Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
842/09.1TBTMR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO COSTA
Descritores: ARRESTO
QUOTA SOCIAL
LEGITIMIDADE PASSIVA
SOCIEDADE
SÓCIO
Data do Acordão: 11/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR - 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 221º, Nº 1 CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Sumário: 1 - As quotas duma sociedade por quotas são tituladas pelos respectivos sócios e não pela sociedade;

2 - Por isso, as quotas que integram uma sociedade daquele tipo não podem ser arrestadas num procedimento cautelar de arresto dirigido somente contra a sociedade.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

A...., instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, procedimento cautelar de arresto contra:

- Jornal B...., pedindo que fosse decretado o arresto dos seguintes bens:

1 - As quotas sociais;

2 - Todo o estabelecimento comercial da requerida e, em especial, o ficheiro de assinantes; e

3 - O direito de propriedade intelectual correspondente ao título “ Jornal B....”.

Alegou, para tanto, em síntese, que é credora da requerida na quantia total de € 52.342,64 e que tem fundado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito, já que a requerida deve a outros credores e deixou de publicar o Jornal B.... desde Fevereiro último, tendo constado à requerente que a requerida pretender vender o título daquele jornal por um euro.

Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pela requerente, após o que veio a verter-se nos autos despacho que decretou o requerido arresto.

Inconformada com o assim decidido, interpôs a requerida recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

Alegou, oportunamente, a apelante, a qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª – “A quota da Apelante são propriedade dos respectivos sócios;

2ª – Os sócios da Apelante não foram requeridos na presente providência cautelar;

3ª – A Apelante não é proprietária de qualquer quota do seu capital social;

4ª – Na Providência Cautelar de Arresto só pode ser decretado arresto relativamente aos bens dos Requeridos e não de terceiros;

5ª – A ser decretado o Arresto em bens que não são propriedade do Apelante a sentença violou o direito da propriedade dos respectivos sócios;

6ª – A sentença recorrida violou os artigos 5º e 6º do C. S. Comerciais”.

Não foi apresentada contra-alegação.


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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º 3, e 685º-A, n.º 1, do C. de Proc. Civil, na versão introduzida pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24/8.

De acordo com as apresentadas conclusões, a questão a decidir por este Tribunal cinge-se a saber se podem ser arrestadas as «quotas sociais» da requerida.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.


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OS FACTOS

Na decisão recorrida, foram dados com provados os seguintes factos:

1º - A requerente é uma sociedade comercial, que explora a indústria de tipografia;

2º - No exercício e desenvolvimento da sua actividade, estabeleceu relações comerciais com a requerida, prestando-lhe diversos serviços da sua actividade industrial, nomeadamente, imprimindo-lhe diversos jornais, nos termos constantes das facturas nºs 3.463 de 29 de Junho de 2007; 3.524 de 31 de Julho de 2007; 3.605 de 28 de Setembro de 2007; 3.675 de 31 de Outubro de 2007; 3.738 de 30 de Novembro de 2007; 3.790 de 31 de Dezembro de 2007; 3.834 de 31 de Janeiro de 2008; 3.890 de 29 de Fevereiro de 2008; 3.947 de 31 de Março de 2008; 4.009 de 30 de Abril de 2008; 4.069 de 30 de Maio de 2008; 4.137 de 30 de Junho de 2008; 4.187 de 31 de Julho de 2008; 4.279 de 1 de Outubro de 2008; 4.354 de 31 de Outubro de 2008; 4.390 de 28 de Novembro de 2008; e 4.455 de 5 de Janeiro de 2009 (fls. 8 a 24 dos autos), e que totalizam o valor de € 46.659,43;

3º - As preditas facturas foram enviadas à requerida nas datas constantes das mesmas, sendo que o vencimento de cada uma delas ocorreu na data de cada factura;

4º - Apesar de decorridos, há meses, os prazos dos seus vencimentos, a requerida não pagou, pese embora as várias insistências da requerente junto daquela;

5º - A requerida não paga a outros fornecedores, nomeadamente, à C.... que é a empresa que efectua a contabilidade da requerida e que sobre esta tem já um crédito de cerca de € 6.000,00;

6º - Deixou de publicar o B...., que era semanal, desde Fevereiro último;

7º -Tendo constado à requerente que a requerida pretende vender o título por 1 (um) euro;

8º - As máquinas da requerida estão velhas e obsoletas (no despacho recorrido, por evidente lapso, induzido pelo requerimento inicial, ficou a constar «absoletas»).


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O DIREITO

Não estão em causa, no presente recurso, os fundamentos do arresto, mas tão só a extensão do arresto decretado no despacho recorrido, o qual não se conteve dentro do acervo dos bens da requerida/apelante, estendendo-se às «quotas sociais» da requerida. Esta defende, em sede de recurso, que as quotas são propriedade dos respectivos sócios. E não restam dúvidas de que o são. Vejamos.

O artº 980º do C. Civil define o contrato de sociedade como aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade.

São três os requisitos essenciais do contrato de sociedade: a contribuição dos sócios; o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição; e a repartição dos lucros (vide Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, vol. 2º, 3ª ed., 307).

As sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem (artº 5º do Código das Sociedades Comerciais, diploma a que pertencerão todos os artigos doravante citados sem menção de origem).

O contrato das sociedades por quotas, como é o caso da requerida, deve especialmente mencionar: o montante de cada quota de capital e a identificação do respectivo titular; o montante das entradas efectuadas por cada sócio no contrato e o montante das entradas diferidas (artº 199º).

O sócio está obrigado a efectuar as entradas correspondentes à respectiva quota, no momento da outorga do contrato de sociedade, podendo nas sociedades por quotas diferir a efectivação de metade das entradas em dinheiro (artºs 26º e 202º).

Se não fizer a entrada a que está obrigado, o sócio fica sujeito a exclusão e a perda total ou parcial da quota (artº 204º, nº 1). A perda da quota, como adverte Raul Ventura (Sociedades por Quotas, vol. 1º, 2ª ed., 158) deve ser entendida no sentido literal; o sócio titular dessa quota cessa a titularidade dela.

A sociedade pode fazer vender em hasta pública a quota perdida a seu favor, se os sócios não deliberarem que ela seja vendida a terceiros por modo diverso (artº 205º, nº 1).

As quantias provenientes da venda da quota do sócio excluído, deduzidas as despesas correspondentes, pertencem à sociedade até ao limite da importância da entrada em dívida.

Mas pelas forças do excedente, se o houver, deve a sociedade restituir aos outros sócios as quantias por eles desembolsadas, na proporção dos pagamentos feitos; o restante será entregue ao sócio excluído até ao limite da parte da entrada por ele prestada. O remanescente pertence à sociedade (artº 208º).

Na constituição das sociedades por quotas a cada sócio apenas fica a pertencer uma quota, que corresponde à sua entrada (artº 219º, nº 1).

É, pois, apodíctico que as quotas, na constituição das sociedades em análise, ficam a pertencer aos respectivos sócios. Como refere Raul Ventura, ob. cit., 376 e 378), «quota» no artº 219º, nº 1, tem o significado de «quota de capital»; uma expressão numérica resultante da valoração das contribuições dos sócios, e nunca pode significar um conjunto de direitos e vinculações sociais. A natureza jurídica da quota torna teoricamente possível que o mesmo sujeito seja titular, na mesma sociedade, de mais de uma quota.

E tanto as quotas pertencem aos sócios e não à sociedade que os sócios podem dividi-las ou aliená-las, transmitindo-se, em caso de morte dos sócios, aos respectivos herdeiros (artº 221º, nº 1).

O efeito de lícita divisão da quota é ligado por aquele artº 221º, nº 1, a três ordens de factores: 1º, amortização parcial da quota; 2º, transmissão parcelada ou parcial da quota; 3º, partilha ou divisão entre contitulares. A transmissão aqui prevista tanto pode ser mortis causa como inter vivos (Raul Ventura, ob. cit., 473 e 474).

É certo que o contrato de sociedade pode estabelecer que, falecendo um sócio, a respectiva quota não se transmitirá aos sucessores do falecido, bem como pode condicionar a transmissão a certos requisitos (artº 225º, nº 1).

Mas, quando tal suceder, deve a sociedade amortizar a quota, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou terceiro; se nenhuma destas medidas for efectivada nos noventa dias subsequentes ao conhecimento da morte do sócio por algum dos gerentes, a quota considera-se transmitida (artº 225º, nº 2).

Deste modo, os sucessores do sócio falecido ou recebem a quota ou o valor correspondente, adveniente da respectiva amortização ou aquisição.

No caso presente, a A..., requereu o arresto, para além do mais, das “quotas sociais”, sem indicar as quotas que pretendia ver arrestadas, os titulares de tais quotas e respectivos montantes, tudo levando a crer, porém, que visava as quotas dos sócios na sociedade requerida.

A decisão recorrida, sem curar de saber de que quotas se tratam, decretou o arresto das «quotas sociais da sociedade comercial “ B...”, com sede ......». Dos factos provados não emerge, porém, que a requerida seja titular de alguma quota social.

O decretado arresto, nesta parte, é de objecto impossível, já que a sociedade B..., não é dona de qualquer quota social do seu capital. Pelo menos, dos factos provados isso não resulta.

Podia, é certo, aquela sociedade ser titular de alguma quota numa outra sociedade, mas tal não vem alegado nem provado. E das quotas correspondentes à sua constituição como sociedade não é ela dona, mas os respectivos sócios, os quais não são aqui parte.

Procedem, pois, as conclusões da alegação da apelante, pelo que o despacho recorrido, na parte impugnada, não se pode manter.


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Sumário:

1 - As quotas duma sociedade por quotas são tituladas pelos respectivos sócios e não pela sociedade;

2 - Por isso, as quotas que integram uma sociedade daquele tipo não podem ser arrestadas num procedimento cautelar de arresto dirigido somente contra a sociedade.


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DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido na parte em que decretou o arresto das «quotas sociais da sociedade comercial “ B...”, com sede.....», julgando-se, por isso, o requerido arresto improcedente, nesta parte.

Custas pela apelada.