Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
454/21.1T8SEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
IGUALDADE DE CONDIÇÕES DE AMBOS OS PROGENITORES
VÍNCULO AFECTIVO DA MENOR
Data do Acordão: 10/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1906.º E 2004.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
Considerando o disposto no artigo 1906.º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 1912.º do mesmo código, estando ambos os progenitores em igualdade de condições para acolher a filha menor no respetivo agregado familiar, deve elege-se o agregado do progenitor (mãe) com quem a menor mantém um vínculo afetivo mais forte e, por outro lado, por ser o agregado onde a menor sempre esteve inserida até ter ocorrido a factualidade que conduziu à instauração da presente ação a qual é imputável à ação do outro progenitor (pai).
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA,
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Relator: Alberto Ruço
1.º Adjunto: Carlos Moreira
2.º Adjunto: Vitor Amaral
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Recorrente ………………….. AA;

Recorrida……………………...BB;

Ambos melhor identificados nos autos.


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I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto da sentença que regulou o exercício das responsabilidades parentais relativas à menor CC, nascida a .../.../2016, filha do recorrente e da recorrida, nos termos da qual a menor ficou a residir com a mãe, competindo a esta o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente da filha, sendo as responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância exercidas pelos progenitores em conjunto, tendo definido ainda as restantes questões atinentes à matéria, como convívios com o pai e prestação de alimentos.

O pedido formulado pela mãe fundou-se na necessidade de regular as responsabilidades parentais porquanto tendo coabitado com o pai da menor, cessou tal situação.

Alega que se relacionou com o pai da menor em Angola; que engravidou e veio para Portugal ter a menor, não vivendo com o pai da criança nessa altura, o qual, segundo ela, não se interessou pela gravidez, que não desejou, tendo conhecido a filha meses depois do parto. Tendo regressado depois a Luanda, onde se encontrava uma outra filha da requerente, reatou o relacionamento com o requerido e viveram juntos durante algum tempo. Mais tarde, o pai da menor decidiu regressar a Portugal, em meados de 2021, e a requerente veio pouco depois ter com ele, residindo ambos com as duas menores na casa da mãe do requerido. Uma vez aqui, alega que o pai da menor a expulsou de casa da avó paterna e teve de ir residir para uma «casa abrigo» e depois para uma casa de familiares em ..., tendo sido impedida de levar consigo a menor CC, mantendo-se esta situação à data da instauração da ação.

Queixa-se do progenitor alegando que não se interessou pela filha quando esta nasceu e que poucas vezes a viu até ela ter um ano de idade; que a avó paterna só soube da existência da neta em 2020 e que o requerido atraiu a requerente para Portugal para depois expulsar a requerente do seu convívio e assim conseguir ficar com a guarda da filha.

O requerido contestou esta factualidade, alegando que a requerente se foi embora da casa da sua mãe de livre vontade e que, entre ambos, é ele quem está em melhores condições para cuidar da filha, devendo a decisão de tomada neste sentido.

Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«A). Decido regular o exercício das responsabilidades parentais a favor da Criança CC da seguinte forma:

I - (Exercício das Responsabilidades Parentais e Residência da Criança)

1.2. A Criança CC ficará a residir com a mãe BB, competindo-lhe a si o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente da filha, com quem ela reside habitualmente, sem prejuízo da intervenção do progenitor, durante o período de tempo em que a Criança esteja consigo, devendo este, ao exercer as suas responsabilidades, não contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pela progenitora.

1.2. As responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida da Criança CC serão exercidas, em conjunto, pelos progenitores BB e AA, sem prejuízo do disposto na parte final do artigo 1906.º n.º 1, do Código Civil.

II - (Direito de convívio)

2.1. O progenitor passará com a CC um fim-de-semana de 15 em 15 dias, de Sexta-feira a Domingo, devendo ir buscá-la a casa da progenitora, pelas 18h00 de sexta-feira, aí a entregando pelas 21h00 de Domingo.

2.2. O progenitor poderá contactar telefonicamente com a Criança (por chamada de voz ou videochamada), diariamente, entre as 19h00 e as 20h00, podendo a progenitora contactar nos mesmos moldes, durante os períodos em que a Criança se encontre com o progenitor.

2.3. As épocas festivas do Natal e Ano Novo serão passadas com os progenitores de forma alternada, sendo o dia 24 e o dia 25 de Dezembro com um dos progenitores, e o dia 31 de Dezembro e 1 de Janeiro com o outro progenitor, em moldes a combinar, também, entre os progenitores.

2.4. O pai passará, também, um período de 20 dias de férias de Verão, com a CC, em moldes a determinar por acordo entre os progenitores.

2.5. Os períodos de férias de Natal e de Verão serão passados, de forma [igualmente] repartida pelos progenitores, em moldes a determinar por acordo entre ambos.

III - (Alimentos e forma de os prestar)

3.1. O pai contribuirá para o sustento da filha com a quantia mensal de € 300,00 (trezentos euros), a título de prestação de alimentos, a pagar à progenitora através de transferência bancária, até ao dia 8 de cada mês, sendo tal quantia actualizada anualmente no valor de 5,00€.

3.2. As despesas extraordinárias, de saúde (médicas/medicamentosas) e escolares (incluindo explicações) serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores (50% por cada um), a pagar no mês seguinte após apresentação do respectivo recibo.

B). Sem prejuízo dos períodos escolares da Criança, autorizo a deslocação da CC para o estrangeiro acompanhada de qualquer um dos progenitores, por períodos não superiores a 30 dias, devendo o progenitor que se desloque com a CC informar o outro, com a antecedência mínima de 30 dias, do local em que a Criança ficará hospedada, fornecendo os respectivos contactos.

C) Decido substituir o regime provisório do exercício das responsabilidades parentais a favor da Criança CC em vigor pelo regime definido em A), devendo os progenitores diligenciar, de imediato, pela transferência de estabelecimento escolar da CC.

D) Condeno o Requerido nas custas da presente acção (…).»

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte do requerido, cujas conclusões são as seguintes:

«(i) Vem o presente recurso contra a sentença proferida nos autos, que, entre outros, declarou que a Criança CC ficará a residir com a mãe BB, a quem competirá o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente da filha;

(ii) É firme convicção do Recorrente que tal sentença encerra em si entendimento jurídico errado, quer do ponto de vista fático, quer jurídico, que cumpre ser alterado, em prol do supremo interesse da Menor;

(iii) Assim, e no que à matéria de facto concerne, impõe-se a alteração dos factos dados por provado sob os n.ºs 15, 16, 18 e 46;

(iv)Para a alteração que se impõe aos factos 15 e 16 valem as declarações prestadas pela avó paterna, Sra. D. DD, no dia 14-11-2022 (minutos 00:04:24 e 00:45:30), declarações que não foram contrariadas pelos restantes indicados meios probatórios, pelo que se sugere assim para nova redação «A avó paterna, DD, mantinha contacto com a sua neta, CC, desde 2018, falando com ela por videochamada, tendo estado com a mesma, pela primeira vez, em agosto de 2021».;

(v) Para a alteração requerida ao facto 18 temos as declarações do Requerido no dia 24-10-2022 e as declarações prestadas pela avó paterna, Sra. D. DD, no dia 14-11-2022 (minuto 00:16:52), de onde se infere que a saída de casa por parte da Requerente foi única e exclusivamente uma decisão da progenitora, que saiu por sua livre iniciativa, e não do progenitor, ao que acresce que todas as informações (APAV e Relatórios Sociais) em que se sustenta a decisão recorrida, nesta parte, e como é natural, apenas se limitam a reproduzir a versão apresentada pela progenitora, pois é mais do que evidente que o ocorrido não foi presenciado pelas referidas entidades;

(vi) Assim se sugerindo para nova redação «No dia 25 de setembro de 2021, por sua exclusiva decisão, a progenitora saiu de casa da DD, impedindo o progenitor que a mesma levasse consigo a filha de ambos, dado que a progenitora não tinha para onde ir, não querendo na altura a ajuda do Requerido, passando desde então a menor a residir apenas com o progenitor e com a avó paterna»;

(vii) O facto 46 deve passar para os factos não provados. Os extratos bancários juntos pela Requerente não provam de forma alguma o facto 46, e também o não prova o depoimento da testemunha EE, sendo manifestamente insuficiente o seu depoimento para atestar a factualidade ali inserta (gravação do dia 27-10-2022 às 14:20:21 e fim às 14:56:54, ao minuto 00:18:53);

(viii) Na procedência da impugnação aqui deduzida, e introduzidas na matéria de facto as alterações requeridas, cumpre de seguida analisar o erro de julgamento em que incorreu a decisão recorrida;

(ix) Não sendo intenção do Recorrente pôr em causa o amor que cada um dos progenitores tem à Menor, com interesse para a decisão a proferir, terá de atentar-se o que dos factos dados por provados resulta, lendo com atenção as avaliações psicológicas que foram feitas nos autos;

(x) Ainda que dali resulte que a Menor, está triste pela separação prolongada da mãe, pois que, como qualquer criança, queria, “que tudo voltasse a ser como era”, “que voltasse a brincar como brincava com a ... e que os meus pais ficassem juntos”, certo é que está bem integrada em termos sociais e escolares, tem um ambiente familiar nuclear, dispõe de boas condições habitacionais, rotinas saudáveis, condições de segurança, é bem tratada, tendo uma forte vinculação afetiva em relação ao progenitor;

(xi) Se é assim, como é, então qual a razão para alterar? Qual o fundamento para, em pleno ano escolar, privar a Menor da sua vida e fazê-lo passar por todo este processo? Para quê causar maior distúrbios na vida da menor????

(xii) Se de um lado tem a mãe e a irmã FF, de quem naturalmente gosta, com quem quer estar, e que, compreendemos, o tribunal não queira separar, do outro lado, tem o pai, a avó paterna e a irmã GG, de quem agora se começou a aproximar e conviver, também ela sua irmã, com quem deve ser promovida uma aproximação;

 (xiii) Tem uma escola, amigos, vive em casa própria com um quarto só para si, o pai dedica-lhe todo o tempo do mundo, ainda que dela exija também, para a tornar num ser humano forte, desenvolvido, com regras;

(xiv) Os relatórios e pareceres juntos aos autos relativamente ao Requerido e à Requerente são bem demonstrativos de que é com o pai que a Menor deve estar: o primeiro demonstrou capacidade de implementar regras e estratégias para lidar com o comportamento da menor e manter rotinas saudáveis e adequadas à promoção do seu desenvolvimento (..)»., a segunda apresenta um reduzido suporte emocional (cfr. ponto 5.4), outros para um estilo parental democrático com elevado apoio e afeto (cfr. ponto 5.5.) e ainda outros para um estilo parental permissivo (ponto 5.6). Por sua vez, os indicadores de estilo parental mais permissivo conflituam com o facto de a examinanda admitir utilizar práticas educativas inadequadas ainda que não abusivas, que tende a legitimar, ou mesmo até recorrer a punição física (palmada), que considera adequada, conjuntamente com outras práticas punitivas (e.g. puxão de orelhas) que nega utilizar (…».

(xv) Acresce que a progenitora, para além de não ter regras e rotinas, está desempregada, beneficia do abono de família relativo à filha FF, no valor mensal de 70,00€, viveu até outubro de 2022, do Rendimento Social de Inserção atribuído pelo Instituto da Segurança Social, vive em casa arrendada;

(xvi) Não tem a estabilidade económica e financeira do Requerido, nem a estabilidade que ele dá à Menor, que tudo tem feito para promover o convívio entre mãe e filha, não existindo assim nenhum motivo para que o tribunal não possa tornar definitiva a regulação provisória das responsabilidades parentais, evitando causar a menor instabilidade possível à Menor, no contexto já ele conturbado pela separação dos pais que ela queria ver juntos;

(xvii) Sem querer pôr em causa o amor mãe/filha, sendo evidente a grande afetividade que a Menor tem com a mãe, certo é que nos parece que as razões pelas quais a Menor quer estar com a progenitora não passam pelo o facto de esta ser a sua «figura de referência» mas sim por esta não lhe impor regras, rotinas e obrigações, em face do apontado «estilo parental democrático» que a mãe adota, o que, sendo apetecível a qualquer Criança, não é certamente o rumo certo para a educação da mesma (relatório de perícia médico legal de 05/05/2021 da progenitora);

(xviii) Por isso se impõe que a guarda da Menor seja entregue ao Requerido, a quem deverá competir o exercício das responsabilidades parentais, sem prejuízo da intervenção da progenitora, mantendo-se a menor a residir com o Recorrente;

(xix) E caso V. Exas assim não entenderem, o que apenas por mera hipótese académica se admite, impõe-se então ajustar a pensão de alimentos devida pelo pai a 200,00 euros, dividindo-se as deslocações da Menor pelos dois progenitores: um fim de semana o pai vai levá-la e buscá-la às ..., no outro a mãe vai levá-la e buscá-la a ..., ou a um ponto intermédio que considerem apropriado.

Termos em que se requer que seja alterada a regulação do exercício das responsabilidades parentais nos termos pugnados pelo Recorrente assim se fazendo, como sempre, JUSTIÇA!»

c) A requerente contra-alegou (não indicou «conclusões») argumentando no sentido da manutenção da matéria de facto e quanto ao mérito da causa defende a manutenção da sentença, ou seja, entende que a menor deve integrar o seu agregado familiar na companhia da outra irmã, porquanto sempre viveu consigo e com a outra irmã, à exceção do período em que foi separada da filha pela ação do pela ação do requerido, não existindo qualquer razão válida para se alterar esta situação. 

d) O magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso e concluiu deste modo:

«1) O recurso não deve proceder quanto às modificações/alterações de redação dos concretos pontos da matéria de facto dada como provada, pois tal pretensão não tem o mínimo apoio nos elementos probatórios ponderados pelo tribunal recorrido.

2) Inexiste qualquer erro de julgamento quanto à análise, face aos factos dados como provados, do regime de exercício das responsabilidades parentais da CC que melhor assegura as suas necessidades, especialmente quanto à sua residência.

3) Não se vê nas alegações do recorrido qualquer motivo para considerar exagerado ou ilógico o entendimento constante da sentença que conduziu à definição do exercício das responsabilidades parentais e ao modo como devem decorrer as visitas/entregas da menor e à concreta pensão de alimentos fixada, face às necessidades atuais da menor.

4) Na sentença recorrida fez-se uma judiciosa aplicação do Direito.

Nestes termos, a douta decisão recorrida deve ser mantida nos seus precisos termos por ser legal.»

II. Objeto do recurso.

As questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 – A primeira respeita à alteração da matéria de facto.

São impugnados os factos provados dos n.ºs 15, 16, 18 e 46.

Em relação aos factos provados 15 e 16 propõe a redação «A avó paterna, DD, mantinha contacto com a sua neta, CC, desde 2018, falando com ela por videochamada, tendo estado com a mesma, pela primeira vez, em agosto de 2021», fundada nas declarações da avó paterna não contrariadas por quaisquer outros elementos probatórios.

Quanto ao facto provado 18 propõe a redação «No dia 25 de setembro de 2021, por sua exclusiva decisão, a progenitora saiu de casa da DD, impedindo o progenitor que a mesma levasse consigo a filha de ambos, dado que a progenitora não tinha para onde ir, não querendo na altura a ajuda do Requerido, passando desde então a menor a residir apenas com o progenitor e com a avó paterna.»

Baseia a alteração no seu próprio depoimento e nas declarações da avó paterna.

Quanto ao facto provado n.º 46 entende que deve passar para os factos não provados porque os extratos bancários juntos pela Requerente não provam de forma alguma o facto em causa, nem tão pouco o depoimento da testemunha EE.

2 – Em sede de mérito da causa cumpre verificar se há razões para alterar a decisão no sentido de manter a menor a residir com o pai, porquanto a menor «…está bem integrada em termos sociais e escolares, tem um ambiente familiar nuclear, dispõe de boas condições habitacionais, rotinas saudáveis, condições de segurança, é bem tratada, tendo uma forte vinculação afetiva em relação ao progenitor» e, sendo assim, não há razões para alterar esta situação, cumprindo ter em consideração que permanecendo com o pai também passará a conviver diariamente com a avó paterna  e a promover uma maior aproximação à irmã GG.

Argumenta que os relatórios sociais mostram que o recorrente tem mais capacidade para implementar regras e manter rotinas saudáveis e adequadas à promoção do desenvolvimento da menor e que o «estilo parental democrático» que carateriza a mãe não é o melhor para a educação da menor.

Acrescendo ainda que a progenitora não tem emprego e não tem estabilidade económica e financeira comparável à do recorrente.

3 – Em terceiro lugar, coloca-se a questão da fixação do montante de alimentos que o recorrente entende dever ser fixado em €200,00 mensais, na hipótese da menor deixar de residir consigo.

 4 – Por fim, cumpre ainda analisar a questão de saber se devem dividir-se as deslocações da menor pelos dois progenitores: um fim de semana o pai vai levá-la e buscá-la às ..., no outro a mãe vai levá-la e buscá-la a ..., ou a um ponto intermédio que considerem apropriado.

III. Fundamentação

a) Impugnação da matéria de facto

● Factos provados 15 e 16.

Têm esta redação:

«15. A avó paterna DD apenas teve conhecimento da existência da CC no ano de 2020.»

«16. O primeiro contacto pessoal da avó paterna com a CC foi a 21 de agosto de 2021.»

 O recorrente propõe a seguinte redação:

«A avó paterna, DD, mantinha contacto com a sua neta, CC, desde 2018, falando com ela por videochamada, tendo estado com a mesma, pela primeira vez, em agosto de 2021.»

Funda a alteração nas declarações da avó paterna, não contrariadas, segundo o recorrente, por quaisquer outros elementos probatórios.

Improcede esta pretensão recursiva (sendo certo que a mesma é pouco relevante para a apreciação do mérito da causa).

Com efeito, as declarações da avó paterna da menor não permitem alterar estes factos, porquanto o depoimento da testemunha DD contradiz aquilo que a avó da menor disse.

Esta testemunha referiu que começou a trabalhar na casa da mãe do requerido (avó paterna) quando esta partiu um braço, altura em que o requerido estava em Angola – minuto 26:20 – e que só «soube muito mais tarde», em relação ao momento em que começou a trabalhar, do nascimento na CC, ou seja, quando a mãe do requerido lhe disse, lhe deu essa notícia.

Só soube da menor quando o Sr. AA disse à mãe, referiu a testemunha – minuto 27:03 – e que quando foi trabalhar para essa casa não sabia da existência da criança (CC) – minuto 27:21.

Referiu que iria perfazer em fevereiro próximo 4 anos que trabalhava na casa da mãe do requerido – minuto 26:57; que soube da existência da menor CC, «bastante tempo depois», até «mais de dois anos» após ter começado a trabalhar – minuto 27:38 – e que a mãe do requerido quando lhe falou da existência da neta fê-lo manifestando «surpresa» - minuto 28:21 -, ou seja, mostrando que não sabia da neta até à altura em que falou dela à testemunha, tendo visto uma fotografia da menina nessa altura.

Por conseguinte, tendo a testemunha prestado depoimento em 14 de novembro de 2022 e referido que esta conversa já tinha ocorrido há dois anos, ou até mais, isso leva a situar tal conversa em outubro/novembro de 2020.

Tendo a testemunha referido que ficou com a impressão de que a avó da menor estava surpreendida com a existência desta neta, então é de concluir face a este depoimento que a avó só nessa altura soube da existência da neta.

Ora, este depoimento afigura-se confiável e preciso, pois não se vislumbra qualquer razão para a testemunha não referir o que efetivamente se verificou quando trabalhava na casa da avó paterna da menor.

Cumpre, pelo exposto, manter os factos como estão.

● Facto provado 18.

Tem esta redação:

«18. No dia 25 de setembro de 2021, por decisão do progenitor, a progenitora saiu de casa de DD, tendo sido impedida por este de se fazer acompanhar pela filha de ambos que, desde essa data, passou a residir com o progenitor e com a avó paterna.»

O recorrente propõe a seguinte redação:

«No dia 25 de setembro de 2021, por sua exclusiva decisão, a progenitora saiu de casa da DD, impedindo o progenitor que a mesma levasse consigo a filha de ambos, dado que a progenitora não tinha para onde ir, não querendo na altura a ajuda do Requerido, passando desde então a menor a residir apenas com o progenitor e com a avó paterna.».

Baseia a alteração no seu próprio depoimento e nas declarações da avó paterna.

Não procede esta pretensão.

Com efeito, a alteração proposta não se harmoniza com as regras da experiência que nos dizem que as ações das pessoas obedecem a uma lógica que conecta o comportamento, a ação, a motivos ou razões, por um lado, e a intenções e finalidades, por outro, estando estes itens interligados por uma ideia comum que os torna compreensíveis porque adquirem para os outros um certo sentido.

O sentido da ação obtém-se reunindo as diversas fases da ação sob a capa de uma mesma intenção/finalidade.

Quer com isto dizer-se que é contraditório, em termos de motivos, razões, intenções e finalidades, a mãe da menor ter vindo de Angola com as duas filhas em 21 de agosto de 2021, com destino à casa da mãe do recorrente, passando aí a viver com o recorrente, mais a avó paterna da menor e as suas duas filhas, para, passado um mês, em 25 de setembro, sem ser obrigada a isso, optar por ir embora, sendo certo que não tinha para onde ir, tendo sido recolhida numa «casa abrigo», deixando, como deixou, a sua filha CC com o progenitor.

Este comportamento da recorrida, a ter ocorrido segundo a intencionalidade indicada pelo recorrente, resultaria incompreensível e ilógico em relação ao padrão de comportamento da recorrida que consistiu em nunca se ter separado da filha CC e de ter vindo de Angola para Portugal sem ter outra casa para onde ir, nem trabalho ou meios financeiros.

E tanto assim é que a recorrida tinha bilhete de regresso para Angola em 2 de outubro e não regressou a Angola, o que demonstra que não se quis afastar da filha CC, sendo, por isso, incompreensível que tivesse abandonado a casa da avó paterna de livre vontade.

Mas já se compreende bem a saída de casa da mãe do requerido no caso da mãe da menor ter sido «expulsa» pelo recorrente.

Ou seja, saiu porque foi mandada embora e não porque quis ir embora.

Só esta razão dá coerência lógica aos factos que sabemos terem ocorrido; só esta circunstância permite compreender e atribuir lógica ao seu comportamento, que consistiu em sair da casa do recorrente, ter deixado a filha aí, da qual nunca se tinha separado, e ido viver para uma «casa abrigo» situada no extremo norte do país, em Viana do castelo, tendo estado cerca de dois meses sem ver a filha (facto provado n.º 20).

Improcede a pretensão do recorrente porquanto só a versão da recorrida, no sentido de ter sido obrigada a sair de casa, dá sentido aos demais factos que ficaram indicados.

● Facto provado n.º 46.

Tem esta redação:

«46. Para fazer face ao pagamento das despesas necessárias ao seu sustento e do seu agregado familiar, a progenitora é auxiliada pela sua mãe que, através de transferência e depósitos bancários faz chegar à progenitora a quantia média mensal de 1.958,00€ (mil, novecentos e cinquenta e oito euros).»

O recorrente argumenta que esta factualidade deve passar para os factos não provados porque os extratos bancários juntos pela Requerente não provam de forma alguma o facto em causa, nem tão pouco o depoimento da testemunha EE.

Não assiste razão ao recorrente.

Os depósitos bancários e transferências retratados no extrato do banco ..., de fls. 227 a 235 verso, mostram que a recorrida recebeu 25.455,31 euros entre 1 de outubro de 2021 e 7 de novembro de 2022.

Esta quantia dividida por 13 meses dá os 1.958,00 euros de média mensal referidos no facto provado em causa.

São variados os nomes dos autores das transferências e não figura aí o nome da mãe da recorrida que é HH (cfr. assento de nascimento da menor CC a fls. 9).

Porém, a testemunha EE, residente em Angola e tia do pai da recorrente, referiu aos minutos 17:10 a 19:50 que a mãe da recorrida manda-lhe dinheiro através de várias pessoas, incluindo a própria testemunha (efetivamente do extrato bancário consta o seu nome, uma vez) e sabe que as transferências são feitas porque fala com a mãe da BB e ela deu-lhe esta informação - minuto 34.39.

Ora, estando comprovadas as transferências e não se encontrando outra explicação para a existência destes depósitos e transferências, além daquela que foi dada pela testemunha, sendo uma regra de experiência que os pais ajudam os filhos quando eles podem e estes necessitam, cumpre formar a convicção no mesmo sentido daquela manifestada em 1.ª instância.

Não se altera, pois, a matéria de facto.

b) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. CC nasceu a .../.../2016, tendo sido registada como filha de BB.

2. A 13 de Maio de 2021 foi feito o seguinte averbamento ao Assento de Nascimento n.º 680, do ano de 2021, lavrado na ...: «O pai é AA, de 52 anos, solteiro, natural da freguesia ..., Concelho ..., filho de II e de DD, residente na Rua ..., ..., ..., Luanda, Republica de Angola, tendo a registada alterado o nome para CC, Por efeito o Estabelecimento de filiação, Proc. N.º ...17 do Consulado Geral de Portugal em Luanda, Angola.»

3. CC nasceu em Portugal, tendo permanecido em Portugal na companhia da progenitora até ao mês de outubro de 2017, data em que a progenitora regressou a Luanda, Angola.

4. A partir do mês de outubro de 2017, a CC passou a residir em Lunda, Angola, com a progenitora e a sua irmã mais velha FF.

5. O progenitor conheceu a CC quando esta tinha três meses de idade.

6. Até a CC completar um ano de idade, o progenitor esteve com a criança em três ocasiões.

7. Em novembro de 2017, os progenitores reataram o relacionamento amoroso, passando a viver na mesma casa, juntamente com a CC e com a FF.

8. Até retomarem a relação, foi sempre a progenitora quem alimentou, vestiu, deu banho e adormeceu a CC, prestando-lhe todos os cuidados essenciais.

9. Após os progenitores retomarem a relação amorosa, e durante os períodos em que o progenitor se encontrava em Luanda, este ia buscar na CC à creche e Jardim de Infância, passeando com a Criança e depois a transportando para casa.

10. Mercê das limitações e restrições de circulação causadas pela infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19, o progenitor permaneceu em Portugal durante o período compreendido entre os meses de março a outubro de 2020.

11. Durante o período compreendido entre março a outubro de 2020, a CC e a FF ficaram entregues aos cuidados da progenitora que alimentou, vestiu, deu banho e adormeceu a CC, prestando-lhe todos os cuidados essenciais.

12. O progenitor regressou a Luanda no mês de outubro de 2020, aí tendo residido de forma permanente com a progenitora, CC e FF até julho de 2021, data em que deslocou para Portugal.

13. O progenitor passou a residir, de forma permanente, em ..., Portugal, desde junho de 2021.

14. A progenitora veio para Portugal, acompanhada das suas duas filhas, CC e FF, a 21 de agosto de 2021, tendo ficado hospedada em ..., na casa de DD, mãe do Requerido.

15. A avó paterna DD apenas teve conhecimento da existência da CC no ano de 2020.

16. O primeiro contacto pessoal da avó paterna com a CC foi a 21 de agosto de 2021.

17. Aquando da deslocação para Portugal a 21 de agosto de 2021 a progenitora e as duas crianças (CC e JJ) tinham a viagem de regresso de avião marcada (e paga) para 2 de outubro de 2021.

18. No dia 25 de setembro de 2021, por decisão do progenitor, a progenitora saiu de casa de DD, tendo sido impedida por este de se fazer acompanhar pela filha de ambos que, desde essa data, passou a residir com o progenitor e com a avó paterna.

19. Por não ter, à data, casa de habitação em Portugal e não ter, então, dinheiro consigo, a progenitora esteve numa Casa Abrigo destinada a acolher vitimas de violência doméstica, sita em Viana do Castelo, durante o período compreendido entre 26 de setembro de 2021 a 21 de outubro de 2021.

20. Desde 26 de setembro de 2021 até 24 de novembro de 2021 (data da realização da primeira conferência de pais, nos presentes autos), a progenitora não teve qualquer contacto pessoal com a sua filha CC.

21. A partir de 1 de setembro de 2021 a CC frequentou o Jardim de Infância ... (sala dos 5 anos), até ao ingresso no primeiro ano da escola primária de ..., no mês de setembro de 2022.

22. Durante os primeiros meses em que frequentou o Jardim de Infância, a CC referia-se ao progenitor como «AA», referindo-se à progenitora como «mãe».

23. Durante a frequência do Jardim de Infância e, atualmente, na Escola Primária, a CC apresenta-se como uma criança bem alimentada, limpa, vestida de forma cuidada e de acordo com a estação do ano, mostrando-se alegre e bem-disposta e evidenciando gostar de frequentar a escola e de passar tempo com as demais crianças da sua turma e escola.

24. A CC mostra capacidades de aprendizagem e acompanha as tarefas propostas e desenvolvidas.

25. A CC apresenta um desenvolvimento global e capacidade intelectual/cognitiva adequados para a sua faixa etária.

26. A CC apresenta-se como uma criança alegre, enérgica, meiga, comunicativa e perspicaz

27. Após o horário escolar, a CC frequenta o Centro de Actividade de tempos Livres (ATL) na «...».

28. O progenitor e a CC residem na casa da avó paterna, sita em ..., dispondo a criança de quarto próprio.

29. Desde 26 de setembro de 2021, é o progenitor quem, com o apoio da avó paterna, dá o pequeno almoço, dá banho, veste e transporta a CC de e para a escola.

30. Desde 26 de setembro de 2021, é o progenitor quem, com o apoio da avó paterna, adormece a CC que, por se sentir mais confortável e segura, prefere dormir no quarto do progenitor.

31. Desde 26 de setembro de 2021, durante os fins de semana e outros períodos de lazer que passa com a CC, o progenitor brinca e passeia com a filha, levando-a, em alguns fins de semana e períodos de férias, para a praia da ....

32. A partir de 26 de setembro de 2021, em alguns fins de semana e durante os períodos de férias, a CC passou a conviver com a sua irmã DD, filha do Requerido que reside em ... com a sua progenitora, e a quem a CC trata por «GG».

33. A progenitora reside com a sua filha mais velha FF – e a quem a CC trata por «...» – em casa arrendada, sita na Rua ..., ..., Bairro ..., ....

34. A casa referida em «33.» é composta por dois quatros, sala, cozinha, uma casa de banho e um pátio, apresenta-se limpa e organizada, está mobilada e dispõe de loiças, talheres e víveres alimentares.

35. Durante os períodos de convívio com a progenitora, a CC passeia e brinca com a sua irmã FF e com a progenitora, fazendo «acampamentos na sala», «guerras de almofadas» e noites de «cinema em casa».

36. Durante os períodos de convívio com a progenitora, é esta quem prepara as refeições, dá banho e veste a CC.

37. Durante os períodos de convívio com a progenitora é a progenitora quem, adormece a CC que, por se sentir mais confortável e segura, prefere dormir no quarto da progenitora.

38. Aquando da realização da perícia psicológica, a 18 de fevereiro de 2022, no Gabinete de Medicina Legal da Guarda:

- A CC referiu-se ao pai como «AA»;

- A CC afirmou gostar mais de estar em casa da mãe, justificando a sua escolha com a circunstância de brincar mais com a mãe do que com o pai;

- Convidada a elaborar o desenho da sua família, a CC desenhou-se a si própria em primeiro lugar, seguindo-se o pai (que identificou como «AA»), de uma figura incompleta, composta apenas por cabeça e tronco (explicando ser o bolo do seu aniversário), da irmã (a quem chama de «...») e da mãe (referindo se a esta como «mamã»).

39. No Relatório da Pericial Psicológica Médico Legal relativo à criança, junto a fls. 155, verso a fls. 161 – cujo teor aqui se dá por reproduzido – pode ler-se, designadamente, o seguinte:

“(…) 7. Outros elementos relevantes: (…)

Questionada de forma concreta, acerca de episódios de discussão entre o pai e a mãe, na altura em que vivia em Angola, relatou lembra-se que eles discutiam «algumas vezes» e que «um dia a mãe sangrou… ela atirou-se para o chão… a cozinha estava cheia de sangue… a sala… a escada… o chão… fiquei todo a tremer» (Q) «não sei… não sei o que é que aconteceu». Nesta sequência, questionada se alguma vez viu a mãe a bater ao pai ou o pai bater à mãe, respondeu «não seu… o pai é forte e faz coisas para chatear a mãe (Q) não sei.

Questionada acerca do dia em que a mãe deixou de viver em casa da avó paterna e o que se lembra desse dia, explicou «foi triste, o meu pai me recebeu dos braços da mãe e eu estava a chorar muito… depois os policiais levaram dos braços da mãe e depois levaram a mãe ao tribunal… eu ouvi a conversa toda…que os policias iam-me pôr numa sala e ninguém me podia ver mais… e fiquei em casa (Q) da minha avó (Q) a mãe estava triste.»

Questionada o que aconteceu após esse dia, referiu que só voltou a ver a mãe no Tribunal (quando eu fui ao Tribunal e Juíza me perguntou se a mãe me trata muito bem e eu disse que sim e é a verdade… é muita verdade). Nesta sequência, a menor revelou marcada emotividade, expressando emocionalmente a sua convicção de que a mãe é, por demais, a sua figura de vinculação («ela penteia bem o meu cabelo melhor que ninguém»).

(…)

9.3 Teste do Desenho da Família

(…)

Já em termos de posicionamento e distância entre as figuras, destaca-se o facto de a menor ter desenhado a sua figura com muita proximidade à do progenitor (em bloco), estando ambos separados das duas restantes (mãe e irmã), por um elemento que designou de «bolo». Destaca-se ainda o facto de as figuras da irmã e da mãe (ao contrário dela e do pai) não terem pés nem mãos. Estes últimos dois achados indicam uma possível perceção de dificuldade no contacto ambiental com a mãe e a irmã (sentimento de afastamento), em que o bolo parece representar em si mesmo um obstáculo a esse contacto. Finalmente, salienta-se o facto de a menor não ter incluído no seu desenho a avó paterna (que conheceu há relativamente pouco, mas com quem coabita há já alguns meses e que participa nos seus cuidados) o que pode indicar que a menor ainda não conseguiu integrar esta figura enquanto elemento da sua família.

Utilizando a Técnica de Corman, foi possível apurar que a menor considera a mãe é a melhor pessoa da família («porque um dia eu estava doente e convenceu-me a tomar o xarope porque eu achei que era horrível e ela me convenceu a tomar») e a sua pessoa preferida («porque ela me trata muito bem»). Indicou a irmã KK como sendo a menos boa («porque me chateia» e como o elemento que se portou mal («é a ... mas eu não tenho ideia do que ela fazia de mal … ela não ajudava a mãe a lavar a casa nem a loiça… ela só sabia espalhar lixos no chão»). Indicou o pai como a pessoa mais feliz («porque ele é feliz… não sei… ele às vezes faz rir»). Quanto à pessoa menos feliz, referiu ser ela mesma («porque eu às vezes choro… porque eu às vezes não quero fazer o que os outros mandam e me deixa triste… e quando as crianças da escola não fazem o que eu quero também fico triste».

(…)

10. Síntese/Discussão (…)

A menor aparentou estar bem integrada em termos sociais e escolares, assim como, ter um ambiente familiar nuclear, rotinas e condições ambientais, logísticas e afetivas (na medida das proporcionadas pelo pai e pela avó paterna) adequadas às suas necessidades. Também relativamente aos períodos passados com a progenitora, não se identificam evidências de práticas desadequadas nem repulsivas para a menor, e até pelo contrário, mostrou-se agradada em relação a esses períodos. (…)

A menor demonstrou também, afetividade positiva e forte vinculação em relação a ambos os progenitores, vinculação esta que aparenta estar a materializar-se na figura do progenitor, sobretudo porque é com este que permanece a maior parte do tempo. Ainda assim, a menor foi clara na expressão de desejar estar mais tempo com a progenitora (…). Destaca-se, a vivência, na dimensão projetiva, de sentimentos de existência de obstáculos (subjetivos e/ou concretos) à permanência com a mãe.

Assim, e em virtude da avaliação pericial realizada, considera-se que a menor, dentro do contexto vivencial atual, evidencia estar bem integrada em termos escolares e sociais, dispõe de boas condições habitacionais, tem rotinas saudáveis, tem condições de segurança e é bem tratada, assim como tem forte vinculação afetiva em relação ao progenitor, não se tendo apurado indicadores de que este não reúna condições para o exercício das responsabilidades parentais, com exceção do facto de aparentar não compreender a importância de aceitar e promover uma maior igualdade na permanência da menor com ambos os progenitores.

Ficou também demostrado o desejo da menor de ter uma permanência mais prolongada e assídua com a progenitora o que, garantidas estejam as condições e capacidades da mãe (assim como garantido que esta não afastará a menor do progenitor), se revela salutar, desejável e essencial para o harmonioso desenvolvimento da menor. (…)

Relativamente ao afastamento da menor em relação à mãe, desde «essencialmente em agosto/setembro, mais dolorosa e impactante do que a separação prolongada da mãe parece ter sido a forma rude, adversa e descuidada em que a menor se viu afastada da mãe (…)».

40. No Relatório da Pericial Psicológica Médico Legal relativo ao progenitor, junto a fls. 162 a fls. 168, verso – cujo teor aqui se dá por reproduzido – pode ler-se, designadamente, o seguinte:

« (…) Síntese/Discussão (…) Não se identificaram evidências de sintomatologia psicopatológica relevante.

A avaliação levada a cabo não permitiu identificar indicadores de perturbação psico-emocional nem de perturbação grave de personalidade, que cumpra critérios de patologia, persistente e global mas destaca-se o facto de os resultado obtidos no teste de personalidade aplicado traduzirem um perfil inválido, o que é comum em pessoas com tendência para dar respostas de acordo com a desejabilidade social que procuram dissimular características disfuncionais da personalidade

(…)

Relativamente às suas competências parentais, as entrevistas e avaliação instrumental realizada permitem afirmar que o examinando mantém estilo parental regular e evidência adequadas competências para o exercício das responsabilidades parentais, as quais poderão melhoradas caso o examinando permita e favoreça um maior envolvimento da progenitora nas tomadas de decisão relativas à menor e promova e incentive uma relação de maior proximidade entre esta e a mãe.

Demonstrou capacidade de implementar regras e estratégias para lidar com o comportamento da menor e manter rotinas saudáveis e adequadas à promoção do seu desenvolvimento. Não se identificam indicadores de manutenção de práticas educativas emocionalmente abusivas, negligentes ou maltratantes.

(…)

O examinando também demonstrou adequados conhecimentos acerca das características pessoais da menor e dos seus gostos, assim como adequadas competências para dar respostas às suas necessidades. Todavia, revelou alguma dificuldade em compreender o desejo da menor, e importância para que tem para o seu bem-estar, de um convício mais frequente e prolongado com a progenitora.

41. No Relatório da Pericial Psicológica Médico Legal relativo à progenitora junto a fls. 172 a fls. 180, verso – cujo teor aqui se dá por reproduzido – pode ler-se, designadamente, o seguinte:

«(…) 7.1. Conclusões (…) No que concerne à parentalidade, os resultados obtidos revelam a presença de algumas incongruências instrumentais sugestivas da presença de possível enviesamento por desejabilidade social, na medida em que alguns resultados apontam para um reduzido suporte emocional (cfr. ponto 5.4), outros para um estilo parental democrático com elevado apoio e afeto (cfr. ponto 5.5.) e ainda outros para um estilo parental permissivo (ponto 5.6).

Por sua vez, os indicadores de estilo parental mais permissivo conflituam com o facto de a examinanda admitir utilizar práticas educativas inadequadas ainda que não abusivas, que tende a legitimar, ou mesmo até recorrer a punição física (palmada), que considera adequada, conjuntamente com outras práticas punitivas (e.g. puxão de orelhas) que nega utilizar.

7.2. Parecer (…) Identificam-se como principais aspectos protetores a alegada elevada motivação da examinanda para recuperar a guarda da filha menor. Citam-se como aspectos dificultadores a presença de algumas dificuldades na confiança nos outros, uma legitimação excessiva do uso da punição física, bem como de resultados inclusivos na dimensão suporte emocional/apoio e afecto. (…).»

42. A progenitora beneficia do abono de família relativo à criança FF, no valor mensal de 70,00€.

43. A progenitora beneficiou de Rendimento Social de Inserção atribuído pelo Instituto da Segurança Social até 1 de outubro de 2022.

44. A progenitora tem a seu cargo o pagamento da renda da habitação em que reside, bem como o pagamento do fornecimento de água, luz e gás, no valor médio mensal global de 748,50€ (setecentos e quarenta e oito euros e cinquenta cêntimos).

45. A progenitora está desempregada, encontrando-se inscrita no Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).

46. Para fazer face ao pagamento das despesas necessárias ao seu sustento e do seu agregado familiar, a progenitora é auxiliada pela sua mãe que, através de transferência e depósitos bancários faz chegar à progenitora a quantia média mensal de 1.958,00€ (mil, novecentos e cinquenta e oito euros).

47. O progenitor aufere o vencimento liquido mensal de 970.750,00 Kwanzas Angolanos que corresponde ao montante de 1.794,79 Euros (mil, setecentos e setenta e nove euros).

48. O progenitor aufere, também, enquanto sócio gerente da sociedade «L..., Lda.» o vencimento equivalente ao salário mínimo nacional.

49. A 31 de Março de 2021, o progenitor recebeu a quantia de 189.000,00€ (cento e oitenta e nove mil euros).

50. O progenitor tem transportado a CC de e para a cidade das ... em veículo próprio.

51. Não é conhecida à progenitora a titularidade de qualquer veículo automóvel.

52. Os progenitores não têm antecedentes criminais registados.

53. Correu termos nos Serviços do Ministério Público da Procuradoria da República da Comarca de Faro, Departamento de Investigação e Acção Penal, Secção de ..., sob o n.º 321/19...., inquérito em que se investigavam, entre o mais, factos consubstanciadores da prática, por ambos os progenitores de crime de ofensa à integridade física previsto e punido pelo artigo 143º do Código Penal, que veio a ser arquivado, em face da insuficiência de indícios da verificação dos crimes imputados, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 277º, n.º2, do Código de Processo Penal.

54. Corre termos nos Serviços do Ministério Público junto deste Juízo, sob o n.º 431/21...., inquérito em que se investigavam factos consubstanciadores da prática de um crime de violência doméstica, em que figura como vitima a aqui progenitora e em que é arguido o aqui progenitor, não tendo sido proferido despacho final.

55. Ouvida pelo Tribunal a 24 de outubro de 2022, a CC disse ser sua vontade «que tudo voltasse a ser como era», «que voltasse a brincar como brincava com a ... e que os meus pais ficassem juntos».

2. Matéria de facto – Factos não provados

a) Após completar um ano de idade, a progenitora entregou a CC aos cuidados do progenitor.

b) A progenitora é consumidora de produtos estupefacientes.

c) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

Não se farão considerações sobre o enquadramento jurídico geral dos factos, por estar já feito na sentença e não ter sido colocado em causa no recurso, seguindo-se diretamente para análise das questões colocadas no recurso.

Sempre se dirá, no entanto, que face ao preceituado no n.º 8 do artigo 1906.º do Código Civil «O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.»

E em matéria de alimentos, vale a regra do n.º 1, do artigo 2004.º do Código Civil, onde se prescreve que artigo «Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.»

1 – Vejamos se há razões para alterar a decisão no sentido de manter a menor a residir com o pai, porquanto a menor «…está bem integrada em termos sociais e escolares, tem um ambiente familiar nuclear, dispõe de boas condições habitacionais, rotinas saudáveis, condições de segurança, é bem tratada, tendo uma forte vinculação afetiva em relação ao progenitor» e, sendo assim, não há razões para alterar esta situação, cumprindo ter em consideração que permanecendo com o pai também passará a conviver diariamente com a avó paterna  e a promover uma maior aproximação à irmã GG.

Argumenta que os relatórios sociais mostram que o recorrente tem mais capacidade para implementar regras e manter rotinas saudáveis e adequadas à promoção do desenvolvimento da menor e que o «estilo parental democrático» que carateriza a mãe não é o melhor para a educação da menor.

Acrescendo ainda que a progenitora não tem emprego e não tem estabilidade económica e financeira comparável à do recorrente.

Improcede a pretensão do recorrente, pelas seguintes razões:

(I) Face aos factos provados, constata-se que quer o pai, quer a mãe da menor, são pessoas idóneas para terem a menor no respetivo agregado familiar.

O recorrente pai diz que a menor «…está bem integrada em termos sociais e escolares, tem um ambiente familiar nuclear, dispõe de boas condições habitacionais, rotinas saudáveis, condições de segurança, é bem tratada, tendo uma forte vinculação afetiva em relação ao progenitor» e, sendo assim, não há razões para alterar esta situação, cumprindo ter em consideração que permanecendo com o pai também passará a conviver diariamente com a avó paterna e a promover uma maior aproximação à irmã GG.

Sem dúvida que a menor está bem integrada em termos sociais e escolares, tem um ambiente familiar saudável, dispõe de boas condições habitacionais, rotinas saudáveis, condições de segurança, é bem tratada, tendo uma adequada vinculação afetiva em relação ao progenitor.

Porém, o que se pode dizer a respeito do pai pode dizer-se em relação à mãe, isto é, também esta pode assegurar à menor boas condições sociais e escolares, um ambiente familiar saudável, boas condições habitacionais, rotinas saudáveis, condições de segurança, bom tratamento, sendo certo que existe adequada vinculação afetiva em relação à mãe, com quem sempre viveu até ter vindo para Portugal e ter sido obrigada contra a sua vontade a separar-se da filha.

Argumenta ainda o pai que os relatórios sociais mostram que o recorrente tem mais capacidade para implementar regras e manter rotinas saudáveis e adequadas à promoção do desenvolvimento da menor e que o «estilo parental democrático» que carateriza a mãe não é o melhor para a educação da menor.

Não se afigura relevante esta diferenciação, pois ter-se um padrão mais assertivo ou mais «democrático» não é critério suficiente para decidir com qual dos pais a menor passará a viver.

O facto da mãe não tem emprego e não tem estabilidade económica e financeira comparável à do recorrente também não é critério suficiente para decidir com qual dos pais a menor passará a viver.

Aliás, a mãe da menor foi colocada numa situação que não desejava, pois quando veio para Portugal tinha bilhete comprado para regressar a Angola com a filha e só não regressou porque a filha ficava em Portugal, elas razões já atrás mencionadas.

E quanto às condições económicas, a mãe da menor carece de tempo para adquirir estabilidade, pois não é fácil passar a viver num país diverso daquele em que sempre se viveu e adquirir, em pouco tempo, boa situação financeira, pois esta implica, em regra, ter um emprego estável.

Verifica-se, pois, que ambos os pais estão em igualdade de circunstâncias no que respeita à capacidade para cuidarem da filha, ou seja, a menor pode ficar com qualquer deles porque qualquer deles tem boas condições para a acolher.

(II) Estando em igualdade de circunstâncias, vejamos com quem a menor deve ficar a residir.

Na sentença considerou-se que «Da matéria de facto provada decorre, também, que, desde 26 de Setembro de 2021, o progenitor tem vindo a fortalecer o vínculo afectivo com a Criança, sendo, contudo, a mãe quem foi e continua a ser, desde o nascimento da CC, a maior referência na vida da Criança.»

Concorda-se com esta conclusão face ao teor da matéria de facto.

Com efeito, a mãe da menor residia em Angola e veio para Portugal para ter a criança, tendo esta nascido em .../.../2016; apenas regressou a Angola em outubro de 2017; em novembro desse ano os pais da menor passaram a viver juntos; entre março e outubro de 2020 o pai da menor residiu em Portugal; tendo regressado então a Angola e viveu aí com a mãe até julho de 2021, altura em que veio para Portugal e não regressou a Angola.

A mãe da menor veio para Portugal em 21 de agosto de 2021, para a casa da avó paterna, vivendo aí com o pai da menor, sendo intenção da mãe da menor regressar com a menor a Angola em 2 de outubro desse ano, tendo marcada viagem de regresso, de avião, para esta data.

Verifica-se, efetivamente, que a ligação da menor com o pai foi pautada por períodos longos de ausência, desde logo no primeiro ano de vida, situação que não permite a formação de vínculos afetivos ou degrada os vínculos afetivos que se vão formando durante a convivência, de modo que a criança se fixou preferencialmente, como não podia deixar de ser, em condições normais, no progenitor com quem sempre viveu, no caso, a mãe.

Além disso, na resolução desta questão há um aspeto que não pode deixar de ser frisado e que consiste em salientar que a situação factual relatada nos autos se deve, no essencial, ao comportamento do pai da menor.

Como já resulta do antes referido, a mãe da menor e esta, só não regressaram a Angola, em 2 de outubro de 2021, como previsto, porque, em 25 de setembro de 2021, a mãe da menor foi obrigada, por decisão do recorrido, a sair de casa da avó paterna, sem poder levar consigo a menor.

A mãe da menor sem ter onde residir, nem dinheiro, teve de ingressar numa «casa abrigo» em Viana do Castelo, onde residiu cerca de um mês, e viu-se obrigada a permanecer em Portugal porque estava separada da sua filha com quem sempre tinha vivido e cuidado.

Nestas circunstâncias, a mãe não podia regressar a Angola sem a filha, na data previamente planeada, em 2 de outubro de 2021, e teve de permanecer em Portugal.

E, além disso, refazer aqui a sua vida.

Verifica-se, por conseguinte, que o convívio entre mãe e filha existiu ininterruptamente desde que esta nasceu, em .../.../2016, até ao dia 25 de setembro de 2021 (5 anos), o qual teria continuado, sem interrupções, se não tivesse ocorrido a decisão do pai da menor, atrás mencionada.

Nestas circunstâncias, além do já referido, a decisão a tomar deve também levar em consideração esta situação e promover, se possível, a restauração da situação familiar que sempre existiu, ou seja, a restauração do agregado familiar composto por mãe e filha (e ainda a irmã FF).

Concluindo.

Estando ambos os progenitores em igualdade de condições para acolher a filha menor no respetivo agregado familiar, elege-se o agregado do progenitor (mãe) com quem a menor mantém um vínculo afetivo mais forte e, por outro lado, por ser o agregado onde a menor sempre esteve inserida até ter ocorrido a factualidade que conduziu à instauração da presente ação e que é imputável ao outro progenitor (pai).

Improcede, pelo exposto, nesta parte, o recurso.

2 – Quanto à redução do montante de alimentos de 3000,00 euros para 200,00 euros mensais.

Não lhe assiste razão.

Na sentença ponderou-se a situação económica de ambos os progenitores.

A mãe está desempregada, vive de ajudas prestadas pela mãe sua, elevadas, é certo, até ao momento.

O pai aufere mensalmente o vencimento liquido de 970.750,00 Kwanzas angolanos que corresponde ao montante de 1.794,79 euros; é e sócio gerente da sociedade “L..., Lda.” auferindo aqui um vencimento equivalente ao salário mínimo nacional; provou-se que em março de 2021 recebeu a quantia de 189.000,00 euros.

Na sentença considerou-se que «…ponderando a idade da CC, atendendo aos gastos com o sustento, habitação, saúde e educação de uma Criança com este nível etário, e em face do apurado quanto aos rendimentos da progenitora e despesas do respectivo agregado familiar, por um lado, e, por outro lado, quanto aos rendimentos do progenitor e considerando, igualmente, o montante necessário a assegurar as despesas deste (que, de resto, reside em casa da sua mãe), julgamos adequado fixar em 300,00 euros mensais a quantia com a qual o progenitor deverá contribuir para o sustento da CC, a pagar à progenitora, até ao dia 8 de cada mês, sendo tal quantia actualizada anualmente no valor de 5,00€.

Do mesmo modo, as despesas extraordinárias, de saúde (médicas/medicamentosas) e escolares (incluindo explicações) serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores (50% por cada um), a pagar no mês seguinte após apresentação do respectivo recibo.»

Afigura-se correta esta ponderação.

A situação financeira do pai é muito mais sólida e estável que a da mãe e, por isso, neste momento, o pai deve contribuir de modo substancial para a alimentação da filha.

A quantia de 300,00 euros mensais é facilmente consumida em alimentos, roupas, caçado e material escolar, principalmente na idade da menor, que é de crescimento contínuo e as roupas de um ano podem já não servir para usar no ano seguinte.

Afigura-se, por conseguinte, que nas condições descritas se deve manter a prestação de alimentos fixada na sentença recorrida.

3 – Vejamos agora se a as deslocações da menor devem ser colocadas a cargos de ambos os pais em plano de igualdade, isto é, um fim de semana o pai vai levá-la e buscá-la às ..., no outro a mãe vai levá-la e buscá-la a ..., ou a um ponto intermédio que considerem apropriado.

Em regra, será esta a situação que vigorará em casos semelhantes, mas no caso concreto esta pretensão é de afastar.

É de afastar esta solução porque a mãe da menor não tem condições para cumprir com esta tarefa.

Com efeito, resultou provado que «51. Não é conhecida à progenitora a titularidade de qualquer veículo automóvel», situação esta que na prática conduz à convicção de que efetivamente a mãe da menor não disporá de um veículo para deslocações, principalmente se se tiver em consideração que um veículo implica despesas elevadas que não podem ser suportadas por quem está desempregado e tem vivido da ajuda dos pais.

Como já se disse, considerando que a situação económica da mãe da menor é precária, a pretensão do recorrente não pode proceder neste momento, sem prejuízo de no futuro poder ser satisfeita, se as condições factuais se alterarem.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente.

Custas pelo Recorrente.


*

Coimbra, …