Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4035/18.9T8LRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: PROVA DOCUMENTAL
FORÇA PROBATÓRIA
DOCUMENTO APRESENTADO NO ÂMBITO DE UM PROCESSO EM QUE O DECLARANTE NÃO É PARTE
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 38.º, 1 E 2, DO DL 76-A/2006, DE 29/3
ARTIGOS 240.º; 244.º; 250.º A 256.º; 371.º, 1; 375.º, 1 E 376.º, 1 E 2, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I – Para que os factos compreendidos na declaração documentada se considerem provados, nos termos do n.º 2 do artigo 376.º do Código Civil, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, é necessário que o documento (particular) seja apresentado no âmbito de um processo em que esse declarante seja parte.

II – Se o declarante não for parte no processo, o documento fica nessa parte submetido à livre apreciação do tribunal – artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

III – O documento particular com assinatura feita por credor de tornas (pai dos atuais interessados em processo de inventário por óbito deste credor de tornas) onde se encontra redigido em letra de imprensa «A (…) vem muito respeitosamente informar V. Exa. que já recebeu as tornas devidas pela sua filha (…), no processo supra identificado …», não faz prova plena do pagamento dessas tornas por essa filha ao pai, quando tal documento é apresentado num subsequente processo de inventário, agora por óbito desse credor de tornas (pai) e no qual são interessados os herdeiros desse credor, agora inventariado, e um desses herdeiros (filho) reclama a relacionação desse crédito de tornas perante o outro (filha) alegado devedor dessas tornas ao inventariado (pai)

Decisão Texto Integral:


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,

*

Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto……… Carlos António Paula Moreira

2.º Juiz adjunto………. José da Fonte Ramos


*

(…)

*

Recorrente ………………….. AA; e

Recorrido…………………… BB,

Ambos melhor identificados nos autos.


*

I. Relatório

a) As partes são irmãos entre si e foram remetidas para os meios comuns  no âmbito do processo de inventário aberto por óbito do respetivo pai, com o fim de aqui se averiguar se do património do inventariado CC faz parte um crédito de tornas deste inventariado sobre a ora recorrente AA, sua filha, atinente à partilha da herança efetuada em anterior inventário por óbito da mãe da ré AA e cônjuge do mencionado inventariado, e ainda se esta última fez suas indevidamente determinadas quantias retiradas da conta bancária do mencionado inventariado.

O recorrido instaurou então a presente ação peticionando o seguinte:

Declarar-se que do património do falecido inventariado CC faz parte um crédito de tornas no montante de 27.698,89 euros e que a ré AA se apoderou de 27.900,00 euros que retirou da conta bancária do inventariado e que a Ré omitiu intencionalmente estas quantias na relação de bens que apresentou no inventário e se apropriou de valores pertencentes à herança.

A título subsidiário pediu a condenação da Ré a restituir à massa da herança a quantia de 27.698,89€, acrescida dos juros moratórios vencidos à taxa legal, contados desde 23-04-2016 (dia seguinte ao trânsito em julgado da sentença de partilhas) até 28-11-2018, da quantia de 2.883,72€ e os juros de mora que futuramente se vencerem sobre aquele capital desde a presente data até à respectiva partilha; condenar-se a ré a restituir à massa da herança a quantia de 27.900,00€, correspondente às quantias retiradas da conta bancária do falecido, acrescida dos juros de mora desde a citação e até à respectiva partilha e  condenar-se a ré a relacionar no inventário o crédito de tornas e as acima referidas quantias monetárias, acrescidas dos juros moratórios devidos.

A ré contestou refutando o alegado e as conclusões tiradas pelo autor.

Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Na decorrência de tudo o acima exposto:

A. Declaro que o património do falecido CC integra o crédito de tornas, no valor de € 27.698,89 (Vinte e sete mil, seiscentos e noventa e oito euros, e oitenta e nove cêntimos).

B. Condeno a ré AA a restituir à massa da herança aberta por óbito de CC, relacionando-a no respectivo inventário, a quantia acima referida de € 27.698,89 (Vinte e sete mil, seiscentos e noventa e oito euros, e oitenta e nove cêntimos), a que acrescem juros moratórios vencidos à taxa legal, contados desde 23-04-2016 (dia seguinte ao trânsito em julgado da sentença de partilhas) até ao dia 28-11-2018 (data da instauração da presente acção), da quantia de 2.883,72€ (Dois mil, oitocentos e oitenta e três euros, setenta e dois cêntimos) e os juros de mora que futuramente se vencerem sobre aquele capital desde a presente data até à respectiva partilha.

C. No remanescente do peticionado pelo autor BB, absolvo a ré AA.

D. Não condeno o autor BB como litigante de má-fé.

Custas pelo autor e pela ré na proporção de 40% e 60%, respectivamente.»

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte da ré AA, cujas conclusões são as seguintes:

«I. Foi a Ré, ora Recorrente, condenada pela sentença de que se recorre a: (…).

II. O Tribunal no ponto 29 dos factos provados julga provado que CC, apesar da sua idade, manteve vigor mental - ou seja capacidade para tomar decisões, fazer declarações e confissões -, até ao fim da sua vida, e julga na al. f) dos “Aspectos não provados” que não resulta como provado que nos últimos anos de vida CC fosse uma pessoa sugestionável e frágil.

III. Contrariamente desconsidera a declaração de CC, constante em documento autenticado, assinado pelo declarante e autenticada por Advogado, de quitação das tornas da herança da sua falecida esposa.

IV. O Tribunal a quo contradiz-se no julgamento dos factos, viola as normas que impõem força probatória a documento autenticado e condena a Ré à restituição da quantia das tornas e juros à massa da herança aberta por óbito de CC.

V. O documento autenticado faz prova plena da declaração emitida pelo declarante e nele atestada, bem como dos factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, prova esta que se impõe quer aos outorgantes quer a terceiros.

VI. Não foram alegados pelo Autor, nem foram considerados quaisquer factos na sentença recorrida que prove que não são verdadeiros os factos constantes da declaração emitida, nem qualquer invalidade da mesma, e que se mostram plenamente provados pelo documento autêntico ou pela confissão nele exarada.

VII. CC declarou que se dá como pago das tornas da herança de sua falecida mulher e que, na sequência da sua declaração, não se considera credor da referida quantia.

VIII. A declaração de quitação emitida perante advogado, que nos termos legais autenticou a declaração em que foi plasmada e a assinatura do declarante, é oponível aos demais, nomeadamente credores da pessoa objecto de tal declaração e herdeiros do declarante.

IX. A Ré DD está desonerada pela declaração do seu credor que afirma estar pago das tornas em documento autenticado que formaliza o cumprimento da sua obrigação de pagamento de tornas, o ónus da prova dos elementos constitutivos do seu cumprimento perante o declarante e seus herdeiros fica satisfeito com a simples apresentação de tal documento.

X. Os documentos autênticos e autenticados fazem prova plena dos factos neles atestados – art.º 371º C. Civil., fazendo prova plena do respectivo conteúdo, tendo ambos a mesma força probatória dos documentos autênticos – art.º 377º C. Civil.

XI. A quitação, consubstanciada em declaração unilateral voluntária e validamente emitida, goza da presunção legal inerente à plenitude probatória inerente ao documento, bastando a apresentação do documento válido que a titula para a sua prova.

XII. A sentença recorrida nada refere nomeadamente a vício de vontade ou divergência entre a vontade e a declaração, nem enumera qualquer facto consubstanciador do vício ou divergência, pelo contrário declara provado que o declarante estava e esteve são mentalmente até ao final da sua vida.

XIII. Há que alterar a matéria erradamente dada como provada em 35 e 36 dos factos provados, decidindo em conformidade e dar como não provado que a ré AA, em vida de CC, não pagou o crédito de tornas, bem como que a ré omitiu tal crédito de tornas na respectiva relação de bens que apresentou.

XIV. O Tribunal a quo na sua decisão violou, entre outras, as disposições contidas nos art. 377º; 371º; 385º, 342º, nº 2 e 350º, nº 1, todos do C.  Civil.

XV. A sentença recorrida deve ser substituída por outra que reconheça a quitação invocada pela recorrente, nos exactos termos vertidos na declaração de quitação emitida pelo seu pai, que declara que recebeu as tornas da herança da sua falecida esposa e que a filha nada mais lhe deve.

XVI. O Tribunal a quo cometeu erro de julgamento seja quantos aos factos, seja na aplicação do direito aos factos e à prova apresentada pela Ré Recorrente, pelo que o decidido não corresponde à realidade ontológica e à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei que consistiu num desvio à realidade factual.

XVII. A Ré Recorrente apresentou um documento valida e legalmente autenticado, contudo a sentença recorrida sem fundamentação descartou a força probatória do documento, o que constitui uma nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.

XVIII. A sentença recorrida é ainda nula, vide artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, por erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la, ou seja, os fundamentos invocados pelo juiz - por um lado que o declarante da quitação dada à Ré quanto a tornas plasmada em documento autenticado esteve mentalmente são até ao fim da sua vida, que a sua assinatura foi feita perante advogado que autenticou a declaração e a assinatura do declarante e por outro lado decide descartar a força probatória de tal documento - conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido diferente: verificaria a validade da quitação e não condenaria a Ré, ora recorrente.

XIX. Verificando-se as nulidades invocadas deve a sentença recorrida ser substituída por outra que reconheça a validade e força probatória imposta por lei, e ser a Ré, ora Recorrente, absolvida da condenação que foi objecto.

NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá, consequentemente, a decisão proferida ser revogada e substituída por outra que declare a validade do documento autenticado, que o mesmo seja considerado como prova do pagamento das tornas no valor de €27.698,89, absolvendo a Ré Recorrente de as restituir à massa da herança.

Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

c) Foram produzidas contra-alegações cujas conclusões são as seguintes:

« (…)

3.ª) A douta sentença recorrida não enferma da nulidade, por insuficiência da fundamentação, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea b), do CPC, porquanto, o tribunal a quo apresentou a motivação acerca da desconsideração do documento nº 2, junto com a 1ª contestação, que, aliás, a própria apelante transcreve no ponto 4º da motivação recursória.

5.ª) Tendo concluído que a pretensa força probatória conferida não encontrou coeso eco em todos os restantes meios de prova integrados nos presentes autos, bem como nas declarações das testemunhas inquiridas e no depoimento prestado pela ré.

6.ª) Além disso, a douta sentença recorrida também não enferma da nulidade prevista artigo 615º, nº 1, alínea c), do CPC, por alegada contradição entre os fundamentos e a decisão, porquanto, o ponto 35 da matéria de facto provada, em nada se contraria com o facto provado no ponto 29, nem conduz a decisão em sentido oposto.

7.ª) Em conclusão a sentença recorrida não enferma de qualquer das nulidades arguidas, afigurando-se que tal arguição, não passa da manifestação duma mera discordância da recorrente relativamente ao decidido, razão porque deverá ser negado provimento ao recurso.

8.ª) E embora não tenha sido objeto expresso de recurso, por cautela de patrocínio, entrando na questão do pronunciamento de mérito, verifica-se que também não ocorreu o erro de julgamento (error in judicando).

9.ª) Efetivamente, a recorrente sustenta que o documento particular, onde consta a redução a escrito da «declaração de quitação, confissão proferida pelo declarante, foi sujeita a autenticação, o que significa que houve confirmação perante um advogado, com poderes para tal, da declaração negocial expressa no documento», e o «documento autenticado, este faz prova da declaração emitida pelo declarante e nele atestada, bem como dos factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, prova esta que se impõe quer aos outorgantes quer a terceiros» ( pontos 6º e 7º da motivação).

10.ª) E a “declaração confessória” proferida seria oponível aos demais, nomeadamente aos credores e herdeiros do declarante, dispensando a mesma de entregar qualquer prova complementar da entrega das quantias mutuadas (ponto 9º), encontrando-se a recorrente desonerada por aquela declaração ser um documento autenticado, que formaliza um cumprimento da sua obrigação de pagamento de tornas, o ónus de prova dos elementos constitutivos do seu cumprimento perante o declarante e os seus herdeiros (10º).

11.ª) Todavia, e ao contrário das afirmações persistentes da recorrente esse requerimento não pode ser caracterizado como «documento autenticado», pois, inexiste “TERMO DE AUTENTICAÇÃO”, e, não cumpre mais especificações do art. 151º do Código do Notariado, caso em que seria nulo, por vício de forma, nos termos do art. 70º do mesmo diploma.

12.ª) Trata-se dum mero requerimento dirigido a um processo judicial e que em vida do requerente, nunca deu entrada em juízo, não cumprindo processualmente a sua função de confissão dum suposto recebimento de tornas, sendo que, e ademais, se comprovou pelos restantes meios de prova integrados nos autos, bem como nas declarações das testemunhas inquiridas e no depoimento prestado pela ré, que esse pagamento nunca ocorreu.

13.ª) Além disso, continha uma declaração vaga em si mesma, sendo que tal vacuidade se intensifica quando atendendo ao contexto em que a mesma é efetuada. Assim, com expende o Mmº juiz a quo, resulta do mais elementar senso comum, que a declaração de quitação acerca de relevante valor monetário, levaria a que tal declaração apresentasse um maior destaque e concretização, quanto ao mesmo, desde logo em prol do interesse da própria ré.

14.ª) Ao que acrescentamos, que esse documento fala no tempo passado e com assinatura reconhecida, que é contraditório e incongruente, sendo que à data nem sequer existia mapa de partilha, elaborado em 12.02.2016 (facto provado nº 13), homologado por sentença de 09.03.2016, transitada em julgado a 22.04.2016 (facto provado nº 14), e a partir da qual emergiu o crédito de tornas sobre a ré, no montante de €27.698,89.

16.ª) Diferente seria se fosse um documento particular com um texto completo, identificativo das partes, datado e justificando o pagamento e modo como o foi ou uma outra forma de extinção das obrigações.

17.ª) É que tal requerimento, só foi dirigido ao Inventário n.º ...9... (por óbito de EE), pela ré, via plataforma Citius a 28-5-2018, muito depois de encerrado e transitado em julgado, e com o Inventário n.º ...6 ( por morte do pai) a  correr termos desde o dia .../.../2016.

18.ª) Ora, como o requerimento nunca foi apresentado em vida do “declarante/requerente “e nas fases próprias do processo, ao qual se dirigia, não prova o pagamento.

19.ª) Acresce que, a Ré/recorrente contradiz-se fortemente quando prestou o seu DEPOIMENTO DE PARTE, não só negando expressamente que tivesse efetuado esse pagamento, como, sequer reconheceu o próprio documento, pela mesma junto, dando sinais de gritante incoerência.

20.ª) Efetivamente, como resulta da audição do ficheiro de áudio contendo o seu depoimento, quando inquirida na sessão de 09-12-20122 (ata referência: 102230308), e gravado através do sistema H@bilus Media Studio das 14:56 horas até às 16:55 horas, verifica-se que a ré/recorrente:

- Declarou que nunca pagou as tornas ao seu pai em dinheiro (na passagem de 1.48.27’-1.48.28’) e a questão expressa feita pelo mandatário do recorrido (na passagem de 1.48.20’ a 1.48.28’);

- E, quando confrontada com o próprio documento n.º 2, que apresentou na contestação (relativo ao processo 1766/09.... – Juízo Local Cível J... de ...), presente nos autos a folhas 154 a 156 do processo físico, ou seja, o exato documento cuja veracidade e força probatória aqui analisamos, de enorme importância, demonstrou enormes dificuldades em responder, com pausas, silêncios e hesitações no seu discurso, às vezes escudando-se em défices de memória ( cfr. passagens de 1.42.17’ até 1.49.08’), acabando por não reconhecer esse documento, nem o saber explicar o seu conteúdo ( passagens de 1.45.13’ a 1.45.56’), o que é muito estranho, e, sendo advertida para não estar olhar para o advogado enquanto era perguntada (cfr. meritíssimo juiz : 1.47.33’), acabou afirmando, “ não sei dizer, isto quer dizer o quê“( 1.47.58’), “ não chego a perceber bem” (1.48.10’), não me lembra (1.48.57’), e “não posso estar a justificar uma coisa que eu não sei” ( 1.49.08’),

21.ª) E tendo em depoimento de parte declarado que não fez o pagamento e nem reconhecendo o documento, não pode a ré/recorrente, em recurso, insistir que esse documento contém uma «declaração confessória de pagamento das tornas outorgada pelo Autor da Sucessão, constitui meio de prova por confissão extrajudicial do Autor da Sucessão», isto é, daquilo que a própria reconhece que não fez e não conhece.

22.ª) Mas, além disso, outros documentos foram tomados em conta pelo tribunal a quo, tendo a recorrente sido confrontada com os documentos n.º 10, n.º 11, n.º 12 e n.º 13, juntos com a petição inicial, presentes nos autos a folhas 54 verso e seguintes do processo físico.

23.ª) E ainda com os extratos de conta, apresentados na resposta de 21-02-2020, presentes nos autos a folhas 301 e seguintes do processo físico. Por último, com os documentos n.º 1 a n.º 4 (documentos bancários), apresentados no requerimento probatório de 06-01-2021, presentes nos autos a folhas 469 e seguintes do processo físico.

24.ª) Aliás a Ré/recorrente, também entrou em flagrantes e graves contradições, quando na contestação, se defendeu com a compensação de créditos (cf. arts. 91º-131º, 419º e 451º, entre outros), ora com pagamento ( cf. Artigos 125º, 276 e 411º), quando aquilo que se deu como provado foi que ela própria, ao longo dos oito anos que o pai esteve internado no lar, entre .../.../2008 e .../.../2016, retirou da conta bancária do falecido, ao todo, a quantia de 27.900€, dinheiro esse exclusivamente pertencente àquele e das suas pensões de reforma que recebia e nelas mensalmente creditadas por transferência ( facto provado nº 17), com que aquela se ressarciu pelos valores que tinha avançado do seu bolso ( factos provados 31, 32, 33 e 34).

25.ª) A compensação é incompatível com o pagamento, que pressupõe a realização da prestação, mas o documento/requerimento sequer menciona qualquer compensação de créditos.

27.ª) Não tendo a ré/apelante, pago, em vida, o crédito de tornas, ao pai, bem sabia que estava obrigada a relacioná-lo no inventário subsequente e com os juros moratórios, como crédito no ativo da herança aberta por óbito daquele.

28.ª) Aliás, recordemos as manobras do passado, quando, apesar de saber não ter meios para pagar as tornas, inclusive ao recorrido no inventário da falecida mãe (Pº 1766/09....), não se coibiu de licitar por valores inflacionados (30.510€), todos os prédios da herança (um prédio urbano - verba 2, que era a casa de habitação dos falecidos pais e mais cinco prédios rústicos (verbas 3, 4, 5, 6 e 7)), não ficando nenhuns prédios para serem adjudicados ao pai, apesar do direito deste ser quantitativamente superior (meação + 1/3 da herança da falecida esposa), pois, bem sabia que mais tarde os iria ter de partilhar com o irmão, ora recorrido, enquanto que, o crédito das tornas, era algo facilmente volátil e sonegável ( vide. ata da conferência de interessados de fls. 31/32 – Doc. 6 da p.i.).

29.ª) A ré não consegue sequer com tal requerimento extinguir no registo predial a hipoteca legal do crédito das tornas, porque, tal documento não configura legalmente uma idónea quitação à face do registo predial.

32.ª) Enfim, a ré/apelante nunca pagou as tornas ao pai (facto provado nº 35), e pelos valores adiantados no pagamento de contas pessoais do falecido pai, esta já ficou  ressarcida, pois, com periodicidade variável, ia buscar tais valores à conta n.º ...01 ( cfr. factos 31, 32, 33 e 34), que movimentava com um cartão de Multibanco, fez diversos levantamentos ao balcão do Banco 1... e executou duas transferências, com o que ficou ressarcida dos valores adiantados do seu bolso (cf. factos provados 16., 17., 23., 24., 25., 26, 31., 32., 33., e 34.), razão porque foi absolvida relativamente à questão do dinheiro retirado da conta do falecido.

33.ª) Para se eximir ao pagamento do crédito de tornas, é estranho que a recorrente nunca tenha sequer concretizado os valores que adiantou pelas despesas e “serviços“, limitando-se a fixar o valor no exato montante da dívida das tornas ( 27.698,89€), o que ainda se torna mais inverosímil.

34.ª) E nunca juntou um único documento para comprovar essas alegadas despesas, furtando-se à análise comparativa dos respetivos montantes, que permitiram avaliar se havia proporcionalidade.

35.ª) Fosse como a ré/recorrente pretende e, teríamos um idoso que, internado num lar, onde residiu e viveu permanentemente, desde .../.../2008, até ao seu falecimento (ocorrido em .../.../2016) (facto provado nº 20), e beneficiado sempre dos correspondentes serviços, normais e correntes, de alojamento, alimentação, tratamento de roupa, animação, cuidados de saúde primários, higiene e conforto pessoal e apoio pessoal ( cfr. clª 1ª, nº 2 do contrato – doc. 13 da p.i.), que tendo pago todas as prestações do lar às custas das suas reformas (factos provados nº 21 e 22), ainda tivesse de arcar com uma dívida descomunal, à própria filha, tudo somado, perfazendo uma conta na ordem dos 55.598,89€ (ou seja: 27.900€, retirados da conta + 27.698.89€ do crédito de tornas). O que não é manifestamente racional e plausível.

38.ª) Concluindo, tendo a douta sentença apelada e no confronto de toda a prova produzida, decidido pela existência do crédito de tornas, condenando a ré/apelante na restituição à herança e na obrigação de o relacionar no inventário instaurado por óbito do pai (Inventário nº ...16, do Cartório Notarial ...), decidiu com inteira justiça e respeito pela verdade material e o direito, não havendo assim, erro de julgamento (error in judicando).

39.ª) A título subsidiário, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pela apelante (636º, nº 2 do CPC), o que apenas por hipótese se coloca, porque em verdade se rejeita, nos termos dos artigos 638º, nº 8, 1ª pte e 636º, º 2 do CPC, argui-se a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, quanto às questões da sonegação de bens e da litigância de má-fé da ré, que não foram apreciadas;

40.ª) De facto, na sequência do douto acórdão da Relação de Coimbra de 1.07.2021, passou a ser objeto de discussão e julgamento, o apuramento dos pressupostos dos elementos constitutivos da sonegação de bens, tal como estão previstos no art.º 2096º, do Código Civil, e cuja matéria factual se encontrava nos artigos 34º a 65º da petição, a qual determinou a necessidade do respetivo aditamento ao objeto do litígio e aos temas da prova.

41.ª) Deste modo, teria de haver pronúncia de mérito quanto a essa questão da sonegação de bens, na parte relativa ao crédito das tornas, não prejudicada pela improcedência da outra questão (dos depósitos bancários), isto é, teria de haver pronúncia parcial quanto ao pedido principal I. -alíneas a) (1ª pte.), b), c), e e), e eventual decretamento da respetiva sanção civil.

42.ª) Acresce que, a douta sentença recorrida também não se pronunciou quanto ao pedido da condenação da ré/recorrente como litigante de má-fé, efetuado na réplica (18/01/2020 - ref.ª 6504226 ) e na resposta à defesa por exceção ( pontos XXIII-XXIV – requerimento de 21/02/2020 – ref.ª6613265).

Termos que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença recorrida, porquanto, a mesma não enferma de quaisquer das nulidades arguidas e não ocorreu erro de julgamento.

Quando não, a título meramente subsidiário, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pela recorrente (636º, nº 2 do CPC), dever-se-á conhecer das supra invocadas nulidades da sentença por omissão de pronúncia e com as legais consequências.

Contudo V. Exas., farão …»

II. Objeto do recurso.

Começando pelas nulidades de sentença e seguidamente pela impugnação da matéria de facto e mérito da causa, as questões colocadas pelo recurso são as seguintes:

1 -  Nulidades de sentença.

a) A recorrente argui a nulidade da sentença com fundamento na falta de fundamentação, argumentando que «…apresentou um documento valida e legalmente autenticado, contudo a sentença recorrida sem fundamentação descartou a força probatória do documento, o que constitui uma nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.»

Imputa ainda outra nulidade à sentença – ao abrigo do disposto na al. c), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC – «…por erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la, ou seja, os fundamentos invocados pelo juiz - por um lado que o declarante da quitação dada à Ré quanto a tornas plasmada em documento autenticado esteve mentalmente são até ao fim da sua vida, que a sua assinatura foi feita perante advogado que autenticou a declaração e a assinatura do declarante e por outro lado decide descartar a força probatória de tal documento - conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido diferente: verificaria a validade da quitação e não condenaria a Ré, ora recorrente.»

b) O recorrido também invoca a nulidade da sentença, mas a título subsidiário ( artigo 636.º, nº 2 do CPC), para a hipótese do recurso proceder, «…por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, quanto às questões da sonegação de bens e da litigância de má-fé da ré, que não foram apreciadas.»

2 – Impugnação da matéria de facto

Em segundo lugar, cumpre analisar a impugnação da matéria de facto para decidir se deve declarar-se provado que a ré AA, em vida de CC, pagou o crédito de tornas, bem como, que a ré não omitiu tal crédito de tornas na respetiva relação de bens que apresentou, passando os factos provados 35 e 36 para o rol dos não provados.

3 – Por fim, em sede de mérito da causa, cumpre apreciar a repercussão da eventual alteração da matéria de facto sobre o decidido em 1.ª instância, sobre se «…a sentença recorrida deve ser substituída por outra que reconheça a quitação invocada pela recorrente, nos exactos termos vertidos na declaração de quitação emitida pelo seu pai, que declara que recebeu as tornas da herança da sua falecida esposa e que a filha nada mais lhe deve.»

III. Fundamentação

a) Nulidades de sentença

1 - A Recorrente argui a nulidade da sentença com fundamento na falta de fundamentação, argumentando que «…apresentou um documento valida e legalmente autenticado, contudo a sentença recorrida, sem fundamentação descartou a força probatória do documento, o que constitui uma nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.»

Não assiste razão à recorrente.

A nulidade prevista na al. b), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, onde se dispõe que a sentença é nula quando «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão», refere-se à ausência integral de fundamentação e não à fundamentação que existe, mas, por qualquer razão é deficiente.

Como referem os autores Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio Nora, «A segunda causa de nulidade contemplada na disposição é a falta de fundamentação da sentença. Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» - Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada. Coimbra Editora, 1985, pág. 687

[No mesmo sentido, Lebre de Freitas, em A Ação Declarativa Comum, à Luz do CPC de 2013, 3.ª Ed., pág. 332 e na jurisprudência  o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2005 (Araújo Barros), in www.dgsi.pt, com referência ao n.º 05B2711, «Para que uma decisão careça de fundamentação (incorrendo na nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do C.Proc.Civil) não basta que a sua justificação seja deficiente, incompleta ou não convincente: é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» (sumário); e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-1-2014 (Gabriel Catarino), no processo n.º 1032/08.6TBMTA, in www.dgsi.pt

«III - Só a total falta de fundamentação – e não a fundamentação deficiente, acrática e errática – induz a nulidade da decisão por falta de fundamentação (al. b) do n.º 1 do art. 615.º ex vi dos arts. 666.º e 679.º, todos do CPC)»]

 Improcede, por conseguinte, a arguição desta nulidade.

2 – A recorrente imputa ainda outra nulidade à sentença – ao abrigo do disposto na al. c), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC – «…por erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la, ou seja, os fundamentos invocados pelo juiz - por um lado que o declarante da quitação dada à Ré quanto a tornas plasmada em documento autenticado esteve mentalmente são até ao fim da sua vida, que a sua assinatura foi feita perante advogado que autenticou a declaração e a assinatura do declarante e por outro lado decide descartar a força probatória de tal documento - conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido diferente: verificaria a validade da quitação e não condenaria a Ré, ora recorrente.»

Não ocorre esta nulidade.

Como referiu o Prof. Alberto dos Reis, «Quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, a sentença enferma de vício lógico que a compromete. A lei quer que o juiz justifique a sua decisão. Como pode considerar-se justificada uma decisão que colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia?» e acrescenta, «Há contradição entre os fundamentos e a decisão quando «…os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto» - Código de processo Civil Anotado. Coimbra Editora, 1984.Vol. V (reimpressão), pág. 141.

Repetindo, esta nulidade ocorre quando o juiz conduz a argumentação que consta da fundamentação jurídica da sentença num certo sentido e, depois, no dispositivo da sentença, tira uma conclusão inesperada, isto é, contraditória com a argumentação anterior.

É nisto que consiste a contradição apontada nesta norma.

Ora, tal contradição não ocorre no caso dos autos.

Com efeito, se um leitor hipotético fizer o exercício de ocultar o dispositivo da sentença e ler de seguida apenas a respectiva fundamentação, se esse leitor tivesse de escrever a decisão após ter lido a fundamentação, concluiria no mesmo sentido que consta do dispositivo da sentença sob recurso, isto é, a conclusão (decisão) da sentença é a esperada face às premissas que o juiz fez constar da fundamentação.

Quando a parte discorda da fundamentação indicada na sentença, por exemplo, devido a eventual errada aplicação do direito aos factos, tal discordância insere-se na questão jurídica de fundo, de mérito, mas não respeita a matéria de natureza processual, como é o caso das nulidades de sentença.

Improcede, por conseguinte, a invocada nulidade de sentença.

c) O recorrido também invoca a nulidade da sentença, mas a título subsidiário (artigo 636.º, nº 2 do CPC), para a hipótese do recurso proceder, «…por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, quanto às questões da sonegação de bens e da litigância de má-fé da ré, que não foram apreciadas.»

Quanto a esta nulidade só será analisada se o recurso proceder.

b) Impugnação da matéria de facto

Vejamos se deve alterar-se a matéria de facto constante dos n.º 35 e 36 dos factos provados, declarando-se provado que a ré AA, em vida de CC, pagou o crédito de tornas e que a Ré não omitiu tal crédito de tornas na respetiva relação de bens que apresentou.

Estes factos provados têm esta redação:

«35. A ré AA, em vida de CC, não pagou o crédito de tornas, acima referido, no valor de 27.698,89 €.»

«36. A ré omitiu tal crédito de tornas na respetiva relação de bens que apresentou.»

A resposta à impugnação é negativa, pelas seguintes razões:

1- A Recorrente baseia a alteração da matéria de facto no documento apresentado com a sua contestação.

Trata-se de um documento particular com assinatura presencial reconhecida por advogado.

Este documento diz o seguinte, em letra de imprensa:

«CC, Interessado melhor identificado nos autos à margem referenciados, vem muito respeitosamente informar V. Exa. que já recebeu as tornas devidas pela sua filha AA, no processo supra identificado (…).»

É assinado com o nome manuscrito «CC».

A Recorrente argumenta que «O documento autenticado faz prova plena da declaração emitida pelo declarante e nele atestada, bem como dos factos compreendidos na declaração, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, prova esta que se impõe quer aos outorgantes quer a terceiros» -  Cfr. Conclusão «V» do recurso.

E que «A declaração de quitação emitida perante advogado, que nos termos legais autenticou a declaração em que foi plasmada e a assinatura do declarante, é oponível aos demais, nomeadamente credores da pessoa objecto de tal declaração e herdeiros do declarante. Cfr. Conclusão «VIII» do recurso.

Não lhe assiste razão, como se disse, e vejamos porquê.

(I) Nos termos do n.º 1 do artigo 375.º do Código Civil, «Se estiverem reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e a assinatura do documento, ou só a assinatura, têm-se por verdadeiras.»

Por sua vez, os n.º 1 e 2 do artigo 376.º do Código Civil dizem que «1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.

2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.»

Vejamos o que querem dizer estas normas no caso concreto.

Da conjugação dos referidos artigos 375.º, n.º 1 e 376.º n.º 1 e 2, resulta provado que a assinatura foi manuscrita por CC num documento onde estava exarado o texto mencionado.

É esta a factualidade que se mostra certificado pela Sra. advogada quando declarou «…reconheço a assinatura feita presencialmente no documento anexo referente a ...» (cfr. fls. 154 verso do processo físico).

Não se concorda, por isso, com o Recorrido quando diz, na conclusão 11.ª, que «…inexiste “TERMO DE AUTENTICAÇÃO”, e, não cumpre mais especificações do art. 151º do Código do Notariado, caso em que seria nulo, por vício de forma, nos termos do art. 70º do mesmo diploma.», porquanto se afigura que o «Termo de Autenticação» existe (ver fls. 154 verso do processo físico), muito embora não venha encimado com esse nome/título.

Este reconhecimento foi efetuado ao abrigo do disposto no artigo 38.º (Competência para os reconhecimentos de assinaturas, autenticação e tradução de documentos e conferência de cópias) do Dec. Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março, o qual, no seu n.º 1, diz que «1. Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março.»

E no n.º 2 acrescenta-se que «2 - Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.»

Por conseguinte, está provado plenamente pelo documento em questão, composto pelo texto escrito em carateres de imprensa, que este documento foi apresentado à Sra. advogada e na sua presença o falecido CC manuscreveu o seu nome tal como se vê no documento.

Porém, esta factualidade não mostra, isto é, não prova, que as tornas foram pagas.

É que, quanto ao pagamento das tornas referido no texto do documento, rege o já citado n.º 2 do artigo 376.º, onde se dispõe que «Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.»

Ora, como o «declarante» referido nesta norma, é o pai do Autor e da Ré, e como ele não é parte neste processo, segue-se que esta norma não se aplica no caso dos autos.

Vejamos mais de perto.

Quando o notário ou o advogado elaboram um documento, seja uma escritura pública no primeiro caso ou um documento particular no segundo, ou reconhecem assinaturas, só podem atestar aquilo que eles percecionam ou aquilo que eles fazem.

É isto que é dito no n.º 1 do artigo 371.º do Código Civil: «Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; …»

É só isto que pode ficar e fica provado plenamente.

Por conseguinte, se uma escritura pública ou um documento particular, contêm declarações de vontade dos seus outorgantes, tais como: «Declaro que vendo pelo preço de 1000 o imóvel Y a B…» e o tal B…, por sua vez diz, «Compro pelo referido preço o imóvel Y…», apenas fica provado plenamente que essas palavras foram ditas.

Mas não fica provado que existe ou existiu uma intenção correspondente a essas palavras, pois pode ter ocorrido, por exemplo, uma simulação absoluta ou reserva mental (artigos 240.º e 244.º, respetivamente, do Código Civil); ou que não existam vícios de vontade, como erro, dolo ou coação (artigos 250.º a 256.º do Código Civil).

Se o notário declarar, por exemplo, «Neste momento o comprador B… entregou ao vendedor F… a quantia de 1000», fica provado que existiu esta entrega de dinheiro porque foi um facto percecionado pelo notário.

 Cumpre ainda fazer outra distinção.

As declarações exaradas no documento como «vendo» e «compro» são elas mesmas constitutivas do negócio de compra e venda a que se refere o documento, isto é, as declarações são o próprio contrato de compra e venda que é feito no momento perante a pessoa que certifica o ato.

Noutros casos, como ocorre no caso dos autos, o documento é apenas declarativo de um facto que não ocorreu na presença do notário ou do advogado que autentica o documento, mas sim no passado e no documento faz-se apenas referência a um facto já ocorrido, declara-se, como no caso dos autos, por exemplo, que o pagamento das tornas já aconteceu.

Neste caso, apenas fica provado que a declaração foi feita, no caso, que o pagamento de tornas já foi feito, mas não fica provado que o pagamento de facto aconteceu historicamente, pois esse alegado pagamento no pretérito não foi feito na presença da entidade que certifica o ato.

No caso dos autos, é desta última modalidade que se trata, isto é, o texto do documento é apenas declarativo, ou seja, alude apenas a um facto que de declara te ocorrido no passado.

A partir deste momento, apenas nos referiremos a este caso específico, que é o caso que corresponde à aludida declaração de pagamento de tornas.

Em regra, um outorgante admite como factos efetivamente ocorridos aqueles factos que ele mesmo declarou, em documento escrito, terem ocorrido.

No caso dos autos, o subscritor do documento admite ter recebido as tornas, pelo que sendo o documento exibido perante si e não sendo questionada a veracidade do documento, tais factos hão de ter-se por provados.

Mas tais factos devem considerar-se provados perante todos (erga omnes), ou apenas entre os outorgantes no documento?

 Certamente apenas entre os outorgantes.

Na verdade, quem não outorgou num documento não pode ser, digamos, compelido a reconhecer como reais, como históricos, os factos atestados nesse documento por uma entidade certificadora, como um notário ou um advogado, mas que este não percecionou, como é o caso do pagamento pretérito das tornas.

No caso dos autos apenas é histórico, no sentido de constatado pelo advogado, (1) que o documento em questão, composto pelo texto escrito em carateres de imprensa, foi apresentado à Sra. advogada e que (2), na sua presença o falecido CC manuscreveu o seu nome tal como se vê do documento.

Mas quanto aos factos passados mencionados no texto do documento, isto é, o dito pagamento das tornas, já não vale o mesmo juízo acabado de fazer.

O que bem se compreende, já que as palavras, orais ou escritas, não são os factos, são apenas veículos de comunicação de informação acerca dos factos e, por isso, as palavras podem ou não corresponder, no todo ou em parte, a factos históricos.

Por isso, como as palavras não são os factos, se um terceiro não interveio na feitura do documento, não seria justo que lhe fossem impostos como provados os factos descritos por outrem no documento, já que o terceiro não pode saber se essas palavras escritas narram factos correspondentes à factualidade histórica.

Dir-se-á mesmo que, pelo facto do terceiro não ter tido intervenção na feitura do documento, não pode ser responsabilizado pela correspondência (verdade) ou falta dela (falsidade) entre as declarações que aí estão exaradas e a factualidade real, histórica.

O terceiro pode de facto argumentar que o negócio referido no documento, no caso o pagamento das tornas, lhe é estranho, alheio e, por isso, não sabe se existiu na realidade ou não existiu.

E, de facto, em regra, o terceiro não está em condições de saber o que se passou e, sendo assim, não lhe pode ser imposto como algo real, o que consta do documento.

Já não assim quanto às declarações do notário e do advogado, dentro da respetiva competência, caso refiram factos por si percecionados, de acordo com as suas competências.

Se o notário atestar que as declarações foram proferidas e que foi pago um preço, estes factos (a emissão dessas declarações e a entrega do dinheiro) têm de ser admitidos como reais, incluindo perante terceiros.

Como o terceiro, no caso o ora Autor, não está em condições de saber, porque não participou nos factos, se aquilo que é afirmado no documento ocorreu mesmo na história, o documento não pode valer contra ele em termos tais que o terceiro (o autor) tenha de provar o contrário daquilo que consta do documento, sob pena do teor do documento se impor a ele.

Em relação aquele que é outorgante no documento já se justifica que o documento valha contra si porque ele é responsável pela elaboração do documento, no sentido de que ele foi autor, com o seu querer, com a sua vontade e liberdade, desse documento.

Portanto, se numa ação em que é parte «A» é apresentado um documento em que a pessoa «A» afirma algo, provada a veracidade do documento, provado fica que esse A declarou o que consta do documento.

Mas, como se disse, as palavras não são os factos históricos.

Por isso, os factos ditos pelas palavras só se consideram verdadeiros se forem desfavoráveis ao «A», o que se justifica apelando para a regra de experiência que nos diz que ninguém admite algo que lhe é desfavorável a não ser que isso seja verdadeiro.

Portanto, face a terceiros, o documento particular em questão nos autos, uma vez reconhecida a sua autenticidade, só prova que as declarações nele exaradas foram emitidas.

Quando o facto é constituído pelas próprias declarações, como ocorre quando as partes declaram que compram e vendem, estas declarações constituem o próprio contrato de compra e venda e se se documentam em documento particular, estabelecida a autenticidade do documento, fica provado, perante todos, erga omnes, que aquelas declarações foram prestadas.

Digamos que resulta provada erga omnes a ocorrência do contrato de compra e venda.

Já o mesmo não corre quando o facto declarado faz parte do passado e apenas é mencionado no documento como tendo ocorrido.

Nestes casos, estabelecida a autenticidade do documento ficam provados, perante todos, erga omnes, que aquelas declarações foram prestadas, mas só isso, já não que o facto aludido no texto do documento tenha ocorrido na história, pois não se trata de facto percecionado pela entidade atestadora como tendo ocorrido na sua presença.

Por isso, salvo na parte certificada pelo advogado, estes documentos apresentados perante terceiros apenas podem valer como elementos de prova sujeitos à livre apreciação do tribunal.

É este o valor do documento aqui em apreciação, relativo ao pagamento das tornas: está sujeito à libre apreciação do tribunal.

(II) O que fica referido, isto é, que o documento não faz prova plena dos factos compreendidos na declaração do seu autor se esse autor não for parte na ação, no âmbito da qual o documento é exibido, resulta, além da argumentação já exposta, da norma do n.º 2 do referido artigo 376.º do Código Civil, quando dispõe que «Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante».

De facto, a situação em que se dá o caso dos «factos se considerarem provados» é quando existe um processo, uma ação em tribunal.

É neste contexto que se fala de «provar factos».

Portanto, esse «declarante» há de ser parte num processo, pois só sendo parte faz sentido o segmento da norma onde se diz «que forem contrários aos interesses do declarante.»

Neste sentido pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-04-2005, no processo n.º 05B492, n.º convencional JSTJ000, in www.dgsi.pt, com este sumário:

«I- A força probatória conferida pelo do nº 2 do artigo 376 do Código Civil aos documentos particulares não impugnados só vale nas relações entre as partes.

II – Os documentos particulares não impugnados escritos e assinados por terceiros não gozam dessa força probatória, sendo de apreciação livre pelo tribunal, nos termos do artigo 366 do Código Civil.»

(III) Por conseguinte, não sendo o subscritor do documento, ou seja, pai do Autor e da Ré, parte neste processo, as declarações constantes do documento que afirmam factos desfavoráveis ao Autor da presente ação, não implicam que tais factos se consideram plenamente provados perante ele e a Ré.

Tal documento vale, porém, como se disse acima, como elemento de prova livremente apreciável pelo tribunal.

(IV) Dir-se-á que o Autor da presente ação é sucessor do autor do documento (seu pai) e, como tal, o Autor ocupa, por sucessão, o lugar do autor do documento e, sendo assim, tudo se passa como se o autor do documento fosse parte no presente processo.

Não procede esta objeção.

Com efeito, o Autor da presente ação invoca e quer fazer valer um direito próprio, o qual nunca existiu na titularidade do autor do documento e, por isso, não há aqui qualquer transmissão de posição jurídica de pai para filho.

O Autor da presente ação ao invocar o direito a que as tornas devidas pela Ré ao pai sejam relacionadas no inventário está a invocar um direito próprio dele como herdeiro perante a irmã, a outra herdeira.

Não está a ocupar o lugar do pai inventariado nessa relação jurídica relativa às tornas.

O Autor da presente ação já sucederia na posição do autor do documento, seu pai, se fosse parte numa ação em que alguém o demandasse como sucessor do seu pai e apresentasse um documento outorgado pelo pai do Autor onde este reconhecesse uma dívida ou desse quitação de uma dívida.

Neste caso, o Autor já não podia ser considerado um terceiro, pois ocupava o lugar do pai na mesma relação jurídica que antes era encabeçada por este último.

Mas não se dá esse caso no presente processo, como se referiu.

2 - Face ao exposto, considerando-se que a argumentação apresentada pela Ré, para fundamentar a alteração das respostas aos factos provados dos números 35 e 36, se baseia na força probatória do mencionado documento, força probatória que o documento não tem, pouco mais resta acrescentar ao já dito para julgar improcedente a impugnação.

Com efeito, tal documento apenas podia ser valorado, como foi, no âmbito da livre apreciação do tribunal.

E neste aspeto concorda-se inteiramente com a fundamentação da convicção explanada em 1.ª instância, ou seja:

«Com efeito, no que respeita à convicção acima expressa nos pontos 35 e 36 dos factos provados, temos que as testemunhas inquiridas nada de concreto evidenciaram saber acerca de tais tornas, muito menos no que respeita à alegada compensação das mesmas na forma alegada pela mesma ré nos articulados e requerimentos apresentados.

Noutro quadrante, temos que o Tribunal não considerou o teor do documento n.º 2 junto com a 1.ª contestação da ré (autuada a 15-02-2019), ou seja, a alegada declaração de quitação, onde consta manuscrito o nome de CC.

Para ser concreto e sempre fidedigno ao teor do referido documento, o qual aqui se considera integralmente reproduzido, trata-se de um requerimento, o qual é dirigido ao Mm.º Juiz de Direito da Instância Local ..., por referência ao processo n.º 1766/09...., e do qual se transcreve o seguinte excerto: “CC, Interessado melhor identificado nos autos à margem referenciados, vem muito respeitosamente informar V. Exa. que já recebeu as tornas devidas pela sua filha AA, no processo supra identificado (…) [manuscrito consta:] CC”.

Por sua vez, a referida menção manuscrita “CC” consta reconhecida pela Ilustre Sra. Advogada Dra. FF como sendo a assinatura de CC, cujo registo no sítio da Ordem dos Advogados Portugueses data de ...-...-2015 e assume o n.º ...6C/89 (documento n.º 1 da 1.ª contestação apresentada) (artigo 38.º do Decreto-lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março).

Ora, a força probatória conferida nos termos acima expressos não encontra qualquer coeso eco em todos os restantes meios de prova integrados nos presentes autos, bem como nas testemunhas inquiridas e no depoimento prestado pela ré.

Além do mais, o teor de tal declaração mostra-se vaga em si mesma, sendo que tal vacuidade se intensifica quando atendendo ao contexto em que a mesma é efectuada. Assim, resulta do mais elementar senso comum que a declaração de quitação acerca de relevante valor monetário levaria a que tal declaração apresentasse um maior destaque e concretização quanto ao mesmo, desde logo em prol do interesse da própria ré.

Note-se ainda que o aludido requerimento só foi dirigido ao Inventário n.º ...9... (por óbito de EE) via plataforma citius a 28-5-2018, ou seja cerca de um ano e onze meses após o falecimento de CC (.../.../2016), e quando o Inventário n.º ...6 – por falecimento do próprio CC – já corrida termos desde o dia .../.../2016.

Ora, além do mais e sempre com o Maior Respeito por todos os intervenientes, tal alegada declaração nunca foi em tempo útil – ao que apreendemos - dirigida ao próprio processo n.º ...6.

Pelo que, em consciência, só pode este Tribunal desatender na íntegra a tal declaração genérica de quitação e, assim e também por tal via, reiterar a convicção acima expressa nos pontos 35 e 36 dos factos provados.»

Esta convicção vem impugnada com base na força probatória do aludido documento e, como se disse já, mais de uma vez, esse documento não tem tal força probatória.

Face ao exposto, cumpre manter a matéria de facto tal como foi fixada na 1.ª instância.

c) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. A .../.../2016 faleceu CC, com 89 anos de idade e no estado de viúvo de EE, habitualmente residente na freguesia ..., concelho ... (documento n.º ... junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

2. CC deixou testamento outorgado no extinto Cartório Notarial ..., lavrado no dia 23/06/1998, a fls. 38vº, do livro de notas para testamentos n.º 39, no qual declarou instituir seu herdeiro da quota disponível, seu filho, BB, fez doações em vida, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros os seus dois filhos, que são os ora autor e ré, conforme Auto de Compromisso de Honra e Declarações de Cabeça de Casal, de 6/11/2017, lavrado no Processo de Inventário n.º ...6, do Cartório Notarial ..., a cargo da Notária Dra. GG, declarações essas corrigidas e após foram impugnadas (cfr. documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

3. A 21-9-2016, o autor deu entrada, perante o Cartório Notarial a cargo da Sra. Dra. GG, a inventário para partilha dos bens deixados por óbito de seu pai, a que corresponde o acima referido Processo de Inventário n.º ...6.

4. A ré foi nomeada cabeça de casal nesse inventário, em novembro de 2016 (cfr. documento n.º 3 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

5. Nessa qualidade a ré apresentou no referido processo a relação de bens.

6. O autor apresentou reclamação à referida relação de bens, acusando a falta de relacionação.

7. Do teor da aludida reclamação destacam-se e passam-se a citar os seguintes excertos: quanto à alegada falta de relacionação, o reclamante apontou, além de outros, os seguintes bens/direitos:

a) O direito de crédito respeitante à dívida de tornas da interessada AA ao inventariado CC, no montante de 27.698,89€ e respetivos juros moratórios à taxa legal, emergente do Processo de Inventário (Herança) n.º 1766/09.... (por óbito de EE), que correu termos perante o Mm.º Juiz de Direito 1 do Juízo Local Cível ..., cujo montante global então fixou em 29.621,12€;

b) Juros moratórios vencidos sobre o capital daquelas tornas à taxa legal de 4,00% e os juros compulsórios (devidos automaticamente, nos termos do nº 4 do artigo 829.º do CC), à taxa de 5%, desde o dia seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de partilhas;

c) O dinheiro retirado pela ré da conta n.º ...06 no Banco 2..., pertencente exclusivamente ao inventariado, no montante então estimado de €20.506,48, porquanto era esta quem movimentava a conta do inventariado, efetuando levantamentos.

8. Notificada para relacionar tais bens ou dizer o que se lhe oferecer, a ré veio negar a sua existência.

9. Através de despacho transitado a 22/06/2018 e proferido no aludido Processo de Inventário n.º ...6, foi determinado remeter as partes para os meios judiciais comuns, para apreciação das questões controvertidas referentes à existência ou inexistência do direito de crédito correspondente ao valor das tornas fixado no âmbito do processo de inventário que correu, a favor do inventariado, e a respeitante à existência ou inexistência de dinheiro retirado pela cabeça de casal da conta bancária do inventariado (cfr. documento n.º 4 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

10. O aludido inventário foi declarado suspenso a 25/10/2018 (cfr. documento n.º 5 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

11. EE (mãe do autor e da ré) faleceu a .../.../1997.

12. Ao respetivo Processo de Inventário foi atribuído o acima já referido n.º 1766/09...., que correu termos perante o Mm.º Juiz de Direito 1 do Juízo Local Cível ... (cfr. documento n.º 6 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

13. No âmbito do referido inventário foi, a 12/02/2016, elaborado mapa da partilha, do qual resulta a obrigação da interessada AA (ora ré), pagar tornas ao interessado CC, na quantia de 27.698,89 € (cfr. fls. 39-42 da certidão judicial junto como documento n.º 6 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

14. No âmbito do aludido inventário foi a 9/03/2016 proferida Sentença homologatória da partilha, nos termos constantes do aludida mapa da partilha, com adjudicação aos interessados dos respetivos quinhões, a qual transitou em julgado a 22/04/2016 (cfr. fls. 43-44 do documento n.º 6 e ainda o documento n.º 7 também junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

15. A mão do autor e da ré - EE - falecera no estado de casada e em primeiras núpcias de ambos, sob o regime da comunhão geral de bens, com CC, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo sido seus  únicos e universais herdeiros, além do viúvo, que exerceu as funções de cabeça de casal, os seus dois filhos – o autor e a ré -, tudo conforme resulta do respetivo Auto de Compromisso de Honra e Declarações de Cabeça de Casal (fls. 1 da certidão junta como documento n.º 6 com a PI).

16. O falecido CC era contitular com a ré da conta solidária n.º ...01, no Banco 2... (cfr. os extratos juntos como documentos n.ºs 16 3 17 juntos com a PI; outros extratos e impresso de abertura de conta com a epígrafe “Adesão a Produtos e Serviços”, datado de 20-8-2008 junto pelo autor nos dois Rs. de 21-2-2020 - ref.ªs 6613302 e 6613265, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

17. O dinheiro existente na referida conta pertencia exclusivamente ao inventariado, pois, era proveniente das pensões de reforma que mensalmente recebia e nelas todas creditadas por transferência bancária.

18. No mês de agosto de 2016 [CC falece a .../.../2016], as aludidas pensões de reforma totalizavam por mês importância não inferior a 1.025,07€, correspondentes à reforma da segurança social francesa (535,09€), da nacional (332,17€) e de sobrevivência (157,81€) (cfr. documentos n.ºs 11 e 12 juntos com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

19. Além disso, CC recebia uma pensão de reforma trimestral de cerca de 90€, da França, denominada pensão da Cemeru.

20. Desde .../.../2008 e até ao seu falecimento, CC residiu no lar de idosos "A..., Lda.", com sede na Rua ..., em ..., ..., ... (cfr. documentos n.ºs 13, 14 e 15 juntos com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

21. A mensalidade do lar era paga por transferência bancária a partir da aludida conta n.º ...01 do Banco 2..., SA, diretamente para a conta da “A..., Lda.".

22. A mensalidade fixa começou por ser de 725,00€ mensais, entre fevereiro de 2008 e janeiro de 2009; depois aumentou para 775€, entre fevereiro de 2009 e dezembro de 2012; para 780€ entre Janeiro de 2013 e dezembro de 2015 e, para 800€ entre Janeiro de 2016 a Agosto de 2016.

23. No período compreendido entre o mês de agosto de 2008 e o mês de dezembro de 2016, a ré movimentou a aludida conta n.º ...01.

    24. Tais movimentos consubstanciaram-se em ordens emitidas pela ré através de cartão Multibanco, bem como diversos levantamentos ao balcão do Banco 1... (a sua área da sua residência) e ainda executou duas transferências.

25. A ré realizou uma transferência de 1000€, em 20/08/2008, e outra de 2.200€, em 11/03/2010, para a sua conta pessoal.

26. Entre o mês de agosto de 2008 e o mês de dezembro de 2016, a ré efetuou as seguintes operações de levantamento na conta n.º ...01:

a. Ano de 2008:1.130€; b. Ano de 2009: 540€; c. Ano de 2010: 4.300€; d. Ano de 2011: 3.050€; e. Ano de 2012: 3.840€; f. Ano de 2013: 3.650€; g. Ano de 2014: 3.400€; h. Ano de 2015: 3.590€; i. Ano de 2016: 4.400€; No total de 27.900€.

27. No Processo de Inventário n.º ...9... – instaurado dado o falecimento de EE – a ré licitou pelo valor global de 30.510€, todos os prédios da herança (um prédio urbano - verba 2 -, que era a casa de habitação dos falecidos pais e mais cinco prédios rústicos (verbas n.ºs 3, 4, 5, 6 e 7)), tudo conforme resulta da respetiva ata da conferência de interessados (fls. 31 e 32 do documento n.º 6).

28. A ré não pagou ao autor as tornas da quantia de 5.352,22€, de que lhe ficou devedora de acordo com o mapa de partilhas.

29. Nos últimos anos de vida, CC passou a dispor de maior debilidade física, dado o próprio processo de envelhecimento em si e o agravamento de doenças e o surgimento de outras maleitas. Porém, CC manteve até ao seu decesso vigor mental.

30. No período em que CC residiu no lar "A..., Lda." (período compreendido entre fevereiro de 2008 e agosto de 2016), o mesmo manteve com a sua filha, ora ré, uma conta corrente.

31. A ré, no período compreendido entre .../.../2008 e .../.../2016, pagou do próprio bolso contas pessoais de CC, nomeadamente multas fiscais, juros de execuções fiscais, quantias executadas de execuções fiscais, deslocações a hospitais, nomeadamente ida regular a hospital sito em ..., centros de saúde, farmácias, aquisição de géneros alimentícios, aquisição de roupas. AA visitou o pai, no período temporal acima referido, com uma periodicidade semanal, tendo poucas vezes interrompido tal periodicidade de visitas.

32. A ré pagou do seu bolso despesas resultantes de alimentação, nomeadamente ida semanal a restaurantes diversos, a pedido do seu pai.

33. Tais valores acima referidos nos pontos 31 e 32 foram, ao longo dos anos, adiantados pela ré, a qual, com periodicidade variável, iria buscar tais valores à conta n.º ...01.

34. As despesas variáveis da vida corrente de CC e de pequeno valor acima referidas nos pontos 31 e 32 foram pagas do próprio bolso da ré, nomeadamente, ao lar "A..., Lda.", a qual, depois, ressarcia-se nos termos expressos no ponto 33.

35. A ré AA, em vida de CC, não pagou o crédito de tornas, acima referido, no valor de 27.698,89 €.

36. A ré omitiu tal crédito de tornas na respetiva relação de bens que apresentou.

2. Matéria de facto – Factos não provados

a) Que a ré, na sua qualidade de cabeça de casal e interessada, tenha omitido deliberadamente os valores acima indicados nos factos provados quando apresentou a dita relação de bens.

b) Que, sem prejuízo de tudo o que consta acima expresso nos factos provados, as despesas acima elencadas nos pontos 31 a 34 tivessem sido pagas pelo recurso à modalidade transferências da conta n.º ...01.

c) Que a ré tivesse feito suas as quantias movimentadas, entre Agosto de 2008 e Dezembro de 2016, na conta n.º ...01, acima identificada nos factos provados.

d) Que, entre Agosto de 2008 e Dezembro de 2016, CC jamais tivesse movimentado a conta n.º ...01.

e) Que a ré tivesse feita seu o valor total de 27.900,00€ - acima expresso nos factos provados relativo a ordens de levantamento na conta n.º ...01 -.

f) Que, sem prejuízo do acima exposto nos factos provados, mormente o expresso no ponto 29, nos últimos anos de vida CC fosse uma pessoa sugestionável e frágil.

g) Que, sem prejuízo do acima exposto nos pontos 30 a 34 dos factos provados, a ré tenha pago despesas inerentes a deslocações para fora do lar para restabelecimento de contactos CC com familiares, amigos, vizinhos e conhecidos.

h) Que a conta corrente, acima expressa no ponto 30 dos factos provados, tivesse uma periodicidade semanal.

d) Apreciação da restante questão objeto do recurso

A reanálise do aspeto jurídico da sentença estava dependente da procedência do recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto.

Como a matéria de facto não sofreu alteração o recurso também improcede quanto ao seu aspeto jurídico, uma vez que não vem colocada em causa a solução jurídica exarada na sentença tendo em consideração a matéria de facto ai declarada provada.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente.

Custas pela Recorrente.


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Coimbra, …