Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4251/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. RUI BARREIROS
Descritores: MUDANÇA DE DIRECÇÃO
Data do Acordão: 03/23/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ART. 35.º DO C.E.
Sumário:

I – As regras do Código da Estrada sobre a mudança de direcção para a esquerda visam a protecção de quem circula atrás do que quer mudar de direcção e de quem circula em sentido contrário: 1º) sinal para a esquerda – para os que vêm atrás, poderem adequar a velocidade a eventual desaceleração, abrandamento ou travagem; se preparem para passar pela direita, caso tenham espaço para isso; para os que circulam em sentido contrário ou em sentido que conflua para o entroncamento poderem adequar a sua manobra à daquele, por exemplo, prosseguindo-a por não entrarem em “rota de colisão” ou terem prioridade, ou parando se a não tiverem; 2º) aproximar-se o mais possível do eixo da via – para os que vêm atrás poderem prosseguir a sua marcha passando pela direita daquele e, quando não têm espaço para o fazer, ganharem visibilidade, reiniciando a marcha com mais segurança; 3º) com a necessária antecedência – tem a mesma função do sinal e evitam-se manobras bruscas, o que protege, ainda, os que vêm atrás; 4º) de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação – para os que vêm na estrada onde aquele está a entrar e possam virar à direita sem chocarem.

II - As regras do Código da Estrada sobre a ultrapassagem visam a protecção dos condutores que circulam em sentido contrário e no mesmo sentido, mas também do condutor que, à frente do ultrapassante, num entroncamento, vai mudar para a esquerda.
Decisão Texto Integral:
Acordam, na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, no recurso de apelação nº 4251, vindo do 2º Juízo do Tribunal da Comarca de Alcobaça (acções sumárias nºs. 195/99 e 195-A/99, apensadas):
I – Relatório.
1. Autores:
1.1. J, e M (acção sumária nº 195/99).
1.2. N (acção sumária nº 195-A/99).
2. Rés:
2.1. Companhia de Seguros Metrópole, S.A., sociedade comercial, com sede na Rua Barata Salgueiro, nº 41, em Lisboa (acção sumária nº 195/99).
2.2. Companhia Europeia de Seguros SA, com sede na Av. Fontes Pereira de melo, nº 6, em Lisboa (acção sumária nº 195-A/99).
3. Pedidos:
3.1. na acção sumária nº 195/99: condenação da Companhia de Seguros Metrópole, S.A. a pagar a J a quantia de 1.972144$00 e a M a quantia de 700.000$00, ambas as quantias acrescidas de juros legais desde a propositura da acção.
3.2. na acção sumária nº 195-A/99: condenação da Companhia Europeia de Seguros SA a pagar a N a quantia de 1.704.818$00, acrescida de juros à taxa legal desde o acidente até ao pagamento.
4. Causas de pedir: factos ilícitos e culposos de onde derivaram prejuízos em relação de adequação com os referidos factos.
...
6. Da parte em que a sentença absolveu a segunda ré, recorreu o autor N, recurso admitido como apelação, concluindo as suas Alegações pela forma seguinte:
1- A sentença que absolveu a Companhia de Seguros Europeia S.A, por considerar o ora recorrente único e exclusivo culpado na produção do acidente a que os autos se reportam, assenta numa presunção, não expressamente estabelecida pela Lei e, tão grave ou mais grave do que isso, ao arrepio da prova produzida.
2- O recorrente não decidiu ultrapassar os três veículos que seguiam à sua frente, no momento em que chegava ao entroncamento de Moleanos e tal como resulta da resposta ao n° 25 da Base Instrutória da acção sumária nº 195/99.
3- Com efeito, tendo-se o embate entre os dois veículos verificado na zona em que a EN n° 1 conflui com a estrada de acesso a Moleanos, ou seja, exactamente, na zona do entroncamento e,
4- sendo certo que o A, antes da colisão, havia já ultrapassado dois outros veículos - o Opel Corsa e a carrinha,
5- Naturalmente que a sua decisão de ultrapassar foi tomada alguns metros antes do local em que as duas estradas entroncam uma na outra.
...
8- O mesmo é dizer que, quando o A iniciou a referida ultrapassagem, a metade esquerda da faixa de rodagem se encontrava livre de qualquer veículo em trânsito.
9- Verifica-se, assim, manifesta contradição entre a resposta ao n° 25 da Base Instrutória da acção sumária n.° 195/"99 e a alínea D dos Factos Assentes na Acção Sumária n° 195-A/)), a resposta ao n° 7 da Base Instrutória da acção sumária n° 195/99 e a resposta ao n° 27 da Base Instrutória da acção sumária n° 195/99.
...
14-Com efeito, sendo certo que não resultou provado que o A tenha iniciado a ultrapassagem antes de o condutor do veículo 26-07-EX ter accionado o sinal de luzes indicador da manobra de mudança de direcção (nem o facto contrário), certo é também que a presunção da experiência nos diz que quem usa de atenção, cuidado e prevenção numa determinada situação em vista à protecção do interesse de terceiros, usá-las-á em todas as situações e de todas as perspectivas em vista à mesma protecção de interesses.
15-Por outro lado, a lógica dos factos (provados) impõe que se conclua que a ultrapassagem vários metros antes do entroncamento, mesmo antes do sinal vertical indicador de proximidade de entroncamento à esquerda.
16-Ou seja, o A cumpriu todas as regras estradais que à condução, manobra e condições de tempo e lugar se impunham.
17 Sem esquecer que o eventual excesso de velocidade de que vinha imbuído não poderá considerar-se causal do acidente.
18-Ao contrário, assim não procedeu o condutor do EX.
19-Uma vez que não hesitou em mudar de direcção à esquerda, mau grado na faixa de rodagem da esquerda circular o motociclo do A.
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23-E, estando o motociclo a realizar uma ultrapassagem, o condutor do EX só teria que facultar essa ultrapassagem e, posteriormente, realizar a manobra pretendida.
...
II – Fundamentação.
8. Factos provados
Pelas 0.30 horas do dia 19/8/95, na EN n.º 1, ocorreu um acidente de viação ao Km 93,7, no qual intervieram as viaturas 26-07-EX e o 00-35-DV, a primeira conduzida pelo J e, a segunda, um motociclo ..., conduzido por N.
Ambos os condutores são os proprietários dos mencionados veículos e detinham a direcção efectiva dos mesmos.
O motociclo 00-35-DV seguia no sentido Leiria-Lisboa.
À sua frente e no mesmo sentido, incorporado numa fila de trânsito, circulava o veículo ligeiro de passageiros, 26-07-EX.
Aquando do embate nenhuma viatura circulava em sentido contrário ao do EX.
Porque não circulava qualquer outro veículo em sentido contrário, o N iniciou com o motociclo DV a ultrapassagem dos veículos que, em fila seguiam à sua frente. cf. nº 9.1.2, último §.
Em consequência directa do acidente o EX ficou imediatamente imobilizado e com a parte lateral esquerda e a frente batidas e a direcção desalinhada.
...
Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 50.5396730 a Companhia de Seguros Metrópole assumira a responsabilidade civil emergentes de acidente de viação com o motociclo DV.
À data da colisão, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 00010938, o J, proprietário do veículo 26-07-EX, transferira a responsabilidade civil por danos causados a terceiros por tal veículo, para a Companhia Europeia de Seguros, S.A..
No dia, hora e local referidos na al. A), o EX precedia outra viatura conduzida por Carlos junto ao entroncamento que, à esquerda, conduz a Moleanos.
Aquela viatura (a conduzida por Carlos) aproximou-se do eixo da via e mudou de direcção à esquerda, indicando o caminho às viaturas que o acompanhavam imediatamente atrás.
Atrás, a distância muito próxima do Renault Clio, matrícula 26-07-EX, circulava uma viatura de marca Opel Corsa, conduzida por J e, por sua vez, também a distância muito próxima do Opel Corsa, circulava uma carrinha conduzida por Carlos.
Quando o Renault Clio (26-07-EX) se aproximava do entroncamento da E.N. n.º 1 com a estrada de acesso a Moleanos, entroncamento esse situado à esquerda atento o sentido em que aquele seguia, o J accionou o sinal de pisca para a esquerda e aproximou-se do eixo da via.
Aproximação que fez a uma velocidade de cerca de 20 Km/hora.
O condutor do veículo 26-07-EX virou à esquerda com o intuito de passar a circular pelas estrada de acesso a Moleanos.
O condutor do veículo 26-07-EX, após iniciar a manobra de voltar à esquerda e quando a sua viatura já se encontrava totalmente na faixa de rodagem contrária e com a sua traseira próxima do eixo da via, a mesma foi embatida na parte da frente/lateral esquerda pela parte lateral direita do motociclo DV conduzido por N.
Ao vir embater no veículo 26-07-EX da forma descrita, o motociclo conduzido por N seguia na meia faixa de rodagem esquerda, sentido Norte-Sul.
O motociclo DV circulava a velocidade não inferior a 100 Km/hora.
O motociclo DV ultrapassou duas viaturas que precediam o EX, designadamente o Opel Corsa conduzido por José e a carrinha conduzida por Carlos.
Antes do entroncamento e do local do embate, à data deste, na E.N. n.º 1 e atento o sentido de marcha da viatura e do motociclo, existia um sinal vertical indicando a proximidade de entroncamento à esquerda.
...
O motociclo DV circulava na E.N. nº 1 com as luzes acesas em médios.
E pela metade direita da estrada, atento o seu sentido de marcha.
Ao chegar ao entroncamento de Moleanos, o N, condutor do motociclo DV, porque três veículos que circulavam à sua frente o fizessem devagar e não circulasse qualquer trânsito em sentido contrário, decidiu ultrapassar esses veículos. cf. nº 9.1.2, último §.
Após o condutor do motociclo ter decidido ultrapassar os veículos que se alude no facto que antecede, passou a circular pela metade esquerda da faixa de rodagem.
O condutor do motociclo ultrapassou dois veículos antes de chegar com a frente do motociclo ao EX.
...
9. O Direito.
O recorrente coloca duas questões:
1ª) contradição na matéria de facto, concretamente entre a resposta ao nº 25 da base instrutória da acção nº 195/99 e alínea D) dos factos assentes da acção nº 195-A/99 e as respostas aos nºs. 7 e 27 da base instrutória da 195/99 (nºs. 2 a 9 das Conclusões).
2ª) errada aplicação da lei aos factos, já que não se pode presumir a culpa do recorrente por ter cometido infracção estradal, sendo que o condutor do veículo embatido é que a cometeu ou, subsidiariamente, há concorrência de culpas (nºs. 1, 10 a 26).
9.1.1. Quanto à primeira questão, o recorrente tem parcialmente razão:
...
Assim, suprime-se a resposta ao nº 25 e dá-se a seguinte redacção à alínea D) da acção nº 195-A:
- «Porque três veículos que circulavam à sua frente o fizessem devagar e não circulava qualquer outro veículo em sentido contrário, o Nelson Susano iniciou com o motociclo DV a ultrapassagem dos veículos que, em fila seguiam à sua frente».
9.1.3. Já não se consegue ver onde reside a contradição entre as respostas aos nºs 7 e 27 ou cada uma delas, ou ambas, e a matéria tratada atrás.
...
Assim, mantêm-se as restantes respostas dadas.
9.2. Não obstante a razão do recorrente na questão do momento em que N decidiu e iniciou a ultrapassagem, que, como já vimos, teve de ser antes do cruzamento, a alteração pretendida, e que fizemos, não altera o sentido da decisão tomada, que nos parece correcta.
9.2.1. Se bem vemos as coisas, a fundamentação do recorrente está muito ligada à versão da sua Contestação, muito semelhante à da ré Companhia de Seguros Metrópole, como se referiu na sentença sob censura.
... . Ora, esta versão, onde não há um entroncamento, mas tão-só o cortar do trânsito de um veículo que vai, regularmente, em ultrapassagem, foi vertida para os números 21º a 30º da b.i.. Os números 22º, 28º a 30º não foram provados, os nºs. 23º a 25º ficaram provados e os 21º, 26º e 27º receberam respostas restritivas, sendo que ao 27 se respondeu «provado apenas que o condutor do motociclo ultrapassou dois veículos antes de chegar com a frente do motociclo ao EX».
Quando dizemos que nesta última versão não há cruzamento, a afirmação é absolutamente rigorosa para a P.i. do recorrente, uma vez que a ré ainda fala do entroncamento: «ora acontece que, ao chegar junto do entroncamento para Moleanos, o condutor do motociclo deparou com três veículos que à sua frente e no seu sentido de marcha circulavam devagar, ...»; embora a dinâmica que apresenta do acidente seja igual à do recorrente. Mas, para este, nunca há entroncamento: «no dia 19 de Agosto de 1995, cerca das 0.15 horas na EN nº 1, ao Km 93,7, no lugar de Moleanos, ocorreu um acidente de viação nas circunstâncias seguintes:».
9.2.2. E a questão deste recurso reside exactamente na insistência do recorrente relativamente à sua versão do acidente, mesmo na parte que não ficou provada.
Quando o recorrente afirma que o autor «não hesitou em mudar de direcção à esquerda, mau grado na faixa de rodagem da esquerda circular o motociclo, isto é, o condutor do EX iniciou a mudança de direcção sem previamente se assegurar de que dela não resultaria perigo para o restante tráfego» e «se tivesse tido o cuidado de verificar se algum outro veículo circulava na faixa de rodagem da esquerda, quer à sua frente, quer à sua retaguarda - como poderia e deveria, necessariamente teria constatado a aproximação do motociclo, tanto mais quanto é verdade que este circulava com as luzes acesas em médios», nós estaríamos de acordo com a procedência da apelação, porque, nessas circunstâncias, haveria infracção ao Código da Estrada por parte do condutor do EX: «o condutor do EX violou o disposto nos arts. 35, n.°1 e 39, n° 1, ambos do Cód. da Estrada, além de que conduzia a viatura com total falta de exigível atenção e cuidado, perícia, prevenção e destreza. Ou seja: com negligência, pelo que foi ele o único e exclusivo culpado na produção do acidente a que os autos se reportam - vd. arts. 483 e 487 do Cód. Civil». Na verdade, nessas circunstâncias, «estando o motociclo a realizar uma ultrapassagem, o condutor do EX só teria que facultar essa ultrapassagem e, posteriormente, realizar a manobra pretendida».
O problema está em que aquele não é o quadro factual de onde temos de partir. O recorrente continua, como na sua P.i., a situar o acidente «no lugar de Moleanos», «sendo que, no local, a estrada se desenvolve em recta»; é certo que não se refere explicitamente esta última afirmação, da Contestação; é certo também que nas Alegações o recorrente já fala em entroncamento. Mas aquela versão está subjacente a todo o raciocínio das Alegações e o entroncamento parece nada ter a ver com a ultrapassagem: «por outro lado, a lógica dos factos (provados) impõe que se conclua que a ultrapassagem vários metros antes do entroncamento, mesmo antes do sinal vertical indicador de proximidade de entroncamento à esquerda».
Ora, a introdução no quadro factual de um cruzamento altera radicalmente a situação.
Um condutor, quando chega a um entroncamento e «pretenda mudar de direcção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, ... do eixo desta (faixa de rodagem), ..., e efectuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação» artigo 44º, nº 1, do Código da Estrada (C.E.; D. L. nº 114/94, de 3 de Maio, alterado pelos Ds. Ls. nº 2/98, de 3 de Janeiro e 265-A/01, de 28 de Setembro)., sendo que «deve assinalar com a necessária antecedência a sua intenção» artigo 20º, nº 1, do C.E... Esta era a obrigação do condutor do EX e foi cumprida: «quando o Renault Clio (26-07-EX) se aproximava do entroncamento da E.N. n.º 1 com a estrada de acesso a Moleanos, entroncamento esse situado à esquerda atento o sentido em que aquele seguia, o J accionou o sinal de pisca para a esquerda e aproximou-se do eixo da via, aproximação que fez a uma velocidade de cerca de 20 Km/hora; o condutor do veículo 26-07-EX virou à esquerda com o intuito de passar a circular pelas estrada de acesso a Moleanos».
Um condutor que pretenda ultrapassar outros veículos «não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário», mas deve «poder retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitam» artigo 38º, nºs. 1 e 2, al.b), do C.E. ; grifámos. e está proibido de a fazer «imediatamente antes e nos ...entroncamentos» artigo 41º, nº 1, al. c), do C.E.; grifámos.. Estas as obrigações do recorrente; não cumpridas.
Por isso, de acordo com a sentença e contrariamente ao afirmado nos nºs. 24 e 16 das Conclusões das Alegações, dizemos que «o J não violou qualquer regra estradal na manobra por si efectuada» e que o recorrente não cumpriu as regras estradais que se lhe impunham, à excepção de ter efectuado a ultrapassagem pela esquerda artigo 36º do C.E...
Tiremos a prova.
Nas normas citadas, não há nenhum comando que o condutor do EX não tenha cumprido, como se procurou demonstrar colando a norma aos factos dados como provados; mas, o recorrente violou todas as regras enunciadas.
Por outro lado, os comandos citados e dirigidos ao condutor do EX não têm como beneficiário o recorrente, mas sim, quem circula atrás do que quer mudar de direcção - quem circula atrás, na metade direita da faixa de rodagem, porque não é suposto que, antes ou no cruzamento se circule na metade esquerda e no mesmo sentido -: 1º) sinal para a esquerda – para os que vêm atrás, poderem adequar a velocidade a eventual desaceleração, abrandamento ou travagem; se preparem para passar pela direita cf. artigo 37º, nº 1, do C.E.., caso tenham espaço para isso; para os que circulam em sentido contrário ou em sentido que conflua para o entroncamento poderem adequar a sua manobra à daquele, por exemplo, prosseguindo-a por não entrarem em “rota de colisão” ou terem prioridade, ou parando se a não tiverem; 2º) aproximar-se o mais possível do eixo da via – para os que vêm atrás poderem prosseguir a sua marcha passando pela direita daquele e, quando não têm espaço para o fazer, ganharem visibilidade, reiniciando a marcha com mais segurança, o que não é despiciendo num cruzamento; 3º) com a necessária antecedência – tem a mesma função do sinal e evitam-se manobras bruscas, o que protege, ainda, os que vêm atrás; 4º) de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação – para os que vêm na estrada onde aquele está a entrar e possam virar à direita sem chocarem.
Pelo contrário, os comandos dirigidos ao recorrente têm a ver com o condutor que, à frente do ultrapassante, vai mudar par a esquerda; mudar para a esquerda num cruzamento, que é o caso, porque não faríamos as mesmas afirmações se fosse para entrar num portão ou para estacionar do lado esquerdo, entenda-se bem: 1º) certificar-se de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido, não necessita de explicação; 2º) certificar-se de que pode retomar a direita sem perigo – para os que circulam em sentido contrário, mas também no mesmo sentido, os quais podem ser prejudicados com um regresso à direita com ausência ou falta de espaço; 3º) proibição de ultrapassar no entroncamento – dizer que se dirige ao que vai mudar de direcção para a esquerda, é óbvio, tanto mais que esse não tem que parar por estar a ser ultrapassado, por tal ser proibido, só que, face ao conjunto dos destinatários e complexidade de uma tal situação, pode até parecer estranho estar a isolar um destinatário, tantos que eles são.
E repare-se mais: quando no artigo 35º do C.E. se previne, em geral, as manobras que merecem tratamento em especial, refere-se a ultrapassagem ao lado da mudança de direcção, mas ambas, e todas, têm de ser realizadas «sem perigo ou embaraço para o trânsito» e é depois em cada subsecção que se enunciam as especiais regras que permitem cumprir aquele comando geral; na alínea c), do nº 2, do artigo 38º, impõe-se um dever do ultrapassante relativamente a quem o vai a ultrapassar, embora o ultrapassado também tenha dever para com o que vai a ultrapassar al. d), do nº 2, do artigo 38º do C.E.., mas dever para quem vai ultrapassar, não para quem vai mudar de direcção em entroncamento. Quando se obriga o condutor a «facultar a ultrapassagem, desviando-se o mais possível para a direita» 1ª parte, do nº 1, do artigo 39º, do C.E.., não se abrange o condutor que quer mudar de direcção para a esquerda, porque esse, com já vimos, «deve aproximar-se, ... o mais possível ... do eixo (da via)» nº 1, do artigo 44º, do C.E.., não sendo possível que duas normas imponham comportamentos diferentes e excludentes. Para o condutor do EX, é aplicável a 2ª parte, do nº 1, do artigo 39º do C.E.: chegar-se para a esquerda para ser ultrapassado pela direita.
Assim, temos de rectificar afirmação que deixámos atrás, a de que o recorrente só cumpriu uma das regras a que estava obrigado - ter efectuado a ultrapassagem pela esquerda cf. nota nº 31. -; dissemo-lo só por vir no encadear do raciocínio e para sua comodidade.
A rematar esta parte em que analisámos a razão de ser e os destinatários das normas violadas pelo recorrente (e não violadas pelo condutor do EX), citamos uma passagem do Acórdão da Relação de Lisboa, de 6 de Janeiro de 1987, relatado pelo então Sr. Desembargador Ricardo Velha: «é evidente que tais contravenções se destinam a prevenir ... . Estando, pois, no âmbito da previsão dessas normas há nexo de causalidade entre as infracções e os danos causados pelo embate, se não se interpuser outra causa que, interrompendo o nexo causal, seja só por si causa bastante do acidente» CJXII, 1, 92, 1ª col., 16º e 17º §§..
Concluímos, então, pela correcção da sentença: o acidente deveu-se a facto voluntário, ilícito e culposo do condutor do motociclo, que violou as normas referidas pela sentença. E é de tal maneira flagrante essa violação e a correcção da conduta do EX que podia perfeitamente aceitar-se que o recorrente «tenha iniciado a ultrapassagem antes de o condutor do veículo 26-07-EX ter accionado o sinal de luzes indicador da manobra de mudança de direcção» nº 14 das Conclusões.. Pois, como vimos, uma de três: a) iniciara a ultrapassagem muito antes do entroncamento, portanto, licitamente, mas teria de a ter suspendido ao aproximar-se dele e não entrar nele e bater noutro carro, fizesse este o que fizesse; b) iniciou a ultrapassagem perto do entroncamento e tal estava-lhe vedado, como vimos; c) fez a ultrapassagem no entroncamento e tal também lhe estava vedado.
9.2.3. Assim, dispensar-se-ia entrarmos na questão da alegada ilegalidade em recorrer-se a «presunção não expressamente estabelecida pela Lei» nº 1 das Conclusões., uma vez que a culpa do recorrente resulta directamente do seu comportamento ilícito e independentemente da velocidade a que seguia.
Mas, se tivéssemos que entrar nessa matéria, diríamos o seguinte:
a) o processo judiciário é profundamente dialéctico, o que significa que o exponente diz o necessário à sua pretensão, sob pena de ineptidão ou improcedência, responde-se-lhe na medida do que ele expôs, sob pena de preclusão, decide-se à medida das questões expostas, sob pena de nulidade, e por aí fora, sempre neste ritmo e cadência. O Sr. Juiz justificou abundantemente a sua tomada de posição quanto ao sufragar a referida presunção, com doutrina e jurisprudência. O recorrente limita-se a dizer que essa corrente jurisprudencial «se mostra perfeitamente inadequada ao princípio da causalidade adequada» e «não expressamente estabelecida na Lei» Alegações, a fls. 196 e 197. Assim, limitar-nos-íamos a reproduzir o que foi dito pelo Sr. Juiz.
b) só as presunções legais é que estão expressamente estabelecidas na lei artigo 350º do Código Civil.. As judiciais artigo 351º do Código Civil., referidas na jurisprudência citada pelo Sr. Juiz embora, o Sr. Juíz tenha falado de presunção juris tantum., não o estão. As referidas pela jurisprudência citada, mas também pelo recorrente: «..., certo é também que a presunção da experiência nos diz que quem usa de atenção, cuidado e prevenção numa determinada situação em vista à protecção do interesse de terceiros, usá-las-á em todas as situações e de todas as perspectivas em vista à mesma protecção de interesses» nº 14 das Conclusões.; «por outro lado, a lógica dos factos (provados) impõe que se conclua que ...» nº 15 das Conclusões..
III – Decisão.
Pelo exposto, julgam improcedente a apelação, confirmando o decidido em primeira instância.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo da dispensa de custas decidida a fls. 19 da acção sumária nº 195-A/99.
23 de Março de 2004.