Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
638/06.2TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: SANÇÃO DISCIPLINAR
DIREITO A IMPUGNAR
CADUCIDADE
CADUCIDADE DO DIREITO A IMPUGNAR AS SANÇÕES DISCIPLINARES (QUE NÃO SEJAM O DESPEDIMENTO)
PRAZO DE UM ANO A CONTAR DA COMUNICAÇÃO DA DECISÃO DISCIPLINAR
PRINCÍPIO DO “SALÁRIO IGUAL PARA TRABALHO IGUAL”
DIFERENÇAS DE REMUNERAÇÃO ASSENTES EM CRITÉRIOS OBJECTIVOS
Data do Acordão: 02/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 263º E 435º DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – Hoje, o Código do Trabalho autonomiza o prazo para impugnação da sanção de despedimento (artº 435º, nº 2) em relação ao prazo de prescrição dos créditos (estabelecido no artº 381º).

II – Aquele aparece, agora, claramente configurado como um prazo de caducidade, quando na anterior legislação surgia como um prazo que merecia dúvidas (se se tratava de prescrição ou de caducidade, face ao disposto no artº 38º, nº 1, da LCT).

III – Mas já antes vários arestos dos Tribunais superiores se pronunciavam no sentido de que o prazo para impugnação da sanção disciplinar era de um ano a partir da comunicação da decisão disciplinar, não da data da cessação do contrato de trabalho, ainda que se tratasse de sanção menos grave que o despedimento.

IV – O artº 263ºdo Código do Trabalho (e 59º, nº 1, al. a), da Constituição da Rep. Portuguesa) concretiza o princípio constitucional de “salário igual para trabalho igual”.

V – O referido princípio proíbe as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjectivas.

VI – Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objectivos, então elas são materialmente fundadas e não discriminatórias.

VII – O facto de dois trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria auferirem diferentes retribuições não permite concluir, inevitavelmente, pela violação do princípio da igualdade.

VIII – Para se reconhecer a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, é necessário provar que essa diferenciação é injustificada em virtude de o trabalho dos trabalhadores discriminados ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza (perigosidade, penosidade ou dificuldade), quantidade (logo, as suas intensidade e duração) e qualidade (logo, com respeito pelos conhecimentos, capacidade e experiência que o trabalho exige).

IX – É ainda necessário provar que esses factos são constitutivos do direito subjectivo do trabalhador “discriminado” (à igualdade de tratamento), pelo que ao mesmo trabalhador cumprirá prová-los quando pretende fazer valer esse direito.

X – Se o autor não aderiu ao A. E., a ilação a extrair é que considerou desvantajoso esse acordo, não podendo pretender que lhe apliquem as cláusulas vantajosas (designadamente as cláusulas sobre vencimentos nele acordadas), com rejeição das demais.

Decisão Texto Integral:


Autor: A...
Ré: B...


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. O autor intentou contra a ré a presente acção declarativa de condenação pedindo: a) a declaração de nulidade de sanções disciplinares de nove dias num primeiro processo disciplinar e de dois dias num segundo processo, sendo a ré condenada a pagar-lhe a retribuição descontada e a indemnizá-lo no décuplo do valor descontado; b) condenação da ré no pagamento das diferenças salariais dos aumentos de 2003 a 2006, nos exactos termos e percentagens que aplicou aos demais trabalhadores da empresa; c) condenação da ré a reconhecer o período normal de trinta e cinco horas, por força do acordo de redução desse período, a partir de 1 de Janeiro de 2003 e a pagar-lhe o trabalho suplementar, no valor que se viera a apurar em execução de sentença; d) a pagar-lhe o valor do salário e prémios que são devidos por referência ao trabalhador C...; e) a indemnizá-lo pelos danos não patrimoniais, no valor de 10.000,00€.
Alegou para tanto, em síntese, como refere a sentença recorrida, que se encontra ao serviço da ré, desde quando, com que funções e categoria profissional e que esta lhe instaurou de dois processos disciplinares, um primeiro relativo à alegada conduta de impedimento de acesso às instalações da fábrica de Souselas, um segundo relativo à participação numa reunião da Comissão de Trabalhadores e acrescenta que sanções, entretanto cumpridas, lhe foram aplicadas. Alega que a ré procedeu a aumentos salariais aos trabalhadores ao seu serviço a 1 de Janeiro de 2003, 2004, 2005 e 2006, por força do Acordo de Empresa celebrado com diversas associações sindicais, mas não aplicou o mesmo aumento ao autor a outros trabalhadores, num total de treze, unicamente porque o demandante é membro da Comissão de Trabalhadores, Delegado Sindical e porque sendo filiado no Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Cerâmica, Cimentos, Construção, Madeiras e similares da Região Centro, a ré lhe exige que assine uma declaração de aceitação de convenção colectiva diferente daquela que o seu Sindicato subscreve, e que se encontra em revisão. Alega que os sindicatos deram o seu acordo aos aumentos salariais mas a ré não procedeu ao aumento do seu salário quando tal reclamou, como único objectivo de o perseguir e afectar psicologicamente. Que a ré também não o prémio de produtividade, discriminando-o em relação ao trabalhador C.... Por último, que, a partir de 1.01.2003, tinha direito a um horário de somente trinta e cinco horas semanais, em razão de um acordo entre a ré e a Federação dos Sindicatos de Cerâmica, Cimento e Vidro de Portugal, mas continuou a praticar trinta e nove horas semanais, pelo que, trabalhou além daquilo a que estava obrigado e, assim, trabalhou como trabalho suplementar. Concluindo, invocou ainda os danos não patrimoniais resultantes da ré o ter perseguido, discriminado e punido, transformando a sua vida num tormento.

A ré veio contestar. Defendeu, em síntese, a caducidade do direito à impugnação da sanção aplicada no primeiro procedimento, mas igualmente a legalidade das decisões disciplinares tomadas. Acrescentou que aplicou a quase todos os trabalhadores os aumentos salariais resultantes da aplicação do IRCT celebrado entre si e a FETESE e outros sindicatos, não tendo sido possível chegar a acordo com o Sindicato a que o autor pertence. Considerou que deve aplicar o novo IRCT apenas aos trabalhadores filiados nas associações sindicais outorgantes e a todos a que ao mesmo adiram, mediante declaração expressa. Como o autor nunca quis aderir, apenas pretendendo os novos salários, não tem direito aos aumentos peticionados nem daí resulta ter sofrido qualquer discriminação. Que o prémio de produtividade só é pago aos trabalhadores cujo desempenho profissional o justifique e o autor nunca apresentou desempenho a tanto bastante, contrariamente ao colega com quem se compara; diz que não acordou qualquer redução do horário de trabalho, que continua a ser de trinta e nove horas semanais, jamais tendo assinado qualquer IRCT. Assim, o autor não tem direito a reclamar o pagamento de qualquer trabalho suplementar, nem igualmente tem direito a qualquer indemnização por danos não patrimoniais.
O autor apresentou articulado de resposta à contestação, defendendo, designadamente, que não ocorre a caducidade alegada porque o prazo prescricional só se inicia com a cessação do contrato de trabalho.
*
Prosseguindo o processo, foi proferido, no momento do saneamento, o despacho de fls. 438 e segs. no qual se decidiu o seguinte “que o direito a impugnar a primeira das sanções disciplinares aplicadas pela ré já havia caducado quando o autor exerceu esse direito com a instauração da presente acção e, julgando procedente a excepção peremptória invocada pela ré, absolve-se a mesma, em razão da aludida caducidade, do pedido consistente na declaração de nulidade da aludida sanção (de nove dias com perda de retribuição)”.

Desta decisão, o autor interpôs recurso de apelação apresentando as seguintes conclusões:
[…]
Prosseguindo o processo veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em conformidade, do mais a absolvendo, condenou a ré a reconhecer a anulação da decisão disciplinar que sancionou o autor com dois dias de suspensão com perda de vencimento e, em consequência, a pagar-lhe a quantia correspondente – descontada – no montante de € 85,47.

Inconformado com esta sentença, o autor interpôs nova apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões:
[…]
A ré apresentou contra-alegações nos recursos, concluindo pela sua improcedência.
Colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-geral Adjunto no sentido de que não assiste razão ao recorrente.
*
II- OS FACTOS:
Do despacho que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:
[…]
*
III. Direito
As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto dos recursos (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.
Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:
Quanto ao primeiro recurso:
- se ocorreu ou não a caducidade do direito de impugnar a sanção de suspensão do autor durante nove dias com perda de retribuição.
Quanto ao segundo recurso:
- se a não aplicação dos aumentos em 2003, 2004, 2005 e 2006 se deveu a descriminação fundada na filiação sindical do recorrente;
- se o não pagamento do prémio de produtividade se deveu ao facto do autor ser representante e eleito dos trabalhadores e se tal configura uma discriminação em razão de filiação ou por actividade sindical;
- se ao autor era aplicável a redução do período normal de trabalho para as 35 horas e, em consequência, lhe é devido pagamento do trabalho suplementar;
- se se justifica a fixação de indemnização ao autor por danos não patrimoniais.

1- A questão da caducidade do direito de impugnar a sanção disciplinar.
Como já se disse, o autor formulou pedido de declaração de nulidade da sanção de suspensão de prestação de trabalho de nove dias com desconto do vencimento.
A ré invocou a caducidade do direito de impugnar essa sanção, alegando que a comunicação ao trabalhador da correspondente decisão ocorreu em 2003 e a presente acção só foi instaurada em 2006 (2 de Junho)
O autor não contesta as datas em causa, mas defende que não é aplicável o prazo de prescrição de um ano a sanções disciplinares que não ponham termo em definitivo às relações de trabalho e que o prazo ano só começa a correr após a cessação do contrato de trabalho.
Vejamos:
Cumpre-nos desde já reconhecer que a decisão da 1ª instância nos parece conforme com a jurisprudência que tem sido seguida e melhor se adequa com a harmonia do sistema disciplinar, com os princípios da estabilidade e certeza do direito disciplinar, impedindo que se prolongue por muito tempo uma incerteza sobre a validade de decisão disciplinar que não seja a de maior gravidade, como é a do despedimento.
Hoje, o Código do Trabalho autonomiza prazo para impugnação da sanção de despedimento (artigo 435º, nº 2) em relação ao prazo de prescrição dos créditos (estabelecido no artigo 381º). Aquele aparece agora, claramente, configurado como um prazo de caducidade, quando antes, na legislação que o precedeu, surgia como um prazo que merecia dúvidas se se tratava de prescrição ou caducidade, face ao disposto no artigo 38º, nº 1 da LCT.
Ora, como refere a decisão recorrida, “a autonomização do prazo de caducidade (da impugnação da sanção despedimento) do prazo de prescrição (dos créditos) torna agora claro que o primeiro não depende do segundo, mesmo nos casos em que a sanção corresponde a uma cessação do contrato. Por maioria de razão, parece agora não fazer sentido que sanção diversa – menos gravosa – tivesse um prazo de impugnação possível superior a um ano”.
Mas já antes vários arestos dos tribunais superiores se pronunciavam no sentido que o prazo para impugnação da sanção disciplinar era de um ano a partir da comunicação da decisão disciplinar, não da data da cessação do contrato de trabalho, ainda que se tratasse de sanção menos gravosa que o despedimento.
O Acórdão do STJ de 13/05/98 (in CJ/STJ, Tomo II, pag. 278), citado pela 1ª instância, justificava tal interpretação dizendo que “estando a impugnação do despedimento sujeito àqueles prazo e condição, não se compreenderia que uma sanção menos grave pudesse ser impugnada dentro do critério definido pelo citado n.º 1 /do artigo 38º da LCT/, pois se o contrato se mantivesse em vigor por um período superior a um ano – v. g. 10 ou 20 anos – seria aquele prazo mais dilatado do que o correspondente ao do despedimento” e que “esta solução é a que melhor se harmoniza com os princípios da estabilidade e certeza do direito disciplinar, evitando que se fique vários anos – 10, 15 ... – sem se saber se determinada sanção se mantém ou é anulada”.
Na verdade, se o prazo de impugnação de uma sanção menos grave pudesse ser superior ao prazo previsto para uma sanção mais grave teríamos na ordem jurídica uma incompreensível desarmonia, a evitar com recurso às regras de interpretação consagradas no artº 9º do Código Civil.
O argumento do recorrente, de acordo com o qual assim ocorreria “uma limitação à liberdade do trabalho atendendo à especial relação de subordinação do trabalhador” e que “o prazo de um ano só começa a correr após a cessação do contrato de trabalho e justifica-se por só após esta data o trabalhador readquirir a sua liberdade” não (im)pressiona no sentido que defende, pois o receio de propor acção contra o empregador não se justifica quando já existe um litígio manifestado formalmente como um procedimento disciplinar que é culminado com uma sanção.
Por tudo isto, a interpretação efectuada pela 1ª instância afigura-se-nos correcta, nada havendo a censurar no despacho sob recurso.
Improcede, pois, o primeiro dos recursos em apreciação.

2- As questões da segunda apelação.
2.1. A questão da descriminação salarial e da aplicação do princípio “para trabalho igual, salário igual”:
O recorrente defende que foi alvo de descriminação, motivada pela sua filiação sindical, quando não foi contemplado pelos aumentos salariais da ré para outros trabalhadores em 2003, 2004, 2005 e 2006. Indicou, para estabelecer um facto-índice da descriminação, um outro trabalhador (C...) a quem numa situação idêntica foram pagos os aumentos salariais, defendendo que cabia à recorrida fazer prova outro era o fundamento da diferença que não a discriminação em razão da filiação sindical.
Vejamos:
Á luz do princípio do artigo 59º, n.º 1, al. a) da Constituição da República Portuguesa, “todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual”.
Também o artigo 263º do Código do Trabalho, que concretiza esse princípio constitucional, estabelece que “na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que para trabalho igual, salário igual”. Já antes se retirava o mesmo do artigo 9º nº 1 do DL nº 392/79, de 20/10 (que veio na esteira da convenção da OIT nº 100).
Percorrendo caminho, podemos concluir, citando Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 12ª edição, Almedina, pag, 445 e ss.), que o princípio de equidade retributiva “que se traduz na fórmula para trabalho igual salário igual assume projecção normativa directa e efectiva no plano das relações de trabalho o que significa que não pode, por nenhuma das vias possíveis (contrato individual, convenção colectiva, regulamentação administrativa, legislação ordinária) atingir-se o resultado de, numa concreta relação de trabalho, ser paga retribuição desigual da que seja paga, no âmbito da mesma organização, como contrapartida de trabalho igual. Trata-se, pois, de uma directriz imediatamente operatória, não apenas enquanto critério de validade da regulamentação legal e convencional, mas, sobretudo, como critério de licitude da prática contratual concreta”.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 313/89, de 9.3.89, proferido no processo n.º 265/88, da 2.ª Secção (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13º volume, tomo II, páginas 917 e seguintes), aquele princípio proíbe as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjectivas. Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objectivos, então elas são materialmente fundadas e não discriminatórias.
Ou seja, o facto de dois trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria auferirem diferentes retribuições não permite concluir, inevitavelmente, pela violação do princípio da igualdade, já que, como é comummente reconhecido, vários factores objectivos permitem ao empregador lançar mão da diferenciação salarial entre trabalhadores da mesma categoria.
O autor invocou a situação remuneratória mais favorável de um seu colega de trabalho, com as mesmas funções, trabalho e horário de trabalho para fundamentar uma situação de discriminação e pedir a condenação da ré no mesmo tratamento remuneratório daquele.
Há muito que a jurisprudência do nosso Supremo Tribunal de Justiça vem defendendo que em situações como a dos autos para reconhecer a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual” é necessário provar que essa diferenciação é injustificada em virtude de o trabalho dos trabalhadores discriminados ser igual aos dos demais trabalhadores quanto a natureza (perigosidade, penosidade ou dificuldade), quantidade (logo, as suas intensidade e duração) e qualidade (logo, com respeito pelos conhecimentos, capacidade e experiência que o trabalho exige). E que esses factos são constitutivos do direito subjectivo do trabalhador “discriminado” (à igualdade de tratamento), pelo que ao mesmo trabalhador cumprirá prová-los quando pretende fazer valer esse direito (cfr. Acs. do STJ de 5 de Maio de 1988, in BMJ. 377-368, de 27-01-2005, in www.dgsi.pt, proc. 04S3426, de 23-11-2005, in www.dgsi.pt, proc. 05S2262, de 14-05-2008, in www.dgsi.pt, proc. 07S3519, entre outros).
A questão do ónus da prova é complexa e requer alguma ponderação tendo em conta as dificuldades de obtenção pelo trabalhador dos elementos completos que estarão por detrás de uma distinção remuneratória, pelo empregador, em relação a distintos trabalhadores (v. sobre esta temática, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol. I, pag. 789 e segs.).
Todavia, o ónus da prova no caso presente pode, claramente, sofrer inversão logo nos casos previstos no artigo 23º nº 1 e nº 3 do Código do Trabalho (de acordo com o seu nº 3 e o artº 344º nº 1 do Código Civil).
O autor alegou expressamente que a discriminação se deveria ao facto da sua filiação sindical, de ser membro de Comissão de Trabalhadores e Delegado Sindical (arts. 41º e 42º da petição, designadamente). Situação última esta que provou (v. facto 38.)
Ora, com este enfoque configura-se uma alegação de violação da obrigação de igualdade de tratamento nas condições de trabalho genericamente imposto pelo artigo 22º nº 1 do Código do Trabalho, mas mais impositivamente “ordenado” pelo artigo 23º nº 1 do CT: “o empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na (…) filiação sindical” – aplicáveis à situação dos autos por força do disposto no artigo 8º nº 1 da Lei 99/2003, de 27/8.
Alegando o autor esta situação, o CT (nº 3 do artigo 23º) estabelece uma inversão do ónus da prova (ou distinta repartição do ónus da prova), preceituando que: “cabe a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no nº 1”.
Assim, cabia à ré o ónus de provar que tinha justificação material para distinguir os dois trabalhadores (ao autor bastar-lhe-ia alegar e provar factos que tornavam plausível a existência de discriminação), procurando estabelecer os factos que demonstrassem que a distinção não assentava na “apreciação subjectiva” da filiação sindical e correlativo exercício dos direitos do autor como filiado sindical (actividade sindical).
Ora, resulta da matéria de facto dada como provada (factos 36. a 42.) que a ré procedeu a aumentos salariais aos trabalhadores ao seu serviço, após 1 de Janeiro de 2003, em razão de um AE celebrado com diversas associações sindicais. E que esses aumentos salariais, resultantes da aplicação do IRCT celebrado entre a ré e a Fetese (e outros sindicatos) foram também aplicados, além de aos filiados, aos trabalhadores que aderissem, mediante declaração expressa para esse efeito. E que o autor nunca aderiu ao IRCT em questão, não concordando com a posição tomada pela ré, reclamou a aplicação dos aumentos e a ré não atendeu à reclamação do autor, defendendo que o AE é um todo insusceptível de ser partido ou objecto de aplicações parcelares e que é indispensável a adesão individual ao AE por parte dos trabalhadores não filiados.
Com base nestes factos, não podemos deixar de entender que a ré logrou provar que as diferenças nas tabelas remuneratórias não assentaram “em nenhum dos factores indicados no nº 1” do artigo 23º do Código do Trabalho.
Como se referiu na sentença da 1ª instância, se o autor não aderiu ao A.E., “a ilação a extrair é porque o considerou desvantajoso, não podendo pretender que se lhe apliquem as cláusu1as vantajosas, com rejeição das demais”. O acordo estabelecendo um equilíbrio entre as obrigações assumidas pelas partes outorgantes, torna ilegítimo reclamar direitos dele resultantes, sem assumir as obrigações que esse mesmo acordo contempla – se assim não fosse, o autor seria colocado numa situação de vantagem em relação aos demais trabalhadores filiados na organização sindical subscritora do A.E. ou dos trabalhadores que a tal acordo global aderiram”.
Como se refere também na sentença impugnada, “abrir a porta do princípio "para trabalho igual, salário igual" sem o entender no enquadramento dos demais princípios constitucionais seria, salvo melhor saber, a inacção da liberdade sindical. No caso presente, a opção do autor é legítima. A opção de filiação, de liberdade sindical, de vinculação ou não vinculação. Mas, como toda a opção, tem consequências. Único modo, se bem pensamos, de manter a liberdade sindical”.
Por isso, também entendemos não se verificar uma situação de descriminação que justifique a procedência do pedido do autor quanto às diferenças salariais resultantes dos “aumentos” de 2003 a 2006.

Quanto à questão dos prémios de produtividade, também levantada pela autor quando alegou que estes não lhe foram atribuídos em razão da descriminação, ela não pode ser tratada do mesmo modo.
É que aqui o autor, diversamente do que fizera quanto aos aumentos salariais da ré para outros trabalhadores em 2003, 2004, 2005 e 2006, não indicou em concreto como facto-índice da descriminação, um outro trabalhador a quem numa situação idêntica tenham sido pagos tais prémios.
Percorrendo a petição inicial, verificamos que os valores auferidos pelo trabalhador que apresenta como termo de comparação (C...) não incluem o prémio de produtividade.
Daí que em relação a esta situação não se possa concluir que à ré incumbia provar que uma “diferença” de conduta, não concretamente alegada, não assentava em factor descriminatório referido no artigo 23º do Código do Trabalho.
Por isso, incumbia ao autor o ónus da prova da situação de descriminação.
Ora provou-se que (facto 51.) a ré atribui o prémio de produtividade considerando vários factores, incluindo os seus resultados.
E, como referiu, a sentença recorrida, tendo alegado o autor que a ré não lhe paga este prémio com o único pretexto de ter dado faltas no âmbito da actividade desenvolvida em representação dos trabalhadores, discriminando-o, não resultaram provados factos que, pese embora o autor esteja em condições objectivas de lhe ser pago o prémio, a ré não o fez.
E assim sendo o recurso tem necessariamente de improceder nesta parte.

2.2. Quanto à questão do trabalho suplementar:
O recorrente entende que se deve ter como estabelecido que se lhe aplicava acordo para redução do período normal de trabalho para 35 horas semanais.
Ora, dos factos provados (factos 53. a 62.) não podemos reconhecer a existência de tal acordo modificativo das condições de trabalho. Apenas se provou, como refere a sentença recorrida, que “no âmbito de negociações entre a ré e a Federação dos Sindicatos das Indústrias de Cerâmica, Cimento e Vidro de Portugal foi feita uma reunião, na qual o negociador da CNP (Comissão Negociadora Patronal) disse que, relativamente ao período normal de trabalho, “a empresa assume o princípio da redução do tempo de trabalho tendo em vista que no início de 2004 o período normal de trabalho seja de 35 horas semanais, sugerindo para efeitos de discussão desta matéria a criação de grupos de trabalho; um interno em representação da Empresa e, outro, a Comissão Intersindical da Empresa, em representação dos sindicatos”. Na mesma ocasião (reunião de 7 de Fevereiro de 2001) a CNS referiu, além do mais que “admite o estabelecimento de um protocolo para o efeito, mas com definição precisa de quando é que se aplicará a redução de horário, e, em que termos. Mais, esta questão tem de ser negociada em conjunto com os aspectos pecuniários”. Conforme consta de fls. 174 dos autos, a CNS concretizou uma proposta de aplicação de redução do horário de trabalho e a CNP declarou não aceitar o esquema proposto, mantendo o princípio referido em 41. Conforme documento junto aos autos a fls. 175 a 177, que ora se dá como reproduzido, em reunião de 19 de Fevereiro de 2001 e além do mais, a CNS aceitou o esquema de trabalho proposto para a redução do período normal de trabalho. Em reunião de 13 de Março de 2001, documentada a 179 e 180 foi novamente discutida a questão da redução do horário de trabalho, como na reunião de 21 de Março de 2001. Em 21 de Novembro de 2002 ocorreu outra reunião. A reunião foi convocada pela Empresa com o objectivo de apresentar a sua posição sobre cada um dos temas a estudar pelos Grupos de Trabalho para Redução do Período Normal de Trabalho e para as carreiras e funções e Enquadramentos. Conforme fls. 337 dos autos os representantes sindicais (...) “concordaram que as questões que eram objecto de discussão nos grupos de trabalho deverão transitar para a sede de negociações do Acordo de Empresa, ficando a aguardar que durante a próxima semana a Empresa faça chegar a sua proposta”.
Por isso, está correcta a sentença da 1ª instância, quando afirma:
O que significam os factos apurados é uma realidade diversa da força vinculante que a pretensão do autor pressupõe. Resultam reuniões, intenções, projectos, novas reuniões e até transferência do assunto da redução do horário de trabalho para outra sede.
Na contratação colectiva, como em geral na negociação colectiva, não há acordos verbais nem intenção pré - negociais. Melhor dito, elas não têm efeito jurídico. Trata-se, salvo melhor saber, de um entendimento uniforme e bem se entende que assim seja, pois se negoceia necessariamente em nome – em representação – de outrem e não numa vinculação (apenas) própria. O que dizemos não esquece os deveres de boa fé negocial, o estabelecimento de protocolos e a vinculação cuja inobservância pode justificar o recurso à via administrativa da regulamentação. O que dizemos realça, isso sim, que sem efectivo acordo e acordo escrito – e publicado, há que acrescentar, não há efeito jurídico executável.
Assim sendo, facilmente se conclui que o autor não tem direito (não tem o direito, expresso e plasmado) a trabalhar apenas as invocadas trinta e cinco horas e, por necessária consequência, não são trabalho suplementar as que eventualmente haja feito além destas”.
Pelo que, também aqui, o recurso tem de improceder.

2.3. Quanto à questão da indemnização de danos não patrimoniais.
Não tendo sido verificada conduta ilícita da ré, como vimos, geradora da obrigação de indemnizar, tal como pretendia o autor, não pode proceder o pedido respectivo de indemnização, como salientou a 1ª instância.
Pelo que esta não pode sofrer alteração nesta parte.
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III- DECISÃO
Termos em que, concluindo, se delibera confirmar inteiramente as decisões impugnadas, negando provimento aos recursos.
Custas nos recursos a cargo do autor.
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Coimbra,
(Luís Azevedo Mendes)
(Felizardo Paiva)
(Fernandes da Silva)