Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
39/07.5TELSB-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO LIMA
Descritores: DECLARAÇÃO DE CONTUMÁCIA
SUSPENSÃO DOS TERMOS DO PROCESSO
ACTOS URGENTES
REALIZAÇÃO DE CÚMULO JURÍDICO
PROCESSO EQUITATIVO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL DA GUARDA – JUIZ 3
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 320.º, 335.º, N.ºS 3 E 4, E 472.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.
ARTIGO 97.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE
ARTIGOS 13.º, N.º 2, 18.º, N.º 2, E 32.º, N.º 1, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA/CRP
CONVENÇÃO INTERNACIONAL
ARTIGO 6.º, N.º 3, ALÍNEA C), DA CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
Sumário:
I – A contumácia determina a suspensão dos termos do processo ulteriores à sua declaração e até à apresentação ou detenção do contumaz, qualquer que seja a fase em que o processo se encontra e qualquer que seja o processo em que a declaração ocorreu.

II – Somente se excepciona dessa suspensão o prosseguimento da causa na hipótese de separação de processos, e relativamente aos coarguidos não declarados contumazes, e a realização de actos urgentes, isto é, dos assim normativamente categorizados e daqueles cuja demora possa acarretar perigo para a aquisição ou conservação da prova ou para a descoberta da verdade, nos termos dos artigos 335.º, n.ºs 3 e 4, e 320.º do C.P.P.

III – O regime do artigo 335.º, n.º 3, do C.P.P., com a sua remissão para o artigo 320.º, em nada limita as garantias de defesa do arguido, muito menos e especificamente o seu direito a um processo equitativo, não se percebendo que interesse legítimo está em causa na pretensão de realização do cúmulo jurídico imediato, quer porque está na sua inteira disponibilidade fazer cessar a contumácia, quer porque a prolação imediata de decisão cumulatória não lograria transitar em julgado por inviabilidade da notificação pessoal ao arguido, dado o desconhecimento do seu paradeiro.

IV – Do mesmo modo, tal regime em nada colide com os artigos 13.º, n.ºs 1 e 2, e 18.º, n.º 2, da CRP, pois a diferença de tratamento consoante o interessado seja ou não contumaz resulta do fundamento da declaração de contumácia, que é a ausência de quem se está furtando à justiça, o que justifica amplamente a diversidade procedimental, em inteira proporcionalidade com os interesses legítimos prosseguidos com a contumácia.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, os juízes da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. No Juízo Central Cível e Criminal da Guarda (J3), do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, foi em 24/10/2022 proferido despacho que, relativamente ao condenado 

foi determinado, no indeferimento do que por ele e nesse sentido tinha sido requerido, não haver lugar à realização do cúmulo jurídico da pena aqui aplicada, … com as penas aplicadas nos processos 2015/10...., por acórdão transitado a 27/03/2013 (dois anos e seis meses de prisão) e 8576/07...., por acórdão transitado a 23/02/2012 (quatro anos e seis meses de prisão), a despeito de se verificarem os pressupostos do conhecimento superveniente do concurso, nos termos dos art. 78.º/1 e 77.º, do Código Penal (CP), enquanto não cessar a contumácia dele, entretanto declarada a 09/10/2020, pelo Juízo de Execução de Penas ... (J...), no âmbito do processo 171/20.... (em que se acompanhava a execução da pena aqui aplicada), e igualmente declarada no âmbito do referido processo 2015/10...., em que se fizera já cúmulo das penas aplicadas aí e no também referido processo 8576/07..... 

2. … interpôs o condenado recurso, pedindo a respectiva revogação e substituição por decisão que determine a realização do cúmulo. Das motivações desse recurso formula as seguintes conclusões:

« I – Foi requerida a realização do cúmulo jurídico entre a última condenação nestes autos e a condenação provinda de outros processos;

II – Essa pretensão foi negada por ser entendido judicialmente que face ao teor do art. 335.º/3, do Código de Processo Penal [CPP], ficando suspensos os ulteriores termos do processo em  face da declaração de contumácia, o mesmo seria legalmente inadmissível;

III – Todavia, aquela norma reporta-se à fase processual de julgamento e aos atos processuais subsequentes não considerados urgentes no âmbito restrito desses mesmos autos;

IV – Não se refere à realização do ato processual da realização do cúmulo jurídico entre a pena ali aplicada e as penas anteriores, transcendendo o espírito vocacionado da norma legal em causa, por contemplar a prática daquele ato processual que se não esgota no domínio isolado daqueles mesmos autos da  última condenação;

VI – O art. 335.º/3, do CPP, conjugado com o art. 320.º, do mesmo compêndio legal, são normas inconstitucionais no entendimento que das mesmas foi feito, por violarem as garantias e o princípio geral da plenitude da defesa, por vedarem o exercício de direitos básicos e por violarem o princípio da igualdade, discriminando os cidadãos em colisão com a justiça por via de terem ou não sido – validamente – desconhece-se – declarados contumazes. »

3. Admitido o recurso, respondeu-lhe o Ministério Público …

4. Subidos os autos, o Sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer …

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º/2, do CPP, o recorrente respondeu ainda àquele parecer, reiterando a posição expressa em recurso, e após exame preliminar, a que se não patentearam dúvidas relevantes, sem outras vicissitudes se colheram os vistos e foram os autos à conferência.

II – Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

1.1. O objeto dos recursos está limitado às conclusões apresentadas pelos recorrentes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficiosos, e no caso nenhuma destas se postando, o que a partir daquelas pode enunciar-se como matéria a apreciar é simplesmente o seguinte:

a) Se a suspensão dos termos do processo subsequente à declaração de contumácia, conforme prevista no art. 335.º/3, do CPP, abrange as diligências de realização de cúmulo jurídico de penas em conhecimento superveniente de concurso, como no despacho recorrido se entendeu, ou não, como pugna o recorrente;

b) Se, no caso de com efeito abranger tais procedimentos, ou interpretada nesse sentido, a dita norma se faz com isso inconstitucional, quer por não assegurar cabalmente as garantias de defesa e o direito a um processo equitativo, em contravenção dos art. 32.º/1, da Constituição da República Portuguesa (CR) e do art. 6.º/3-c, da Declaração Europeia dos Direitos do Homem (DEDH), quer ainda por violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º/2, da CR.

1.3. Não tendo sido interposto de decisão que a final conhecesse do objecto do processo, nos termos do art. 97.º/1-a, do CPP, sempre o recurso deveria ser julgado em conferência (art. 419.º/3/-b/c, e 430.º/1, a contrario, do CPP), como foi.   

2. O despacho recorrido

É o seguinte o teor do despacho sob recurso, prolatado a 24/10/2022:

« (…)

… foi condenado nos presentes autos  pela prática de um crime de contrabando qualificado, p. e p. pelos art. 92.º/1-a/b, e 97.º/b, da Lei 15/2001, de 05/06, na pena de dois anos e seis meses de prisão efetiva, por decisão transitada em julgado a 07.05.2018, por factos praticados no ano de 2008.

Conforme resulta da certidão junta a fls. 24300 e ss., o arguido … foi condenando no âmbito do processo n.º 2015/10...., na pena de dois anos e seis meses, por acórdão transitado em julgado a 27-03-2013, por factos praticados entre março e outubro de 2010.

No âmbito do processo n.º 8576/07.... o arguido foi condenado por factos praticados em 30 de setembro de 2008, na pena de 4 anos e seis meses de prisão efetiva, por Acórdão transitado em julgado a 23-02-2012 (cfr. fls. 24430 e ss).

… sucede que, … o referido arguido foi declarado contumaz em 09.10.2020, conforme informação do TEP ... com a ref.ª 1619275, acrescendo que foi igualmente declarado contumaz no âmbito do processo n.º 2015/10.... (cfr. ref.ª 2045858) onde foi efetuado o cúmulo jurídico das penas aplicadas no âmbito do processo n.º 2015/10.... e 8576/07.....

Daqui decorre, como sublinha o art. 335.º/3, do CPP, que “A declaração de contumácia (...) implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, sem prejuízo do disposto no n.º 4 e da realização de actos urgentes nos termos do artigo 320.º”.

Tal como promovido, considerando-se que a realização de cúmulo jurídico não configura um acto urgente, tal como previsto no art. 320.º, do CPP, mostra-se legalmente inadmissível a prática do acto processual requerido pelo arguido, enquanto este não se apresentar em juízo e cessar a declaração de contumácia.

Assim sendo, por inadmissibilidade legal, indefere-se a imediata realização do cúmulo jurídico pois, não obstante se verificarem os requisitos legais para o mesmo, a tramitação do processo encontra-se suspensa até à cessação da contumácia.

(…) »

3. Apreciando

3.1. Assumindo a verificação de uma situação de conhecimento superveniente de concurso, nos termos dos art. 77.º e 78.º/1/2, do Código Penal (CP), e que esse conhecimento deve ter lugar nestes autos, nos termos do art. 471.º, do CPP, matérias que não vêm disputadas, o que à partida cumpriria era cumprir os procedimentos previstos no art. 472.º, também do CPP, a culminar na prolação de acórdão que procedesse ao cúmulo jurídico das penas a englobar. E no entanto, sendo igualmente indisputada a contumácia do condenado, intercede a norma do art. 335.º/3, do CPP, segundo a qual com a declaração respectiva e até à apresentação ou detenção do contumaz, ficam suspensos os termos do processo. Dessa suspensão são excepcionados somente o prosseguimento da causa, na hipótese de separação de processos e relativamente aos coarguidos não declarados contumazes (art. 335.º/4, do CPP), e a realização de actos urgentes, nos termos do art. 320.º, do CPP, isto é, dos assim normativamente categorizados e, em todo o caso, daqueles cuja demora possa acarretar perigo para a aquisição ou a conservação da prova ou para a descoberta da verdade, nomeadamente a tomada de declarações para memória futura. Rigorosamente, o que a norma declara é que “a declaração de contumácia (…) implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou detenção (…)”, e com as ditas ressalvas.

3.2. Ora, começa por se não lobrigar sequer, a esta luz, de onde e como tiraria o recorrente sustento para a afirmação, em que todavia e como pressuposto assenta a lógica argumentativa do recurso, de que a suspensão se reporta à fase processual de julgamento e aos actos subsequentes no âmbito restrito dos autos em que a contumácia foi declarada, isto é, das matérias a decidir exclusivamente no respectivo domínio – não podendo impedir a realização do cúmulo, segue o argumento, por isso que o alcance deste se não esgota em tal processo, nem no da última condenação, relevando isso sim dos termos gerais das diversas condenações a englobar e na tramitação de cada um dos processos em que foram aplicadas. A verdade é que, salvo o devido respeito, isso não passa de uma afirmação apodíctica, de uma voluntarística construção do recorrente, levantada à medida dos interesses que para si tenha definido, mas sem o menor suporte na lei. Esta (art. 335.º/3, do CPP), é rigorosamente clara a definir que a suspensão abrange os termos do processo ulteriores à declaração da contumácia e até à detenção ou apresentação do contumaz (com o que a contumácia caduca – art. 336.º/1), a nenhum título limitando aquele efeito à fase de julgamento e menos a qualquer específico processo em que a declaração tenha tido lugar. Semelhante tese é aliás cortada cerce pela evidência de que a declaração pode ter lugar muito para lá da fase de julgamento, já no decurso de execução de penas [cfr. o art. 97.º/2, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEP), aprovado pela Lei 115/2009, de 12/10], e até de penas únicas de concurso, sendo os efeitos respectivos precisamente os dos art. 335.º a 337.º, do CPP, para que que remete aquele art. 97.º/2, do CEP, prevenindo somente diferenças que não tangem com aquela suspensão e seu regime.

3.3. Dito isto, e resultando claro que o recorrente está declarado contumaz, que a contumácia não cessou, que se não trata de adquirir ou preservar prova que de outro jeito perigasse e que nada imprime urgência à realização do cúmulo em si mesma nem o processo se reveste de natureza urgente, então a decisão recorrida fez criteriosa aplicação dos art. 335.º/3/4, 320.º/1, e 103.º/2, do CPP: os termos do processo ulteriores à contumácia do recorrente estão suspensos e, não se verificando qualquer dos pertinentes pressupostos, não cabe excepcionar dessa suspensão a realização do cúmulo, com a correspondente instrução, subsequente audiência e afinal acórdão. Naturalmente, o facto de porventura isso ter ocorrido em algum outro processo, com realização de cúmulo parcelar de penas que aqui venha a caber englobar, nada altera à evidência do acerto da decisão em face da norma, quando muito podendo dizer-se que se nesse outro processo e apesar de anterior declaração de contumácia o cúmulo se fez, então é que teria tido lugar desvio à lei. A mesma irrelevância pode e deve apontar-se à invocação da eventualidade de haver penas a englobar no cúmulo aqui pretendido (e devido, que por agora e face à contumácia não cabe efectuar), que já pudessem achar-se prescritas. 

3.4. Na verdade, e tanto quanto pode dos autos colher-se, esse não seria certamente o caso da pena nestes autos aplicada, que conforme consignado no despacho de 19/09/2022 (esse não impugnado), quanto à qual o prazo de prescrição, sem contar suspensões e interrupções eventuais (e desde logo a determinada pela contumácia – art. 125.º/1-b, e 126.º/1-b, do CP), termina somente em 07/05/2028. Mas admitamos, por mero exercício de raciocínio, que coubesse equacionar a prescrição desta ou de qualquer outra das penas aqui e oportunamente a cumular: isso em nada reclamaria excepcionar a suspensão dos termos do processo para realização do cúmulo, designadamente nenhuma urgência impondo à correspondente tramitação, na exacta medida em que a hipotética prescrição sempre poderia (e deveria) ser conhecida (até oficiosamente) no correspondente processo, com a consequente extinção da pena prescrita, depois se tendo isso em consideração, claro está, aquando da realização do cúmulo. E nada adianta argumentar, como não obstante o faz o recorrente, com a suposta “necessidade imperiosa” da realização do cúmulo, para que possa conhecer a sua situação em termos de condenação única, tidas em conta as eventuais prescrições, sem isso saindo beliscadas as garantias de defesa que lhe são constitucionalmente devidas (art. 32.º/1, da CR)!

3.5. Para falar sem rodeios, o recorrente evadiu-se, está em fuga à justiça, a eximir-se ao cumprimento/execução de penas que lhe foram aplicadas por decisões transitadas em julgado. Cabendo, como cabe, cumulá-las juridicamente, definindo a competente pena única, nada mais está a protelá-lo do que a sua própria atitude, e em sendo detido ou, o que apenas de si depende, apresentando-se, então certamente a realização do cúmulo será célere, até porque aí sim, havendo arguido preso, o processo assumirá natureza urgente (art. 103.º/2-a, do CPP). Resulta singularmente esdrúxulo, com o devido respeito, que quem se encontra em fuga, com isso lança sobre si a contumácia e vê desse modo suspensos os termos do processo, acabe a lamentar-se de preterição de garantias processuais precisamente porque… os termos do processo ficam suspensos! E de resto, como bem nota o MP na sua resposta ao recurso, essa suspensão dos termos do processo ulteriores à declaração de contumácia, em si mesma é penhor das garantias dos visados, que de outro modo, ausentes, veriam tais termos a correr à sua revelia, sem possibilidade de averiguação satisfatória, pelo tribunal, das correspondentes condições pessoais, e eles próprios sem possibilidade de exercer a faculdade de participar na audiência (notando-se ainda a contradição de uma argumentação que para procurar afastar a suspensão sustenta referir-se esta apenas à audiência, com o o fito de ser afinal realizado o cúmulo que justamente implica a realização de audiência – art. 472.º/1, do CPP).

3.6. De resto, o peculiar interesse na realização do cúmulo manifestado pelo recorrente, que se vem furtando à execução das penas e está por isso contumaz, é tanto mais difícil de compreender quanto, também segundo certeiramente nota o MP, a decisão cumulatória que, a acolher-se a sua pretensão, viesse a ser proferida, não lograria sequer transitar em julgado, por inviabilidade, devida ao desconhecimento do respectivo paradeiro, de notificá-lo pessoalmente, segundo cumpriria (art. 113.º/10, do CPP), e isso não pode deixar de ser mais um sinal patognomónico do desacerto de proceder ao cúmulo na vigência da contumácia. Com esta, procura-se compelir o arguido a fazer cessar a sua ausência, impondo-lhe limitações de capacidade patrimonial/negocial e até de exercício de cidadania, mas ainda assim garantindo ou pelo menos estabelecendo como princípio (excepcionado apenas por razões ponderosas de urgência na satisfação do interesse na realização da justiça), não sejam tomadas decisões relevantes na sua ausência ou sem o seu conhecimento. Julgamos ficar com isto bom de ver que o regime assim definido no art. 335.º/3, do CPP, com a sua remissão para o art. 320.º, do mesmo diploma, em nada limita as garantias de defesa do arguido, muito menos e especificamente o seu direito a um processo equitativo, o que aliás tudo o recorrente acusa sem tangivelmente substantivar, nem mesmo se percebendo afinal que interesse legítimo seu pudesse sair beliscado, e tanto mais que, insista-se, está na sua inteira disponibilidade fazer cessar a contumácia.

3.7. Breve, não se descortina naquela norma do art. 335.º/3, do CPP, por si ou na conjugação com o art. 320.º, igualmente do CPP, e na referida dimensão interpretativa, cujo acerto damos por manifesto (não realização do cúmulo na vigência da contumácia por suspensão dos termos do processo ulteriores à respectiva declaração e até à cessação), conflito algum com as normas dos art. 32.º/1, e 20.º/4, da CR, ou 6.º/3-c, da CEDH. E menos ainda poderia afirmar-se a inconstitucionalidade daquela norma em virtude de suposta violação do princípio da igualdade, como plasmado no art. 13.º/1/2, da CR, sob argumento, este já a aventurar-se pelas fronteiras do despropósito, sempre salvaguardando o devido respeito, de que a mesma destrinçaria “insuportavelmente” a faculdade de exercitar direitos consoante o interessado seja ou não contumaz. Ora, deixando de lado a circunstância de os contumazes como o recorrente poderem sempre, e como se disse já, fazer cessar a contumácia, e bem assim passando por alto a dúvida e correspondente dilucidação sobre afinal que específico direito entenderia ele limitado na respectiva faculdade de exercício, a única coisa que ocorre dizer, porventura a única que com relevo pode dizer-se, é que a medida da substantiva diferença, que justifica a diferente tramitação processual (suspensão dos termos do processo num caso mas não no outro), a dá precisamente a verificação num caso, mas não no outro, do fundamento da declaração de contumácia: a ausência de quem se está furtando à justiça. Por outras palavras, a substancial diferença, no caso concretizada na não realização do cúmulo que sem a contumácia e inerente suspensão de termos do processo teria desde já lugar, justifica amplamente a diversidade procedimental, de resto em inteira proporcionalidade com os interesses legítimos prosseguidos com a contumácia, de forma a isso adequada e até necessária, de tal sorte que aquela norma do art. 335.º/3, do CPP, por si e conjugada com o art. 320.º/1/2, também do CPP, e na já dita interpretação, em rigorosamente nada colide com os art. 13.º/1/2, e 18.º/2, da CR, não enfermando também por aí de inconstitucionalidade alguma, e por conseguinte ainda nisto se revelando fruste a argumentação de recurso.

3.8. Mostra-se por seu lado inconsequente o argumento, que em jeito de lamento vem explicitamente brandido já na resposta ao parecer proferido pelo MP junto desta instância, de que sem a realização imediata do cúmulo jurídico o recorrente se vê sujeito, na eventualidade de cessação da contumácia (porque seja detido ou porque se apresente), a iniciar o cumprimento de prisão sem uma definição/estabilização prévia da pena única! Na verdade, está nisso em situação absolutamente idêntica à de outro qualquer cidadão condenado mas como ele em fuga e como tal declarado contumaz; está até em situação paralela à de todos os cidadãos que, sendo condenados em sucessivas penas, vão iniciando o cumprimento de alguma ou algumas antes que se faça o cúmulo de todas as que o reclamem; e além disso, não se disputará que a sua compreensível conveniência em conhecer, lá onde se encontre, qual será a pena única que entre nós lhe caberá lhe caberá cumprir, antes de ser capturado ou de entregar-se (até hipoteticamente com vista a decidir se se entrega ou não…), nem é um seu irrestrito direito, nem certamente será razão para excepcionar a suspensão dos termos do processo implicados pela situação de contumácia em que se colocou. Concluindo: deve ao recurso negar-se provimento, mantendo-se íntegro o despacho recorrido.

III – Decisão

Posto o que antecede, decide-se negar provimento ao recurso do condenado AA, mantendo-se integralmente o recorrido despacho de 24/10/2022.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em três UC’s (art. 513º, n.º 1 e 3, do CPP, e 8.º, n.º 9, e Tabela Anexa III, do Regulamento das Custas Processuais).

Notifique.


*
Coimbra, .. de … de 2023
Pedro Lima (relator)

Eduardo Martins (1.º adjunto)

Isabel Valongo (2.ª adjunta)

Assinado eletronicamente