Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
28/08.2TTCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
SUSPENSÃO DO CONTRATO
INCAPACIDADE DO TRABALHADOR
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
ABANDONO DE TRABALHO
Data do Acordão: 02/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 333º, Nº 1, E 334º DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – O impedimento temporário do trabalhador, por facto que lhe não seja imputável e que se prolongue por mais de um mês (v.g. doença ou acidente), determina a suspensão do contrato de trabalho – artºs 333º, nº 1, do Código do Trabalho.

II - Enquanto a incapacidade do trabalhador sinistrado for temporária mantém-se a suspensão do contrato de trabalho.

III – O trabalhador não está obrigado a apresentar-se ao empregador, nem a retomar o exercício de funções, enquanto estiver afectado de incapacidades temporárias.

IV – Tendo-o feito, essa circunstância não tem a virtualidade de pôr fim à suspensão do contrato de trabalho, suspensão que só termina eficazmente com a apresentação do trabalhador ao empregador, no dia seguinte ao da cessação do impedimento, para retomar a actividade.

V – A ocupação do trabalhador sinistrado durante a incapacidade temporária, e as suas eventuais vicissitudes, não contende com a constância da relação juslaboral.

VI - Nos termos do artº 334º do Código do Trabalho, a relação juslaboral só se restabelece definitivamente, pondo assim termo à suspensão operada ope legis, quando cessado de vez o impedimento.

VII – É com o regresso do trabalhador, com a sua apresentação ao empregador para retomar a actividade, que se tem por terminado o período da suspensão.

VIII – A cessação do impedimento não acontece antes da alta, por cura clínica.

IX – A apresentação do trabalhador, durante os períodos de ITP, não poderá, pois, ser considerada como apresentação para retomar a actividade, em sentido próprio.

X – É ilícita, neste contexto, a determinação da cessação da relação juslaboral com fundamento no abandono do trabalho.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I –
RELATÓRIO

1.
A..., instaurou acção declarativa na forma comum contra B..., com sede em Parque Florestal, Alto da Cerca - Cortes do Meio, pedindo que esta seja condenada a:
a) Reconhecer a ilicitude do despedimento nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 429.º do Código do Trabalho por ausência de procedimento disciplinar;
b) Reintegrar o A. ao seu serviço, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade ou caso opte ao pagamento da indemnização por antiguidade que, à data da propositura da acção, ascende a € 3 840,66;
c) Pagar-lhe a quantia de € 3 058,79 a título de férias não gozadas no ano da cessação do contrato, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal pelo trabalho efectuado no ano da cessação e a título de 7 de salário referente ao trabalho efectuado no mês de Julho e Setembro de 2007.
Para o efeito, alegou sinteticamente o seguinte:
Em 17/07/2000 foi admitido ao seu serviço do R. por contrato com a forma escrita e pelo prazo de 12 meses, tendo-se renovado respectivamente em 18/07/2001 e 19/07/2002, data em que o A. passou a fazer parte do quadro de trabalhadores efectivos do R.
Durante o período em que permaneceu ao serviço do R., que decorreu de forma ininterrupta entre 17/07/2000 e 26/11/2007, o A. sempre esteve sob autoridade, direcção e fiscalização do R., mediante retribuição que a data da cessação do contrato se cifrava em € 506,46.
No dia 26/11/2007, cerca das 7H45, o A. apresentou-se para proceder à entrega de um documento de alta e para trabalhar, tendo-lhe o Sr. Eng.º C..., dito, “que estás aqui a fazer, estás despedido, estás despedido.”
O autor não abandonou o trabalho, como a ré pretende fazer crer; antes foi despedido ilicitamente, por ausência de processo disciplinar.

2.
Na audiência de partes não foi possível uma composição amigável do litígio, pelo que se ordenou a notificação da ré para contestar.
Contestou esta alegando em síntese:
O autor não foi despedido.
O seu contrato cessou por abandono do trabalho, o que foi comunicado ao autor por carta datada de 21711/07.
Apenas reconhece dever ao autor o subsídio de férias referente ao ano de 2006 e os proporcionais de ferias, subsídio de férias e subsídio de Natal referentes ao ano de 2007.

3.
Prosseguiram ao Autos a sua normal tramitação, e, discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, com condenação da R. a reconhecer a ilicitude do despedimento e a reintegrar o A., pagando-lhe as importâncias discriminadas no dispositivo, a fls. 142, a que nos reportamos.

4.
Irresignada, a R. veio apelar.
Alegando, concluiu:
· O recorrido sofreu um acidente de trabalho em Fevereiro de 2007, que o impediu de continuar a trabalhar, o que determinou a suspensão do contrato de trabalho;
· A suspensão ainda se mantinha no dia 16 de Setembro de 2007;
· No dia 17 de Setembro de 2007 o recorrido apresentou-se nas instalações do recorrente para trabalhar, com uma ITP de 30%;
· O recorrido trabalhou pelo menos os dias 18, 19 e 20 de Setembro de 2007;
· No princípio do mês de Outubro de 2007 o recorrido entregou ao recorrente as chaves do armário onde tinha os seus objectos;
· A partir do momento anteriormente referido não voltou a apresentar-se para trabalhar;
· O recorrido referiu naquela mesma data para os colegas de trabalho que estava a tratar da reforma;
· Por carta de 20.11.2007 o recorrente comunicou ao recorrido o abandono do trabalho;
· A apresentação do recorrido para trabalhar e a realização de trabalho no mês de Setembro de 2007 fez cessar a suspensão do contrato de trabalho;
· A falta do recorrido ao trabalho durante mais de um mês sem que tenha apresentado qualquer justificação, acompanhada da entrega das chaves do armário e da indicação de que estava a tratar da reforma, levaram o recorrente a concluir que o recorrido tinha abandonado o trabalho;
· Abandono que foi comunicado ao recorrido nos termos legais;
· Assim, o recorrente entende que o contrato cessou por via do abandono do trabalho por parte do recorrido e não porque tivesse ocorrido o seu despedimento;
· A sentença deverá ser substituída por outra que decida da forma que se alegou.

5.
O recorrido contra-alegou, concluindo, em síntese, que em consequência do acidente que sofreu, o contrato de trabalho ficou suspenso decorridos 30 dias após o mesmo. Mas, dada a incapacidade temporária e a suspensão, não estava legalmente obrigado a apresentar-se ao serviço.
Tal obrigação apenas decorreria a partir do momento em que lhe foi atribuída alta definitiva.
Não estando obrigado a prestar trabalho para o recorrente, nunca a sua ausência poderia concorrer para o invocado abandono do trabalho.
Da matéria de facto dada como provada jamais se poderá concluir, em algum momento, que o recorrido tenha manifestado a sua intenção de não retomar o trabalho.
O recorrido, antes de tomar conhecimento da comunicação de abandono do trabalho invocado pelo R., apresentou-se para trabalhar, apenas não o tendo feito porque foi por este impedido.
Deve ser mantida a decisão recorrida.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a emitir Parecer no sentido do seu improvimento, a que não houve reacção – cumpre decidir.
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II –
DOS FUNDAMENTOS.
A – DE FACTO.

A – DE FACTO.
Vem assente a seguinte factualidade, que assim se fixa:
1) O R. tem por principal actividade serviços ligados à área florestal.
2) Em 17/07/2000, o A. foi admitido, ao serviço do R. por contrato com a forma escrita e pelo prazo de 12 meses, tendo-se renovado respectivamente em 18/07/2001 e 19/07/2002.
3) Durante o período em que o A. permaneceu ao serviço do R., que decorreu de forma ininterrupta entre 17/07/2000 e 26/11/2007, o A. sempre esteve sob a autoridade, direcção e fiscalização do R., sendo este que através dos seus representantes lhe davam ordens e instruções, mediante retribuição que a data da cessação do contrato se cifrava em € 506,46.
4) No dia 10/02/2007, pelas 17H, quando se encontrava ao serviço do R., o A. foi vítima de um acidente.
6) Em consequência do acidente, o autor sofreu as seguintes incapacidades:
a) ITA de 11/02/07 a 01/07/07;
b) ITP de 40% de 02/07/07 a 25/07/07;
c) ITA de 26/07/07 a 16/09/07;
d) ITP de 30% de 17/09/07 a 23/11/07, data em que lhe foi dada alta pela seguradora com uma IPP de 15%.
7) O A. trabalhou para o R. os dias 2, 3 e 4 de Julho de 2007.
8) O autor não trabalhou no dia 5 de Julho de 2007 e nos dias seguintes.
9) Em 16/07/2007 o autor foi consultado pelos serviços médicos da seguradora.
10) O A. retomou o trabalho no dia 17 de Setembro de 2007 tendo trabalhado nos dias 18, 19 e 20 desse mês.
11) O autor não trabalhou nos dias 28/09/07 e 01/10/07.
12) Nos princípios do mês de Outubro de 2007 o autor entregou à ré as chaves do armário do vestiário onde guardava o seu fardamento e objectos pessoais.
13) A partir desta data apenas voltou a comparecer no seu local de trabalho em 26/11/07.
14) O autor referiu para os seus colegas de trabalho que “estava a tratar da reforma”.
15) Datada de 21/11/2007 o R. enviou ao A. através de carta registada, com A/R, a comunicação que consta de fls. 13 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, através da qual lhe deu conta da cessação do contrato de trabalho a que ambos estavam vinculados com fundamento em abandono de trabalho.
16) Tal carta foi registada em 20 de Novembro de 2007 e foi recebida pelo autor pelas 10,00 horas do dia 26/11/07.
17) Em 23/11/07 a entrega de tal carta ao autor não foi conseguida por o respectivo destinatário ter pedido segunda entrega.
18) O autor entregou à ré o documento de fls. 118, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual se declarou ter aquele, no dia 27/09/07, estado presente nas instalações da “D...” a tratar de assuntos relacionados com o acidente de trabalho ocorrido em 10/02/07.
19) O autor entregou à ré o documento de fls 116, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual se declarou ter aquele, no dia 28/09/07, pelas 9,59 horas dado entrada no serviço de urgência do CHCH, tendo tido alta nesse mesmo dia pelas 11,06 horas.
20) O autor entregou à ré o documento de fls 117, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual se declarou ter aquele, no dia 01/10/07, pelas 11,40 horas, estado presente nas instalações da “D...” a tratar de assuntos relacionados com o acidente de trabalho ocorrido em 10/02/07.
21) O autor entregou à ré o documento de fls 118, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual se declarou ter aquele, no dia 04/10/07, estado presente no Centro Regional do Sangue de Coimbra a fim de doar sangue.
22) O autor entregou à ré o documento emitido pela seguradora “Real” que faz fls. 115, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual se declarou estar aquele numa situação de ITA desde 12/07/07.
23) O autor entregou à ré o documento emitido pela seguradora “Real” que faz fls. 114, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual se declarou estar aquele numa situação de ITA desde 10/09/07 até 16/09/07, podendo a partir de 17/09/07 retomar o trabalho em regime de readaptação com a desvalorização de 30% em IPP.
24) O autor entregou à ré, que o recebeu em 09/11/07 pelas 11,30 horas, o documento emitido pela seguradora “Real” que faz fls. 11 e 113, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual se declarou poder aquele, desde 08/11/07, continuar a trabalhar em regime de readaptação com a desvalorização de 30% em IPP.
25) No dia 26/11/07, por volta das 8,00 horas, o autor apresentou-se para trabalhar tendo sido impedido, por ordens da ré, de o fazer.
26) A ré não pagou ao autor:
a) Férias e subsídio de férias vencidas em 01/01/2007;
b) Proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal pelo trabalho efectuado no ano da cessação;
c) Sete dias referentes ao salário pelo trabalho efectuado no mês de Julho e Setembro de 2007.
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B – APRECIANDO/CONHECENDO.
Como se constata, conferindo o acervo conclusivo – por onde se afere e delimita o objecto e âmbito da impugnação, excluídas as questões de conhecimento oficioso, como é sabido – é apenas um o problema sujeito à nossa apreciação.
O R. poderia – eficazmente, como pretende – ter concluído pelo abandono do trabalho, por banda do A., no factualizado contexto, e, com tal fundamento, feito cessar a relação juslaboral entre ambos oportunamente constituída?

Tudo visto e ponderado, podemos adiantar, desde já, que não acompanhamos a tese propugnada.
A decisão posta em crise elegeu a solução certa.
Vamos demonstrá-lo sucintamente, na sequência, limitando-nos a pouco mais do que reforçar a sua sóbria estruturação lógico-jurídica.
Detenhamo-nos imediatamente no quadro normativo de significação.
O impedimento temporário do trabalhador, por facto que lhe não seja imputável e que se prolongue por mais de um mês, (v.g. doença ou acidente), determina a suspensão do contrato de trabalho – art. 333.º, n.º1, do Cód. do Trabalho.
No dia imediato ao da cessação do impedimento, o trabalhador deve apresentar-se ao empregador, para retomar a actividade, sob pena de incorrer em faltas injustificadas – art. 334.º da mesma Codificação.

Uma vez que o impedimento não foi definitivo, facto que implicaria a caducidade do contrato, o A. – que foi vítima de um acidente em 10.2.2007, quando se encontrava ao serviço do R., em consequência do qual andou afectado de vários períodos de incapacidades temporárias, tendo-lhe sido dada alta, pelos serviços médicos da Seguradora, em 23.11.2007, ‘ut’ doc. de fls. 13 – apresentou-se para trabalhar, no dia 26.11.2007, por volta das 8:00 horas, tendo sido impedido de o fazer, por ordens do R….
…R. que, por carta datada de 21.11.2007 e então enviada ao A., lhe deu conta da cessação do contrato de trabalho a que ambos estavam vinculados, com fundamento em abandono do trabalho.
Esse documento faz fls. 13 e nele se consignou, nomeadamente:
‘Em virtude de …ter abandonado o trabalho que prestava para esta Instituição, há vários meses, sem ter dado indicação ou ter demonstrado interesse em o retomar, vimos comunicar-lhe que consideramos tal comportamento como abandono do trabalho para efeito do art. 450.º do Cód. do Trabalho.
Como sabe, há muito que lhe comunicamos que deveria apresentar-se ao serviço, mas o senhor achou por bem não o fazer, nunca tendo dado explicações plausíveis para ter faltado mais de 10 dias úteis seguidos’…

(Sobre esta factualidade – como sobre a demais, aliás – não há qualquer discrepância).
Sucedeu entretanto que, durante os períodos de ITP referidos nas alíneas b) e d) do item 6. do alinhamento dos factos provados, (períodos em que lhe foi conferida a ITP de 40% e 30%, respectivamente, com a menção de que podia retomar o trabalho em regime de readaptação – docs. de fls.114/115 , que aquele entregou oportunamente ao R.), o A. trabalhou para o R. nos dias 2, 3 e 4 de Julho de 2007 e nos dias 18,19 e 20 de Setembro/2007.

Tratando subsuntivamente deste quadro de facto, considerou-se na sentença sob protesto que, estando o contrato suspenso, não se achava o trabalhador obrigado a prestar a sua actividade/a apresentar-se ao trabalho, antes de 23.11.2007, data em que lhe foi dada alta definitiva.
E a resposta à questão que logicamente se colocaria a seguir, face à (aparente…) dificuldade de conciliação entre a suspensão do contrato e o regresso ao trabalho nos dias acima assinalados, também foi correctamente adiantada…
…Mas demandará quiçá melhor explicitação para cobrir a (compreensível…) dúvida ora suscitada pelo recorrente: a de saber quais as consequências a retirar do exercício do direito que a Lei confere ao sinistrado no âmbito do art. 54.º do Decreto Regulamentar da L.A.T., o Decreto-Lei n.º 143/99.
Vejamos.
Como decorre do art. 30.º/1 da L.A.T., durante o período de incapacidade temporária parcial a entidade empregadora é obrigada a ocupar…os trabalhadores sinistrados em acidentes ao seu serviço em funções compatíveis com o estado desses trabalhadores.
Esta obrigação não é absoluta: está condicionada à verificação de quatro pressupostos, como decorre do disposto no art. 54.º do Regulamento (da L.A.T.).
É claro que o R. aceitou tal obrigação, pois não impediu que o A., ainda convalescente, trabalhasse em vários dias de Julho e Setembro/2007, durante períodos de ITP, (com 40% e 30%, respectivamente).

Mas, pergunta-se – é esta a questão – uma vez apresentado ao empregador, e funcionalmente reocupado o trabalhador, em tais circunstâncias, será que cessou a suspensão do contrato de trabalho, tudo se passando a seguir como se a relação tivesse retomado a plenitude dos seus normais efeitos?
Contrariamente ao sustentado pelo apelante, entendemos convictamente que não.
Não significará isto dizer-se que o sinistrado possa largar e retomar a actividade que lhe tenha sido destinada, (…supostamente compatível com as suas limitações), de uma forma discricionária, a seu bel-prazer, sem qualquer justificação plausível, aceitável e …aceite.
(Não nos parece que tenha sido o caso).

A compreensão harmoniosa das disposições conjugadas do Cód. do Trabalho com as da L.A.T. e seu Regulamento não consentem a conclusão propugnada pelo recorrente.
Os termos impressivos da redacção do ar. 334.º do Cód. do Trabalho deixam perfeitamente perceber que a relação juslaboral só se restabelece definitivamente, pondo assim termo à suspensão operada ‘ope legis’, quando cessado de vez o impedimento.
É com o regresso do trabalhador, com a sua apresentação ao empregador para retomar a actividade, que se tem por terminado o período da suspensão – ‘No dia imediato ao da cessação do impedimento’.
Ora, a cessação do impedimento não acontece antes da alta, por cura clínica.
A apresentação, durante os períodos de ITP, não poderá, pois, ser considerada como apresentação para retomar a actividade, em sentido próprio.
Essa só poderia ocorrer, repete-se, depois de cessado o impedimento …e só essa é eficaz para pôr fim à suspensão do contrato de trabalho.

As disposições da Lei Infortunística não poderiam naturalmente colidir com as citadas normas do Cód. do Trabalho.
Aquelas visam um objectivo óbvio: o de viabilizar a readaptação possível do sinistrado, favorável à recuperação da sua saúde, reocupando-o progressivamente em tarefas compatíveis com o seu estado e limitações.
É por isso que, enquanto para o empregador a (re)ocupação, uma vez verificado o respectivo condicionalismo, constitui imediatamente uma obrigação, (uma espécie de consequência reflexa pelo facto de o trabalhador se ter sinistrado ao seu serviço…), já para o trabalhador é uma faculdade, (…em parte alguma a Lei lhe impõe que se apresente ao empregador no período de ITP), que tem todavia que exercer, querendo, no prazo legalmente estabelecido, (dez dias a contar da data da fixação do grau de incapacidade), sob pena de ter de justificar devidamente a ausência, ou de ver cessada a obrigação patronal, se o não fizer.

Ora, o R. não poderia, pelo exposto, aproveitar-se da (…quiçá mal explicada) circunstância de o A., sinistrado, seu trabalhador, ter actuado, como actuou, no período da ITP, para interpretá-la como constituindo uma situação de abandono do trabalho – com o devido respeito.
Demonstrado que o A. se acidentou ao seu serviço, que foi entregando ao R. prova documental das deslocações à Seguradora respectiva por causa do falado acidente, e, concretamente, da sua situação clínica, por onde claramente se concluía que não estava ainda clinicamente curado, (v.g. o doc. de fls. 115, no qual se declarou que o A. estava numa situação de ITA, desde 12.7.2007; o doc. de fls. 114, onde se declarou estar aquele numa situação de ITP a partir de 17.9.2007 e o doc. a fls. 11-113, no qual se declarou… uma desvalorização de 30% de ITP, desde 8.11.2007…), o que se exigia que o R., diligentemente, tivesse feito era inteirar-se da situação, esclarecê-la e tomar posição sobre a sua obrigação, (…ou não), de ter de o ocupar, e, se sim, em que condições, destinando-lhe tarefas compatíveis com o seu estado de saúde...
…Estando no direito de – se fosse caso disso …e se assim o entendesse – recusar-lhe ocupação enquanto estivesse afectado de ITP’s.
Não estava, porém, legitimada, conforme sobredito, a interpretar os sinais em que alegou basear-se (…entrega das chaves do vestiário, referências de que ‘estava a tratar da reforma’, etc.), para, naquele contexto, pretextar o abandono do trabalho por banda do A. e, desta forma, ter feito cessar o contrato de trabalho.

Em resumo/Sumário, diremos:
- Enquanto a incapacidade do trabalhador sinistrado for temporária, mantém-se a suspensão do contrato de trabalho;
- O A. não estava obrigado a apresentar-se ao empregador, nem a retomar o exercício de funções, enquanto afectado de incapacidades temporárias;
- Tendo-o feito, essa circunstância não tem a virtualidade de pôr fim à suspensão do contrato de trabalho, suspensão que só termina eficazmente com a apresentação do trabalhador ao empregador, no dia seguinte ao da cessação do impedimento, para retomar a actividade;
- Tendo o empregador perfeito conhecimento do estado de saúde do seu trabalhador/sinistrado, enquanto convalescente, temporariamente afectado ainda de uma diminuição relativa, (ITP), apenas teria a obrigação de o reocupar se verificado o condicionalismo legal a que se reportam as analisadas normas da legislação infortunística;
- A ocupação do trabalhador sinistrado durante a incapacidade temporária, e as sua eventuais vicissitudes, não contende com a constância da relação juslaboral.
- A ocupação no período de ITP, enquanto estado de saúde provisório, não significa a retomada das funções normais do trabalhador.
(Antes do termo do impedimento, não pode saber-se da evolução e definição das sequelas do sinistro: um estado transitório de ITP pode sofrer agravamentos, recidivas, desfechos vários).
- Era o R. quem deveria ter conferido esses pressupostos e consentido, ou não, que o sinistrado voltasse ao trabalho naquelas circunstâncias.
- É ilícita, neste contexto, a determinação da cessação da relação juslaboral com fundamento no abandono do trabalho.
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III –
DECISÃO
Nos termos expostos, delibera-se julgar improcedente a Apelação, confirmando inteiramente a sentença impugnada.
Custas pelo recorrente.
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Coimbra,