Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2281/20.4T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTES COMUNS
DEFEITOS
ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS
LEGITIMIDADE
DENÚNCIA
FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS COMPLEMENTARES OU CONCRETIZADORES
Data do Acordão: 02/01/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: : JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1437.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 4.º, 5.º E 5.º-A DECRETO-LEI N.º 67/2003, DE 8 DE ABRIL, NA REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELO DECRETO-LEI N.º 84/2008, DE 21 DE MAIO E ARTIGO 5.º, N.ºS 1 E N.º 2, ALÍNEA B), DO CPC.
Sumário: I- É o administrador do condomínio e não o condómino que goza de legitimidade para pedir judicialmente a eliminação dos defeitos de partes comuns do prédio ou a realização de obra nova, devidamente mandatado pela assembleia de condóminos.

II- Já relativamente aos direitos de redução do preço e resolução do contrato de compra e venda de fracção autónoma por defeitos existentes nas partes comuns só os condóminos os podem exercer individualmente.

III- A suspensão do prazo a que se refere o artigo 5.º-A do Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, vale apenas para o prazo de interposição da acção destinada a fazer valer os direitos do consumidor previstos no n.º 1 do artigo 4.º do mesmo diploma.

IV- Na acção proposta pelo consumidor destinada a fazer valer os direitos previstos no n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, a denúncia é um facto essencial e não um facto complementar ou concretizador.

Decisão Texto Integral:






Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A., veio, em 16/7/2020, interpor acção declarativa de condenação com processo comum contra B., SA, pedindo  a sua condenação, a:

 1. Reconhecer a existência dos defeitos da garagem da A., descritos nos arts 29º, 32º a 36º 67º a 82º da p i;

2. Reconhecer a existência dos defeitos da rampa de acesso, descritos nos arts 37º a 57º da p i;

3- A proceder à eliminação dos defeitos descritos em 1 e 2 no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão. No que se refere à rampa deverá proceder à execução das obras previstas no art 65º da p i;

4 -Caso a R. não proceda à realização das obras no mencionado prazo, ser condenada no pagamento das obras a realizar pela A., custeando todos os projectos e licenças necessárias;

5 – A pagar à A. uma indemnização por danos morais, em valor nunca inferior a € 2.500,00, acrescida de juros vencidos, à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento;

6 – A pagar à A. uma indemnização no valor de € 30.000,00 referente à desvalorização da fracção e ao facto de não poder utilizar a garagem, acrescida de juros vencidos, à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Alegou, para tanto, e em síntese:

Em meados de 2017, visitou o prédio em que veio a adquirir a fracção designada pela letra G, prédio esse que estava em fase de acabamentos, dispondo tal fracção de garagem privativa no piso menos dois, tendo-lhe sido referido pela vendedora ser apta para o estacionamento de duas viaturas, condição de que a mesma não abdicava para a sua aquisição. A essa garagem acedia-se através de rampa situada na fachada principal do edifício. O preço da fracção foi fixado em 150.000,00 €. Nas visitas que efectuou à mesma, a A., apesar de o ter solicitado, nunca pôde aceder à garagem, por motivos vários sucessivamente expostos pela R., que se dedica a actividade de construção civil, bem como à compra e venda de imóveis. Só após a aquisição da fracção, que teve lugar em  6/12/2017, é que a R. lhe entregou as plantas dos pisos menos 1 e menos 2, confirmando as mesmas que a garagem afecta à fracção G tinha lugar para duas viaturas. A A. instalou-se na fracção dois meses depois da respectiva aquisição  e constatou – bem como os demais condóminos do prédio - que a rampa de acesso às garagens tem inclinação e configuração inadequada para a circulação de viaturas e o piso da mesma não é apto para o fim a que se destina, defeitos estes que impedem/dificultam a sua utilização, tendo constatado igualmente que era praticamente impossível estacionar duas viaturas no interior da garagem, podendo, eventualmente, caber nela duas viaturas mas de pequena dimensão.

De todo o modo, o estacionamento nessa garagem – seja a viatura grande ou pequena – só é possível se o estacionamento ao lado estiver sem nenhum carro estacionado. Quando se estacionem no lugar em causa duas pequenas viaturas a que tiver entrado em primeiro lugar só pode sair quando tiver saído a estacionada depois, acrescendo que só é possível a entrada de uma viatura na garagem se se fizerem pelo menos seis manobras, não existindo qualquer área que permita o cruzamento ou passagem de dois veículos que se encontrem em acções contrárias - um a sair  da garagem outro a entrar.

Em função do exposto, a A. não utiliza a garagem que comprou, deixando as viaturas estacionadas na via publica, com o que tem sofrido transtornos e incómodos,  devendo ser ressarcida em montante não inferior a 2.500.00 €.

Acresce que se quiser vender a fracção, tem que ter em conta que a mesma não tem estacionamento, o que a desvaloriza em 30.000,00 €.

 Nas assembleias de condóminos de 6/2/2018 e 15/1/2019, os condóminos manifestaram-se quanto ao facto de não conseguirem aceder às garagens por força dos problemas da rampa, tendo sido deliberada a notificação por escrito da R. para corrigir ou eliminar os defeitos.

Em 5/2/2019, a R. foi notificada para proceder à correcção rápida e eficiente da rampa  e a mesma tentou fazê-lo, tendo reduzido o pé direito para a entrada das garagens para 2,03 m. A geometria  actual da rampa  decorre de alterações  e correcções que foram executadas pela R. em data posterior à conclusão do imóvel,  e em momentos distintos,  mas, de todo o modo, a rampa – cujo piso foi também já objecto de reparações -  não obedece às exigências técnicas para a construção de rampas, tanto mais que as alterações realizadas implicaram a redução da altura livre de passagem do portão o que inviabiliza o acesso aos pisos de estacionamento relativamente a alguns tipos de veículos com maior dimensão.

Em 10/2/2020 os condóminos em assembleia deliberaram contratar um técnico para analisar os problemas existentes na rampa e apresentar solução técnica para a sua resolução, tendo esse técnico apresentado relatório que a A. juntou com a p i.

A A. interpelou a R. diversas vezes para reparar os defeitos da rampa e da garagem que impedem/dificultam muito a sua utilização para o fim a que se destinam, mas a mesma, apesar de os reconhecer, até hoje nada fez, tendo a A. junto, a titulo demonstrativo, a comunicação  que lhe fez de 22/11/2019.

A R. contestou, invocando a ineptidão da petição inicial em função da incongruência dos diversos pedidos na respectiva articulação, e invocou a ilegitimidade da A,, invocando, a este respeito, que os pedidos referentes às rampas de acesso tinham que ser feitos por todos os titulares do direito ou por representante devidamente mandatado para o efeito, invocando o disposto nos arts 1436º e 1437º CC. De todo o modo, impugnou a factualidade invocada, referindo que foi a A. quem deliberadamente escolheu a fracção G por ter um preço mais baixo, porque, prescindindo à partida de garagem, e uma vez que todas as fracções dela dispunham, acabou por escolher a mais barata. A  A. visitou a garagem a pé, recebeu as plantas dos pisos menos 1 e 2 antes da aquisição da fracção, sendo que  desde o 1º dia em que entrou na garagem estava apta a ter conhecimento efectivo dos defeitos que invoca na garagem e/ou na rampa de acesso,  o que sucede pelo menos desde o dia da aquisição - 6/12/2017 - sendo que só os denunciou em 25/11/2019, mais de um ano depois de os conhecer, o que implica a caducidade  dos alegados direitos da mesma. Mesmo que se aceitasse por absurdo que apenas dois meses depois da aquisição a A. se instalou no imóvel, ainda assim se verificaria a referida caducidade. No demais impugnou a existência dos alegados defeitos, referindo que a garagem em causa é apta e idónea a receber veículos automóveis, está conforme os projectos camarários, plantas e licenças  e é aquilo que a A. viu e decidiu comprar .  Amite ter alterado a inclinação da rampa, alteração a que procedeu com vista a facilitar a entrada e saída da garagem, porque alguns proprietários haviam questionado se tal seria possível, sem no entanto terem apresentado qualquer reclamação ou alegado que a rampa estava construída de forma defeituosa, não tendo havido da sua parte qualquer assunção ou reconhecimento de defeitos.

  A A. respondeu às excepções deduzidas, referindo, em síntese, relativamente à  ilegitimidade activa, que a R. não pode negar ter recebido a comunicação que lhe foi enviada em 5/2/2019 pelos condóminos, e que, de todo o modo,  o acesso aos Tribunais não pode ficar na dependência da prévia deliberação da maioria dos condóminos, pois que assim corria-se o risco da caducidade dos direitos Entende, pois, que dispõe de legitimidade para peticionar a eliminação dos defeitos nas partes comuns do prédio, até porque os mesmos a impedem do uso da sua fracção na plenitude. Quanto à excepção de caducidade, lembra que o consumidor tem o prazo de 5 anos para denunciar defeitos e exigir a sua reparação, acrescendo que denunciou inúmeras vezes os defeitos a que alude na petição, verbalmente e por escrito, tendo a R. assumido os defeitos e o compromisso de os reparar, tendo realizado duas intervenções na rampa de acesso em 2018 e 2019, sem que aqueles desaparecessem.

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se julgou improcedente a nulidade da ineptidão da petição inicial, procedente a excepção de ilegitimidade activa arguida pela R, julgando-se a A. parte ilegítima para os pedidos formulados em 3 e 4,  absolvendo-se a R. da instância nessa parte,  e se julgou procedente a excepção de caducidade,  nos termos dos arts 298º CC e 577º/3 do CPC, absolvendo-se a R. dos pedidos formulados em 1 e em parte dos formulados em 3 e 4, fazendo-se prosseguir a acção para apreciação dos pedidos formulados em 5 e 6.

II – Do assim decidido, apelou a A., que concluiu as respectivas alegações do seguinte modo:

1. Resulta do alegado na Petição Inicial e dos documentos juntos com a mesma o seguinte: 06/12/2017: compra da fração pela Autora; fevereiro de 2018: a Autora foi viver para a fração. Sendo que, nessa altura, não se apercebeu dos defeitos da garagem porque não havia possibilidade do seu carro circular na rampa devido aos defeitos desta; a Ré realizou, pelo menos, três intervenções na rampa, em 2018 e uma quarta em 2019, impedindo a circulação na mesma e, por conseguinte, o acesso às garagens; ao longo do tempo Autora denunciou os defeitos, inúmeras vezes, a última das quais em 22 de novembro de 2019; a Ré sempre reconheceu os defeitos, tanto é que realizou intervenções na rampa de acesso às garagens.

2. Os documentos juntos com a Petição Inicial demonstram cabalmente o alegado, a) Ata n.º 2 da reunião de condomínio realizada em 16/02/2018, na qual consta que: “os condóminos presentes demonstram o seu desagrado pelo estado da rampa de acesso às garagens, uma vez que a mesma não tem aderência suficiente que permita que os carros subam ou desçam sem patinar/derrapar, o que provoca um desgaste acrescido nas viaturas e dificulta e em alguns casos impede a utilização das garagens como espaço de estacionamento. A intervenção realizada há relativamente pouco tempo não resolveu o problema. Desta forma dever-se-á solicitar à firma construtora que arranje uma solução definitiva para o problema (…)” b) Ata n.º 3 da reunião de condomínio realizada em 15/01/2019, na qual consta o seguinte: “no que concerne ao ponto 4 da ordem de trabalhos – rampa de acesso às garagens – os condóminos manifestaram de forma veemente o seu desagrado pelo facto de não conseguirem aceder às garagens do prédio não obstante as intervenções realizadas pela firma construtora na rampa de acesso às mesmas. (…) c) Em 5 de fevereiro de 2019, a administração do condomínio notificou a Ré da existência de defeitos de construção, referindo o seguinte: “(…) De facto, pese embora as três intervenções realizadas durante o ano de 2018, continuam os Srs. Condóminos com dificuldade em aceder às suas garagens, pondo em causa o seu bem-estar e o investimento feito aquando da aquisição das frações.”

3. Ou seja, perante a prova documental junta com a Petição Inicial, nomeadamente as atas das assembleias de condóminos é absolutamente claro e inequívoco que os condóminos não podiam sequer utilizar as garagens por força dos problemas da rampa de acesso às garagens, problemas esses que a Ré tentou resolver, sem sucesso, várias vezes, o que significa que reconheceu a existência de defeitos.

4. Nos artigos 24.º a 27.º da Petição Inicial, a Autora alegou o seguinte: 24) Dois meses após a realização da escritura pública, a Autora instalou-se na mencionada fração com o seu companheiro e com o filho de ambos que na altura tinha 17 meses; 25) Foi, então, que a Autora e o seu companheiro tentaram utilizar a garagem, para aí estacionarem as suas viaturas; 26) E os problemas começaram…; 27) A Autora constatou, bem como os demais condóminos do prédio, que a rampa de acesso tinha vários defeitos que impediam e/ou dificultavam a sua utilização.

5. Os factos alegados pela Autora em sede de Petição Inicial, contrariam a alegação da Ré segundo a qual aquela apenas teria tido “conhecimento dos defeitos (da garagem) a partir do dia 6.12.2017, data em que ficou com pleno e livre acesso à sua fração autónoma e à garagem privativa”.

6. Como também se alegou na Petição Inicial, nos dois meses seguintes à outorga da escritura pública de compra e venda, a Autora tentou estacionar a viatura na garagem, mas não conseguiu devido aos problemas existentes na rampa, que foram descritos nos artigos 27.º e 60.º a 112.º da Petição Inicial, problemas essas que estão relatados nas atas das reuniões de condomínio juntos com o mesmo articulado legal que atestam a impossibilidade de utilização das garagens por alguns condóminos devidos aos problemas existentes na rampa, não obstante as intervenções levadas a cabo pela Ré.

7. Se a Ré realizou intervenções na rampa, como confessa que o fez em sede de contestação, e como resulta das atas das assembleias de condomínio, tal significa que reconheceu os defeitos existentes na mesma e, por conseguinte, a dificuldade e/ou impossibilidade de alguns condóminos utilizarem as garagens. Como podia a Autora usar a garagem se a rampa esteve meses em obras?

8. Como se alegou, quer na Petição Inicial, quer na Réplica, a Autora interpelou, diversas vezes, a Ré para reparar todos os mencionados defeitos, como demonstra, a título exemplificativo, a comunicação datada de 22 de novembro de 2019, junta com a Petição Inicial sob documento n.º 13. Pelo que, para apreciação da caducidade, o processo teria forçosamente de prosseguir, para ser produzida prova para aferir as datas e a forma em que a Autora interpelou a Ré anteriormente a 22 de novembro de 2019.

9. No caso em apreço, é aplicável a legislação especial decorrente da lei de defesa do consumidor (Lei n.º 24/96) e do diploma que regula a venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas (Decreto-Lei n.º 67/2003) ao invés das disposições previstas no Código Civil acerca do contrato de empreitada.

10. O artigo 5.º-A, n. º 3, do DL n.º 67/2003 impõe que os direitos de reparação ou substituição da coisa, redução do preço, ou resolução do contrato, devam ser exercidos no prazo de 2 anos, relativamente aos bens móveis, e no prazo de 3 anos quando se trate de imóveis, após a denúncia das faltas de conformidade.”

11. Como refere João Cura Mariano5 “que nas relações de consumo, após o dia da entrega da obra, o prazo máximo para o exercício dos direitos do dono de obra consumidor mencionados no artigo 4.º, n.º 1, do DL n.º 67/2003 (reparação e substituição da coisa, redução do preço e resolução do contrato) é de 4 anos e 2 meses (2 anos + 2 meses + 2 anos) para os bens móveis e de 9 anos (5 anos + 1 ano + 3 anos) para os bens imóveis.”

12. Estes prazos máximos para o consumidor se aperceber da existência de defeitos não contemplam a possibilidade de se terem verificado trabalhos de reparação de defeitos, hipótese em que pode ocorrer a suspensão da contagem desses prazos durante o período de realização dos trabalhos que impliquem para o dono da obra a privação do uso da coisa.

13. Além disso, como adverte o mesmo Autor “os prazos para a denúncia dos direitos de obra consumidor, após a denuncia dos defeitos, previstos no n.º 3, do artigo 5.º -A do DL n.º 67/2003 (2 anos relativamente a bens móveis e 5 anos quando os defeitos respeitam a imóveis), também se suspendem durante o período em que o dono de obra consumidor estiver privado do uso dos bens  com o objetivo de realização de operações de reparação ou substituição, bem como durante o período de tempo em que durar a tentativa de resolução extrajudicial do conflito de consumo.”

14. A Autora denunciou os defeitos junto da Ré, que os reconheceu, conforme é alegado no artigo 41.º do requerimento de resposta às exceções que deu entrada em juízo em 24 de janeiro de 2020.

15. Sendo que o reconhecimento dos defeitos pelo empreiteiro, tem como efeito impedir a caducidade, nos termos do disposto nos artigos 331.º, n.º 2 e 1220.º, n.º 2, ambos do CC.

 16. Face ao exposto concluímos que não se verifica a exceção da caducidade, devendo os autos prosseguir, quer para determinar e/ou concretizar as denuncias feitas pela Autora, quer para determinar os meses em que a rampa de acesso às garagens ficou “intransitável” e bem assim para apurar de que forma a é assumiu/reconheceu os defeitos.

17. Se, como vimos, a Autora foi residir para a fração em fevereiro de 2018 ; Se, como resulta da assembleia de condóminos realizada em 16 de fevereiro de 2018, aqueles mostraram o seu desagrado pelo estado da rampa de acesso às garagens, alertando que “em alguns casos impede a utilização das garagens como espaço de estacionamento” – como era o caso da Autora. Se foram realizadas três intervenções pela Ré na rampa em 2018 e uma quarta em 2019 e, ainda assim, o problema se manteve, significa que durante as intervenções a Autora esteve impedida de tentar entrar para a sua garagem e de a tentar utilizar, suspendendo todos os seus direitos, que importa apurar em sede de julgamento.

18. Note-se que só em agosto de 2019 terminaram as intervenções na rampa por parte da Ré.

19. Na pior das hipóteses, atendendo que a Autora foi residir para a fração em fevereiro de 2018, concluímos que o prazo para denúncia dos defeitos era de 1 ano, ou seja, terminaria em fevereiro de 6 Artigo 24.º da Petição Inicial 2019. Nesse caso, o prazo para exercer o direito de ação era de 3 anos, ou seja, terminará em fevereiro de 2022, tal como resulta do artigo 5.ºA, n.º 3 do mesmo diploma legal.

20. O prazo de denúncia estava suspenso por força das obras realizadas na rampa que impediam o acesso à garagem. Vide artigo 5.º, n.º 7, do DL 67/2003.

21. A Autora tem legitimidade para exigir a reparação de defeitos nas partes comuns do prédio.

22. No caso em apreço, estamos perante responsabilidade civil por cumprimento defeituoso e/ou incumprimento contratual da Ré. Pelo que não pode o acesso aos tribunais ficar na dependência da prévia deliberação da maioria dos consortes.

23. Se assim não fosse, estaríamos a atentar contra um direito fundamental, o de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art.º 20.º da Constituição, cujo n.º 1 dispõe que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. E, por outro lado, caso a Autora continuasse à espera que o condomínio agisse corria o risco de ocorrer a caducidade dos direitos deste.

A R. apresentou contra-alegações pretendendo a manutenção do decidido, concluindo-as do seguinte modo:

Por tudo quanto antecede, improcedem inteiramente as conclusões da Recorrente. Decidiu bem o douto despacho recorrido no que concerne à ilegitimidade ativa, assim como à caducidade, julgando as invocadas exceções procedentes e, por conseguinte, determinou a absolvição da Ré/Recorrida da instância e dos pedidos, respetivamente.

III – Os factos necessários à apreciação do recurso emergem do acima relatado, a que se faz acrescer:

a) Consta da Acta n.º 2, referente à reunião da assembleia de condóminos do prédio a que os autos respeitam, realizada em 16/02/2018, e em que a A. esteve presente, no que se refere a «outros assuntos de interesse geral», correspondente ao ponto 3 da respectiva ordem de trabalhos: “Os condóminos presentes demonstram o seu desagrado pelo estado da rampa de acesso às garagens, uma vez que a mesma não tem aderência suficiente que permita que os carros subam ou desçam sem patinar/derrapar, o que provoca um desgaste acrescido nas viaturas e dificulta e em alguns casos impede a utilização das garagens como espaço de estacionamento. A intervenção realizada há relativamente pouco tempo não resolveu o problema. Desta forma dever-se-á solicitar à firma construtora que arranje uma solução definitiva para o problema, que poderá passar pela colocação de um pavimento mais rugoso ou o prolongamento da rampa (…)”.

b) Consta da Acta n.º 3, referente à reunião da assembleia de condóminos do prédio a que os autos respeitam, realizada em 15/01/2019 e em que a A. esteve presente, no que se refere à «rampa de acesso as garagens», correspondente ao ponto 4 da respectiva ordem de trabalhos: “Os condóminos manifestaram de forma veemente o seu desagrado pelo facto de não conseguirem aceder às garagens do prédio não obstante as intervenções realizadas pela firma construtora na rampa de acesso às mesmas.   Desta forma, os condóminos presentes deliberaram que a Administração deverá notificar por escrito a firma construtora para a necessidade de resolução urgente do problema em apreço. Dever-se-á ainda solicitar à firma construtora que informe previamente a Administração sobre a natureza e a data da intervenção a realizar, entregando para o efeito memória descritiva dos trabalhos, para que esta possa ser remetida a todos os condóminos».

c) A administração do condomínio  enviou à R. carta, datada de  5/2/2019, tendo como assunto, «Notificação de defeitos de construção”, em que se refere: «Na qualidade de Administração do condomínio supra, após deliberação da Assembleia de condóminos realizada no passado dia 15 de Janeiro, vimos por este meio notificar v/Exa  nos termos legais e para os devidos efeitos, que tome as diligências que considerar pertinentes para uma resolução correctiva rápida e eficiente da rampa de acesso às garagens deste condomínio. De facto, pese embora as três intervenções realizadas durante o ano de 2018, continuam os Srs. Condóminos com dificuldade em aceder às suas garagens, pondo em causa o seu bem-estar e o investimento feito aquando da aquisição das frações. Pelo exposto agradecemos com expectativa uma execução definitiva  e que elimine de forma profícua o defeito em apreço». 

d) A A. enviou à R. carta registada datada de 22/1172019, com o seguinte teor: « Por título de compra e venda outorgada no dia 6/12/2017 , a minha constituinte comprou (…) . Como é do V/conhecimento, por força da redução do pé direito da garagem, a m/constituinte ficará condicionada no futuro acerca do tipo de viatura a adquirir. Por outro lado, a rampa de acesso à garagem continua sem estar devidamente reparada, pelo que a possibilidade de bater nas paredes ao entrar e sair da garagem é uma realidade. Por fim, e como já foi informado diversas vezes, é manifestamente impossível a entrada de viaturas na garagem que está afecta à minha constituinte, quando o lugar de parqueamento da fracção C esta ocupado. Pelo exposto agradeço que no prazo máximo de 5 dias me informe como pretendem resolver este assunto».

e) A presente acção foi interposta em 16/7/2020.

IV – Do confronto entre as conclusões das alegações e a decisão recorrida resultam para apreciação no presente recurso, correspondendo ao seu objecto, as seguintes questões,  que aqui  se referem em função da respectiva precedência lógica:

- se a A. dispunha, em 16/7/2020, de legitimidade para interpor a acção, no que respeita à rampa de acesso às garagens não obstante esta constituir parte comum;

- se não se verifica a caducidade dos direitos que a A. se propõe exercer na acção no que respeita à denúncia dos defeitos, porque o prazo para a mesma se suspendeu nos períodos em que ocorreram reparações pela R. e porque esta os reconheceu;

- se assim se entender, se a acção tem de prosseguir para determinação/concretização das datas e da forma das interpelações da A. à R. anteriores à de 22/11/2019 e para determinar os meses em que a rampa de acesso às garagens esteve intransitável.

  

A  1ª instância estribou a conclusão da verificação da excepção de ilegitimidade activa no Ac. desta Relação de 12/03/2019 1, a cuja citação procedeu nos seguintes termos: «Na propriedade horizontal, coexistem, de modo incindível, dois direitos reais distintos: um direito de propriedade singular e outro complementar ou instrumental, de compropriedade (como dispõe o art. 1240.º/1 do C. Civil, “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e écomproprietário das partes comuns do edifício”). Sendo assim, a legitimidade (activa) para o exercício (perante o construtor/vendedor) dos direitos decorrentes da construção do edifício/imóvel com defeitos não é sempre das mesmas pessoas/condóminos, ou seja, tal legitimidade depende do local em que se situam os defeitos, sendo conferida a quem tem o poder de administração do concreto local em que se situam os defeitos. Se os defeitos se situam nas fracções autónomas, como são os seus proprietários, individualmente considerados, que têm o poder de as administrar, são apenas eles que têm legitimidade para exercer junto do construtor/vendedor os direitos em causa. Se os defeitos se situam nas partes comuns do edifício, como compete exclusivamente à assembleia de condóminos e ao administrador proceder à administração das partes comuns (cfr. 1430.º/1 do C. Civil), o exercício dos referidos direitos – máxime, os direitos de eliminação dos defeitos e realização de obra nova[10] – compete ao administrador do condomínio, devidamente mandatado pela assembleia de condóminos. Efectivamente, o direito de compropriedade dos condóminos (sobre as partes comuns do edifício) tem especificidades em relação ao regime geral da compropriedade, não lhe sendo aplicável o art. 985.º do C. Civil (ex vi art. 1407.º do C. Civil); ou seja, os condóminos não podem individual e isoladamente (ainda que só “na falta de convenção contrário”) exercer os direitos inerentes à administração das partes comuns (em que se incluem o direito à eliminação dos defeitos existentes nas partes comuns), na medida em que, quanto à propriedade horizontal, estão estabelecidos específicas formas de organização/funcionamento e de formação da vontade do grupo constituído pelos condóminos [em que o administrador é o órgão executivo e representativo do condomínio, competindo-lhe a gestão dos assuntos correntes relativos às partes comuns do edifício (art. 1436.º do C. Civil) e a representação judicial do grupo de condóminos (art. 1437.º do C. Civil); e em que a assembleia de condóminos é o órgão deliberativo do condomínio, onde se forma a vontade deste, através da tomada de deliberações vinculativas para todos os condóminos]. Sendo justamente por isto, articulando tais poderes e competências, que compete à assembleia de condóminos decidir, por maioria, sobre o exercício dos direitos decorrentes de defeitos existentes nas partes comuns do edifício, competindo depois ao administrador, em execução da respectiva deliberação, accionar esses direitos, judicial ou extrajudicialmente, perante o construtor/vendedor».

Referiu, seguidamente, a 1ª instância: «No caso concreto que nos ocupa, não há dúvidas que parte dos defeitos apontados se situam nas partes comuns do edifício, na rampa de acesso às garagens. Ou seja, a legitimidade ativa cabe, como acima referido, única e exclusivamente ao administrador do condómino após deliberação nesse sentido da assembleia de condóminos. Não se trata, pois, de litisconsórcio necessário, como defende a ré, mas sim de legitimidade exclusiva.  Esta exceção é insuprível.  Assim, julgo a invocada exceção de ilegitimidade procedente e julgo a autora parte ilegítima para os pedidos formulado em 2 e partes dos formulados em 3 e 4 e, em consequência, absolvo a ré da instância nessa parte, nos termos do disposto nos arts 577.º, al. e) e 278.º, al. e), do CPC».

Vejamos.

A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos e a um administrador – art 1430º/1 CC- realizando-se e exteriorizando-se o interesse colectivo mediante a actuação conjunta destes dois órgãos. A assembleia é o órgão deliberativo, o administrador é o órgão executivo e representativo. «Da aplicação conjunta do critério da quota da propriedade e do principio maioritário, determina-se a vontade do condomínio nas relações externas e internas», fazendo «este sistema de gestão colectiva com que os actos, se legalmente formados, sejam plenamente eficazes para todos  os elementos do grupo, ainda que ausentes e estranhos ao procedimento de formação da vontade».[1]

Na situação dos autos está em causa o accionamento pela A. dos direitos do consumidor que pressupõem o cumprimento do contrato (estando excluído, portanto, o direito à resolução do mesmo)[2], a que se reporta o art 4º do DL 67/2003 de 8/4, na redacção do DL 84/2008 de 21/5, diploma este já vigente ao tempo dos factos. Consequentemente, o direito de reparação ou de substituição, e o direito à redução adequada do preço, direitos estes, que, na lógica deste último diploma, e como já sucedia no DL 67/2003 de 8/4, deixaram de obedecer entre eles a uma sequência logica, podendo o consumidor, como o refere o nº 5 do referido art 4º, «exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito». O que significa, como o assinala de João Calvão da Silva, que «se a escolha entre as pretensões cabe ao comprador, essa deve obedecer ao principio da boa fé  e não cair no puro arbítrio. Pelo que se num caso concreto a opção exercida exceder indubitavelmente os limites impostos pela boa fé (…) poderão intervir  as regras do abuso de direito (art 334º)»[3].

Está-se, evidentemente, a pressupor, com as considerações que antecedem, que a A. deve ser tida como consumidor para o efeito de lhe ser aplicável a legislação referida.

O art 2º da L 24/96 refere no seu nº 1: “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”»

Esta definição de consumidor não foi alterada pelos subsequentes DL 67/2003 e DL 84/2008 de 21/5 (cfr art 1º-B al a)).   

Trata-se como refere Calvão da Silva [4] da «consagração da noção de consumidor em sentido restrito, a mais corrente e generalizada na doutrina e nas Directivas comunitárias: pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado – uso pessoal, familiar ou doméstico, na fórmula da al a) do art 2º da Convenção de Viena de 1980 – de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, mas já não aquele que obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou da sua empresa», para concluir que, consumidor «é todo aquele (pessoa singular) a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados (mas, exclusivamente) a uso não profissional, por pessoa (singular ou colectiva) que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.

Os elementos fácticos que os autos proporcionam – a R. dedicar-se à actividade de construção civil bem como à compra e venda de bens imóveis – art 90º da petição – e a R. destinar a fracção adquirida à sua residência com a família – colocam a R. no âmbito da legislação  a que se tem vindo a fazer referência, sem necessidade aqui de se questionar maiores e menores abrangências do conceito de consumidor.

  A A. pretende  com o pedido formulado em 3 (e 4) a  reparação  dos defeitos que acusa na garagem que integra a fracção que comprou, e a reparação dos defeitos na rampa de acesso às garagens do prédio  (veja-se que remete para a execução das obras previstas no art 65º da petição e estas reportam-se à rampa de acesso para todas as garagens); com o pedido formulado em 6, pretende a redução do preço da aquisição da fracção que comprou à R., em € 30.000,00; com o pedido formulado em 5, a indemnização por danos morais decorrentes  dos incómodos e transtornos por não poder estacionar nenhum dos carros na garagem que integra aquela fracção vendo-se obrigada a aceder ao prédio pelo seu exterior.

Tal como  João Cura Mariano [5] o refere relativamente ao accionamento pelo condómino  dos direitos mencionados no art 1221º a 1223º CC na empreitada –  eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e pagamento de indemnização em dinheiro-  referentemente ao imóvel em propriedade horizontal e  quando os defeitos em causa se situem numa parte comum do edifício,  também na matéria em que nos movemos, referente ao accionamento dos direitos do comprador/ consumidor previstos no mencionado art 4º, e situando-nos igualmente em imóvel em propriedade horizontal e em defeitos numa parte comum do edifício, «há que distinguir, para  determinar quem tem legitimidade  para acionar tais direitos perante o construtor,  entre os direitos de eliminação do defeito ou realização de obra nova, por um lado, e os direitos de redução do preço e resolução do contrato, por outro »[6]. Já quanto ao direito de indemnização (art 1225º CC - 12º/1 da L 24/96 de 31/7) «a solução depende dos tipos de danos que visa ressarcir».

Assim, tal como na empreitada comum, também na empreitada de consumo, se deverá entender que o exercício dos direitos de eliminação dos defeitos e realização de obra nova «competirá apenas ao administrador do condomínio, devidamente mandatado pela assembleia de condóminos, uma vez que compete exclusivamente a estes órgãos do condomínio proceder à administração das partes comuns (art 1430º do CC)».  Com efeito, dispondo  esta norma que a administração das partes comuns compete à assembleia dos condóminos e a um administrador, «fica afastada a possibilidade dos condóminos, isoladamente, exercerem os direitos à eliminação dos defeitos existentes nas partes comuns, ou à realização de obra nova e, consequentemente, o direito de indemnização em dinheiro pelo custo dos trabalhos de eliminação dos defeitos ou de reconstrução realizados pelos órgãos de administração do condomínio ou por terceiro contratado por eles». Será à assembleia de condóminos que caberá decidir, por maioria  (por maioria dos votos representativos do capital investido, em primeira convocação, art 1432º/3 do CC e por maioria dos presentes, desde que eles representem, pelo menos  ¼ do valor total do prédio, em segunda convocação , art 1432º/4 CC)  sobre o exercício dos direitos previstos no art 1221º do CC e do art 4º do Dl 67/2003 de 8/4 por defeitos existentes nas partes comuns do edifício, competindo depois ao administrador, em execução da respectiva deliberação, accionar esses direitos, judicial ou extrajudicialmente, perante o construtor.

Convém, no entanto, referir que se se estivesse na presença de um acto de gestão corrente das partes comuns, seria possível ao administrador praticar esse acto sem necessidade de deliberação prévia da assembleia, mas não é o caso.

Tal como o salienta Cura Mariano, que se continua a seguir, «em casos de urgência motivada pela premência dos danos em curso ou pela proximidade do prazo de caducidade, poderá o administrador exercitar esses direitos, sem prévia deliberação da assembleia e condóminos nesse sentido, ao abrigo do disposto no art 1436º/f) do CC» .

Já relativamente aos direitos de redução do preço e resolução do contrato, por defeitos existentes nas partes comuns, «uma vez que não há um contrato autónomo e individualizado que corresponda à transmissão dessas partes, ocorrendo a mesma diluída na transmissão das diversas fracções autónomas que integram um imóvel constituído em propriedade horizontal, só os condóminos os podem exercer individualmente».

E estando em causa danos dos condóminos considerados individualmente, o direito de indemnização por esses danos devera ser exercido pelos condóminos  [7].

Do que se veio de dizer, resulta o bem fundado da decisão do Tribunal a quo quando julgou procedente a exceção de ilegitimidade e a A. parte ilegítima no tocante aos pedidos formulados em 2 e parte dos formulados em 3 e 4, na parte correspondente à rampa de acesso.

Por outro lado, tendo a 1ª instância afirmado que a excepção em causa se mostra insuprível e não tendo a A./apelante integrado no objecto da presente apelação esse aspecto, está fora de causa a eventual (e certamente muito discutível) possibilidade de suprimento dessa excepção através da obtenção, agora, da necessária  deliberação da assembleia de condóminos e a subsequente intervenção do administrador na acção.[8]

Admita-se ainda um reparo relativamente à matéria em apreço.

Talvez se pudesse admitir que em certas circunstâncias residuais, o condómino pudesse agir sozinho, para tutela do seu direito sobre as coisas comuns, podendo dirigir-se ao vendedor/empreiteiro para fazer valer o seu direito à reparação da coisa vendida. Mas para que isso pudesse suceder, seria necessário, em todo o caso, que o mesmo alegasse e demonstrasse em juízo que tendo recorrido à assembleia de condóminos para fazer valer aquelas pretensões contra o empreiteiro, não tinha obtido dela, reiteradamente,  resposta, por a vontade do grupo se mostrar contrária ao litigio, designadamente porque os demais condóminos não fossem afectados pelos defeitos na coisa comum, ao contrário daquele [9],ou tivessem já visto satisfeitos os seus interesses no que àquelas coisas comuns dissesse respeito, como poderá ter sucedido na situação dos autos.

Sucede que a aqui A. não alegou factos que pudessem, com a necessária segurança, permitir concluir pelo desinteresse e passividade da assembleia de condóminos no que se reporta à reparação de defeitos da rampa de acesso à sua (da A.) especifica garagem, de tal modo que fosse possível colocar-se aquela questão da legitimação individual da mesma na presente acção .

Com o que há que, sem mais, confirmar a decisão do Tribunal a quo de absolvição da instância da R. no que respeita aos pedidos acima referidos.

Dispõe o art 5º/1 do DL 67/2003 de 8/4, sob a epigrafe “Prazo da garantia”: 1- O consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel.

Dispõe  o 5º -A desse DL, na redacção que lhe foi conferida pelo DL 84/2008 de 21/5 [10], sob a epígrafe “Prazo para  exercício dos direitos”: 1.Os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4º caducam no termo de qualquer dos prazos referidos no artigo anterior e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado.
3 - Caso o consumidor tenha efectuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data.
4 - O prazo referido no número anterior suspende-se durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens com com o objectivo de realização das operações de reparação ou substituição, bem como durante o período em que durar a tentativa de resolução extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao vendedor ou ao produtor, com excepção da arbitragem».

 Destas normas resulta, como tem sido posto em evidência, a coexistência de   três tipos de prazos – um primeiro, que o referido artº 5 denomina “de garantia”  e que estabelece a possibilidade do consumidor poder exercer os direitos previstos no artigo anterior  -  reparação/substituição/ redução do preço /resolução do contrato - no caso de bens imóveis, dentro do prazo de cinco anos a contar da entrega do bem; o prazo para operar a denúncia dos defeitos («a falta de conformidade») que, no caso de bens imóveis, é de um ano a contar da data em que a tenha detectado;  um terceiro, de três anos a contar da data de denúncia para interpor a acção destinada a fazer valer aqueles direitos.

È apenas relativamente a este terceiro prazo  e  não relativamente a qualquer outro  dos dois, que o referido art 5º-A admite a suspensão, estipulando que tal prazo se suspende durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens com o objectivo de realização das operações de reparação ou substituição, bem como durante o período em que durar a tentativa de resolução extrajudicial do conflito de consumo.

Resulta claro que o consumidor não está isento do ónus de dentro do prazo da garantia, no caso de imóveis, 5 anos, denunciar o defeito, devendo proceder a essa denúncia, igualmente no caso de imóveis, no prazo de um ano após o seu conhecimento, como não está isento do ónus de agir processualmente contra o vendedor, devendo fazê-lo, no caso de imóveis, nos três anos subsequentes àquela denúncia.

 De tal modo que, e como o acentua o apelante citando Cura Mariano[11], «nas relações de consumo  após o  dia da entrega da obra, o prazo máximo para o exercício dos direitos do dono da obra mencionados no art 4º/1 do DL 67/2003 (reparação, substituição  redução do preço e resolução do contrato ) é (…) de 7 anos (5 anos+1 ano+ 1 ano ) para os bens imóveis» .

A ultrapassagem de qualquer dos três prazos implica a caducidade de todos os direitos acima referidos, como resulta do nº 1 do acima referido art 5ºA.

Feitas estas considerações gerais, logo se vê que não assiste razão à A/apelante no tocante à segunda questão acima evidenciada como integrando o objecto do recurso -  se, no que respeita especificamente à denúncia dos defeitos, não se pode concluir pela ultrapassagem do prazo de um ano de que a mesma dispunha sobre a sua descoberta.

Veja-se que a apelante coloca a questão da suspensão do prazo, por reconhecimento dos defeitos pela R. e por reparações, relativamente ao prazo da denúncia dos mesmos, e já acima se assinalou que o único dos três prazos relativamente ao qual a lei permitiu a suspensão é o prazo da interposição da acção.

Por outro lado, a apelante coloca a questão da suspensão do prazo para a denúncia dos defeitos referentemente a todos os direitos que se propõe exercer na acção.

Mas, uma vez que se confirmou a sua ilegitimidade no que se reporta ao exercício do direito de reparação no tocante à rampa de acesso às garagens e se confirmou a correspondente absolvição da R. dos pedidos em causa, a questão só seria colocável referentemente à eliminação dos defeitos na garagem da A. – os descritos nos arts 29º, 32º a 36º, 67º a 82º da petição (cfr pedido 1).

Sucede que, referentemente a estes defeitos, não há matéria nos autos que permitisse  atribuir à R. qualquer reconhecimento desses defeitos ou quaisquer reparações dos mesmos.

O que, aliás, já se viu que seria indiferente em face do disposto no nº 4 do referido art 5º-A.

Por isso, a acção não teria nunca que prosseguir para determinação dos meses em que a rampa de acesso às garagens esteve intransitável.

Vejamos agora se a acção teria de prosseguir para concretização das datas e da forma das interpelações da A. à R. anteriores à de 22/11/2019, no tocante, obviamente, aos defeitos da garagem.

Com a colocação desta questão no recurso, a apelante está, afinal, a admitir a caducidade dos seus direitos no tocante aos defeitos da garagem, quando se tenha em consideração a denúncia dos mesmos constante da carta enviada a 22/11/2019, única denúncia constante dos autos no que respeita a tais defeitos.

Não estando  aqui em questão a denúncia dos defeitos nas partes comuns, questão que poderia colocar maiores dificuldades na determinação do momento a partir do qual  essa denúncia poderia ser feita[12], mas apenas a denúncia quanto aos defeitos  existentes na  garagem,  a data relevante para essa denúncia contar-se-á partir do momento em que a compradora tenha detectado a desconformidade da mesma – cfr art 5º-A/2 .Por isso, a data relevante seria aquela em que a A. foi residir para o prédio, que a mesma invoca ter sido  dois meses depois da compra e  venda da fracção – repare-se a A já esteve presente na  assembleia de condóminos que teve lugar em 6/2/2018- consequentemente, em Fevereiro de 2018 .

Ora, tendo a A. procedido à denuncia dos defeitos da garagem em 22/11/2019, e consequentemente,  tendo excedido o prazo de um ano que tinha para proceder à  denúncia em causa, caducaram todos os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do art 4º da L 24/96,  como se viu que consta no nº 1 do art 5ºA .

Resta saber se a presente acção terá de prosseguir para a concretização das datas e da forma das interpelações da A. à R. anteriores à de 22/11/2019 no tocante  aos defeitos da garagem.

A R. defendeu-se com a excepção da caducidade, tendo-o feito em termos muito claros. Na resposta a esta excepção a A. limitou-se a reiterar o que já referira na petição – que denunciou os defeitos «inúmeras vezes, verbalmente e por escrito» e que a última vez que os denunciou foi em 22/11/2019 através da comunicação junta com a petição. Nesta, referira já ter interpelado diversas vezes a R. para reparar todos os «mencionados defeitos», «como demonstra a titulo exemplificativo a comunicação datada de 22/11/2019.

Como se vê o exemplo ficou por ali.

Sendo verdade que a denúncia pode ser feita verbalmente – sendo-lhe aplicáveis  as regras gerais sobre a declaração negocial, arts 217º e ss, como o referem Pires de Lima/Antunes Varela [13], tem sempre que ser concretizado pelo comprador o momento e o modo por que  foi feita, por ser seu o ónus da prova da efectivação  da denúncia -art 342º/1 CC - visto que a mesma se assume, como acima analisado, como «condição do exercício dos direitos do mesmo [14]

O momento em que foi feita a denúncia constitui facto essencial stricto sensu  relativamente a qualquer dos direitos do comprador decepcionado, enquanto pressuposto de qualquer dos direitos daquele, não podendo, pois, comportar-se como facto complementar ou concretizador, nos termos do art 5º/2 al b) e para o efeito do art 590º /2 al b) e 4.

Do que se veio de dizer resulta que também quanto à excepção de caducidade  merece a decisão recorrida ser confirmada, com a decorrente absolvição da R. dos pedidos formulados em 1 e parte dos formulados em 3 e 4 .

Quanto à necessidade da acção prosseguir para apreciação dos pedidos formulados em 5 e 6, não tendo a R. interposto recurso quanto a esse particular, não cabe a este Tribunal pronunciar-se sobre tal matéria.

V - Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Coimbra, 1 de Fevereiro de 2022
(Maria Teresa Albuquerque)
(Falcão de Magalhães)

                                                                                   (Pires Robalo)

           

(…)


                [1]- Sandra Passinhas, «A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal», 2 ªed, p 187 

[2] Para o efeito, cabe em primeiro lugar lembrar que os remédios previstos para o comprador decepcionado na venda de coisa defeituosa, tanto no regime geral dos arts 913º e ss do CC, como no regime mais específico da Lei de Defesa do Consumidor, L nº 24/96 de 3/7 (entretanto modificada e aperfeiçoada com o DL 67/2003 de 8/4 e mais tarde pelo DL 84/2008 de 21, entrado em vigor em 21/6/08), implicam, à partida, a opção por parte daquele comprador  entre manter o negócio, exigindo o cumprimento do contrato – fazendo valer o direito à reparação, ou à substituição da coisa vendida, ou, em última análise, à redução do preço - ou não o manter, pedindo então a sua anulação.
                [3] - «Venda de Bens de Consumo», 3ª ed,  p 87
                [4] – «Compra e Venda de Coisas Defeituosas», 4ª ed, p 118
                [5] - «Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra», 2ª ed, p 191 a 202
                [6] - Obra referida, p 193
                [7] - Não se deixará aqui de registar, aparentemente em contrário ao que se defende, a posição de Sandra Passinhas, obra referida, p 321. Refere a mesma que «o administrador está legitimado a intentar uma acção respeitante à conservação das partes comuns do edifício apenas quando age ex re e não quando, embora em correlacção com tais partes, se discuta e julgue o cumprimento das obrigações contratuais que respeitem só aos condóminos e ao seu contraente directo. Cada condómino pode, de per si, exigir o cumprimento do seu contrato de compra e venda. A assembleia não tem poder decisório nestas situações, nem o administrador tem qualquer poder representativo dos condóminos, se estes não lho atribuírem expressamente».
                [8]  - Questão que não se põe no recurso, como se referiu, mas que poderia suscitar-se, se, na norma do art 1437º, estivesse em causa, como o sustenta Sandra Passinhas, p 339,  ou Gonçalo Oliveira Magalhães,  «A Personalidade judiciária do condomínio e a sua representação em juízo», Revista Julgar, nº 23,  p 55 – a 66, máxime, p 64, a capacidade processual do administrador (legitimatio ad processum), que se mostraria suprível em função do disposto no art 27º/1 CPC.
                Mas, antes parece, que o art 1437º/1 e 2 CC se reportam à legitimidade processual do administrador do condomínio, nada tendo a ver com a capacidade judiciária do mesmo, atribuindo aquelas normas a qualidade de substituto processual ao administrador do condomínio ao permitirem que o administrador possa, como parte processual, demandar ou ser demandado em substituição do condomínio – cfr Blog do IPPC de 4/1/202.
                [9] - Parecendo admitir esta legitimação activa dos condóminos nas lides respeitantes às coisas comuns, Sandra Passinhas, obra referida, p 348
                [10] - Este DL foi revogado pelo recente DL 84/2021 de 18/7, mas, porque este diploma legal, consoante resulta do seu art 53º ,estipula que só se aplica, em matéria de contratos de compra e venda de bens móveis e de bens imóveis, aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, e o contrato de compra e venda de imóvel dos autos teve lugar antes daquela, ter-se-ão em consideração as disposições do DL 67/2003 de 8/4

                [11] - Obra referida, p 237
                [12] - Cfr Cura Mariano, obra referida,
                [13] - «Código Civil Anotado», 2ª ed, p 732 
                [14] - Neste sentido, Cura Mariano, obra referida, p 108