requerente da providência cautelar, sentiu o demandante grande frustração em virtude de ver que os arguidos incumpriam ordem judicial sem que mais nada pudesse fazer para além da queixa-crime. (Resultou ainda provado com interesse para a decisão) 79.A sociedade arguida CC, Lda., não tem antecedentes criminais. 80.O arguido BB não tem antecedentes criminais. 81. O arguido BB é engenheiro, encontrando-se a exercer actividade profissional. 82. O arguido BB é pessoa divertida, de com trato social e aplicada nos estudos. 83. Actualmente, a sociedade arguida já não explora o estabelecimento bar/ restaurante "GG", o qual veio a encerrar. * Factos não provados Não se provaram os restantes factos constantes dos pedidos de indemnização civil e contestações, designadamente: a) A arguida desconhecia de quaisquer consequências criminais emergentes da dita sentença; (…) Motivação da decisão de facto A convicção sobre a matéria de facto provada e não provada assentou no conjunto da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, criticamente analisada, com recurso às regras da experiência e senso comuns, normalidade e lógica das coisas, e somada aos documentos juntos aos autos. (…) A notificação da decisão que decretou a providência cautelar deu-se na pessoa do mandatário da requerida (de acordo com as regras processuais civis da notificação), que veio a interpor recurso da mesma, não tendo naturalmente ocorrido a notificação por contacto pessoal com os gerentes da sociedade arguida - cfr. certidão de fls. 41 e 42; e certidão extraída do processo 1081/09.7TBFAR-A (originariamente 2130/08.1TBFAR) contendo alegações de recurso da sociedade aí requerida juntas aos autos em 18.04.2009; despacho datado de 27.05.2009 que admite o recurso e concede prazo de 10 dias para a prestação de caução com vista à atribuição de efeito suspensivo ao recurso; despacho datado de 16.06.2009 que fixa efeito suspensivo ao recurso uma vez prestada a caução; e o Acórdão da Relação de Évora (datado de 09.12.2009) que confirmou a sentença recorrida, fls. 133 a 160. 2.2 - O registo, através de áudio, da prova, permite, a este tribunal de recurso, a apreciação da matéria de facto, caso o recorrente dê cumprimento ao preceituado nos n.ºs. 3 e 4, do art. 412º, do C.P.P.. Teoricamente, o recurso não se restringe às questões de direito avançadas pelo recorrente e à apreciação de eventuais vícios do art.º 410°, n.º 2 CPP ou de nulidades que não devam considerar-se sanadas, referindo, desde já, não se verificarem. E dentro destes limites, são as conclusões da motivação, definidas pelo recorrente, que delimitam as questões submetidas à apreciação da instância de recurso. Como se viu, a lei exige conclusões em que o recorrente sintetize os fundamentos e diga o que pretenda que o juiz decida, certamente porque são elas que delimitam o objecto do recurso. Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão. As conclusões constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão. 2.3 - Feita esta introdução de âmbito geral e analisadas as conclusões de recurso, facilmente se constatará que os recorrentes, como objecto do presente recurso, enumeram o seguinte: a) Não se mostra verificado o elemento de comunicação regular da ordem aos arguidos nos termos do art. 348º, n.º 1 do Código Penal; b) Pretensão de impugnar a matéria de facto, nomeadamente, a vertida nos pontos n.ºs 17,18, 42,45,64,67 e 68, pelo menos no que diz respeito ao arguido Ruben Paulino, Pois que tal fundamentação não justifica a presunção natural ou judiciaria de tal; c) Não consta da acusação de nenhum dos processos (principal e apensos) que os arguidos ou alguns deles tenham constituído mandatário no procedimento cautelar sendo certo que tal "facto" veio a final a servir de fundamento para, a partir dele, "presumir" o conhecimento do teor da sentença pelos arguidos, e que determinou a condenação dos mesmos, tornando a sentença nula nos termos do art. 379° n.º 1, al. b) e c), do CPP; c) Por último sempre se dirá ainda que no que se refere ao pedido cível a indemnização fixada mostra-se exagerada face à matéria de facto que foi dada como provada. 2.4 - Das questões do recurso. 2.4.1 - Desde já se adianta que um dos pontos basilares, para além, da falta de notificação aos arguidos, da sentença proferida na providência cautelar nº 2130/08.1TBFAR, que correu termos no 1.º Juízo Cível de Faro, no qual a ora arguida foi condenada a não emitir, produzir ou reproduzir qualquer tipo de música naquele estabelecimento comercial, à sexta-feira e aos fins de semana, no período compreendido entre as 23 horas e as 4 horas que fosse audível na residência de FF, sita na… Praia de Faro, respeita a considerar, ou não, provado que os arguidos estavam cientes do teor dessa decisão que não lhes foi notificada. Não esquecendo que, “a notificação dessa decisão que decretou a providência cautelar deu-se na pessoa do mandatário da requerida (nos termos das regras processuais civis da notificação), que veio a interpor recurso da mesma, não tendo ocorrido a notificação por contacto pessoal com os gerentes da sociedade arguida – cfr. certidão de fls. 41 e 42; e certidão extraída do processo 1081/09.7TBFAR-A (originariamente 2130/08.1TBFAR) contendo alegações de recurso da sociedade aí requerida juntas aos autos em 18.04.2009, despacho datado de 27.05.2009 que admite o recurso e concede prazo de 10 dias para a prestação de caução com vista à atribuição de efeito suspensivo ao recurso, despacho datado de 16.06.2009 que fixa efeito suspensivo ao recurso, e o Acórdão da Relação de Évora (datado de 09.12.2009) que confirmou a sentença recorrida, fls. 133 a 160”. 2.4.2 - Tal como referido no acórdão de 11/11/2014, por nós relatado, junto a fls. 660 a 688, dos presentes autos, que declarou a nulidade da sentença proferida anteriormente, “Para a análise do objecto do presente recurso, torna-se imprescindível a análise de determinados preceitos legais, do foro civil, aplicáveis ao presente caso, v.g, os arts. 253º, 254º, 259º, 385º, 388º e 391º, do Código Proc. Civil, na redacção em vigor à data da prática da diversa factualidade em análise e o art. 348º, do CP. Vejamos! O Código do Processo Civil, no seu artigo 391.º, sobre a epígrafe, “Garantia penal da providência”, preceitua e preceituava: Incorre na pena do crime de desobediência qualificada todo aquele que infrinja a providência cautelar decretada, sem prejuízo das medidas adequadas à sua execução coerciva. O Art. 348.º, nº 1, do CP pune “Quem faltar à obediência a ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, se: - uma disposição legal cominar, no caso a punição da desobediência simples - al. a); ou - na ausência de uma disposição legal, a autoridade ou funcionário fizerem a correspondente cominação - al. b).Acrescentando, porém, o nº 2, do mesmo preceito legal, que “a pena é de prisão até dois anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição de desobediência qualificada.”- redacção vigente e proveniente do DL 48/95 de 15.03. Mediante este ilícito típico pretende tutelar-se a autonomia intencional do Estado, na vertente de subordinação às ordens legalmente emanadas pelas autoridades estaduais ou pelos seus agentes. A acção típica deste ilícito consiste numa conduta de incumprimento, tanto por acção, como por omissão, face a uma ordem ou mandado legais emanados por quem tem a correspondente competência funcional para o fazer e previamente comunicado ao obrigado. Por sua vez, o elemento subjectivo deste crime passa pelo conhecimento dessa ordem ou mandado e pela vontade em desobedecer a esse comando. Assim, e para a cominação deste crime de desobediência, é necessário que exista uma ordem ou mandado expresso, não bastando que exista apenas uma conduta que infrinja uma proibição legal. Daí que o incumprimento de uma norma legal, só por si, não integre o crime de desobediência. Em conformidade, podemos assentar que para o cometimento desde tipo legal de crime, é necessário: a) contrariar uma ordem ou mandado. b) que consubstanciem uma norma de conduta concreta, directa e expressa, a impor uma específica conduta, activa ou omissiva, de estrito cumprimento; c) emanado de uma autoridade estadual ou de um dos seus agentes, no exercício das suas funções e dentro das suas competências legais- legítimos; d) que tenham sido regular e claramente comunicados à pessoa obrigada a cumprir, de modo que esta tenha pleno conhecimento do seu conteúdo- que lhe seja regularmente comunicado. No preâmbulo do DL n.º 329-A/95, de 12.12 que reformou o CPC/61, referiu-se com interesse para a análise e decisão do caso “sub judice”, “Referentemente ao regime deste procedimento cautelar comum, procuraram acentuar-se duas vertentes essenciais da justiça cautelar, garantindo, na medida do possível, a urgência do procedimento e a efectividade do acatamento da providência ordenada. (…) no que se reporta à garantia da efectivação da providência cautelar, propõe-se a incriminação como desobediência qualificada do acto traduzido no respectivo desrespeito…”. Assim, o referido artigo 391º do CPC, em conjugação com o artigo 348º, n.º 2, do C.P. - que já ao tempo vigorava com a actual redacção -, visou exactamente dar tutela penal às decisões proferidas em procedimento cautelar, incriminando o desrespeito de tal decisão como desobediência qualificada e, consequentemente, pôr termo a hesitações jurisprudenciais nesta matéria (vertidas em muitos arestos anteriores a 1995), decorrentes da falta de norma inequívoca, sendo a posição dos recorrentes nestes autos, tributária da referida jurisprudência. Escreveu-se, também, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/11/2010, processo nº 40/10.1YFLSB, disponível in www.dgsi.pt, “O crime em questão, sendo embora um crime de desobediência, já que envolve o desrespeito por uma ordem estatal, e é punido como tal, constitui um crime com contornos específicos dentro do tipo geral da desobediência. Na verdade, a inserção da previsão no CPC, e concretamente no capítulo sobre as providências cautelares, a par da significativa epígrafe (“garantia penal”), indicia um propósito que o texto da norma expõe com clareza e sem lugar a equívocos: o de criminalizar a desobediência à providência decretada como garantia para o requerente da mesma, uma garantia reforçada, pois acresce à dos meios cíveis de execução coerciva de que ele também dispõe. É a coercibilidade penal da providência decretada que a incriminação garante, em benefício manifesto de quem a requereu.”. Também no Comentário Conimbricense, a págs. 351 e 355, se escreveu «A dignidade penal da conduta exige, para além do que fica dito, que o dever de obediência que se incumpriu tenha uma de duas fontes: ou uma disposição legal que comine, no caso, a sua punição; ou, na ausência desta, a correspondente cominação feita pela autoridade ou pelo funcionário competentes para ditar a ordem ou mandado.» «Hoje, com a revisão do CPC, a questão torna-se transparente: o art. 391º da nova lei prevê expressamente que comete o crime de desobediência qualificado todo aquele que infringir uma providência cautelar.» Não há dúvidas que desde que o artigo 391º do CPC comina o desrespeito da ordem emanada da decisão da providência cautelar com o crime de desobediência qualificado é desnecessário para efeitos da prática do crime, que na comunicação – notificação - dessa ordem se comine a desobediência da mesma com a prática do referido crime. Na sentença recorrida diz-se que a referida decisão foi-lhes comunicada, nos termos legais, é uma ordem legítima emanada da autoridade para tal competente. Vejamos se tal está comprovado! As notificações em processo civil tem os seus procedimentos estabelecidos em normas específicas e especiais, nomeadamente, nos arts 253º, 254º e 259º, desse mesmo compêndio adjectivo. Vejamos as aludidas normas legais! O art. 253º Notificação às partes que constituíram mandatário 1 - As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais. 2 - Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal, além de ser notificado o mandatário, será também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência. 3 - Sempre que a parte esteja simultaneamente representada por advogado ou advogado estagiário e por solicitador, as notificações que devam ser feitas na pessoa do mandatário judicial sê-lo-ão sempre na do solicitador. ARTIGO 254.º Formalidades[1] 1 - Os mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório ou para o domicílio escolhido, podendo ser também notificados pessoalmente pelo funcionário quando se encontrem no edifício do tribunal. 2 - Os mandatários das partes que pratiquem atos processuais pelo meio previsto no n.º 1 do artigo 150.º, ou que se manifestem nesse sentido, são notificados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A. 3 - A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja. 4 - A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere o número anterior. 5 - A notificação por transmissão eletrónica de dados presume-se feita na data da expedição. 6 - As presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efetuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis. ARTIGO 259.º Notificação de decisões judiciais[2] Quando se notifiquem despachos, sentenças ou acórdãos, deve enviar-se, entregar-se ou disponibilizar-se ao notificado cópia ou fotocópia legível da decisão e dos fundamentos. Artigo 385.º Contraditório do requerido 1 - O tribunal ouvirá o requerido, excepto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência. 2 - Quando seja ouvido antes do decretamento da providência, o requerido é citado para deduzir oposição, sendo a citação substituída por notificação quando já tenha sido citado para a causa principal. 3 - (…).4 - (…) 5 - (…).6 - Quando o requerido não for ouvido e a providência vier a ser decretada, só após a sua realização é notificado da decisão que a ordenou, aplicando-se à notificação o preceituado quanto à citação. 7 - Se a acção for proposta depois de o réu ter sido citado no procedimento cautelar, a proposição produz efeitos contra ele desde a apresentação da petição inicial. Artigo 388.º Contraditório subsequente ao decretamento da providência 1 - Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 385.º: Assim sendo, a notificação da decisão final dessa providencia cautelar, foi feita, na pessoa do seu mandatário judicial, obedecendo à regra imposta pelo citado art.º. 253º, do CPC.(Vidé certidão de fls. 41). Os recorrentes, nas suas conclusões, sustentam que a ordem (sentença judicial) não foi notificada judicialmente aos arguidos, nem lhes foi comunicada por forma de comunicação fosse possível aos mesmos ter conhecimento total e integral do seu conteúdo. Não existe qualquer nexo logico seguro, causal, preciso, directo, unívoco e necessário entre o facto conhecido (constituição de mandatário) e o facto desconhecido (conhecimento pelos arguidos do teor total e completo da sentença proferida) pelo que não é legítimo fazer presunção -. Ac. Rel. Évora de 21/06/2011 (J. Gomes de Sousa 1273/08). No caso “sub judice”, terá de dar-se como assente, que a sociedade CC, Lda. - atento o teor da certidão: da sentença proferida, em 3 de Abril de 2009, no âmbito da providência cautelar n.º 2130/08.1TBFAR, que correu termos no 1.º Juízo Cível de Faro; e do acórdão Tribunal da Relação de Évora em 09.12.2009, que a confirmou, juntas, respectivamente, a fls. 117 a 120 e fls. 151 a 160 - deduziu oposição à aludida providencia, tendo sido cumprido, portanto, o contraditório do requerido, antes do decretamento da providência, expresso no citado art.º 385.º, n.º 2, do CPC. É coerente a afirmação vertida, na sentença recorrida, mais propriamente, na fundamentação da matéria de facto dada como provada resulta que:” A notificação da decisão que decretou a providência cautelar deu-se na pessoa do mandatário da requerida (de acordo com as regras processuais civis de notificações), que veio a interpor recurso da mesma, não tendo ocorrido naturalmente notificação por contacto pessoal com os gerentes da sociedade arguida… (…)” A sentença ora recorrida, proferida na sequência do mencionado acórdão deste tribunal da Relação, junto a fls. 660 a 688, dos presentes autos, difere, essencialmente, da anterior por ter dado com provados factos com base na presunção judicial, quando antes o fizera com base em presunção natural. Não questionamos os procedimentos processuais cíveis. Contudo, temos entendimento distinto relativamente ao preenchimento dos elementos do tipo legal do crime em causa. Como já referido, desobedecer, diz a lei, é não cumprir, não respeitar a ordem ou mandado legítimo, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente. Temos, assim, a considerar vários elementos: - Ordem ou mandado; - Legalidade substancial e formal da ordem ou mandado; - Competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão; - Regularidade da sua transmissão ao destinatário. A ordem “é a imposição da obrigação de praticar ou deixar de praticar certo facto. A ordem contem, portanto, como a lei penal, uma norma de conduta. A ordem vai assim equiparada à norma penal.“ (LUÍS OSÓRIO, Código Penal Anotado, comentário ao art. 188.º) Por outro lado, exige-se para ambos legalidade formal, o que significa que só poderá existir desobediência quanto a ordens ou mandados emitidos com as formalidades que a lei estipula para a sua emissão. Se assim não for a ordem ou mandado deixam de ter validade, não lhes sendo então devida obediência. Ainda se requer que a autoridade ou funcionário emitente da ordem ou mandado tenham competência para o fazer, isto é, que aquilo que pretendem impor caiba na esfera das suas atribuições. Cada funcionário ou autoridade detém uma parcela do poder, um tempo para o seu exercício e uma área de jurisdição. Finalmente, o que é determinante, no caso “sub judice” os destinatários têm que ter conhecimento da ordem ou mandado a que ficam sujeitos, pelo que se exige um processo regular e capaz para a sua transmissão, por forma a que aqueles tenham conhecimento do que lhes é imposto ou exigido. Normalmente, com a cominação prévia e expressa por parte da autoridade já o destinatário sabe que, se não cumprir, pratica o crime de desobediência, ou desobediência qualificada. O conceito de funcionário para fins criminais é o que promana do art. 386.º do Código Penal. O conceito de autoridade diferencia-se do de funcionário. Autoridade pública pressupõe o poder autónomo de ordenar e decidir. São autoridades públicas os membros dos órgãos de soberania e do governo das Regiões Autónomas, ministros da Republica, Provedor de Justiça, magistrados, governador civil, titulares dos órgãos de poder local, comandantes de forças públicas. Face à matéria fáctica assente, surgiram dúvidas, aos recorrentes, de que todos os elementos do tipo objectivo do crime se encontram preenchidos. Vejamos! Estamos perante uma eventual desobediência ao cumprimento de uma sentença proferida em procedimento cautelar (vide art, 391º do CPC versão vigente à data). Por essa razão, não se estando perante uma desobediência funcional, como já afirmado, admite-se que ao efectuar a sua comunicação, não terá que advertir-se os destinatários da mesma de que a desobediência à ordem constitui a prática de crime, pois que, essa cominação é necessária, apenas, quando se trata da aludida desobediência funcional. Contudo, apesar dessa advertência não ser necessária, é obrigatória a notificação/comunicação que possibilite ao agente/destinatário tomar conhecimento e ficar elucidar sobre o conteúdo integral da ordem, que no caso “sub judice” é uma decisão judicial. Como já referido, um dos requisitos objectivos do crime de desobediência é o de “os destinatários têm que ter conhecimento da ordem ou mandado a que ficam sujeitos, pelo que se exige um processo regular e capaz para a sua transmissão, por forma a que aqueles tenham conhecimento do que lhes é imposto ou exigido. Com a cominação prévia e expressa por parte da autoridade já o destinatário sabe que, se não cumprir, pratica o crime de desobediência. O conceito de funcionário para fins criminais é o que promana do art. 386.º do Código Penal. O conceito de autoridade diferencia-se do de funcionário. Autoridade pública pressupõe o poder autónomo de ordenar e decidir. São autoridades públicas os membros dos órgãos de soberania e do governo das Regiões Autónomas, ministros da Republica, Provedor de Justiça, magistrados, governador civil, titulares dos órgãos de poder local, comandantes de forças públicas.” O tribunal “a quo” entende que não é necessária a comunicação da ordem (sentença) bastando que o arguido tenha dela conhecimento. Temos outro entendimento. Face à matéria fáctica assente, nomeadamente a vertida no citado ponto 35, da matéria de facto provada, é inquestionável que nenhum dos arguidos/recorrentes foi notificado da decisão judicial, o que permite concluir que o preenchimento desse elemento objectivo, desse tipo de delito criminal - Regularidade da sua transmissão ao destinatário - não se mostra preenchido. Efectivamente, a falta da comunicação do conteúdo integral da sentença, não permite, afirmar, com rigor, que o destinatário da ordem nela ínsita, teve conhecimento integral dessa matéria. Por essa razão, processual, mas que não podemos descorar, entendemos acertado o afirmado na motivação de recurso “(…) o destinatário até pode ter conhecimento da existência de uma sentença, mas tal situação não assegura o conhecimento integral e completo do teor e conteúdo dessa sentença, o que é absolutamente decisivo para avaliar a eventual desconformidade do comportamento do agente, não relativamente à sentença, mas ao concreto e exacto conhecimento que o mesmo agente tem do seu conteúdo. Ora, tal desiderato só é possível de atingir através da comunicação do teor da sentença ao agente destinatário da ordem que a mesma encena. Daí que o tipo do crime em análise faça parte especificamente a comunicação regular da ordem. E por comunicação regular deve entender-se aquela que contenha pelo menos a forma suficiente donde se possa alcançar, com segurança, que o destinatário dessa comunicação apreendeu todo o conteúdo da ordem emanada (sentença). Apesar de ter consignado como provado o facto nº 35, da matéria de facto, o tribunal “a quo” entendeu que, para o preenchimento do tipo legal do crime a comunicação prevista no art. 348ºdo Cod. Penal não é necessária, bastando que "a pessoa visada tenha perfeito conhecimento da ordem" referindo que tal entendimento foi sufragado em Ac. da Relação de Guimarães de 22-10-2012, proc. 657 /08.4TABGG.G 1 disponível em www.dgsi.pt. Porém tal não corresponde à realidade; por um lado porque os arguidos não tiveram conhecimento da ordem e muito menos do seu teor integral; por outro lado porque o referido acórdão diz é que a comunicação ao destinatário da ordem não tem que ser feita por notificação pessoal pelo Tribunal, mas apesar disso tem que existir comunicação regular.” Todavia, analisando, com rigor, este acórdão verificamos que o caso que analisou é algo de distinto. Desde logo, sobre a verificação desse elemento do tipo – regularidade de comunicação - refere: “(…) deve sublinhar-se que se deve exigir uma autêntica comunicação: não basta que a mesma seja formalmente irrepreensível (absoluta observância das formalidades que a lei estipula para a sua emissão), é necessário também que o agente se tenha inteirado, previamente, de facto do seu conteúdo integral. Os destinatários têm que ter também conhecimento da ordem ou mandado a que ficam sujeitos, pelo que se exige um processo regular e capaz para a sua transmissão, por forma a que aqueles tenham conhecimento do que lhes é imposto ou exigido (SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES, Código Penal Anotado, 2.º volume, 3.ª edição, Rei dos Livros, 2000, p. 1504). Porém, entre a desobediência legal e a desobediência funcional, esta comunicação diverge. Melhor, se na desobediência basta a comunicação da ordem, já na desobediência funcional há que, além de comunicar a ordem, explicar e advertir para a prática do crime de desobediência caso a ordem não seja cumprida. Isto é, na desobediência funcional exige-se a cominação expressa do crime (a nosso ver, as fórmulas não são sacramentais: o destinatário deve ficar, isso sim, esclarecido que comete um crime caso não cumpra com o que lhe é ordenado). Neste sentido CRISTINA LÍBANO MONTEIRO, Comentário Conimbricense do Código Penal, III, Coimbra editora, 2001, p. 355, que, a propósito da providência cautelar, refere que se discute se se deve advertir o destinatário de que incorre em crime de desobediência se a não acatar. A resposta só pode ser negativa. Com efeito, trata-se de uma cominação legal e não funcional e a lei incriminadora não exige essa advertência. O eventual desconhecimento da ilicitude penal do seu acto por parte de quem não cumpre a providência cautelar convoca as regras próprias do erro. E, neste caso, dificilmente se tratará de erro não censurável. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2008, p. 827, sustenta o mesmo ao escrever que nos casos em que a própria lei prevê a cominação da desobediência com a sanção do crime de desobediência simples ou qualificada, a autoridade pública e o funcionário não têm de fazer menção da cominação legal, quando dão a ordem ou emitem o mandado.” Não questionamos estes ensinamentos doutrinários que não afastam a necessidade da comunicação. Todavia, a situação expressa no citado acórdão é muito distinta do caso “sub judice”, como refere o recorrente: “ (…) o acórdão em causa, o que existiu foi uma sentença proferida em procedimento cautelar que constituía uma ordem dirigida ao requerido desse procedimento, ordem essa que foi comunicada, por fax, ao próprio requerido, tendo este acusado a recepção da sentença e referido que não a iria cumprir. No caso do acórdão citado verificou-se uma comunicação ao requerido do teor integral da sentença (ordem) embora tal comunicação não tenha sido feita por notificação judicial. O que o referido acórdão sufragou foi o entendimento que apesar de não ter existido notificação judicial da sentença ao requerido verificou-se comunicação regular da mesma sentença por esta lhe ter sido enviada integralmente por meio de fax e o requerido seu destinatário ter acusado a sua recepção. Neste caso também se aceita que a ordem (sentença) foi regularmente comunicada, pois foi comunicada integralmente por fax enviado para o seu destinatário, daí se ter concluído no aludido acórdão que o requerido tinha perfeito conhecimento da ordem isto é da totalidade da ordem que a sentença constitui. Ao contrário, no caso vertente não se verificou a comunicação integral e completa (nem incompleta) aos arguidos do teor da ordem em causa (sentença cautelar) pelo que não se mostra preenchido o tipo legal do crime de desobediência imputados aos arguidos, precisamente porque a ordem em causa não lhes foi notificada (cfr. facto 35 provado) nem de qualquer outra forma regular lhes foi comunicada. É certo que a douta sentença alega em seu socorro, neste particular, que os arguidos (ambos os arguidos) tiveram conhecimento da ordem emanada pelo Tribunal porque esta foi regularmente notificada ao mandatário da requerida (CC) o qual interpôs recurso e, por esse facto, existe uma presunção judicial, (pois não se verificou prova documental, testemunhal ou por confissão) de que os arguidos (ambos os arguidos) tinham conhecimento da aludida ordem. Porém crê-se que do facto o mandatário da requerida em processo cautelar (apenas a sociedade) ter sido notificado da sentença proferida e até ter recorrido, não se segue que a sociedade mandante e muito menos o arguido BB tenham tido conhecimento da decisão e muito menos do teor integral da decisão, sendo certo que relativamente a tal questão nenhuma prova documental, testemunhal ou confessória se produziu. Acresce que o 2° arguido BB, nem sequer foi requerido no Procedimento Cautelar onde a sentença foi proferida pelo que nela, obviamente não tinha mandatário. Por outro lado, o mandato (procuração forense) que a arguida CC conferiu no aludido Procedimento Cautelar não vem sequer assinado pelo arguido BB mas pela gerente DD, conforme se verifica pela cópia da dita procuração que foi junta ao abrigo do disposto no art. 651 ° n° 1 do CPC com o anterior recurso.” Concluindo, tal como supra afirmado, por falta de um dos elemento objectivos (falta de comunicação regular da ordem emanada judicial) não se mostram preenchidos todos os elementos do tipo legal dos crimes de desobediência qualificada imputados aos arguidos/recorrentes. 2.4.3 - Não pode esquecer-se que a documentação das declarações prestadas oralmente na audiência, permite que no recurso se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto. Este Tribunal, conhece, pois, de facto e de direito. No caso “sub judice”, como já referido, foi suscitada, pelos recorrentes, a discussão sobre matéria de facto provada, nos pontos 17º 18º,42º45º, 64º,67º e 68º. Como referido no ponto anterior, o tribunal “a quo” entende que não é necessária a comunicação da ordem (sentença) bastando que o arguido tenha dela conhecimento. Sequencialmente, deu como provado que os arguidos tinham conhecimento da decisão proferida no procedimento cautelar, estavam cientes da legalidade e legitimidade da entidade judicial que emitiu tal decisão e que agiram de forma livre e consciente sabendo que a sua conduta era proibida (factos provados 17º 18º,42º45º, 64º,67º e 68º), baseando-se em "presunção judicial". Essa presunção, no entender do Tribunal “a quo”, decorre do facto de a sentença em causa proferida em procedimento cautelar ter sido notificada, nos termos da lei processual civil, apenas ao mandatário da arguida sociedade CC, daqui presumindo que tal arguida tinha conhecimento integral da sentença. Contudo, equaciona-se a questão de utilização de prova indiciário ou de presunções, lícita em processo penal, desde que verificados diversos pressupostos conforme jurisprudência do STJ (cfr. Ac. de 21. 10.2004, relator Cons. Simas Santos, Ac. de 24.3.2004, relator Cons. Henriques Gaspar e Ac. de 12.9.2007, relator Cons. Santos Monteiro) e também na doutrina (cfr. Euclides Dâmaso Simões, Prova Indiciária (contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente), disponível em https://sites.google.com/site/julgaronline/a-julgar-on¬line/autores/descritores/prova-indiciaria). Acresce que, a admissibilidade da prova por presunções em processo penal é admissível, ainda que, para alguns, é passível de aceitar pela necessária articulação não só com o princípio da presunção de inocência do arguido garantido constitucionalmente, mas também, com a natureza garantística dos direitos do arguido no processo penal. No entanto a presunção de inocência tutelada constitucionalmente não se imiscui nem proíbe, sem mais, a produção dos meios de prova legalmente previstos, entre eles a prova por presunção. Sabido que se trata de um meio de prova legalmente previsto (art. 349º do C. Civil) e não afastado por qualquer disposição do ordenamento processual penal, dentro do princípio geral do art. 125º do CPP. Com efeito, nos termos do artigo 349º do C. Civil “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido”. Esclarecendo o artigo 351º do mesmo Diploma que “As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal”. As presunções apresentam uma estrutura mais complexa que os restantes meios de prova, uma vez que não só há-de resultar provado o ou os factos básicos mas há-de determinar-se ainda a existência ou conexão racional entre esses factos e o facto consequência. Revertendo para o caso concreto, não podemos deixar de atender ao inquestionável facto provado n.º 35, bem como ao n.º 8. Assim, entende-se o afirmado pelos recorrentes: “Entre o facto de o arguido BB ser um dos legais representantes da arguida CC e o facto de o mandatário desta ter sido notificado da sentença proferida em procedimento cautelar, em que apenas esta era parte, não é possível estabelecer um nexo logico de causa e efeito que permita a presunção (natural ou judicial, tanto importa) de que aquela arguida foi notificada e tinha conhecimento total e integral do teor da decisão judicial. A nossa jurisprudência, no que a esta matéria se refere, tem entendido a presunção" como implicando uma relação entre o facto conhecido e o desconhecido assente num juízo lógico, seguro, causal, sequencial, preciso, directo e unívoco, logo necessário (Ac. da relação de Évora de 21-06-2011 - J.Gomes Sousa 1273/08. Ora, na douta sentença proferida na sequência da anulação da anterior, e agora sob recurso, nada mudou em substancia. Os factos dados como provados na sentença agora sob recurso (factos 17, 18, 42, 45, 64, 67 e 68) são substancialmente os mesmos e foram dados como provados com os mesmos fundamentos de presunção, na anterior sentença anulada, apenas a presunção tendo passado de natural para judicial. Na sentença agora sob recurso a fundamentação apresentada pela Meritíssima Juiz a quo á matéria em causa é mais extensa mas é a mesma: por o arguido BB ser um dos gerentes da sociedade não podia desconhecer o teor e consequências da sentença notificada ao mandatário daquela sociedade. E para o efeito argumenta a Meritíssima Juiz sobre as relações mandante/mandatário Ora tal não é legítimo pois que não só o arguido BB não era mandante (a mandante era a sociedade) como nem sequer outorgou o instrumento de mandato (que foi outorgado pela gerente DD). E especula a meritíssima Juiz com o facto que o arguido BB seria o "maior interessado" e "prestou caução". Ora, sobre estas questões nada se provou nem foi perguntado às testemunhas nem sequer constava da acusação. Porém sempre se dirá que a sociedade CC era propriedade do arguido BB e da sua mãe DD, sendo certo que atenta a idade daquele não foi o mesmo que efectuou os investimentos mas sim a sua mãe que por isso era ela a maior interessada e por isso foi também com o seu dinheiro que a caução foi prestada pois o arguido BB não teria capacidade para tal. E, questiona, na sua fundamentação, a Meritíssima Juiz: "Mas quem é que acredita que o gerente de facto de uma sociedade que "andava por lá" pelo estabelecimento desconhece a pendencia de uma acção em Tribunal e o desfecho da mesma?" e conclui: "assim, na qualidade de gerente da sociedade o arguido BB tomou conhecimento da decisão e nessa qualidade não acatou “ A isto se resume, (no essencial) a fundamentação da presunção judicial como meio de prova. Porém, crê-se que tal presunção não é legítima pois o Meritíssimo Juiz transforma a questão em axioma: dá como provado á partida aquilo que se pretende demonstrar. O que haveria que provar, para que o tipo legal de crime fosse preenchido era que o arguido BB foi notificado (judicial ou extrajudicialmente) da decisão que decretou a providência cautelar, como refere a fls. 27 o douto acórdão que anulou a anterior sentença. Ora, foi proferida nova sentença mas não foi produzido qualquer outro elemento de prova. Por tal razão os referidos factos dados como provados foram-no por presunção antes dita natural e agora judiciária, mas que na realidade não tem qualquer diferença. Mostra-se assim insuficiente a fundamentação da matéria de facto relativa aos factos 17,18, 42,45,64,67 e 68, pelo menos no que diz respeito ao arguido Ruben Paulino, Pois que tal fundamentação não justifica a presunção natural ou judiciaria de tal matéria a partir do facto de este arguido ser um dos gerentes da sociedade Sui Generis. Assim por tal matéria de facto não ser de presumir judiciaria nem naturalmente, deve ser dada como não provada.” Imputar a alguém um crime de desobediência qualificada, respeitante ao não acatamento de uma sentença judicial, obriga a ter como certo que essa pessoa foi notificada do seu conteúdo integral, tendo, por isso, tomado dele cabal conhecimento. Ora, perante o circunstancialismo descrito, a falta, quer de notificação aos arguidos do conteúdo integral da sentença, quer de comprovação do seu conhecimento, termos que considerar que, entre outros, os aludidos factos n.ºs 17,18, 42,45,64,67 e 68, não poderiam ter sido dado por provados. Pois que, o princípio da livre apreciação da prova, como princípio estruturante do direito processual do continente europeu e, especificamente do direito processual penal português, assume, na dinâmica do processo de fundamentação da sentença penal simultaneamente, uma dupla função de ordenação e de limite. Ora, conforme foi referido, o Tribunal no caso concreto, para chegar à sua decisão, baseou-se em presunções judiciais que colidem com matéria de facto provada e com a sua articulação não só com o princípio da presunção de inocência do arguido garantido constitucionalmente, mas também, com a natureza garantística dos direitos do arguido no processo penal. Assim, modificar-se-á a matéria de facto apontada, conforme preceitua o art. 431º n.º 1 al. b), do C.P.P. Assim, os apontados pontos, a seguir apontados, da matéria de facto provada terão a seguinte redacção: 3. A sociedade arguida decidiu solicitar à Câmara Municipal de Faro licenças especiais de ruído para funcionar como bar e espaço de diversão no dia 6 de Junho de 2009. 7.A arguida sabia que ao actuar desta forma afectava o direito ao sossego e ao descanso do demandante. 16.O mandatário da sociedade arguida, no âmbito do procedimento cautelar aludido em 13., recorreu da decisão que decretou a providência cautelar. 17.Todavia, no dia 18 de Junho de 2011, após as 23h00, o arguido BB fez reproduzir música no supra aludido estabelecimento, sendo o som da mesma perfeitamente audível na residência do denunciante. 18.O arguido BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, na qualidade de legal representante da sociedade aludida em 13., bem sabendo que ao actuar, como descrito, estava a afectar o direito ao sossego e ao descanso do demandante e família e, mesmo assim, não se absteve de o fazer. 41.O mandatário da sociedade arguida, no âmbito do procedimento cautelar aludido em 38., recorreu da decisão que decretou a providência cautelar. 42.No dia 26 de Junho de 2010 (sábado), o arguido BB decidiu realizar uma festa com música ao vivo no referido estabelecimento comercial. 45.O arguido BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, na qualidade de legal representante da sociedade aludida em 13., bem sabendo que ao actuar, como descrito, estava a afectar o direito ao sossego e ao descanso do demandante e família e, mesmo assim, não se absteve de o fazer. 63. O mandatário da sociedade arguida, no âmbito do procedimento cautelar aludido em 60., recorreu da decisão que decretou a providência cautelar. 64. Nos dias 9 de Outubro de 2011 (Domingo) e no dia 22 de Outubro de 2011 (Sábado) o arguido BB, fez reproduzir música em tom alto a qual era audível no exterior do referido bar. 67. Os arguidos, nas aludidas datas, agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que ao actuar, como descrito, estava a afectar o direito ao sossego e ao descanso do demandante e família e, mesmo assim, não se absteve de o fazer. 68. Sabiam que a sua conduta era censurável e passível de causar danos ao demandante civil, pelos quais eram responsáveis. A al. a), dos factos não provados, passará a ter a redacção seguinte: Os arguidos, o BB na qualidade de legal representante da sociedade arguida, tinham conhecimento do conteúdo da decisão judicial relativa à providência cautelar descrita na matéria de facto provada e estavam cientes da legalidade e legitimidade da entidade judicial de onde a mesma havia emanado, não obstante, desrespeitaram-na. Agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que ao actuar como descrito estavam a desobedecer a uma ordem legitimamente emanada e que a sua conduta era proibida e criminalmente censurável e, mesmo assim, não se absteve de a levar a cabo. Sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei. É manifesta a procedência, desta parte, do recurso interposto pelos recorrentes em causa. 2.4.4 - O decidido nos pontos antecedentes, prejudica o conhecimento das questões suscitadas, a saber: Arguição de nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação, logica, coerente e consequente daqueles mesmos factos dados como provados; Com efeito não vê que a nulidade da anterior sentença apontada pelo douto AC. da Relação de Évora tenha sido expurgada da actual sentença sob recurso; Por ultimo dir-se-á que das acusações nada consta sobre a constituição de mandatário pela arguida CC no Procedimento Cautelar pelo que tal facto não pode servir para presumir que a arguida CC conhecia o teor da decisão judicial e muito menos para presumir tal facto relativamente ao arguido BB que não era parte nem constituiu qualquer mandatário em tal processo; Trata-se de uma verdadeira alteração, substancial dos factos feita encapotadamente e á revelia das regras processuais; Tal situação constitui excesso de pronuncia uma vez que serviu para fundamentar a presunção ou seja a condenação por factos diversos dos descritos nas acusações, o que constitui também nulidade da sentença nos termos do art. 379 n.º 1 al. b) e c) do CPP. 2.4.5 - No que concerne ao pedido de indemnização civil, O art.º 377.º, do CPÇP, sobre a epígrafe “Decisão sobre o pedido de indemnização civil”, no seu nº 1, preceitua: “ A sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 82.º” O Assento STJ nº 7/99, DR, I Série A de 3-08-99: estabeleceu a seguinte jurisprudência obrigatória: “Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual.” Da análise da matéria de facto provada fica assente que os factos imputados, mesmo que, apenas na óptica de simples demandados, configuram ilícitos geradores de responsabilidade civil, por violadores dos direitos do demandante e família, causadores de prejuízos para o mesmo, estando-se, manifestamente, fora do campo da responsabilidade contratual. Acresce que, no caso “sub judice”, verificam-se todos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito (Vide o cit. Art. 483º, do CC) que são: a violação de um direito; a ilicitude do facto danoso; o nexo de imputação do facto ao agente; o dano; um nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado. "São várias as condicionantes da obrigação de indemnizar imposta ao lesante, tal como pode ser aferido pela simples leitura do preceito citado. Assim" O dever de reparação resultante da responsabilidade por factos ilícitos está directamente conectado com a verificação dos seguintes pressupostos (cf. Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", Vol. I, Almedina. Coimbra, 73 edição, pág. 515 e ss.) : existência de um facto voluntário do agente (e não um mero facto natural causador de danos); que esse facto seja ilícito: que haja um nexo de imputação do facto ao agente; que da violação do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano; que se verifique um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima (de modo a que se possa afirmar que o dano é resultante da violação). São, pois, estes os pressupostos que terão de se dar como verificados para que os demandantes civis, possa fazer valer os seus direitos nos presentes autos. No caso dos autos, atendendo à matéria de facto provada, reúnem-se todos os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos - a violação de um direito ou interesse alheio, a ilicitude, o vínculo de imputação do facto ao agente, o dano moral, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano não patrimonial. Para a fixação do "quantum" indemnizatório terá o julgador de se socorrer das regras estabelecidas no Código Civil, designadamente, das contidas nos artigos 483º e seguintes e 562º e seguintes. O dever de indemnizar compreende todos os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da ocorrência (art.º 563º do C.C.), visando-se, deste modo, e segundo a teoria da diferença, repor o lesado na situação em que se encontraria se não ocorresse a intoxicação alimentar (art.º 562º do C.C.). O dever de indemnizar, visa repor o lesado na situação em que se encontraria se não ocorresse a intoxicação alimentar, nos termos do art. 562º do C.C. A regra geral em sede de obrigação de indemnizar é a reparação natural (art. 566º, nº 1 do C.C.), contudo, não sendo esta possível, haverá lugar à indemnização em dinheiro. Esta indemnização “tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”. (art. 566º, nº 2 do C.C.). Estão, apenas, em causa danos não patrimoniais. A expressão "danos não patrimoniais" (são só estes os que estão em causa) abarca os danos morais propriamente ditos (ofensas à honra, humilhações, vexames), os sofrimentos físicos (dores corporais e outros padecimentos físicos) e os complexos de pura ordem estética (vide Prof. Antunes Varela, RLJ ano 123, pág. 253). E, nos termos dos artes. 496° n.º 3 e 494° do Cód. Civil, o valor da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as circunstâncias do caso, com realce para a gravidade do dano. Com efeito, o art. 496° manda atender na fixação da indemnização por danos não patrimoniais àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, daqui se extraindo que "o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. É este, como já foi observado por alguns autores, um dos domínios em que se tornam mais necessários o bom senso, o equilíbrio das proporções com que o julgador deve decidir" (Prof. Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", pág. 627- 628). Assim, apenas são ressarcíveis os danos não patrimoniais graves, devendo a gravidade medir-se por critérios objectivos. No âmbito destes danos é extremamente delicada a operação da respectiva quantificação porque estão em causa valores que não têm expressão pecuniária, socorrendo-se a lei aqui, como em outros casos em que há manifesta dificuldade de quantificação abstracta das obrigações, da equidade, entregando aos tribunais a solução do caso concreto (a equidade vem sendo definida, desde Aristóteles, como a expressão da justiça no caso concreto), mas fixando os critérios dentro dos quais a equidade vai operar. Por outro lado, a indemnização por danos não patrimoniais não é uma indemnização no sentido próprio, sendo tão só uma satisfação ou compensação do dano sofrido, que não é verdadeiramente avaliável em dinheiro (Vide Prof. Vaz Serra, Boletim 83, pag. 83). Como expõe o Prof. Antunes Varela, "a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar, de algum modo, mais do que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito privado, a conduta do agente" - ob. cit., pág. 568 -. A propósito da ressarcibilidade dos danos de ordem moral, sempre se dirá que não há possibilidade de os anular com dinheiro, visto serem insusceptíveis de uma avaliação deste tipo. No entanto, apesar de se concordar que o dinheiro não apaga as dores físicas, tristeza e angústia infligidas pelos demandados, através do seu comportamento, no demandante, a prestação pecuniária a cargo dos lesantes pode contribuir para atenuar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado" além de constituir para os lesantes uma sanção adequada. "Entre a solução de nenhuma indemnização atribuir ao lesado, a pretexto de que o dinheiro não consegue apagar o dano" e a de se lhe conceder urna compensação, reparação ou satisfação adequada, ainda que com certa margem de discricionariedade na sua fixação, é incontestavelmente mais justa e criteriosa a segunda orientação" (cfr. Antunes Varela, obra citada, pág. 598). O Código Civil consagrou a tese da reparabilidade dos danos não patrimoniais, mas, nos termos do art. 496°, n. ° 1 daquele diploma, só são ressarcíveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, o que caso concreto se considera. Segundo o n.º 3, deste preceito, naquilo que concerne à indemnização dos danos não patrimoniais, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º, circunstâncias essas que são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstância que o justifiquem. Estes danos - tradicionalmente designados de danos morais - resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (a integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem-estar físico e psíquico, a liberdade, a honra, a reputação), verificando-se quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, maxime, de personalidade (ver Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 85 e 86, edição de 1976). Vejamos se os montantes fixados se mostram equitativos e equilibrados. “O sofrimento sentido pelo assistente conjugado com as circunstâncias do caso concreto”, com a longa duração no tempo de violação do direito ao descanso e ao sucesso do demandante civil e família, dada a “ violência do ruído produzido, que provocava trepidação e vibração nas paredes da casa, e correspondente avolumar da intensidade dos sentimentos de ansiedade, frustração, cansaço e dores físicas vividos, ao que acrescem as responsabilidades provenientes da profissão de médico exercida pelo assistente, tempo gasto com diversas deslocações ao Posto da GNR, e de, à data, a sua se encontrar, num primeiro momento, grávida e, posteriormente, de já contar com a filha bebé, também ela vítima do ruído, e condições de vida conhecidas dos demandados, tem-se como justa e adequada a compensação pelos danos não patrimoniais fixada em €1.000,00 (factos de 26.06.2010); €1.300,00 (factos de 18.06.2011); e €2.500,00 (factos de 9 e 22.10.2011).” A esses montantes acrescem os juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação dos demandados. Da análise e maturação de todos estes elementos, conclui-se que são adequados e equitativos os valores fixados. Improcedem, assim, neste sector, os fundamentos do recurso. III - Decisão. Em face do exposto, acordam, os Juízes que compõem esta Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em conceder parcial provimento ao recurso absolvendo os arguidos/recorrentes, CC, Lda. e BB, respectivamente, da prática de três e de quatro crimes de desobediência qualificada, que lhes eram imputados, mantendo, no mais, a sentença recorrida. Sem custas, no que concerne à parte crime. No que concerne ao pedido de indemnização civil, os recorrentes deverão pagar custas, na proporção do decaimento. Processado em computador e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do CP.P. Évora, 29/11/2016 Maria Isabel Duarte (relatora) José Maria Martins Simão __________________________________________________ [1] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto [2] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto |