Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1393/04.6PCCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE SIMÕES RAPOSO
Descritores: DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
RECURSO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO
Data do Acordão: 11/19/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO CRIMINAL DE TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 411.º, N.ºS 1 E 4 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I. - Para que o recorrente possa prevalecer-se do prazo fixado no n.º 4 do artigo 411.º do C.P.P. torna-se mister que: a) a discordância do recorrente for (tiver por objecto) uma apreciação da prova diferente da efectuada (de forma expressa) pelo tribunal a quo; b) estiver em causa uma reapreciação, o que pressupõe que exista uma prévia apreciação da matéria de facto pelo tribunal recorrido, em relação ao qual o Recorrente pretende exprimir a sua discordância; c) estiver em causa uma decisão final sobre matéria de facto, já que a reapreciação da prova gravada é indissociável do recurso sobre a matéria de facto e este só se compreende em relação à sentença que, a final, após audiência de julgamento, conheça de facto e de direito – apenas é gravada a prova produzida em audiência (art. 364º do Código de Processo Penal).
II. – Deve ser interposto no prazo normal de vinte (20) dias o recurso interlocutório que por não ter “por objecto a reapreciação da prova gravada”: a) incide sobre (tem por objecto) o indeferimento de produção de prova e não sobre uma divergência na apreciação da prova produzida; b) não especifica concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados nem concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) não tenha existido uma prévia apreciação pelo tribunal da prova gravada; não existia qualquer divergência na apreciação da prova gravada porque, no momento em que proferiu o despacho recorrido o tribunal ainda não tinha apreciado essa prova;
Decisão Texto Integral: O arguido …, solteiro, filho de … e de …, nascido em …, na freguesia de Sé Nova, Coimbra e residente na rua das Lapas, Coimbra, foi condenado como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143° nº 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, sob condição de pagar ao ofendido, pelo menos, metade da quantia determinada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, ou seja, a quantia de € 17.835,11 (dezassete mil oitocentos e trinta e cinco euros e onze cêntimos).
Foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização formulado pelo demandante … e, consequentemente, condenado o demandado, …, no pagamento ao demandante de € 35.670,21 (trinta e cinco mil seiscentos e setenta euros e vinte e um cêntimos) a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por este sofridos, absolvendo-se o mesmo do demais peticionado.
No decurso do julgamento, o arguido … requereu (fls. 336 a 337) a notificação do Instituto de Medicina Legal para prestar informações nos autos.
Tal pretensão veio a ser-lhe indeferida (fls. 342 a 343)
Inconformado, o arguido … interpôs recursos deste despacho e daquela sentença.
O Recorrente declarou manter interesse no recurso intercalar, nos termos do art. 412º nº 5 do Código de Processo Penal.
No que respeita ao recurso intercalar, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
1. Incorreu a Mma. Juiz a quo em erro, ao proferir o despacho objecto do presente recurso, obliterando, assim, o disposto no art. 340 nº 3 e 4 do C.P.Penal.
2. Com efeito, considerou a Mma. Juiz que o requerimento apresentado pelo arguido - ora recorrente - se baseou em meras suposições e especulações.
3. Ora, tendo em conta os depoimentos das testemunhas … e …, constantes, respectivamente, do Disco Compacto nº 1 de 01/04/2008, e duração 00:01-39:40 e do disco Compacto de 22/04/2008 e duração 00:01-36:13, os fundamentos e esclarecimentos apresentados pelo arguido são absolutamente pertinentes e indispensáveis à descoberta da verdade material.
4. As supra citadas testemunhas foram peremptórias, nos seus depoimentos, ao afirmar terem visto o assistente sofrer uma queda de um muro. Acresce que,
5. Face ao depoimento do médico dentista Dr. … -constante no Disco Compacto nº 3 identificado com a data de 09/05/2008 e nº de processo, com a duração de 22m38s - do qual resulta que a lesão só pode ter sido provocada por impacto frontal e directo, aliado ao depoimento do assistente - depoimento constante no Disco Compacto nº 1 identificado com a data de 01/05/2008 e nº de processo, com a duração de 00:01-24:07 - do qual se extrai que o arguido estava posicionado ao seu lado direito, resultará a impossibilidade -ou pelo menos a dúvida séria - das lesões terem sido provocadas pela alegada agressão do arguido.
6. Pelo que, deveria a Mma. Juiz a quo ter considerado a realização dos esclarecimentos suscitados pelo arguido necessários à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa. Tendo, ao decidir nos antípodas deste entendimento, violado o art. 340° nº 3 e 4 do C. P. Penal, uma vez que este artigo é taxativo na previsão dos fundamentos de indeferimento dos requerimentos de prova.
7. Ao proferir o despacho objecto do presente recurso, a Mma. Juiz violou também o art. 32° nº 5 da Lei Fundamental ao coarctar as garantias de defesa do arguido ora recorrente.
Termos em que devem V. Exas. -Venerandos Senhores Juízes Desembargadores - na procedência do presente recurso, revogar o despacho objecto do presente recurso, determinando-se a repetição do julgamento a fim de serem prestados os referidos esclarecimentos assim se fazendo Justiça!
Em resposta ao recurso intercalar, o Ministério Público, pugnou pela sua improcedência e suscitou a questão da sua extemporaneidade.
Também o assistente … respondeu, formulando as seguintes conclusões:
a) O presente recurso é extemporâneo, por força do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 411° do CPP, por versar, exclusivamente, matéria de direito;
Sem prescindir:
b) mas se assim se não entender - o que não se aceita - sempre se dirá que o despacho recorrido fez uma correcta avaliação das circunstâncias relativas à desnecessidade do meio de prova.
c) Pelo que, o mesmo não violou a Lei, designadamente o disposto nos art.s 340° do CPP e 32° da CRP.
d) Deve, pois, ser mantido, na íntegra, o despacho proferido a fls. 342 e 343 dos autos, com as legais consequências, com o que se fará, Venerando Desembargadores, JUSTIÇA!
No que respeita ao recurso interposto da decisão final, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
1. O presente recurso pretende dar nota de um veemente dissenso em matéria de facto, dando cumprimento ao art. 412º nº) a) e b), identificando os pontos de facto erroneamente julgados:
Assim, crismam-se com essa designação imposta pelo texto legal, os pontos F) e I) primeira parte, J), Q) e R) da matéria de facto dada como provada.
2. Efectivamente, o que se extrai das provas produzidas em audiência, nomeadamente do depoimento das testemunhas … (depoimento constante dos Disco Compacto duração 00:01-29:04, … (depoimento registado em sistema Habilus, Disco Compacto, identificado com data de 22/04/08 e nº de processo, com duração 00:01-34:28), … (depoimento constante de CD R nº 3 com a duração de 17m23s) e … (depoimento registado em sistema Habilus, Disco Compacto nº 1, identificado com data de 01/04/08 e nº de processo com duração 00:01-39:40), é que as lesões sofridas pelo Assistente não foram consequência de um murro infligido pelo arguido ora recorrente - pontos F) e I) primeira parte, J) e R) da matéria de facto dada como provada pela sentença objecto do presente recurso.
3. Com efeito, todos os factos dados como provados sob os pontos F), I) primeira parte, J) e R) da sentença, o foram com base nos depoimentos prestados pelas testemunhas … e … (registados no CD R nº 3, com a duração de 27m43s e no sistema Habilus, Disco Compacto, identificado com data de 22/04/08 e nº de processo, duração 00:01-36:13, respectivamente), sendo que o depoimento de … não pode considerar-se como sério e isento, por ter sido abalado pelos outros, e pela posição processual que assumiu perante o arguido ora recorrente, previamente nos presentes autos. Já relativamente à testemunha …, o depoimento desta não poderia ter fundamentado a condenação, uma vez que o seu depoimento é contrário aos pontos considerados provados na condenação.
4. Sendo assim manifesta a existência de contradições entre os depoimentos das testemunhas … (depoimento constante dos Disco Compacto duração 00:01-29:04), … (depoimento constante dos Disco Compacto duração 00:01-34:28), … (depoimento constante de CD R nº 3 com a duração de 17m23s) e … (depoimento constante dos Disco Compacto nº 1 duração 00:01-39:40), …, …(registados no CD-R nº 3, com a duração de 27m43s e no sistema Habilus, Disco Compacto, identificado com data de 22/04/08 e nº de processo, duração 00:01-36:13, respectivamente), e o Assistente … (depoimento gravado em sistema Habilus, Disco Compacto nº 1 identificado com data de 01/05/08 e nº de processo, duração 00:31-39:40).
5. Resultando, pois, que o tribunal a quo, obliterou tais contradições - de acordo com as regras da experiência - nas declarações prestadas, as quais deviam ter sido valoradas no sentido de impossibilitarem ao Tribunal a certeza necessária para a condenação do arguido.
6. O tribunal a quo desvalorizou erradamente os depoimentos das testemunhas … (depoimento constante dos Disco Compacto duração 00:01-29:04), … (depoimento constante dos Disco Compacto duração 00:01-34:28), … (depoimento constante de CD R nº 3 com a duração de 17m23s), que se mostraram idóneas, diminuindo desta forma as possibilidades e direito de defesa do arguido.
7. Sendo manifesta a existência dos vícios dos arts. 127º, 379° a) e 374º nº 2, todos do C.P.P., mormente, insuficiência da matéria fáctica e erro notório na apreciação da mesma.
8. Violou também a douta sentença o princípio in dubio pro reo, principio este consagrado na Lei Fundamental.
9. Pelo que, quanto ao crime de ofensas á integridade física simples, pelo qual foi condenado o arguido, impõe-se a sua absolvição por manifesta ausência de prova e contradição entre os depoimentos das testemunhas - na esteira do princípio do in dubio pro reo - e consequente absolvição do pedido de indemnização cível deduzido.
10. Ainda que assim não se entenda, e sem prescindir de todo o exposto, a pena de um ano e três meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos e seis meses de prisão, aplicada ao recorrente, não é justa nem equitativa por violar os arts. 40º, 70º e 71°, do C.Penal.
11. Destarte, deverá a pena ser revista e aplicada ao arguido uma pena de multa por esta se mostrar adequada e suficiente ao cumprimento das exigências de prevenção.
Nestes termos, e esperando e confiando no douto suprimento de Vas Exas, deverá ser dado provimento ao recurso, assim se fazendo a mais recta e costumada Justiça!
Respondeu o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso, afirmando, em síntese, que a prova foi devidamente valorada, que não existe o vício do erro na apreciação da prova, que os factos provados se mostram suficientes para a decisão de condenação, sem qualquer défice de investigação e que a pena se encontra criteriosamente escolhida.
Já o Assistente respondeu e, sustentando a improcedência do recurso, formulou as seguintes conclusões:
a) No ponto 1 das suas conclusões, o ora recorrente refere que a alínea q) dos Factos Provados foi erroneamente julgada. Contudo, em nosso entender, o recorrente nem na motivação, nem nas conclusões demonstra ou mesmo refere, ainda que sumariamente, a razão de ser da sua discordância em relação ao que foi julgado. Pelo que, tal matéria de facto (alínea q) dos Factos Provados) não pode ser objecto de alteração.
b) Nos pontos 1, 2 e 3 das suas conclusões, o recorrente também refere que a alínea r) dos Factos Provados foi erroneamente julgada. Contudo, salvo o devido respeito, não faz, na motivação, menção concreta à sua discordância relativamente ao que foi decidido pelo Tribunal a quo. Assim, tal matéria (alínea r) dos Factos Provados) não pode ser valorada por este Venerando Tribunal.
Por outro lado e sem prescindir:
c) As alíneas f), i) primeira parte, j), q) e r) dos Factos Provados devem ser integralmente mantidos como resulta da sentença recorrida.
d) O Tribunal a quo fez uma correcta apreciação de toda a prova - testemunhal e documental - constante dos autos; tendo correctamente valorado os depoimentos das testemunhas Dr. … (registado no CD-R n.º 3, com a duração de 22m38s e de 04m37s), … (registado em sistema Habilus, Disco Compacto, identificado com data e número de processo, duração 00:01-12:25), … (registado em sistema Habilus, Disco Compacto, identificado com data e número de processo, duração 00:01-36:13), … (registado no CD-R n.º 3, com a duração de 27m43s), … (registado em sistema Habilus, Disco Compacto n.º 1, identificado com data e número de processo, duração 00:01-29:11) e … (registado em sistema Habilus, Disco Compacto, identificado com data e número de processo, duração 00:01-16:51) e desvalorizado os depoimentos de … (registado em sistema Habilus, Disco Compacto, identificado com data e número de processo, duração 00:01-29:04), … (registado em sistema Habilus, Disco Compacto, identificado com data e número de processo, duração 00:01-34:28), … (registado no CD-R n.º 3, com a duração de 17m23s) e … (registado em sistema Habilus, Disco Compacto n.º 1, identificado com data e número de processo, duração 00:01-39:40).
e) Acresce que, da prova testemunhal produzida em Audiência de Julgamento, da prova documental (designadamente fotos e os relatórios do INML) constante dos autos e da aplicação das regras de experiência comum não há qualquer dúvida séria quanto à responsabilidade criminal do arguido; existindo prova segura para a sua condenação, nos termos em que foi condenado.
f) A pena aplicada ao arguido é justa e equitativa, dadas as exigências de prevenção geral e especial reclamadas no caso sub iudice.
g) Assim, deve ser integralmente mantida a matéria de facto dada como provada, bem como deve ser integralmente mantida a sentença recorrida, quer na parte criminal, quer quanto ao pedido de indemnização civil.
h) Pelo que, a sentença recorrida não violou a Lei, designadamente o disposto nos art.s 127°,379°, aI. a), 347°, n.º 2 do CPP, art.s 40°,70° e 71° do CP e art. 32° da CRP.
i) Deve, pois, ser mantida, na íntegra, a sentença recorrida, com as legais consequências, com o que se fará, Venerando Desembargadores, JUSTIÇA!.
Nesta instância, o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da extemporaneidade do recurso intercalar e, de qualquer forma, da sua improcedência, pugnando também pelo não provimento do recurso interposto relativamente à sentença condenatória do Recorrente.
Respondeu o Recorrente sustentando a tempestividade do recurso intercalar, tendo em conta que recai sobre matéria de direito e matéria de facto, incidindo sobre prova gravada.
Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso (arts. 417º nº 9, 418º e 419º, nºs. 1, 2 e 3, al. c) do Código de Processo Penal na versão introduzida pela Lei 48/07 de 29.8).
II – FUNDAMENTAÇÃO
As relações reconhecem de facto e de direito, (art. 428º do Código de Processo Penal), e no caso foi interposto recurso sobre a matéria de facto.
É jurisprudência constante e pacífica (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação[1] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Ac do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).
Questão Prévia – tempestividade ou extemporaneidade do recurso intercalar
Nas suas respostas o Ministério Público e o assistente invocam a extemporaneidade do recurso interlocutório interposto, alegando que versa sobre matéria de direito – indeferimento de “pedido de esclarecimentos ao INML” – apesar de, para o sustentar, o Recorrente invocar o depoimento de três testemunhas.
O Recorrente (em resposta ao Parecer do Ex.mo Procurador Geral Adjunto) sustenta que o recurso recai sobre matéria de direito e, também, sobre matéria de facto, incidindo sobre prova gravada pelo que foi tempestivamente interposto. Já as suas motivações começam pela afirmação de que “o presente recurso recai sobre prova gravada, pelo que deve ser admitido nos termos do art. 411º nº 4 do C.P.Penal”.
Vistos os autos constata-se que:
1. O despacho recorrido, datado de 5.5.08 (fls. 342 a 343) foi notificado à I. Defensora do arguido por via postal registada, datada de 6.5.08 (fls. 345);
2. O recurso intercalar tem aposto carimbo de entrada nos autos de 5.5.08 (fls. 395).
Face ao disposto nos art.s 104º nº 1 e 113º nº 2 do Código de Processo Penal e 144º, 145º e 148º do Código de Processo Civil, constata-se a extemporaneidade da sua interposição, caso se deva considerar o prazo geral de interposição de recursos, de 20 dias, que o art. 411º nº 1 do Código de Processo Penal consagra.
Apenas se o prazo de interposição for elevado para 30 dias, nos termos admitidos pelo nº 4 do art. 411º do Código de Processo Penal é que o recurso pode ser considerado tempestivo.
Importa, pois, averiguar se o Recorrente pode beneficiar desse prazo alargado.
Nos termos da norma em apreço, o prazo é elevado para 30 dias “se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada”.
Nas motivações de recurso em apreço, o Recorrente convoca o depoimento de algumas testemunhas que transcreve parcialmente para fundamentar a necessidade e pertinência dos esclarecimentos que requereu e que viu indeferidos pelo despacho recorrido.
Parece dever entender-se que o Recorrente considera que basta a invocação de depoimento prestado em audiência para sustentar a sua pretensão de considerar que o recurso versa sobre matéria de facto e incide sobre prova gravada.
Claramente sem razão.
Da norma em causa resulta evidente que esse prazo só se aplica se:
A discordância do recorrente for (tiver por objecto) uma apreciação da prova diferente da efectuada (de forma expressa) pelo tribunal a quo. Assim, não basta que a argumentação constante da motivação incida sobre o conteúdo de depoimentos para que se possa afirmar que o objecto do recurso é a reapreciação da prova. Sintomático de um recurso que não tem por objecto a reapreciação da prova gravada é o facto de o Recorrente não especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, nos termos exigidos pelo art. 412º nº 3 do Código de Processo Penal.   
Estiver em causa uma reapreciação, o que pressupõe que exista uma prévia apreciação da matéria de facto pelo tribunal recorrido, em relação à qual o Recorrente pretende exprimir a sua discordância.
Estiver em causa uma decisão final sobre matéria de facto, já que a reapreciação da prova gravada é indissociável do recurso sobre a matéria de facto e este só se compreende em relação à sentença que, a final, após audiência de julgamento, conheça de facto e de direito – apenas é gravada a prova produzida em audiência (art. 364º do Código de Processo Penal).
O recurso interlocutório não tem, assim, “por objecto a reapreciação da prova gravada”:
Incide sobre (tem por objecto) o indeferimento de produção de prova e não sobre uma divergência na apreciação da prova produzida;
Não especifica concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados nem concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida[2];
Não existe uma prévia apreciação pelo tribunal da prova gravada; não existia qualquer divergência na apreciação da prova gravada porque, no momento em que proferiu o despacho recorrido o tribunal ainda não tinha apreciado essa prova;
Não está em causa uma decisão final sobre matéria de facto, após audiência com gravação da prova.
Pelo exposto, importa declarar a extemporaneidade do recurso intercalar interposto e a sua consequente rejeição.
*
Recurso da decisão final
Sintetizando, são as seguintes as questões a decidir:
1Questões de Facto
1. Os factos f), i) primeira parte, j), q) e r) foram erroneamente julgados, com base em depoimentos não sérios nem isentos e contraditórios e com desvalorização errada de depoimentos idóneos;
2. Violação do art. 127º do Código de Processo Penal e do princípio in dubio pro reo;
3. Existência dos vícios dos art.s 379º al. a) e 374º nº 2 do Código de Processo Penal; insuficiência da matéria fáctica e erro notório na apreciação da mesma;
4. Medida da pena que deve ser de multa. 
***
Na decisão sob recurso é a seguinte a matéria fáctica provada e não provada:
Com relevância para a boa decisão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
a) No dia 27 de Maio de 2004, pela 01hOO, … dirigiu-se ao Café J…, sito na avenida A…, nesta cidade, conduzindo o seu veículo de matrícula 00-00-EM.
b) Quando ali chegou e porque ia apenas cumprimentar uns colegas, … deixou o seu veículo com as luzes ligadas e o motor em funcionamento na via pública, naquela avenida.
c) Ao aperceber-se dessa situação, e apesar de saber que o mesmo não lhe pertencia e que a tal não estava autorizado, o arguido …, decidiu entrar no veículo e conduzi-lo, dali o retirando e levando para outro local, o que fez seguindo até à Rua Henrique Seco, onde estacionou a viatura.
d) Entretanto, ao fim de poucos minutos, … saiu do café e deu por falta do seu veículo, pedindo auxílio aos presentes que contudo nada lhe disseram sobre o seu paradeiro; foi depois que surgiu no local … que lhe disse onde o mesmo estava pois que ao estacionar a sua viatura naquela outra artéria vira o arguido … a deixá-lo.
e) De seguida, seguiu-se uma troca de palavras entre … e … a que depois se juntou …, vindo então o arguido … e … a envolverem-se em agressões mútuas, sendo que enquanto … agrediu … a murro e batendo-lhe com uma máquina fotográfica na cabeça, o arguido … agrediu …agarrando-o e puxando-o pelo braço esquerdo, desferindo-lhe ainda um pontapé no lado esquerdo do peito.
f) Enquanto aqueles estavam envolvidos, dirigiu-se-lhes …, no intuito de os separar, que foi agredido a murro pelo arguido …, que o atingiu na cabeça, mais propriamente, na zona inferior da cara.
g) Em consequência da agressão por parte do …, … sofreu ferimento na bossa parietal esquerda, escoriação na região temporal esquerda, tumefacção no 1/3 médio da região supraciliar esquerda e escoriação no 1/3 inferior da face externa da coxa e joelho direito, lesões melhor descritas nos relatórios de fls. 3 a 6 do inquérito apenso 1394/04.4 PCCBR e fls. 8 e 9 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas, as quais demandaram para a sua cura um período de 8 dias de doença com afectação da capacidade de trabalho geral (8 dias).
h) Em consequência da agressão por parte do arguido …, … sofreu equimoses na face anterior do antebraço esquerdo com edema subjacente e zona escoriada no terço inferior da face posterior do hemitórax direito, lesões melhor descritas no relatório de fls. 11 a 13 dos autos que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos e que demandaram para a sua cura um período de 8 dias de doença com afectação da capacidade para o trabalho geral e com afectação da capacidade para as actividades domesticas.
i) Em consequência da agressão por parte do arguido …, … sofreu equimose na região temporo-occipital direita, com edema subjacente, avulsão dos quatro incisivos superiores e do incisivo central inferior esquerdo, fractura dos incisivos central e lateral inferiores direitos e do incisivo lateral e canino inferiores esquerdos, gengiva edemaciada, ferimento contusivo na face mucosa do hemilábio superior esquerdo, equimose na face mucosa do hemilábio inferior esquerdo sobre a qual assentam dois ferimentos e edema dos lábios, lesões melhor descritas nos relatórios de fls. 67 a 69, 70 e 71, 90 a 92 e 126 a 128 que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos e que demandaram para a sua consolidação um período de 1006 dias de doença com afectação da capacidade de trabalho geral (1006 dias) e com afectação da capacidade para as actividades escolares (1006 dias).
j) Os arguidos agiram de forma livre e consciente, apesar de saberem que a sua conduta era proibida e punida por lei.
k) O arguido … e o ofendido … receberam tratamento hospitalar.
I) Para tratamento das lesões descritas em i), o ofendido … teve de ser submetido aos seguintes tratamentos:
§ contenção cirúrgica da fractura do osso alveolar da região incisivo-superior com extracção do resto radicular do dente 21;
§ tratamento endodontrico dos dentes 41 e 32;
§ execução de prótese superior acrílica provisória com 4 dentes;
§ colocação de coroas implanto-suportadas nos espaços desdentados referentes aos dentes 12, 11, 21, 22 e 31 com o recurso a técnicas de regeneração óssea para remodelação da arquitectura do rebordo alveolar;
§ colocação de coroas de revestimento total dos dentes 41 e 32.
m) Com o tratamento e cura de tais lesões, o ofendido despendeu as seguintes quantias:
§ € 42,00 em exame de ortopantomografia;
§ € 48,52 em medicamentos e produtos farmacêuticos;
§ € 3,69 em exame de ortopantomografia facial;
§ € 120 em consultas;
§ € 4.000,00 em consultas/honorários;
§ € 150,00 na colocação de prótese acrílica com quatro dentes (11, 12, 21, 22) e gancho;
§ € 50,00 na restauração a amalgama do 16;
§ € 50,00 na restauração a amalgama do 26;
§ € 50,00 em consulta por odontalgia do 44 e dois rx-apicais;
§ € 120,00 na restauração a amalgama do 32, 33 e obturação canalar do 41;
§ € 50,00 em destartarização de ambas as arcadas;
§ € 60,00 na restauração a compósito do 41 com espigão;
§ € 60,00 na restauração a compósito do 42;
§ € 60,00 em consulta por odontalgia do 31 e dois rx-apicais;
§ € 125,00 em cirurgia de retalho e extracção resto radicular do 21;
§ € 130,00 em consulta;
§ € 500,00 em consulta/honorários;
§ € 600,00 na cimentação de coroa procera no 11;
§ € 600,00 na cimentação de coroa procera no 41;
§ € 600,00 na colocação de coroa procera no 32;
§ € 1.000,00 na colocação de implante no 31;
§ € 600,00 na colocação de coroa procera no 41.
n) O ofendido, na altura dos factos, era estudante do curso de arquitectura da ARCA.
o) Em consequência directa e necessária das lesões supra descritas, o ofendido ficou totalmente impossibilitado de continuar a frequentar as aulas e de realizar os exames, não tendo tido, por isso, aproveitamento escolar.
p) Apesar disso, nesse ano escolar o ofendido despendeu a quantia de € 2.810,00 em propinas, não tendo frequentado o curso pelos motivos supra expostos.
q) De igual forma, o ofendido viu-se impossibilitado de frequentar o curso nos dois anos escolares seguintes (2004/2005 e 2005/2006), tendo todavia despendido a quantia de € 5.841,00 em propinas.
r) O ofendido, em resultado da agressão, sofreu, de imediato e nos dias posteriores, fortíssimas dores e incómodos, uma vez que, não podia falar nem ingerir alimentos sólidos.
s) Dores e incómodos que perduraram durante longos meses e durante todo o tempo dos tratamentos a que teve de ser submetido.
t) Em resultado das lesões sofridas, o ofendido, com apenas 19 anos de idade, tornou-se numa pessoa triste, deprimida e com graves dificuldades de relacionamento com familiares e amigos.
u) Para além do constrangimento e do vexame social, o ofendido sentiu-se, permanentemente, inibido de sair de casa para conviver com os amigos, prática habitual até então.
v) Mesmo em casa, o ofendido face ao constrangimento decorrente desta situação, não conseguia estar com visitas ou familiares, ficando muitas vezes fechado no quarto.
w) O ofendido pôs em causa a sua auto estima, a imagem de si próprio e valoração pessoal.
x) O ofendido afastou-se dos amigos e colegas da mesma idade e que consigo iniciaram o curso de arquitectura, pelo que, após a consolidação das lesões mudou de curso, no sentido de quebrar com a perturbante ligação ao seu passado escolar.
y) O ofendido caiu em profunda perturbação psicológica.
(Factos relativos à personalidade e condições pessoais dos arguidos)
z) O arguido … é estudante, vive com os pais e recebe destes a quantia de € 200,00 mensais para prover a despesas normais e recebe, ainda, a quantia de € 150,00 da sua avó para proceder ao pagamento de um empréstimo que contraiu para aquisição de um veículo.
aa) O arguido … é chefe de secção ambiental e saúde do estabelecimento comercial denominado "Jumbo" da Figueira da Foz, auferindo quantia não concretamente apurada mas nunca inferior a € 1.100,00.
bb) O arguido … vive sozinho, em casa arrendada, pagando a contraprestação mensal de cerca de € 175,00, a título de renda, tendo contraído, recentemente, um empréstimo para aquisição de habitação, sendo certo que ainda não pagou qualquer prestação mensal mas, adiantou que esta deverá ascender a € 160,00 mensais
cc) Ao arguido … não são conhecidos antecedentes criminais.
dd) Ao arguido … são conhecidos os seguintes antecedentes criminais:
1) Por sentença datada de 03.11.2005, ao abrigo do processo n.º 420/03.9 PBCBR, do 2.° Juízo Criminal de Coimbra, o arguido foi condenado numa pena de 275 dias de multa à taxa diária de € 4,00, pela prática, em 13.04.2003, de um crime de ameaça e um crime de dano, p. e p. pelos art.s 153.° n.º 2 e 212.° do CP;
2) Por sentença datada de 12.05.2004, ao abrigo do processo n.º 735/02.3 PBSNT, do 2.° Juízo Criminal de Sintra, o arguido foi condenado numa pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 4,00 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 5 meses, pela prática, em 09.11.2002, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.° do CP;
*
2. Factos Não Provados
Não resultou provado, com relevância para a decisão a proferir, que:
a) O arguido … com o comportamento descrito em c) dos factos provados quis ter a disponibilidade do veículo para em seu benefício o usar.
E foi a seguinte a “motivação da decisão de facto”:
Nos termos do art. 374° nº 2 do Código de Processo Penal impõe-se agora proceder a uma exposição, tão completa quanto possível, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.
A prova não é, nem pode ser nunca, a certeza absoluta da ocorrência do facto, ela tem como função, para usar a expressão do art. 341° do Código Civil, a demonstração da realidade dos factos, em vista da impossibilidade de fuga à deformação sofrida até à apreensão pelo receptor dos factos.
Os factos, quando ocorrem, esgotam-se em si mesmos, tornando impossível a sua reconstituição natural. O que se pretende – e pretendeu – fazer na audiência, foi reconstituir o que se passou. Assim, a verdade que surge ao Tribunal é a verdade da audiência, do que nela se passou, já com o filtro do tempo, com o depoimento dos arguidos, do ofendido e das testemunhas, com o perigo que estes trazem ínsitos.
A produção de prova teve vicissitudes várias e, a credibilizarem-se todos os testemunhos teríamos versões incompatíveis e que mutuamente se excluíam.
Explicitando e começando pelas declarações dos arguidos, estes situaram a ocorrência dos factos no tempo e lugar indicados na acusação, adiantando que não se conheciam antes da ocorrência dos factos em sujeito.
O arguido … admitiu que, nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas na acusação, e sem qualquer motivo aparente, decidiu entrar no veículo mencionado em a) dos factos provados e procedeu nos termos descritos na alínea c) dos mesmos. Não apresentou conveniente justificação, sendo certo que apenas referiu que foi uma brincadeira, não tendo qualquer intenção de utilizar o veículo em proveito próprio, fazendo-se transportar no mesmo.
Por seu turno, o arguido … admitiu, igualmente que, nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas na acusação, dirigia-se para o café Jazz tendo-se apercebido do comportamento do arguido …. Apesar disso, e como não conhecia aquele, nem o veículo que conduzia, entrou no referido café Jazz e aí, pouco tempo depois, ouviu … a queixar-se que não sabia do paradeiro do seu veículo, tendo, então, associado o comportamento do arguido com o desaparecimento do veículo. Desta forma, dirigiu-se a … dizendo-lhe que tinha visto o seu veículo a ser conduzido e que sabia onde o mesmo se encontrava. Assim, saiu do dito café e dirigiu-se em direcção à rua onde o arguido … havia estacionado o veículo em questão. Quando chegou ao café, já na posse do veículo, entregou-o o mesmo a …, tendo, posteriormente, tirado satisfações com o arguido …. A conversa entre ambos começou a tornar-se agressiva, tendo-se aproximado o … que se envolveu na conversa e com os ânimos já bastante exaltados, este envolveu-se em confronto físico com o arguido ….
O arguido referiu que, do que se lembra só andou envolvido fisicamente com o …, e adiantou que se, na verdade, tivesse agredido o ofendido …, tendo em conta o grau das lesões que este apresentou, certamente, que não se esqueceria de tal episódio.
Não pondo em questão as declarações do arguido …, o certo é que não podemos retirar a mesma conclusão, nos termos em que este o faz. Vejamos.
Foram relevantes para a demonstração dos factos constantes no libelo acusatório, designadamente, das alíneas a) a f) dos factos provados, os depoimentos das testemunhas …, …, … e …. Tais testemunhas presenciaram, pelo menos, em parte os factos relatados supra, sendo certo que as contradições destes respectivos depoimentos com outras testemunhas foram notórias.
Não obstante isso, e tendo em conta o lapso de tempo já decorrido desde a prática dos factos em sujeito até à data de hoje, o certo é que pelas testemunhas foram dadas mais respostas no sentido de "não me lembro", "já não sei bem" e "não consigo ter a certeza", do que respostas com conteúdo positivo ou negativo que pudessem relevar com interesse para a decisão da causa. Todavia, também é verdade que muitas das testemunhas ouvidas pretendiam asseverar que o arguido … não tinha batido no assistente …, sendo certo, contudo, que após perguntas mais pormenorizadas sobre o sucedido, todas elas embrulhavam o discurso, torneavam pormenores caindo em contradições factuais.
Apesar disso, a primeira das indicadas testemunhas …, relatou a primeira parte dos factos constantes da acusação, uma vez que era a proprietária do veículo em questão. Por seu turno a testemunha … apenas relatou que quando viu pela primeira vez o ofendido …, estava este já cheio de sangue, jorrando-o pela boca. As testemunhas … e … são irmãos e destas foram os únicos que afirmaram ter visto o arguido … a desferir um murro no ofendido …. Todavia, fizeram-no com alguma insegurança. … foi quem esteve envolvido fisicamente com o arguido …, tendo referido que o ofendido … aproximou-se para os tentar separar, tendo, de imediato, aquele desferido um murro na zona da cabeça do Luís. Relatou que tal aconteceu logo no início de toda a confusão, dentro do pátio do café, junto à porta de entrada do café propriamente dito. Mais acrescenta que o … era seu amigo e estava consigo a festejar o seu aniversário.
Foi, ainda, determinante o depoimento da testemunha …, médico dentista, que acompanhou e tratou o ofendido … desde o início. Tal testemunha, pela razão de sua ciência, pela experiência na matéria, depôs de forma isenta, clara e bastante esclarecida. Não obstante ter sido esta testemunha quem acompanhou o ofendido em todos os tratamentos que foram necessários realizar, desde a recuperação do traumatismo propriamente dito até à implantação dos dentes em definitivo, tal facto, em nada, impediu de se mostrar totalmente imparcial, na medida em que nenhum interesse directo ou indirecto tem, qualquer que seja o desfecho do presente caso. Nesta medida, tal testemunha foi merecedora de credibilidade séria, tendo sido o respectivo depoimento objectivo e seguro.
As declarações desta testemunha centraram-se em dois aspectos distintos, a saber, por um lado as possíveis causas da lesão e por outro as consequências e extensão da mesma. Assim, tendo em conta o primeiro aspecto, a testemunha inquirida foi peremptória em afirmar que pela morfologia da lesão, a mesma só poderá ter sido provocada por um impacto frontal, o ofendido não apresentava quaisquer lesões no nariz nem no queixo, pelo que, a testemunha afirmou convictamente que a lesão apresentada foi consequência de um murro. Explicou que a lesão, apresentada pelo ofendido, é muito direccionada, não houve laceração dos tecidos, o que implica, forçosamente, um impacto único, razoavelmente forte e projectado numa direcção única. O ofendido … perdeu quatro dentes incisivos no maxilar superior, tendo estes, caído, inteiros, ou seja, após o embate, caíram inteiros pela raiz, não sofrendo qualquer tipo de fractura.
Ora, tal facto, segundo a referida testemunha, só poderá ter sido causado por um impacto único direccionado na zona da raiz do dente, uma vez que, de outra forma, ou seja, sendo vários os impactos e/ou na zona do dente propriamente dito (na parte visível do dente), a lesão apresentada teria que ser forçosamente bem diferente. Nestes últimos casos, os dentes não caíram, seguramente, inteiros mas sim partiriam pela parte mais desprotegida.
De forma simples, explicitou que por cima da raiz do dente, existe uma espécie de tábua, uma fina e frágil camada "óssea", que, no caso do ofendido partiu, ou seja, esta fina camada perdeu-se com o dente ou foi absorvida, pelo que foi necessário reabilitar toda essa zona. Tal facto só leva, ainda, mais a concluir que o impacto sofrido teve de ser frontal e direccionado, pois de outra forma seria difícil tal camada se ter danificado. Referiu, ainda, que a força necessária para provocar tal lesão não tem de ser uma força extrema e brutal, neste campo a influencia de factores exteriores é grande, como por exemplo, a força de cada um de nós, a capacidade de cada um de nós reagir a vários graus de força e ainda a diferença de capacidades de quem emerge e recebe o impacto.
A posição que a defesa vêm assumindo ao longo de todo o julgamento é no sentido de justificar as lesões apresentadas pelo ofendido com a queda do mesmo do muro que existia no local, conforme fotografias juntas a fls. 348 e 349. Na verdade, não pomos em dúvida que uma queda do referido muro, pudesse causar lesões semelhantes às apresentadas pelo ofendido, designadamente, perda de dentes. Todavia, não podemos crer que com uma queda do muro, apenas resultassem essas mesmas lesões, ou seja, a existir uma queda do muro, seguramente e sem sombra de duvidas, que o ofendido teria necessariamente que apresentar outras lesões para além da perda dos dentes. Tanto mais que a ter caído do muro, atendendo às lesões apresentadas, só o poderia ter feito caindo de frente no chão, batendo com a parte da frente da cara no chão, e neste caso, seria de todo impossível não apresentar quaisquer lesões no nariz, como é o caso do ofendido. Neste ultimo cenário, a ter-se verificado, o que não cremos, o ofendido teria, no mínimo de apresentar lesões no nariz, o que não acontece. Para além disso, e analisando as declarações da testemunha …, tendo em conta a morfologia da lesão, uma queda do muro levaria, forçosamente, à laceração e/ou escoriação dos tecidos, isto é, em termos mais leigos, levaria a que o ofendido apresentasse, pelo menos as gengivas e os lábios rasgados e não completamente fechados e intactos como apresentou o ofendido. (cfr. fotografias de fls. 348 e 349).
Para além disso, cabe ainda referir que a testemunha … o pai do ofendido, …, no mesmo dia dos autos deslocaram-se ao local dos acontecimentos, com vista a procurarem os dentes que haviam caído, na tentativa de serem novamente aproveitados. Os referidos dentes foram encontrados dentro do pátio do café, um junto à entrada da porta do estabelecimento propriamente dito, outro no canto mais próximo daquela e outros dois perto do muro lateral mais próximo daquela. Segundo … a contenda terá começado junto a este muro lateral mais próximo da porta de entrada do café, local onde se encontrava o arguido … quando o arguido …o foi abordar, ao qual se aproximou … em seguida e se envolveu em confronto físico com aquele e, ao qual, em seguida, se aproximou, também, o ofendido ….
Segundo a testemunha …, pai do ofendido, havia também muitas manchas de sangue, no meio do pátio e no passeio exterior junto ao lancil e pingos de sangue junto ao muro.
Cabe, ainda, referir que foram tidas em consideração as declarações prestadas pelo ofendido … que, pelas consequências graves que tal episodio lhe trouxe e pelo relembrar de toda a história e sofrimento, se mostraram bastante concisas. Apesar disso, foi claro e esclarecido e merecedor de credibilidade. Referiu que estava no interior do café Jazz, a celebrar o aniversário do …, tendo-se deslocado para o exterior por instantes. Quando aí chegou, viu o arguido … e … envolvidos fisicamente e foi tentar separá-los, quando o arguido Tiago lhe desferiu um murro. Disse que com o murro caiu de imediato e não se recorda, com precisão, de mais nada. Nunca mais tinha visto o arguido Tiago, apenas o viu no dia da audiência de julgamento, não tendo quaisquer dúvidas que foi ele quem lhe desferiu um murro naquela noite.
As testemunhas …, … e …, não foram merecedores de credibilidade para o Tribunal, sendo os respectivos depoimentos feridos de contradições e incoerências. As antinomias depararam-se quer pelo confronto dos três depoimentos, quer pelo confronto de cada um dos depoimentos com as declarações do próprio arguido, das restantes testemunhas e com as declarações do próprio ofendido.
Com efeito, e apesar de o arguido apenas ter confessado se ter envolvido com …, é convicção do Tribunal que, tendo em conta todo o circunstancialismo descrito, terá, sem dúvida, desferido um murro no ofendido ….
Nesta parte, refira-se, ainda, que todas as testemunhas inquiridas foram unânimes em afirmar não terem visto o ofendido … envolvido fisicamente com quem quer que fosse, pelo que, se conclui, com segurança, que tendo o murro desferido pelo arguido Tiago, acontecido logo no início da contenda, o ofendido imediatamente, com os ferimentos apresentados, saiu de cena.
Para as alíneas I) a x) foram importantes os depoimentos das testemunhas …,… e …. Aqueles, pais do ofendido relataram a forma como o filho viveu tal triste episódio, contaram o sofrimento e tristezas pelas quais passou. Confirmaram os tratamentos e despesas feitas, bem como o percurso escolar que o ofendido acabou por fazer. Tais testemunhos foram essenciais na convicção do Tribunal, pelo menos, na extensão, gravidade e severidade das consequências da agressão sofrida pelo ofendido.
Foram, também, determinantes, para considerarmos sustentada a versão do ofendido, o relatório do Instituto de Medicina Legal relativo a exame realizado ao mesmo (fls. 67 a 69, 70 e 71, 90 a 92, 126 a 128) e os documentos de fls. 82, 83, 172 a 221, que retratam o conteúdo dos tratamentos e consultas realizados pelo ofendido, tendo também sido devidamente esclarecidos, os respectivos conteúdos e valores, pela testemunha Fernando Guerra, justificando-os e explicando-os, sendo que correspondem, na sua maioria a tratamentos dentários, despesas em diverso material específico, exames e honorários médicos.
No que concerne à situação socio-económica e profissional dos arguidos (alíneas z) a bb) da matéria de facto provada), o Tribunal teve em consideração os depoimentos dos mesmos e, bem assim, os depoimentos das testemunhas …, … e …, que se mostraram claros e coerentes, sendo certo que não foi produzida prova que os infirmasse.
Os factos dados como provados sob as alíneas cc) e dd) decorreram do compulso dos certificados de registo criminal de fls. 358 a 362.
Foi a seguinte a fundamentação expendida na sentença recorrida a propósito da escolha e determinação da medida concreta da pena (transcrição):
Uma vez que concluímos pelo cometimento do crime de ofensa à integridade física simples pelo arguido …, cumpre, agora, proceder à escolha e determinação da medida concreta da pena a aplicar ao mesmo, tendo-se, primeiramente em atenção a determinação da medida legal ou abstracta da pena.
No que concerne à escolha da pena temos de referir que o sistema punitivo português tem, como primeiro objectivo, um efeito pedagógico e ressocializador, sendo a pena detentiva ou privativa da liberdade encarada como a ultima ratio.
Conforme prescreve o art.º 70.º do C.P., sendo aplicáveis ao crime, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deverá dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, com o que se visa combater as penas detentivas, reconhecidamente mais estigmatizantes e com menores potencialidades de ressocialização, sempre que as finalidades das penas possam ser alcançadas de outro modo, o que vale com especial pertinência quando estamos em face de penas de prisão de curta duração.
Quando existem penas alternativas ou de substituição, a escolha pela pena de prisão ou pela pena de multa é algo que não tem directamente a ver com o grau de culpa, mas com as finalidades da punição: "quer dizer, a escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial”[3]
Todavia, apesar de ao arguido … não serem conhecidos antecedentes criminais e de se encontrar o mesmo social e profissionalmente inserido, entende-se ser desadequada a aplicação de uma pena de multa.
São fortes as necessidades de protecção do bem jurídico, atenta a extraordinária frequência do crime em apreço e as exigências de prevenção geral e especial apontam para a aplicação da pena de prisão.
Na verdade, são por demais evidentes as necessidades de prevenção geral de integração, sendo que as exigências de conservação e reforço da norma violada, atendendo ao que a sociedade exige, não se coadunam com uma tolerante pena de multa quando perante tal tipo de crime e considerando a lesão, a gravidade da ofensa e o prejuízo causado pela prática do mesmo.
Quanto à medida da pena é esta fixada nos termos do art. 71.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal, sendo que a pena concreta é sempre limitada no seu máximo pela medida da culpa, limite este inultrapassável.
Como refere FIGUEIREDO DIAS, "dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas do ordenamento jurídico”[4].
Dentro desta moldura actuam razões de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, quando tal se imponha, pois se o agente não se mostrar carente de socialização, por se encontrar socialmente integrado, então a medida encontrada terá apenas a função de suficiente advertência, baixando a medida para o limiar mínimo.
As exigências de prevenção geral assumem particular relevo no crime de ofensa à integridade física, na medida em que tal crime se manifesta com grande frequência, sendo certo que, a sua dimensão e gravidade é aferida, em muitos casos, não pela sua frequência mas pelas gravidade da lesão e ofensa causadas pela prática do mesmo. É certo que as exigências de prevenção geral neste tipo de crime não são sempre idênticas e merecedoras da mesma censurabilidade.
E não há dúvida de que o dolo se verifica na sua forma mais grave - dolo directo, bem como o dano/ofensa causado é manifestamente grave.
A favor do arguido retém-se a ausência de antecedentes criminais conhecidos e o facto de se encontrar inserido social e profissionalmente e, ainda, as circunstancias em que a situação descrita ocorreu.
Tudo visto e ponderado, e atendendo aos limites abstractos do crime imputado ao arguido, revela-se adequada a pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.
Nos termos do art.º 50.º n.º 1 do Código Penal o Tribunal pode suspender a execução da pena de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples ameaça do cumprimento efectivo de pena de prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo, pelo que, só deve ser decretada quando o Tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e demais circunstâncias indicadas no texto legal, serem essas as medidas adequadas a afastar o arguido da criminalidade[5].
Leal Henriques e Simas Santos referem que "na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, uma esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. (..) Devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões da prevenção especial”[6].
Assim, apurou-se relativamente à condição de vida do arguido, que o mesmo se mostra socialmente inserido. Para além disso, a opção, pela primeira vez, pela pena de prisão leva-nos a acreditar que haverá grande sensibilidade à pena aplicada e que a simples ameaça do cumprimento efectivo da pena será suficiente para evitar práticas semelhantes. O arguido encontra-se profissionalmente inserido, auferindo a quantia media mensal de € 1.100,00, permitindo acreditar que cumprirá, também, a condição a impor.
Destarte, entende-se que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção (geral) do crime, pelo que se suspende a pena aplicada ao arguido pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, nos termos do crt." 50.° do Código Penal (na versão anterior à entrada em vl90r da lei 59/2007 de 4 de Setembro, ou seja, na versão do DL 48/95 de 15 de Março com as posteriores actualizações), com a condição de em igual prazo pagar, pelo menos, metade do valor que se fixará infra, ao ofendido Luís Pedro Castela, a título de indemnização civil.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro (que procedeu à 23ª alteração do Código Penal) e da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (que procedeu à 15ª alteração do Código de Processo Penal) importa referir não ter daqui resultado qualquer benefício para o arguido tendo em conta que o art.º 50.º do CP no seu n.º 5 passou a prever que o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão. Ora, não obstante, a ser aplicado o novo regime, o período de suspensão ser menor do que o determinado por via do anterior regime, o certo é que sendo a referida suspensão condicionada ao pagamento do valor que se fixará infra a título de indemnização civil, este teria que lhe ser exigido num período muito mais curto de tempo. Isto é, com a aplicação do novo regime a pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão seria suspensa na sua execução pelo mesmo período de 1 (um) ano e 3 (três) meses, condicionada ao pagamento, em igual período de, pelo menos, metade do valor que se fixará infra, ao ofendido Luís Pedro Castela, a título de indemnização civil. Neste sentido, se conclui que a aplicação do novo regime sempre seria desfavorável ao arguido.
Deste modo, sempre se dirá que sendo o regime anterior à entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro (que procedeu à 23.ª alteração do Código Penal) e da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (que procedeu à 15.ª alteração do Código de Processo Penal) o mais favorável ao arguido, o mesmo terá forçosamente que ser aplicado em bloco.
Questões de Facto
Importa analisar as questões relativas aos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida salientando que o reexame da decisão em matéria de facto em sede de recurso não se confunde com um segundo julgamento, impossível pela inexistência de oralidade e imediação. Corresponde a um remédio jurídico para eventuais erros de procedimento ou de julgamento, mas que passa pela apreciação efectiva de cada uma das questões concretamente colocadas.
De acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-07-2007 (processo 07P2304,  em www.dgsi.pt) “o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (art. 430.º do CPP), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP.
Como se exarou no acórdão deste STJ de 12-06-2005, proferido no Proc. n.º 1577/05, o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos no recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência.
Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão-só a sindicação da já proferida, sendo certo que no exercício dessa tarefa o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, pelo que, se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico das provas efectuado pelo tribunal recorrido.
Se da análise do acórdão recorrido se constata que o Tribunal da Relação examinou as provas produzidas na audiência, quer por via do recurso à transcrição dos depoimentos das testemunhas, quer por via do exame dos documentos constantes do processo, tendo concluído que a prova foi valorada e apreciada em obediência às regras e princípios do direito probatório, de forma correcta e de acordo com as regras da experiência, concretamente sem violação do princípio in dubio pro reo, e se, por outro lado, resulta também do exame do acórdão encontrar-se o mesmo correctamente fundamentado na parte em que se pronunciou sobre as questões de direito submetidas à sua apreciação pelo arguido, é manifestamente improcedente o recurso ao arguir a nulidade do acórdão impugnado por falta de fundamentação e de exame crítico da prova e por omissão de pronúncia”[7].
O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, não se encontrando o julgador sujeito às regras rígidas da prova tarifada, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais. Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão”[8], confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
A ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º)[9].
Com a alteração do Código de Processo Penal operada pela Lei 48/07 de 29.8, mantém-se actual a jurisprudência supra aludida com a ressalva de que o Tribunal da Relação deve agora proceder ao exame das provas produzidas em audiência pela audição através da audição das passagens indicadas (art. 412º nº 6 do Código de Processo Penal), constantes, no caso dos autos, da gravação digital de voz efectuada (art. 364º nº 1 do Código de Processo Penal).
Vejamos então as questões de facto em apreço.
*
Numa primeira aproximação, importa afirmar que basta a análise atenta do teor das motivações e das conclusões formuladas pelo Recorrente e o seu confronto com a leitura da motivação de facto da sentença – pelo esforço de narração de pontos essenciais de vários depoimentos e de explicitação das razões da sua livre convicção – para perceber que o fundamento da divergência do Recorrente incide na valoração da prova pelo Tribunal, valoração essa, livremente formada e fundamentada. Ora, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”[10].
No mesmo sentido vai a jurisprudência uniforme deste Tribunal da Relação: “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum”[11].
Concretizemos.
Factos F, I (1ª parte) e J
O assistente afirmou que o arguido lhe desferiu o murro na boca que lhe causou as lesões provadas[12]. Foi inequívoco nessa sua afirmação, apesar de alguma aparente insegurança inicial que o Recorrente sobrevaloriza nas suas motivações.
No mesmo sentido depuseram as testemunhas … e …[13].
A testemunha … disse que viu o … dar um murro no …, quando estava mesmo ao lado deste. Não foi porém segura sobre o momento em que o assistente começou a sangrar, aludindo a um salto que este terá dado sobre o muro e ao qual o Recorrente dá especial relevância nas suas motivações. Como veremos ao referir o primordial depoimento de … é possível (e foi possível ao tribunal a quo) estabelecer com a necessária segurança jurídica, na conjugação das várias provas, que não foi em resultado desse ou doutro hipotético salto que o assistente se magoou.
…, por seu turno, envolvido fisicamente com o ora Recorrente desde o início da contenda, foi claro ao afirmar: “Depois o … foi lá para separar e acho que o Tiago bateu nele” para logo a seguir esclarecer “acho não, tenho a certeza!”. Estabeleceu ainda a evidência de um nexo de causalidade entre o murro desferido pelo ora Recorrente e a queda dos dentes “os dentes caíram-lhe porque tinham-lhe batido”. Afirmou também que não foi uma queda do muro que provocou as lesões ao assistente. No sentido da confirmação do local onde o assistente foi agredido e perdeu os dentes referiu ainda que no dia seguinte esteve no local com o pai do assistente a apanhar os dentes, dizendo que foram encontrados no pátio de acesso ao café e não para lá do muro. O pai do assistente, a testemunha Carlos Cardoso[14] confirmou essa afirmação. 
Refira-se, ainda que também o arguido …[15] colocou o assistente como tendo estado envolvido em agressões com o ora Recorrente.
É certo que os testemunhos de …, …, … e …[16], como o Recorrente argumenta, procuram pôr em causa que o assistente tivesse sido agredido pelo arguido e sofrido lesões em consequência das mesmas.
Porém, o tribunal a quo não acreditou nesses depoimentos. E explicou porquê: As testemunhas …, … e …, não foram merecedores de credibilidade para o Tribunal, sendo os respectivos depoimentos feridos de contradições e incoerências. As antinomias depararam-se quer pelo confronto dos três depoimentos, quer pelo confronto de cada um dos depoimentos com as declarações do próprio arguido, das restantes testemunhas e com as declarações do próprio ofendido
Quanto à testemunha …, o seu depoimento foi reputado de credível pelo Tribunal para estabelecer o que ocorreu antes da agressão ao assistente. Porém, também esta testemunha não mereceu, obviamente, a credibilidade do Tribunal quando afirma que o assistente estava afastado da “confusão”, sentado em cima do muro onde o vê para, quando volta a olhar o ver do lado de fora do dito muro todo ensanguentado.
Não merecem contestação os argumentos de ordem lógico-dedutivas e baseados na experiência avançados pelo tribunal a quo para afastar a tese da queda do muro e que aqui recordamos:
A posição que a defesa vêm assumindo ao longo de todo o julgamento é no sentido de justificar as lesões apresentadas pelo ofendido com a queda do mesmo do muro que existia no local, conforme fotografias juntas a fls. 348 e 349. Na verdade, não pomos em dúvida que uma queda do referido muro, pudesse causar lesões semelhantes às apresentadas pelo ofendido, designadamente, perda de dentes. Todavia, não podemos crer que com uma queda do muro, apenas resultassem essas mesmas lesões, ou seja, a existir uma queda do muro, seguramente e sem sombra de duvidas, que o ofendido teria necessariamente que apresentar outras lesões para além da perda dos dentes. Tanto mais que a ter caído do muro, atendendo às lesões apresentadas, só o poderia ter feito caindo de frente no chão, batendo com a parte da frente da cara no chão, e neste caso, seria de todo impossível não apresentar quaisquer lesões no nariz, como é o caso do ofendido. Neste ultimo cenário, a ter-se verificado, o que não cremos, o ofendido teria, no mínimo de apresentar lesões no nariz, o que não acontece. Para além disso, e analisando as declarações da testemunha …, tendo em conta a morfologia da lesão, uma queda do muro levaria, forçosamente, à laceração e/ou escoriação dos tecidos, isto é, em termos mais leigos, levaria a que o ofendido apresentasse, pelo menos as gengivas e os lábios rasgados e não completamente fechados e intactos como apresentou o ofendido.
Porém, temos para nós como especialmente relevante o depoimento da testemunha …, inspectora da Polícia Judiciária, amiga da … e por esta chamada ao local e invocada como argumento de autoridade pela testemunha … para obter credibilidade para a sua versão de queda do muro – disse que a sua amiga foi ter com o assistente após este ter saído (ou caído) de cima do muro, quando estava cheio de sangue, apresentando-se como polícia.
Confirmando que estava ao lado da amiga, a testemunha … foi esclarecedora.
Afirmou, sem margem para dúvidas que “a confusão foi dentro do espaço entre o muro e a porta do café” para, num relato que tem tanto de vivido como de tipicamente policial dizer: “Apercebo-me de uma grande confusão no pátio que fica em frente ao dito café mas quando olhei já só vi um rapaz que estava cheio de sangue na boca a quem eu me dirigi e lhe disse que era polícia e se precisava de alguma coisa, o que é que se tinha passado. Já não sei dizer exactamente o que é que ele disse mas sei que foi mal-educado e me tratou mal e que, ao que julgo involuntariamente porque estava a deitar sangue da boca, cuspiu-me a camisola toda”. A seguir reafirmou: “Essencialmente o que me despertou a atenção foi o barulho e depois vi um grande aglomerado de pessoas sendo que esse rapaz sobressaiu porque se afastou desse grupo e estava a jorrar sangue da boca”.
Perante este depoimento, com a credibilidade acrescida pelo facto de provir de alguém pertencente a uma força policial, relacionado com o grupo do ora Recorrente, que assistiu aos factos e que apresenta uma versão dos mesmos compatível com a sustentada pelo assistente e incompatível com a apresentada pelo ora Recorrente com suporte nas declarações das outras testemunhas pertencentes ao seu grupo é evidente que bem andou o tribunal a quo ao julgar assentes os factos F, I e J – sendo certo que a razoabilidade de se ter considerada assente a intencionalidade da actuação do Recorrente (facto J), face à factualidade objectiva provada se mostra razoável e fundada nas regras da experiência.
Diga-se, por fim, que é admissível alguma confusão que se reputa aceitável nos depoimentos das testemunhos …, …, …, … se tivermos em conta que quer a testemunha Vasco, quer o assistente tinham camisolas com números (depoimento de …) e que, no confronto com o ora Recorrente, a testemunha Vasco terá caído no passeio (segundo a versão desta testemunha). Só a admissibilidade da confusão entre o … e o assistente é que explica que da falta de credibilidade daqueles depoimentos, declarada já pelo tribunal a quo, não tenham sido extraídas outras consequências.   
Factos Q e R
Acentua o assistente na sua resposta que o Recorrente “nem na motivação, nem nas conclusões demonstra ou mesmo refere, ainda que sumariamente, a razão de ser da sua discordância em relação ao que foi julgado” quanto ao facto provado em Q. Aparentemente tal ausência verificar-se-ia não só em relação ao facto constante do ponto Q, como também do ponto R.
Porém, lida atentamente a segunda conclusão do seu recurso admite-se que o Recorrente quisesse afirmar que o murro infligido pelo recorrente não teve por consequência as lesões sofridas pelo Assistente e constantes da factualidade provada constante em Q e R.
Recorde-se que o Tribunal a quo fundamentou a sua convicção sobre tais factos da seguinte forma:
Para as alíneas I) a x) foram importantes os depoimentos das testemunhas …, … e …. Aqueles, pais do ofendido relataram a forma como o filho viveu tal triste episódio, contaram o sofrimento e tristezas pelas quais passou. Confirmaram os tratamentos e despesas feitas, bem como o percurso escolar que o ofendido acabou por fazer. Tais testemunhos foram essenciais na convicção do Tribunal, pelo menos, na extensão, gravidade e severidade das consequências da agressão sofrida pelo ofendido.
Foram, também, determinantes, para considerarmos sustentada a versão do ofendido, o relatório do Instituto de Medicina Legal relativo a exame realizado ao mesmo (fls. 67 a 69, 70 e 71, 90 a 92, 126 a 128) e os documentos de fls. 82, 83, 172 a 221, que retratam o conteúdo dos tratamentos e consultas realizados pelo ofendido, tendo também sido devidamente esclarecidos, os respectivos conteúdos e valores, pela testemunha Fernando Guerra, justificando-os e explicando-os, sendo que correspondem, na sua maioria a tratamentos dentários, despesas em diverso material específico, exames e honorários médicos.
Basta a audição dos depoimentos dos pais do assistente, …e …[17] para concluir pela existência de prova suficiente para dar tais factos como assentes.
A propósito do facto Q referiram ambos que o assistente frequentava o 1º ano de Arquitectura e, por causa desta agressão teve graves problemas psicológicos – não queria sair do quarto, não queria ver ninguém – e de aproveitamento escolar. O pai foi mais claro: “Esteve um ano sem sair de casa … tinha vergonha de aparecer … o ano foi à vida … o ano seguinte obriguei-o a matricular-se mas também foi à vida porque ele faltava mais vezes do que ia … andou mais de dois anos nisto”.
Sobre o facto R, descreveram os dois as várias operações, as centenas de pontos na boca, as anestesias, a “hemorragia brutal” logo a seguir a ter sido cosido pela primeira vez, a perda de substância óssea. A mãe lembrou as “dores loucas” e a alimentação que não pôde ser sólida durante mais de um mês. “Não podia comer nem chupar pela palhinha … fazia sopas que deixava cair pela boca”.
Por fim, refira-se que, como o próprio Recorrente reconhece, a testemunha …, médico do assistente, sustentou a compatibilidade entre um impacto directo e frontal, decorrente de um murro e as lesões sofridas, não se vislumbrando – ao contrário do que o Recorrente sugere – qualquer impossibilidade desse murro ter sido desferido pelo Recorrente quando o assistente se postou entre ele e a testemunha Vasco Pimenta, de costas para este e de frente para o Recorrente.  
Também nesta parte, está estabelecido o nexo de causalidade entre a agressão, as lesões e as aludidas consequências, sendo patente que o Recorrente não tem razão.
Violação do art. 127º do Código de Processo Penal
Como se procurou demonstrar, o tribunal a quo recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada, e os raciocínios aí expendidos merecem a concordância deste Tribunal. Na realidade, o tribunal superior pode verificar se na sentença se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum[18], mas, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1ª instância que está em condições melhores para fazer um adequado uso do princípio de livre apreciação da prova. O art. 127° do Código de Processo Penal indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova[19].
Ora, como se viu, a sentença proferida pelo Tribunal a quo assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova.
Poder-se-ia questionar, de acordo com critérios de razoabilidade e de experiência do homem comum, a probabilidade de um único murro causar tamanha devastação. Também o tribunal a quo se questionou, superou a dúvida e optou pela resposta positiva com base no depoimento sabedor do Dr. …. O acórdão recorrido explicou, com base nesse depoimento, que “a força necessária para provocar tal lesão não tem de ser uma força extrema e brutal, neste campo a influência de factores exteriores é grande, como por exemplo, a força de cada um de nós, a capacidade de cada um de nós reagir a vários graus de força e ainda a diferença de capacidades de quem emerge e recebe o impacto”. 
Consequentemente, não pode merecer crítica a convicção do tribunal a quo resultante da livre apreciação da prova produzida em julgamento, com respeito pelo disposto no art. 127º do Código de Processo Penal. 
Violação do princípio do in dubio pro reo
Defende ainda o arguido na motivação apresentada que deveria ter funcionado o princípio in dubio pro reo, e na dúvida o tribunal devia tê-lo absolvido.
Cumpre acentuar que o tribunal não se socorreu do princípio in dubio pro reo que apenas significa que perante factos incertos, a dúvida favorece os arguidos, porque não teve quaisquer dúvidas da valoração da prova e, ficou seguro do seu juízo de censura.
No caso vertente, tal princípio só teria sido violado “se da prova produzida e documentada resultasse que, ao condenar os arguidos com base em tal prova, o juiz tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor dos arguidos”[20].
Ora, a fundamentação não viola o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova e estriba-se em provas legalmente válidas e valoradas de forma racional, lógica, objectiva, e de harmonia com a experiência comum. Por isso, não pode concluir-se que essa mesma prova gera factos incertos, que implicam dúvida razoável que afasta a valoração efectuada pelo tribunal para, assim, se alterar a decisão de facto recorrida. Por conseguinte é lícita e válida a decisão de facto.
Como vimos, no caso dos autos a livre apreciação da prova não conduziu nem poderia conduzir à subsistência de qualquer dúvida razoável sobre a existência do facto e do seu autor. Por isso, não há lugar à invocação do princípio in dubio pro reo.
Salvo o devido respeito, ao contrário do que o Recorrente parece sustentar, não é pelo mero facto de serem produzidos meios de prova antagónicos, de sinal oposto ou contraditórios que o Tribunal fica impedido de descortinar a verdade material e de assentar fundamentadamente (com base nas provas produzidas, na sua interpretação e nas regras da experiência) na factualidade que na sua livre convicção considere que corresponde à realidade. É exactamente esse poder-dever de procurar a verdade material face às diversas versões que se confrontam que distingue o juiz dos restantes sujeitos processuais. 
Com a devida vénia transcreve-se aqui parte do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.1.08, proc. 07P4198, em www.dgsi.pt[21], citando Cristina Líbano Monteiro, que explica cabalmente porque é que em casos como o dos autos não ocorre a violação do aludido princípio:
“De todo o modo, não haverá, na aplicação da regra processual da «livre apreciação da prova» (art. 127.º do CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio «in dubio pro reo» exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida [ainda que «indirecta»], depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir – como aqui não conduziu - «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto». O “in dubio pro reo”, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997).
Até porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade» (idem, p 17): «O juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» (idem, p. 13). E, por isso, é que, «nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade («a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, “uma firme certeza do julgador”, sem que concomitantemente “subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto”), não há lugar à intervenção da «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que é o in dubio pro reo (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (idem).
Ademais, «são admissíveis [em processo penal] as provas que não forem proibidas por lei» (art. 125.º do CPP), nelas incluídas as presunções judiciais (ou seja, «as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto conhecido»: art. 349.º do CC). Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir «prova directa» não contrarie o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (qualquer que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a sua livre convicção (art. 127.º do CPP). Não estaria por isso vedado às instâncias, ante factos conhecidos, a extracção – por presunção judicial – de ilações capazes de «firmar um facto desconhecido».
A este propósito, convém de resto recordar que «verificar cada um dos enunciados factuais pertinentes para a apreciação e decisão da causa é o que se chama a prova, o processo probatório» e que «para levar a cabo essa tarefa, o tribunal está munido de uma racionalidade própria, em parte comum só a ela e que apelidaremos de razoável». E isso porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador-juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável ("a doubt for which reasons can be given”)». Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» (ibidem).
Daí que, nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade (repete-se: «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, «uma firme certeza do julgador», sem que concomitantemente «subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto»), não haja - seguramente - lugar à intervenção dessa «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que, fundada na presunção de inocência, é o "in dubio pro reo" (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência [aqui ausente] de uma firme certeza do julgador»)”.
Face ao exposto, não se verifica qualquer violação do princípio invocado nem da sua consagração constitucional (art. 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa).
Existência dos vícios dos art.s 379º al. a) e 374º nº 2 do Código de Processo Penal
Insuficiência da matéria fáctica e erro notório na apreciação da mesma
Os vícios da sentença (ou de acórdão), que determinam a nulidade da sentença, previstos no art. 379º do Código de Processo Penal, constituem deficiências da própria sentença enquanto acto processual autonomamente considerado, que se traduzem em desconformidade do acto decisório com os pressupostos, exigências, conteúdo necessário, ou modo de construção que a lei determina[22].
Nos termos da al. a) do nº 1 do art. 379º “é nula a sentença que não contiver as menções contidas no nº 2 e na al. b) do nº 3 do art. 374º”. A al. b) do nº 3 do art. 374º consagra a exigência da sentença terminar pelo dispositivo contendo a decisão condenatória ou absolutória, enquanto o nº 2 estabelece a necessidade da “fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Afirma o Recorrente nas suas conclusões que é manifesta a existência da nulidade que aponta.
Salvo o devido respeito não se vislumbra nenhum dos fundamentos de nulidade em causa nem o Recorrente o explicita como devia[23]. O acórdão tem uma parte decisória bem definida onde conclui pela condenação do ora Recorrente, enquanto a fundamentação, longe de estar ausente ou de ser insuficiente é clara, exaustiva e equilibrada. Sem embargo da discordância que o ora Recorrente obviamente manifesta, os factos estão proficientemente narrados, o tribunal a quo faz a apreciação crítica da prova de forma acessível a todos os destinatários da decisão e justifica a qualificação jurídica dos factos a que procedeu e a pena concreta que julgou adequada.
Face ao exposto, não se verifica a nulidade da sentença a que alude o art. 379º do Código de Processo Penal.
Constata-se, aliás, que a motivação e as conclusões apresentadas não assimilam a distinção entre as nulidades do art. 379º do Código de Processo Penal, o que se torna patente pela alusão à insuficiência da matéria fáctica e ao erro notório na apreciação da mesma.
Efectivamente, nos termos do art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal “o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova”.
Eventualmente, o Recorrente também pretendeu invocar a existência desses vícios[24].
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[25].
Existe o vício previsto na alínea a) do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal quando a factualidade dada como provada na sentença não permite, por insuficiência, uma decisão de direito ou seja, quando dos factos provados não possam logicamente ser extraídas as ilações do tribunal recorrido. A insuficiência da matéria de facto determina a incorrecta formação de um juízo, porque a conclusão ultrapassa as respectivas premissas[26]. Dito de outro modo: quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão[27].
Existe o vício previsto na alínea b), do n.º 2 do art. 410.º quando há contradição entre a matéria de facto dada como provada, entre a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada, entre a fundamentação probatória da matéria de facto, e ainda entre a fundamentação e a decisão[28].
Finalmente, ocorre o vício previsto na alínea c), do nº 2 do art. 410º quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente[29]. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.
Pela leitura da motivação e das conclusões resulta evidente que o Recorrente labora no erro de considerar que pode pura e simplesmente manifestar a sua discordância em relação à convicção do julgador livremente formada e devidamente explicitada, procurando substituir a apreciação do tribunal pela sua avaliação da prova produzida. Não basta nem é aceitável. Seria a inversão da posição das personagens do processo, substituindo-se a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão[30].
Ora, na perspectiva do Recorrente, quer a insuficiência da matéria de facto, quer a sua contradição verificam-se só porque se valorou insuficientemente a prova favorável à tese do Recorrente e porque o tribunal a quo deu como assente factos que estão em contradição com o que foi dito pelas testemunhas que afirmaram aquela tese. 
Como decorre do pequeno excurso sobre o significado de cada um dos vícios do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal os fundamentos de discordância do Recorrente são insustentáveis:
Analisado o acórdão recorrido verifica-se que a factualidade dada como provada serve de suporte a uma decisão de direito conscienciosa e não se observa a necessidade ou pertinência de investigar qualquer outro facto ou circunstância com relevo para a decisão;
Também não existe contradição entre os factos provados, nem entre estes e os não provados; bem assim, a fundamentação não é contraditória, tal como existe concordância entre a fundamentação e a decisão;
Por fim, a convicção do tribunal a quo mostra-se consentânea com as regras da experiência comum e não viola qualquer critério legalmente fixado: não se decidiu contra o que se provou ou não provou nem se deu como provado o que não podia ter acontecido.
Medida da pena
Como se alcança do teor das motivações e conclusões, o Recorrente considera não ser justa nem equitativa a pena que lhe foi aplicada e pugna pela aplicação de pena de multa.
Vejamos se lhe assiste razão.
O tribunal a quo devia começar como começou pela opção entre a pena de prisão e de multa nos termos do art. 70º do Código Penal.
Como salienta o acórdão recorrido, quando existem penas alternativas ou de substituição, a escolha pela pena de prisão ou pela pena de multa é algo que não tem directamente a ver com o grau de culpa, mas com as finalidades da punição: “quer dizer, a escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial”[31]. Apesar de Cavaleiro Ferreira ter salientado a relevância das necessidades de reprovação do crime[32], hodiernamente “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação”[33].
De qualquer forma, a alternativa, consagrada no art. 70º do Código Penal impõe uma escolha. A preferência legal pelas penas não privativas da liberdade não significa que a escolha tenha restrições. Impõe-se sempre uma escolha consciente, correcta e fundamentada[34].
Foi esse o caminho que o Tribunal a quo procurou trilhar, ponderando que apesar de ao Recorrente não serem conhecidos antecedentes criminais e de se encontrar social e profissionalmente inserido, são fortes as necessidades de protecção do bem jurídico, atenta a extraordinária frequência do crime em apreço e as exigências de prevenção geral e especial porque as exigências de conservação e reforço da norma violada, atendendo ao que a sociedade exige, não se coadunam com uma tolerante pena de multa quando perante tal tipo de crime e considerando a lesão, a gravidade da ofensa e o prejuízo causado pela prática do mesmo.
Podemos afirmar[35] que a prevenção especial (ou individual) tem um duplo sentido. Positivo de ressocialização do delinquente e negativo ou de dissuasão da prática de futuros crimes. Também a prevenção geral tem esse sentido positivo ou de integração – em que a pena é por um lado “um meio de interpelar a sociedade e cada um dos seus membros para a relevância social e individual do respectivo bem jurídico tutelado penalmente” e simultaneamente uma forma de revigorar a “confiança da comunidade na efectiva tutela penal estatal dos bens jurídicos”[36] – e negativo ou de dissuasão geral, direccionado à comunidade em geral.  
No caso de infractores ocasionais, como é o caso do ora Recorrente, a dissuasão – prevenção especial negativa – é o sentido principal da prevenção especial[37], já que estamos perante delinquentes sem (especiais) necessidades de ressocialização.
Assim, o objectivo essencial da pena a aplicar a um “infractor ocasional” é a prevenção especial negativa, embora sem perder de vista a prevenção especial positiva (as eventuais necessidades de ressocialização) e condicionado e limitado pela culpa e pela prevenção geral. São estes os fins das penas conforme preceitua o art. 40º do Código Penal: “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (nº 1), sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (nº 2).
Assim sendo, o elevado grau de ilicitude da conduta e a gravidade das consequências – desferindo um murro na zona inferior da cara à vítima que se lhe tinha dirigido com o intuito de o separar do seu contendor, provocando-lhe lesões que demoraram quase três anos a curar – inculcam no julgador a convicção da existência de fortes necessidades de prevenção especial negativa, expressa pelo tribunal a quo quando refere ser “tolerante” a “pena de multa quando perante tal tipo de crime e considerando a lesão, a gravidade da ofensa e o prejuízo causado”. Efectivamente, o julgador, enquanto intérprete da lei e do sentido de justiça da sociedade em geral, apercebe-se de que a condenação numa pena de multa no caso dos autos corresponde a criar naquela o sentimento de impunidade deste crime – deixando insatisfeitas as necessidades de prevenção geral positiva e negativa – e, fundamentalmente, criando no arguido essa mesma sensação de impunidade – por isso, não satisfazendo as necessidades de prevenção especial negativa.
Sintetizando, a aplicação de uma pena de multa perante o facto criminoso com os contornos do dos autos mostra-se tão desadequada que não tem qualquer efeito dissuasor de futuros crimes no arguido e diminui a confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens jurídicos. Assim, a opção por pena não privativa da liberdade não satisfaria os propósitos de prevenção especial e geral, subjacentes à escolha de qualquer pena.
Assente a adequação da pena de prisão ao caso concreto, importa verificar se a pena concreta foi criteriosamente determinada. 
Abstractamente a pena é definida em função da culpa e da prevenção, intervindo, ainda, circunstâncias que não fazendo parte do tipo, atenuam ou agravam a responsabilidade do agente – art. 71º nºs 1 e 2 do Código Penal.
Como se disse, a função essencial da pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, com respeito da salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.
Como refere Claus Roxin, em consonância com os princípios basilares no nosso direito penal, “a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada.
A sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal, exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece; e “merecida” é só uma pena de acordo com a culpabilidade.
Certamente a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.
A pena serve os fins de prevenção especial e geral. Limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais[38].
Ao definir a pena o julgador não pode deixar de procurar entender a personalidade do arguido, para melhor determinar o seu desvalor ético-jurídico e a desconformidade com a personalidade suposta pela ordem jurídico-penal, exprimindo a medida dessa desconformidade a medida da censura pessoal do agente, e, assim, o critério essencial da medida da pena.
A submoldura da prevenção geral é fortemente influenciada pela importância dos bens jurídicos a proteger, desempenhando uma função pedagógica através da qual se procura dissuadir as consequências nocivas da prática de futuros crimes e conseguir o reforço da crença colectiva na validade e eficácia das normas, em ordem à defesa da ordem jurídica penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva.
Por sua vez, a prevenção especial positiva ou de socialização responde à necessidade de readaptação social do arguido.
Recordemos que o tribunal a quo ponderou, e bem, “o dolo … na sua forma mais grave – dolo directo, bem como o dano/ofensa causado … manifestamente grave. A favor do arguido retém-se a ausência de antecedentes criminais conhecidos e o facto de se encontrar inserido social e profissionalmente e, ainda, as circunstancias em que a situação descrita ocorreu”.
Embora pecando por uma formulação sintética mas adequada ao caso concreto e sem recurso a fórmulas genéricas está suficientemente justificada a fixação da pena em um ano e três meses de prisão.
Bem assim, está devidamente fundamentada e não merece crítica a opção pela suspensão da execução da pena.
Suscita-se, porém, a questão do período de suspensão e da subordinação da suspensão ao pagamento de determinada quantia.
O tribunal optou pela aplicação de pena de um ano e três meses de prisão suspensa na sua execução por dois anos e seis meses, sob condição de pagamento ao ofendido de, pelo menos, metade da quantia determinada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, ou seja, a quantia de € 17.835,11.
Para atingir tal desiderato, aplicou em bloco o regime anterior à entrada em vigor da Lei 59/2007 de 4 de Setembro (que procedeu à 23.ª alteração do Código Penal) por o considerar o mais favorável ao arguido, uma vez que o Código Penal, na sua actual redacção estabelece que “o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença…” (nº 5 do art. 50º).
O raciocínio expendido sintetiza-se da seguinte forma: como a suspensão da execução da pena deve ficar condicionada ao pagamento de metade da indemnização é mais favorável o regime em vigor à data da prática dos factos porque permite um prazo alargado de cumprimento da condição.
Para quem sustente que “a norma do nº 5 do art. 50º do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, é mais favorável ao arguido se dela resultar um período de suspensão mais curto, ainda que seja também encurtado o prazo de cumprimento da condição a que ficou subordinada a suspensão”[39], a solução afigura-se como manifestamente incorrecta. O período de suspensão mais curto é de aplicação automática mesmo se estiver subordinado a uma condição.
No entanto, a questão não pode ser colocada de forma tão simplista. Na determinação do regime concretamente mais concreto, o que importa ponderar é se, com um período de suspensão mais curto o tribunal não deve ponderar, ao invés, a aplicação de uma pena de prisão efectiva. Explicitando:
“Não tendo havido quaisquer alterações quanto aos critérios e procedimentos de determinação da pena, podemos ter como adquirido que o tribunal, colocado perante a aplicação do Código Penal revisto, teria de manter a condenação na pena principal de 1 ano e 6 meses de prisão.
Mas já não me parece líquido que, face à nova configuiração legal das penas de substituição, o tribunal tivesse de manter a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, agora por apenas 1 ano e 6 meses.
A decisão de suspender a pena pelo período de quatro anos assentara na consideração de que tal pena de substituição era a que realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ora, se o tribunal prefigurasse uma suspensão por apenas 1 ano e 6 meses, temos de admitir que tal pena de substituição poderia não ser considerada adequada e suficiente face às finalidades da punição. Eventualmente, o tribunal teria de reequacionar a substituição e, a suspender a execução da prisão, optaria pela subordinação ao cumprimento de outros deveres e / ou regras de conduta, ou poderia determinar o acompanhamento com regime de prova, ou mesmo poderia legitimamente considerar que a pena de prisão não deveria ser suspensa naqueles termos por inadequação e insuficiência. Neste último caso, o regime penal anterior seria, sem dúvida, o concretamente mais favorável” [40].   
Por isso, tem de ser casuisticamente, perante o caso concreto, que se há-de aferir qual o regime concretamente mais favorável.
No caso em apreço, o acórdão recorrido não afirma nem justifica a essencialidade da fixação do montante respeitante à condição de suspensão da pena. Embora concordemos que a imposição da assunção pelo Recorrente da responsabilidade económica pelo ressarcimento dos danos que a sua conduta causou seja um importante garante da sua ressocialização, concomitantemente se obtendo uma parcial “reparação do mal do crime” (art. 51º nº 1 al. a) do Código Penal), não vislumbramos em que medida é que a imposição da obrigação de pagamento de exactamente metade do montante indemnizatório fixado seja tão essencial que justifique que se considere mais favorável o regime vigente na data da prática dos factos.
Não é efectivamente relevante, nem pode ser esse o raciocínio subjacente à fixação da condição de reparação parcial do mal do crime. O tribunal a quo partiu do montante indemnizatório que considerou adequado para fixar o período de suspensão da pena em função desse montante quando a lei exige o raciocínio oposto.
O pagamento de parte da indemnização obedece a critérios de razoabilidade impostos pela própria lei: a al. a) do nº 1 do art. 51º do Código Penal alude ao pagamento da indemnização “na parte que o tribunal considerar possível”, enquanto o nº 2 da mesma norma estabelece que “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”.
Face ao exposto e mostrando-se, como se mostra face aos rendimentos e condições de vida provados do Recorrente, a razoabilidade do critério adoptado para fixação da parcela indemnizatória que o Recorrente tinha de satisfazer como condição de suspensão da execução da pena, basta a sua redução proporcional (para metade, tal como a redução do período de suspensão também é de dois anos e seis meses para um ano e três meses) para que a quantia a satisfazer seja razoável para o prazo de suspensão da execução da pena que, por força da lei nova se há-de fixar em um ano e três meses.
Importa pois, nesta parte, embora com fundamentos diversos dos invocados, alterar a decisão e, por considerável mais favorável ao arguido o regime do Código Penal revisto pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, fixar o período de suspensão da pena em um ano e três meses, mantendo a sua subordinação à condição de pagamento ao ofendido de, pelo menos, um quarto da quantia determinada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, ou seja, a quantia de € 8.917,55.
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:
Rejeitar o recurso intercalar por ter sido extemporaneamente interposto;
Conceder parcial provimento ao recurso da decisão final e, consequentemente, em alterar o período de suspensão da execução da pena para um ano e três meses, subordinada à condição de pagamento ao ofendido, pelo menos, de um quarto da quantia determinada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, ou seja, a quantia de € 8.917,56, no mais mantendo a decisão recorrida.
Pelo decaimento parcial o Recorrente é condenado nas custas, fixando-se a taxa de justiça em cinco Ucs.


[1] Com algumas especificidades no que respeita à impugnação da matéria de facto, como afirma o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005 “a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões. Perante esta margem de indefinição legal, e tendo o recorrente procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou a Relação conhecia da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convidava o recorrente a corrigir aquelas conclusões” (proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577, no mesmo site) De qualquer forma, no caso dos autos o Recorrente especificou nas suas conclusões os pontos de facto que no seu entender foram incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida.
[2] No sentido de que é na exigência do Recorrente indicar concretamente as passagens das gravações em que se funda a impugnação –por serem estas que devem ser ouvidas e visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (art. 412º nºs 4 e 6 do Código de Processo Penal) – que se encontra a justificação material para o alargamento do prazo de 20 para 30 dias, nos termos do art. 411º nº 4 do Código de Processo Penal, pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.10.08, no proc. 4/06.0TAMGR.C1.  
[3] Maia Gonçalves em anotação ao art. 70º do C.P., 14ª edição, 2001, p. 234 e também o Ac. RC de 17/01/1996, CJ Ano XXI, t.I, p. 38
[4] Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, 2001, pág. 105
[5] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, pp. 342 e 343
[6] In “Código Penal Anotado”, 3ª edição, 1º vol.
[7] Neste sentido, a recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça exige que o Tribunal de recurso “demonstre que, no caso concreto, a matéria de facto, rectius, os pontos questionados da matéria de facto, tem efectivo suporte na fundamentação, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados na decisão recorrida e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem «decisão diversa»”, conforme acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-05-2007,  processo 07P1498 em www.dgsi.pt; cfr. ainda o aresto do mesmo Tribunal de 05-07-2007, processo 07P1776; e afasta as fórmulas genéricas (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27-04-2005 e 29-06-2005, respectivamente processos 05P768 e 05P2035 no mesmo site).
[8] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232
[9] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, em www.dgsi.pt
[10] Acórdão do Tribunal Constitucional 198/2004 de 24.03.2004, DR, II S, de 02.06.2004
[11] Acórdão da Relação de Coimbra de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44.....Comarca de Coimbra -1º Juízo Criminal; no mesmo sentido, os acórdãos 19.06.2002 e de 04.02.2004, nos recursos penais 1770/02 e 3960/03; 18.09.2002, recurso penal 1580/02; 16.11.05, recurso penal 1793/05, em www.dgsi.pt    
[12] Sessão de 1.4.08, gravado em CD com hora de início às 11.43.35 e termo às 12.07.43
[13] Respectivamente na sessão de 9.5.08, gravado em CD com hora de início às 10.07.52 e termo às 10.35.36  e sessão de 22.4.08, gravado em CD com hora de início às 15.39.05 e termo às 16.15.19.
[14] Sessão de 22.4.08, gravado em CD com hora de início às 16.32.13 e termo às 17.01.24
[15] Sessão de 1.4.08, gravado em CD com hora de início às 11.01.55 e termo às 11.05.34
[16] Respectivamente nas sessões de 22.4.08, gravado em CD com hora de início às 14.35.30 e termo às 15.04.35, de 22.4.08, gravado em CD com hora de início às 15.04.36 e termo às 15.39.04, de 9.5.08, gravado em CD com hora de início às 11.06.30 e termo às 11.23.54  e de 1.4.08, gravado em CD com hora de início às 12.07.44 e termo às 12.47.24
[17] Na sessão de 22.4.08, gravado em CD, respectivamente com início às 16.157.202 e termo às 16.32.12  e início às 16.32.13 e termo às 17.01.24
[18] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pg. 294
[19] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.2.08, no proc. 07P4729, em www.dgsi.pt.
[20] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.2.98, na CJ 1998, T. 1, pg. 199.
[21] No mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.10.07, no proc. 07P3170, em www.dgsi.pt. 
[22] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.9.05, no proc. 2634/05, da 3ª secção, sumariado em Sumários dos Acórdãos, ano 2005
[23] “Quem acoima de nula uma decisão, deve precisar e procurar evidenciar quais os concretos pontos de carência fundamentadora em que faz ancorar a sua pretensão, sob pena de não poder desencadear, no tribunal de recurso, uma cingida critica ao labor desenvolvido pelo tribunal recorrido”, como afirma o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.10.08, no proc. 179/03.01IDACB.C1, em www.dgsi.pt.  
[24] Embora, se afigure que a invocada insuficiência e contradição, na perspectiva do Recorrente, se referia à contradição de versões e à insuficiência de prova para ultrapassar essas contradições, posição insustentável, como se verá infra,
[25] Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., pg. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pg. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pg. 77 e ss.
[26] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.05.1998, Proc. nº 98P212, em www.dgsi.pt.
[27] Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pg. 69.
[28] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2.ª ed., pg. 340 e ss.
[29] Germano Marques da Silva, ob. cit., pg. 341 e ss. e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.10.96, Proc. nº 045267, www.dgsi.pt.
[30] Acórdão do Tribunal Constitucional supra citado.
[31] Maia Gonçalves em anotação ao art. 70.º do Código Penal, 14.ª edição, 2001, pg. 234 e também o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17.1.1996, na CJ, Ano XXI, T. I, pg. 38.
[32] “Lições”, II, pg. 97.
[33] Figueiredo Dias, Direito Penal II, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pg. 331.
[34] Neste sentido, Sá Pereira e A. Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, pg. 215.
[35]  Com Taipa de Carvalho, “Direito Penal, Parte Geral –Questões Fundamentais, UC, Porto, 2003, pg.s 83 a 88
[36] Taipa de Carvalho, ob. cit., pg. 86
[37]  A “mensagem punitiva dissuasora” de que fala Taipa de Carvalho, ob. cit. pg. 84.
[38] Derecho Penal - Parte General, Tomo I, Tradução da 2ª edição Alemã e notas por Diego-Manuel Luzón Penã, Miguel Díaz Y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas), pgs. 99/101 e 103
[39]  Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 12.12.07, nos proc.s 0711124 e 0744647 
[40]  Jorge Gonçalves, “A Revisão do Código Penal: Alterações ao Sistema Sancionatório Relativo às Pessoas Singulares”, texto correspondente aos tópicos da intervenção nas Jornadas organizadas pelo CEJ sobre a revisão do Código Penal; no mesmo sentido, no contexto dos crimes de abuso de confiança fiscal, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.2.08, do mesmo autor, no proc. 24/06.4IDVIS.C1 (não publicado).