Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4634/19.1T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: USUCAPIÃO
DISPOSIÇÃO CONTRÁRIA À POSSIBILIDADE DE USUCAPIR DE DIREITO URBANÍSTICO
MODIFICAÇÃO DO TÍTULO DA PROPRIEDADE HORIZONTAL
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
QUANTITATIVO DA MULTA
Data do Acordão: 10/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 542.º, DO CPC
ARTIGO 27.º, 3 E 4, DO RCP
ARTIGOS 1287.º; 1288.º; 1414.º; 1415.º; 1417.º E 1419.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I – A usucapião não constitui um instituto jurídico isolado, pois que ela não pode ser desconectada nem muito menos funcionar de forma contrária ou conflituante com outras normas que a condicionam ou impedem.

II – É por assim ser que o legislador na formulação expressa no art. 1287º do C.Civil, ao definir a usucapião, previu que esta forma de aquisição originária não pode ser invocada quando exista “disposição em contrário”, sendo que este efeito impeditivo se verifica no direito do urbanismo, nas regras sobre construções e edificações ou no regime jurídico-civilístico da propriedade horizontal.

III – Assim, o exercício de posse usucapível sobre parte delimitada de uma fração autónoma em regime de propriedade horizontal não conduz, por si só, à aquisição de um direito de propriedade singular sobre essa parte, destacável daquela fração, já que essa parte não é suscetível, no quadro daquele regime, de constituir unidade independente, nos termos do arts. 1414º e 1415º do C.Civil.

IV – Ademais, se a modificação do título apenas pode ser efetuada por acordo de todos os condóminos [cf. art. 1419º do mesmo C.Civil], nunca seria possível constituir e adquirir por usucapião, através de decisão judicial, uma parte da área de um edifício objeto de propriedade horizontal, para agregar a uma fração existente, porque isso implicaria a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal e esta alteração só é possível, nos termos do artigo supracitado, por acordo de todos os condóminos legalmente formalizado.

V – A condenação por litigância de má fé pressupõe o dolo ou a negligência grave (cf. art. 542º, nº2 do n.C.P.Civil), na violação do dever de boa fé processual que deve pautar a atuação da parte que litiga em juízo.

VI – Sendo que deve ter lugar uma condenação neste quadro quando seja seguro que ao alegar como alegou, a parte tenha “alterado a verdade dos factos”, com dolo ou negligência grave, designadamente, querendo convencer de uma realidade que conhece ser diferente, portanto, deturpando ou corroendo aquilo que sabe que assim não é, sendo que estarão, ainda, principalmente aí em vista os factos pessoais ou, pelo menos, aqueles que sejam do conhecimento pessoal da parte, e cuja prova se venha, depois, a fazer em contrário daquilo porque ela pugnara [al. a) do nº2 do dito art. 542º do n.C.P.Civil].

VII – Mas a condenação a esse título numa multa de 10 UCs mostra-se “excessiva”, atendendo a poder ela variar entre 2 a 100 UCs, sendo que os AA. deduziram a sua demanda assente em títulos que eram documentos autênticos e objetivamente incontestados, para além de que vieram, a final, a obter ganho de causa quanto ao núcleo central da sua pretensão, donde, o grau de censurabilidade com que pode ser efetivamente qualificado o comportamento/conduta processual dos AA., resultou objetivamente atenuado, a final (cf. art. 27º, nos 3 e 4 do Regulamento das Custas Processuais).

Decisão Texto Integral:

Apelações em processo comum e especial (2013)

                                                           *

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                           *

1 – RELATÓRIO

AA e mulher BB instauraram a presente ação declarativa com processo comum contra CC e mulher DD, pedindo o seguinte:

a) Declarar que os Autores são legítimos donos e senhores, com exclusão de outrem, Réus incluídos, do prédio urbano descrito nos pretéritos arts. 1.º a 4.º, com a área de 69,60 m2, e,

b) que se mantém na sua titularidade e na dos seus antecessores, desde 1983, ao abrigo do disposto nos arts. 1256.º, 1260.º, 1287.º, 1288.º, 1316.º e 1317.º CC;

c) Condenar-se os Réus a reconhecerem e respeitarem o direito de propriedade plena dos Autores sobre a fração autónoma “AZ”, na totalidade da mencionada área de 69,60 m2, e a absterem-se da prática de quaisquer atos ofensivos e perturbadores do mesmo;

d) Condenar-se os Réus a, no prazo de trinta dias, após o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida, executarem as obras que se mostrarem necessárias à demolição da parede por si edificada e à construção de uma nova, de forma a restituírem aos Autores a totalidade dos 47,60 m2 da fração autónoma “AZ” que passaram a ocupar e incluíram na fração autónoma AX, bem como a reporem a fração autónoma “AZ” no estado em que se encontrava anteriormente à ocupação, designadamente, com a área total de 69,60 m2;

e) Condenar-se os Réus a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de €250, por cada dia de atraso no cumprimento da sentença que condenar na demolição da parede edificada, na construção de uma nova e na restituição aos Autores da área de 47,60 m2 integrante da fração autónoma “AZ” que ocuparam;

f) Condenar-se os Réus a pagar aos Autores, a título de danos patrimoniais (indemnização), a quantia que se liquidar em execução de sentença que vier a ser proferida nos presentes autos, com o fundamento e pelos danos acima referidos nos pretéritos arts. 88.º a 95.º;

g) Condenar-se os Réus a pagar aos Autores a indemnização, a título de danos não patrimoniais, de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida dos juros de mora que se vencerem a partir da citação até efetivo e integral pagamento.

Referem, para tanto, em síntese, que:

Os Autores são legítimos donos e possuidores da fração autónoma designada pelas letras “AZ”, correspondente à loja n.º 104 (cento e quatro), 2.º piso, 1.º andar, sendo a 8.ª a contar do norte do alçado interior que fica voltado a nascente (no alçado lateral poente), com a área de 69,60 m2, inscrita na matriz predial respetiva sob o n.º ...00... e descrita na CRP ... sob o n.º ...24..., com a permilagem de 17,3, e registada a favor destes (Autores) pela apresentação 27 de 28.07.1992, convertida da inscrição “G-2”, que faz parte integrante do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, designado por Centro Comercial ..., sito na Avenida ..., ... (Bloco ...0), freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º ...00 e descrito na CRP ... sob o n.º ...24, afeto ao regime de propriedade horizontal pela apresentação ... de 10.08.1983, convertida da inscrição “F-1”, encontrando-se a referida fração autónoma (“AZ”).

Por escritura pública de 11 de Julho de 1983, a sociedade comercial por quotas A..., Lda., constituiu em regime da propriedade horizontal o prédio urbano, em causa, que à data se encontrava em construção.

Por escritura pública de 28 de Julho de 1987, a A..., Lda., vendeu a EE, pelo preço global de oito milhões quatrocentos e oitenta mil escudos, a fração autónoma “AZ” identificada atrás, e subsequentemente, por escritura pública de 06 de Abril de 1989, EE, e mulher, FF, venderam a GG, pelo preço de três milhões e quinhentos mil escudos, a fração “AZ”, e subsequentemente, por escritura pública de 08 de Junho de 1992, GG, e mulher HH, venderam aos Autores, pelo preço de seis milhões e seiscentos mil escudos, a dita fração.

Os Réus são legítimos donos dos imóveis, a saber: a) fração autónoma designada pelas letras “AV”, correspondente à loja n.º 101, 2.º piso, 1.º andar, sendo a 10.ª a contar do norte do alçado interior, que fica voltado a nascente (no alçado principal sul), com a área de 18,60 m2, inscrita na matriz predial respetiva sob o n.º ...00... e descrita na CRP ... sob o n.º ...24..., com a permilagem de 4,5; b) fração autónoma designada pelas letras “AW”, correspondente à loja n.º 102 (cento e dois), 2.º piso, 1.º andar, sendo a 9.ª a contar do norte do alçado interior que fica voltado a nascente, com a área de 18,60 m2, inscrita na matriz predial respetiva sob o n.º ...00... e descrita na CRP ... sob o n.º ...24..., com a permilagem de 4,5, e c) fração autónoma designada pelas letras “AX”, correspondente à loja n.º 103 (cento e três), 2.º piso, 1.º andar, sendo a 3.ª a contar de nascente do alçado interior que fica voltado a norte (no alçado principal sul), com a área de 22,60 m2, inscrita na matriz predial respetiva sob o n.º ...00... e descrita na CRP ... sob o n.º ...24..., com a permilagem de 5,8, e cujas frações fazem parte integrante do prédio urbano constituído em propriedade horizontal denominado Centro Comercial ... identificado atrás.

A fração autónoma dos Autores designada pelas letras “AZ” correspondente à loja nº104, é contígua à dos Réus, designada pelas letras “AX”, correspondente à loja n.º 103.

Os autores só depois de comprarem a fração “AZ”, e no mês de Agosto de 1992, quando se deslocaram a Portugal, de férias, em Agosto de 1992 e foram ver a mesma, é que ficaram a conhecê-la, e nessa ocasião, a sua fração “AZ” e a fração “AX” dos réus apresentavam a mesma configuração, áreas e as respetivas paredes, e que apresentaram até ao ano de 2012, ou seja, as áreas de 69,60m2 e 22, 60m2, respetivamente parede divisória e configuração, melhor representadas a cor vermelha e azul no doc n.º 14.

Os autores, por si, desde o ano de 1992, e através dos seus antecessores, desde o inicio da construção do prédio urbano denominado Centro Comercial ..., em finais do ano de 1983, que vêm ocupando e utilizando até ao ano de 2012, a fração autónoma AZ, dentro dos limites fixados pelas paredes que a dividem das restantes frações e partes comuns do edifício, e com a área de 69, 60m2, e com a configuração, que sempre teve, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, nomeadamente, dos Réus, sem lesarem direitos de outrem e na convicção de serem os respetivos proprietários.

Da factualidade exposta atrás resulta que os autores são donos e legítimos proprietários da loja, em questão, com a área aí indicada, quer por via da aquisição derivada (escrituras de compra e venda), quer por via da aquisição originária, por usucapião.

Mais referem que, até à data em que revogaram o contrato de administração, celebrado no dia 22.11.2010, com a sociedade comercial II, Lda., a sua fração autónoma foi administrada, desde a sua aquisição, pela sua procuradora, a Sociedade “B...” até Novembro de 2010, e partir desta data, pela sociedade II, Lda. até Maio de 2017, e em virtude de confiarem plenamente na administradores dos procuradores aí identificados, os autores, apenas, muito esporadicamente visitaram a sua fração.

Sucede que, em Março de 2013, na sequência da sua notificado da liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis, e por considerar que o valor do imposto era elevado, contactou com o representante legal da sociedade JJ para ver o que poderia ser feito para reduzir o mesmo, e nesse mesmo dia, deslocou-se com a mulher a Coimbra onde se reuniram com aquele, e após a reunião, eles e o legal representante decidiram visitar a sua fração, a fim de ver o estado em que se encontrava, e quando aí chegaram e olharam para o seu interior, constataram que tinha sido construída uma parede, em todo o comprimento, junto à entrada da fração, na área que lhes pertencia, e que tinha sido demolida a parede pelos réus que dividia esta fração (AZ) da AX, desde a data em que o prédio urbano Centro Comercial ... foi construído, tendo as obras abusivas, em causa, sido levadas a cabo pelos réus, muito provavelmente, em meados de 2012, quando a sua fração não esteve arrendada.

Nessa altura, o autor procedeu à medição da área da fração autónoma “AZ”, e vindo aí a constatar que a sua fração apresentava, apenas, uma área de 22 m2, e que os réus integraram na sua fração autónoma “AX” a área de 47,60 m2 que fazia parte integrante daquela sua fração “AZ”.

Desde, então, e até à presente data, a área, em causa, tem sido ocupada abusivamente pelos réus, dela desapossando os autores, e apesar de o réu reconhecer o sucedido, e os autores, por inúmeras vezes, lhe exigirem a reposição das frações ao estado anterior às obras abusivamente levadas a cabo, mais concretamente, a demolição da parede aí erigida e a construção de uma nova onde estava implantada a parede divisória antiga, o que aquele até à data não o fez.

Como tal, assiste aos autores o direito de exigirem dos réus a reparação dos danos verificados na sua fração autónoma, de modo a reconstituirem a situação que existiria, se não se tivessem verificado as circunstâncias acima descritas, que obrigam à demolição da parede divisória das frações autónomas “AX” e “AZ” e pela construção da preexistente parede divisória que tinha sido demolida pelos réus.

Para lá disso, a partir da data em que tiveram conhecimento do sucedido (Março de 2013), os autores deixaram de poder utilizar, fruir e retirar aproveitamento económico da área total da fração autónoma AZ, conforme o vinham a fazer até àquela data, nomeadamente, dar de arrendamento a totalidade da área (69,60 m2) da fração autónoma AZ, por força da ocupação ilegítima de tal área pelos réus,, e cujo valor locativo mensal da fração autónoma AZ é de montante nunca inferior a €6,00 por metro quadrado.

Como tal, os autores, também, gozam do direito de serem indemnizados pelos réus, a título de dano de privação do uso, desde a data aí mencionada (Março de 2013) até à data em que os réus repuserem as frações ao seu estado anterior, e cuja indemnização deverá ser arbitrada em liquidação ulterior da sentença.

Mais a mais, a conduta abusiva perpetrada pelos réus leva(ou) a que os autores não estivessem/estejam relaxados e descansados quando estão fora do país, uma vez que passaram a ter receio que, a todo o tempo, alguém lhes dê conhecimento que os réus estejam a desapossá-los do remanescente da área da sua fração autónoma (AZ), e ao mesmo tempo, a conduta, em causa, provocou e provoca nos autores, pessoas de idade avançada, preocupações, desgaste, inquietações fortes, desassossego, falta de paz de espírito, transtornos, canseiras, aborrecimentos, discussões e angústias, tendo os mesmos perdido diversas noites de sono a pensar como haveriam de solucionar esta questão e abordado amigos e familiares no sentido de com eles poder desabafar e de lhe prestarem auxílio na resolução deste problema.

Como tal, assiste-lhes também o direito serem indemnizados pelos réus, a titulo de danos não patrimoniais descritos atrás sofridos, em resultado de tal conduta abusiva, numa quantia não inferior a €5.000,00.

Terminam, assim, em face do exposto, pugnado pela procedência da ação.

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Devidamente citados, vieram os Réus CC e mulher DD, deduzir a contestação de fls. 168 e ss.

Primeiramente, defendem-se, por impugnação, por via da qual negam aí a versão dos autores, segundo a qual as frações, em causa, desde a data da construção do edifício constituído em propriedade horizontal, de que fazem parte, sempre tiveram as configurações/áreas/paredes aí dadas pelos autores até meados de 2012, e que, a partir daí, as configurações/áreas/paredes das suas frações foram alteradas pelos réus, até à presente data, quando estes procederam aí à demolição da parede divisória antiga e à construção de uma nova parede divisória nos termos expostos pelos autores, por forma a incluir a área aí indicada pelos autores na fração contígua dos réus, bem como, negam que os autores, por si e antepossuidores, desde a data da construção do Centro Comercial ..., do qual faz parte a sua fração, até meados de 2012, praticaram atos de posse, de forma continuada, pública, pacifica, boa-fé, e na convicção de exercerem o correspetivo direito de propriedade sobre a sua fração, com a configuração e a área dada pelos autores, bem como, negam que advieram aos autores quaisquer dos danos invocados por estes.

Subsequentemente, defendem-se, por exceção, invocando aí, para tanto, em síntese, que, desde a data da construção do edifício constituído em propriedade horizontal, de que fazem parte as frações autónomas dos réus e dos autores, a parede divisória existente entre as frações, permaneceu a mesma, desde tal data até à atualidade, e as áreas reais de cada uma das frações manteve-se a mesma, desde tal data até à atualidade, e que desde a data da aquisição da sua fração, em 1990, os réus, por si, e desde a data da construção do edifício, em causa, por via dos seus antecessores, praticaram atos de posse, de forma continuada, pública, pacifica, boa-fé, e na convicção de exercerem o correspetivo direito de propriedade sobre a fração dos réus, com a configuração e a área real tidas pela mesma, desde a data da construção de tal edifício, de que faz parte a sua fração autónoma, até à atualidade.

As áreas de tais frações constantes das matrizes prediais e dos registos prediais tiveram por base as atribuídas erradamente no respetivo titulo de constituição de propriedade horizontal do prédio de que fazem parte, quando o mesmo se encontrava em construção, pois concluído este, as áreas com que cada uma das frações ficaram são as mencionadas atrás.

Assim, quando as Finanças, em 2013, notificou os autores para liquidarem o IMI referente à sua fração, e estes constataram que teriam de pagar um valor superior, tendo, por base, a sua área declarada a matriz predial e do registo predial, e não a sua área real que era muito inferior, e até à retificação do titulo de constituição em propriedade horizontal, no que tange às áreas aí erradamente declaradas relativamente às frações contíguas dos autores (loja 104) e dos réus (loja 103), os réus acordaram com os autores pagar-lhes parte do seu IMI correspondente à diferença de áreas em que as suas liquidações se baseavam, visto reconhecerem que estes estavam a ser prejudicados, e cujo pagamento acordado os réus lhes fizeram, desde finais de 2013 até princípios de 2015, data a partir do qual, os autores recusaram o seu recebimento, e romperam o acordado, sem qualquer justificação.

De toda a maneira, cada condómino (aqui autores e aqui réus), sempre pagou o condomínio devido por cada fração, em função das suas áreas reais, e que cada um usufruiu no prédio de que fazem parte.

Terminam, assim, pugnando pela condenação dos autores como litigantes de má-fé no pagamento de uma multa e de uma indemnização a favor dos réus, num montante a liquidar, oportunamente, já que, por via da petição inicial apresentada, os autores falsearam certos factos, omitiram e ocultaram outros propositadamente, deturparam a realidade dos factos que não podiam deixar de conhecer, faltando, assim, intencionalmente à verdade, bem como, pugnando pela improcedência da ação.

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Subsequentemente, procedeu –se à realizou-se da audiência prévia, na qual foi aí proferido o despacho saneador; delimitado aí o objeto do litigio, por despacho, e enunciados aí os temas da prova, por despacho, nos termos constantes do teor da ata de fls.223 a fls. 224 vº, e do qual as partes não reclamaram (objeto do litigio e temas da prova).

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Ulteriormente, apreciou-se os meios de prova oferecidos pelas partes nos termos constantes dos despachos de fls. 225 e vº; de fls. 232 a fls. 233.

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Finalmente, e após se realizaram as diligências instrutórias requeridas pelas partes, com destaque para a realização, em moldes colegiais, da diligência pericial, tendo, por base, o objeto definido pelo tribunal, e cujo relatório pericial consta de fls. 239 e ss., procedeu-se à realização da audiência final nos termos constantes das Atas de fls. 225 e vº; de fls. 286 a fls. 289, e de fls. 291 a fls., com observância de todas as formalidades legais, como consta das ditas Atas.

Na sentença, considerou-se, em suma, que da factualidade “provada” resultava que a titularidade do direito de propriedade sobre a parcela, em questão, por parte dos RR., como parte integrante do respetivo prédio, pertencia aos mesmos, por usucapião e não aos AA., e por força disso improcedia a pretensão deduzida por estes últimos na parte relativa à titularidade da parcela (também por usucapião), acrescendo que, e por mera dedução lógica, também não mereciam acolhimento os demais pedidos cumulativamente deduzidos pelos AA. no petitório, que estavam umbilicalmente dependentes da procedência/sucesso de tal pretensão relativa à titularidade da dita parcela, a favor dos mesmos AA.; sem embargo, era de concluir no sentido de que a conduta processual dos AA. era subsumível ao conceito de litigância de má-fé, importando na sua condenação como tal numa multa processual fixada no montante de 10 UC, e sendo de ouvir as partes sobre a importância da indemnização a fixar, antes da sua fixação pelo Tribunal.

Nestes termos concluiu-se com o seguinte concreto “dispositivo”:

«DECISÃO

I - Pelo exposto, julgo a presente acção improcedente, por não provada, e consequentemente, decido:

a)Absolver os Réus CC e mulher DD, dos pedidos.

b)Custas a suportar pelos Autores AA e mulher BB – cf. art. 527º, do CPC.

II – Pelo exposto, julgo o incidente de litigância de má-fé processual dos autores procedente, por provado, e consequentemente, decido:

a)Condenar os Autores AA e mulher BB, no pagamento de uma multa processual, no montante de 10 UC, por litigância de má-processual;

b)Fixar às partes, o prazo de 10 dias, para se pronunciarem sobre a importância da indemnização a fixar aos réus, por inexistirem elementos que a permitam fixar logo na sentença.

b)Custas pelo incidente a suportar pelos autores AA e mulher BB, cuja tributação se fixa em 3UC – cf. art. 527º, do CPC e 7º, nº4, do RCP.

Registe e notifique»  

                                                           *

            Inconformados com essa sentença, apresentaram os AA. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«I- SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

DA ALTERAÇÃO DA DECISÃO – ART.º 662.º CPC

1. O Tribunal a quo deu como provada a matéria de facto descrita nos itens 17), 27), 28), 30), 43), 51), 52), 53), 54) e 55) supra enunciados no ponto “FACTOS PROVADOS”, mas, salvo o devido respeito por entendimento contrário, devê-la-ia ter dado por “provada”, com redacção diversa da acima citada.

2. Segundo o Tribunal a quo, os factos elencados nos pontos 17), 27), 28), 30), 43), 51), 52), 53), 54) e 55) dos factos provados, resultaram das razões e fundamentos descritos nas páginas 17 a 23 da sentença proferida.

3. A) No que diz respeito aos pontos 17), 27), 28), 30), 43) e 52), do segmento “FACTOS PROVADOS, confronte-se as declarações prestadas pela testemunha KK no dia 24.10.2022 e gravado no CD n.º 1, através do sistema integrado de gravação digital (H@bilus Media Studio), desde as 10h35m às 10h49m, rotação 00:02:00 a 00:06:10;

4. As declarações prestadas pela testemunha LL no dia 24.10.2022 e gravado no CD n.º 1, através do sistema integrado de gravação digital (H@bilus Media Studio), desde as 11h14m às 11h21m, rotação 00:01:30 a 00:03:55.

5. As declarações prestadas pela testemunha MM no dia 24.10.2022 e gravado no CD n.º 1, através do sistema integrado de gravação digital (H@bilus Media Studio), desde as 11h23m às 11h34m, rotação 00:00:50 a 00:06:25.

6. As declarações prestadas pela testemunha JJ no dia 24.10.2022 e gravado no CD n.º 1, através do sistema integrado de gravação digital (H@bilus Media Studio), desde o n.º 11h35m às 12h08m, rotação 00:02:30 a 00:05:00.

7. A razão de ciência das referidas testemunhas é a seguinte:

KK - trabalhou, desde 1984 até Março de 2012, no Centro Comercial ..., primeiro numa loja no 1.º piso (rés-do-chão) até 1986, e a partir dai trabalhou numa livraria que instalou numa loja do 2.º andar (3.º piso) até 2009, e a partir daí e até Março de 2012, trabalhou numa livraria que instalou, na qualidade de legal representante de uma sociedade, na loja dos autores, e da qual a sociedade dela foi arrendatária nesse período temporal;

LL - é a arrendatária da loja dos Autores, desde Dezembro de 2014 até à presente data, e conhecer a loja contigua à sua. Mais disse que conhece a Ré e que trabalhou na loja nº 119, de Abril a Dezembro de 2013;

MM - foi arrendatário da loja n.º 104 (loja dos Autores),  o 2.º piso (1.º andar) do ..., contígua à loja n.º 103 dos Réus, no período compreendido, sensivelmente, entre 1990/1991 e 1996/1997, tendo sido, primeiramente, o seu senhorio, primeiramente, o antecessor dos Autores, e posteriormente, estes. Posteriormente, mudou-se para outra loja no 2.º piso, também, arrendada, situada em frente, e no mesmo corredor da loja dos réus, até 2003, ano em que comprou a dita loja e ainda hoje tem lá uma outra loja no ...;

JJ - disse que o seu conhecimento do que se discutiu nos presentes autos era desde novembro de 2010, quando iniciou as funções de gestor da fracção do Autor (Sr. AA) no ... e que até lá já conhecia a loja do Réu (Sr. CC) porque já eram conhecidos há alguns anos. Mais disse que pelo menos desde 1994 que conhecia a loja do Réu que era de eletrodomésticos e depois passou a ser retrosaria e sempre a conheceu daquele tamanho.

8. Cumpre sublinhar que nenhum elemento documental junto aos autos, ou qualquer depoimento, indica ou aponta para i) que a parede que divide as duas fracções foi construída pela sociedade comercial referida no ponto 28) dos factos provados, ii) que sempre tiveram a parede que divide as duas fracções desde tal abertura (1983) até aos dias de hoje e iii) que as fracções autónomas AZ e AX apresentam a mesma configuração e áreas reais de 22,60m2 e 69,85 m2, respectivamente, desde a abertura do Centro Comercial ..., em finais de 1983 até à presente data.

9. Nenhuma das testemunhas demonstrou ter conhecimento dos factos sub judice desde 1983, como não existe qualquer documento escrito nos autos que materialize ou represente esta realidade.

10. Através dos referidos depoimentos é apenas possível aferir que, pelo menos desde 1990/1991, as fracções autónomas AZ e AX apresentavam a mesma configuração e áreas reais de 22,60 m2 e 69,85 m2, respectivamente, e que já tinham a parede que as divide até aos dias de hoje.

11. Temos a referência ao projecto de arquitectura, constante do processo de licenciamento, que data de 23.05.1983, referente ao 1.º andar, e que nessa data não existia qualquer indicação à subdivisão dos espaços relativos às fracções AZ, AX, AW,AV, BA e BB. (Cfr. relatório pericial apresentado no dia 15.07.2020, na página 12)

12. Em nenhum outro elemento escrito ou desenhado constante das cópias do processo de licenciamento existe referência a esta subdivisão que integra a constituição da propriedade horizontal. (Cfr. relatório pericial apresentado no dia 15.07.2020, na página 12)

13. Temos, ainda, o depoimento da testemunha MM que referiu que, pelo menos desde 1990/1991, as fracções autónomas AZ e AX apresentavam a mesma configuração e áreas reais de 22,60 m2 e 69,85 m2, respectivamente, e que já tinham a parede que as divide até aos dias de hoje.

14. Ou seja, e em suma, não havendo uma prova testemunhal ou documental que demonstre essa realidade, o Tribunal não podia afirmar e com estes factos i) que a parede que divide as duas fracções foi construída pela sociedade comercial referida no ponto 28) dos factos provados no ano de 1983, ii) que as fracções sempre tiveram a parede que as divide desde tal abertura até aos dias de hoje e iii) que as fracções autónomas AZ e AX apresentam a mesma configuração e áreas reais de 22,60m2 e 69,85 m2, respectivamente, desde a abertura do Centro Comercial ..., em finais de 1983.

15. É que não foi possível apurar em que data e por que pessoa ou entidade foi construída a parede que divide as duas fracções.

16. E não se sabendo estes factos, não se pode afirmar de forma presuntiva que a parede que divide as duas fracções foi construída no ano de 1983 e pela sociedade comercial referida no ponto 28) dos factos provados.

17. Salvo o devido respeito por entendimento contrário, o Tribunal a quo apenas estava em condições de poder afirmar que, pelo menos desde 1991, as fracções autónomas em apreço têm as áreas que actualmente possuem, ou seja, 69,85 m2 a fracção autónoma dos Réus “AX“ e a área de 22,60 m2, a fracção autónoma “AZ”, dos Autores;

18. Aos Réus incumbia-lhes fazer prova desses factos, factos constitutivos do direito que pretende fazer valer, e não o fizeram, pelo que desta circunstância há que retirar todas as consequências.

19. A dúvida sobre a realidade deste facto tem de ser resolvida contra os Réus a quem este facto aproveita. (Art.º 414.º CPC)

20. E, por isso, verifica-se que existe erro de julgamento do Tribunal a quo.

21. Pelo que, a matéria de facto discorrida nos itens 17, 27, 28, 30, 43 e 52 do ponto “FACTOS

PROVADOS”, o Tribunal a quo devê-la-ia ter dado “por provada”, com a seguinte redacção:

17 - Os Autores, por si e seus antecessores, desde a abertura do Centro Comercial ..., em finais de 1983, que vêm ocupando e utilizando a fracção autónoma AZ, dentro dos limites fixados pelas paredes não concretamente apurados até ao ano de 1991, que a dividem das restantes fracções e partes comuns do edifício, introduzindo arranjos e melhoramentos, de acordo com a sua vontade e gosto, realizando obras de manutenção e conservação da mesma, arranjando o piso e pintando as paredes, bem como os autores passaram, desde a data da aquisição, a arrendá-la e a auferir a respectiva remuneração, fechando-a quando não está a ser utilizada, a pagar os seguros, os impostos, as despesas do condomínio, a cuidar da sua limpeza, conservação, segurança e a fazer as reparações mais urgentes;

27 - Nessa ocasião, as fracções autónomas AZ (loja 104 dos autores) e AX (loja 103 dos réus) apresentavam a configuração e áreas reais de 22, 60m2 e 69,85 m2, respectivamente;

28 - As paredes que dividem as fracções autónomas AZ e AX das restantes fracções autónomas e áreas comuns, foram construídas pela sociedade comercial A..., Lda., na data em que o prédio foi construído;

30 - Na data em que o prédio foi construído, as paredes da fracção autónoma AZ foram construídas pela sociedade comercial referida no ponto 28), de forma que no seu interior ficasse incluída área não concretamente apurada;

43 - Desde a data da aquisição de tais fracções, ou seja, os Réus desde o ano de 1991 e os Autores, desde o ano de 1992, que aquelas têm as áreas que actualmente possuem, ou seja, 69,85 m2 a fracção autónoma dos Réus “AX “ e a área de 22,60 m2, a fracção autónoma “AZ”, dos Autores;

52 - A propriedade horizontal do prédio urbano de que tais fracções fazem parte, foi constituída, quando tal prédio ainda se encontrava em construção;

22. B) No que concerne ao item 51) do ponto “FACTOS PROVADOS DA SENTENÇA”, antes de avançarmos há que sublinhar um aspecto eminentemente jurídico, mas de primordial importância.

23. Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são com base nas percepções da entidade documentadora.

24. A força probatória dos documentos autênticos vale não só em relação aos sujeitos do acto jurídico, como também em relação a terceiros, o que não tem como consequência que os efeitos do acto sejam sempre oponíveis a terceiros, porque o que está em causa é um problema de prova e não um problema de eficácia do acto.

25. A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade.

26. O documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi.

27. Noutro bosquejo, a prova por testemunhas é inadmissível, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo o documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º CC, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.

28. A inadmissibilidade da prova testemunhal relativamente a convenções contrárias ou adicionais a documento autêntico ou particular é, na prática, uma das concretizações da norma contida no artigo 221.º n.º 1 CC, segundo o qual as estipulações verbais acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para a declaração negocial, ou contemporâneas dele, são nulas, salvo quando a razão determinante da forma lhes não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade do autor da declaração.

29. Atente-se que a inadmissibilidade da prova testemunhal contra o conteúdo de documento autêntico (contra scripturam), ou além do documento autêntico (praeter scripturam) na parte em que estes têm força probatória plena, decorre dos artigos 371.º e 372.º e em relação aos documentos particulares, do artigo 376.º, todos conjugados com o disposto no art.º 393.º n.º 2 CC.

30. Assim não é permitido provar através de testemunhas qualquer cláusula contrária às insertas no documento autêntico, como não é permitido provar por testemunha cláusula adicional às que o documento contém.

31. Não pode, através da prova testemunhal, pretender contrariar-se o que o documento contém, nem completar-se o que o mesmo não declara.

32. Nesta parte a prova testemunhal só é de admitir se o documento for arguido de falsidade.

33. Ora, as notas que se expenderam, apesar de jurídicas, servem para evidenciar que o julgamento da matéria de facto não se pode desligar do disposto nos art.os 362.º, 363.º, 364.º, 369.º a 372.º e 394.º n.º 1 CC, consideração essa que, salvo o devido respeito, não esteve presente neste julgamento.

34. No caso em apreço nos autos, não foi arguida a falsidade dos documentos que constam do doc. n.º 2 junto aos autos com a p.i., sendo que apenas deste modo é que a força probatória dos referidos documentos autênticos poderia ter sido ilidida.

35. A escritura pública de constituição de propriedade horizontal do prédio referido no ponto 3) dos factos dados como provados – doc. n.º 2 junto aos autos com a p.i. -, faz prova plena dos factos que nela se referem.

36. O Tribunal a quo não deu como não provado a percentagem de 1,73% relativa à fracção AZ do valor total do prédio, que consta da escritura pública de constituição de propriedade horizontal.

37. Pelo que contrário, o Tribunal a quo deu como provado – ponto 1) dos factos provados – que foi adquirida a fracção autónoma designada pelas letras “AZ”, correspondente à loja n.º 104, com a área de 69,60 m2 e a permilagem de 17,3, conforme descrição da CRP ..., correspondente a 1,73% do valor total do prédio, de harmonia com a escritura pública de constituição da propriedade horizontal.

38. Mais: conforme não poderia deixar de ser de outra forma, as áreas que constam nas cadernetas prediais das fracções, bem assim como nas certidões de registo predial, tinham de coincidir com as que constam do título de constituição de propriedade horizontal.

39. Não existiu, assim, qualquer erro no registo na CRP e no Serviço de Finanças das áreas das fracções em função do que foi atribuído no respectivo título de constituição de propriedade horizontal.

40. Além disso, conforme vertido vem no relatório pericial apresentado no dia 15.07.2020, páginas 13 e 20, as áreas constantes nas cadernetas prediais das fracções, bem assim como nas certidões de registo predial, são coincidentes com as que constam do título de constituição de propriedade horizontal.

41. E, por isso, coincidindo, e bem, as áreas constantes da Conservatória do Registo Predial e dos Serviços de Finanças com as que foram atribuídas no respectivo Título de Constituição de Propriedade Horizontal, do prédio de que as fracções autónomas AZ e AX fazem parte,

42. não se poderia afirmar, conforme se afirmou, que aquelas (áreas) foram registadas tendo por base erradamente as atribuídas no respectivo Título de Constituição de Propriedade Horizontal.

43. Não poderia, por isso, o Tribunal a quo dar como provado o ponto 51) nos termos em que o deu.

44. Por via disso, no que diz respeito ao ponto 51), face à prova documental autêntica existente nos autos – doc. n.º 2 junto aos autos com a p.i. -, deve ser eliminada a palavra “erradamente”, o que obriga à reformulação deste ponto nos termos que se seguem:

“51 - As áreas de tais fracções, constantes da respectiva Conservatória do Registo Predial e dos Serviços de Finanças, tiveram por base as atribuídas no respectivo Título de Constituição de Propriedade Horizontal, do prédio de que fazem parte.”

45. E, por isso, verifica-se que existe erro de julgamento do Tribunal a quo.

46. Pelo que, a matéria de facto discorrida no ponto 51) do segmento“FACTOS PROVADOS”, o Tribunal a quo devê-la-ia ter dado “por provada”, com a redacção supra referida.

47. C) No que tange aos pontos 53), 54) e 55) do segmento “FACTOS PROVADOS, confronte-se as declarações prestadas pela testemunha JJ no dia 24.10.2022 e gravado no CD n.º 1, através do sistema integrado de gravação digital (H@bilus Media Studio), desde o n.º 11h35m às 12h08m, rotação 00:08:30 a 00:13:40.

48. Perscrutados os documentos n.os 1 e 2 juntos com a contestação, verifica-se que o beneficiário das transferências bancárias efectuadas nos dias 29.11.2013 e 22.02.2015 foi “C...”.

49. O estabelecimento comercial C... pertencia à sociedade comercial II, Lda. (Cfr. doc. n.º 16 junto aos autos com a p.i., acta da audiência de julgamento do dia 24.10.2022 e as declarações prestadas pela testemunha JJ no dia 24.10.2022 e gravado no CD n.º 1, através do sistema integrado de gravação digital (H@bilus Media Studio), desde o n.º 11h35m às 12h08m, rotação 00:02:30 a 00:05:00)

50. Conforme foi dado como provado no ponto 31), os Autores recebiam apenas as rendas a que tinham direito (contratadas), depois de pagas todas as despesas tidas com a fracção autónoma e as remunerações devidas aos procuradores pelos serviços prestados.

51. E, por isso, o pagamento não foi realizado para conta bancária dos Autores.

52. Por outro lado, compulsados os documentos n.os 4 a 7 juntos aos autos com a contestação, verifica-se que, apenas a partir do ano de 2009 é que os autores e réus pagaram o condomínio pela sua fracção autónoma correspondente às suas áreas reais que cada um usufrui no prédio de que fazem parte. (Doc. n.os 5 a 7 juntos aos autos com a contestação)

53. No ano de 1995, o valor que os que os autores e réus pagaram de condomínio pela sua fracção autónoma foi o mesmo. (Cfr. doc. n.º 4 - acta n.º ...2, fls 4)

54. Pelo que, a matéria de facto discorrida nos itens 53), 54) e 55) do ponto “FACTOS PROVADOS”, o Tribunal a quo devê-la-ia ter dado “por provada”, com a seguinte redacção:

53 - Os Réus acordaram com o representante legal da sociedade comercial II, Lda (Lda (C...), pagar parte do IMI dos Autores, correspondente à diferença de áreas, em que as suas liquidações se baseavam, visto reconhecerem que os Autores estavam a ser prejudicados, em virtude da área constante da respectiva matriz predial urbana e registo na Conservatória, que teve por base a mencionada no respectivo título de Propriedade, exceder mais que o triplo da sua área real;

54 - Pagamento acordado, que os Réus chegaram a efectuar à sociedade comercial II, Lda (C...), mediante transferência bancária, para o NIB por este indicado, para o efeito, o que fez desde finais de 2013 até princípios do ano de 2015, conforme evidenciam os docs. nºs 1 e 2 juntos com a contestação, e não tendo continuado com os mesmos, em virtude dos Autores recusarem o seu recebimento;

55 – Os autores e réus, pelo menos desde o ano de 2009, pagaram o condomínio pela sua fracção autónoma correspondente às suas áreas reais que cada um usufrui no prédio de que fazem parte, razão por que os réus pagaram de condomínio pela sua fracção autónoma “AX” cerca do triplo do pago pelos autores pela sua fracção “AZ”, conforme decorre do teor dos docs. nºs 5, 6 e 7 (actas das assembleias de condóminos) juntos com a contestação.

55. E, por isso, verifica-se que existe erro de julgamento do Tribunal a quo.

56. Pelo que, a matéria de facto discorrida nos pontos 53), 54) e 55) do segmento “FACTOS

PROVADOS”, o Tribunal a quo devê-la-ia ter dado “por provada”, com a redacção supra referida.

II – DO DIREITO

A) DA USUCAPIÃO

57. A parcela de 47,25 m2 que pertence e que foi atribuída à fracção autónoma AZ dos ora Recorrente não é usucapível.

58. A fracção que os Autores adquiriram foi a fracção autónoma designada pelas letras “AZ”, correspondente à loja n.º 104 (cento e quatro), com a área de 69,60 m2 e com a permilagem de 17,3, conforme descrição da CRP ..., correspondente a 1,73% do valor total do prédio, de harmonia com a escritura pública de constituição da propriedade horizontal. (Cfr. ponto 1 dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo)

59. As fracções que os Réus adquiriram foram as fracções autónomas designadas pela letras “AV”, “AW” e “AX”, respectivamente, correspondentes às lojas 101 (cento e um), 102 (cento e dois) e 103 (cento e três), com as áreas de 18,60 m2, 18,60 m2 e 22,60 m2 e com as permilagens de de 4,5, 4,5 e 5,8, conforme descrição da CRP ..., correspondente a 0,45%, 0,45% e 0,58% do valor total do prédio, de harmonia com a escritura pública de constituição da propriedade horizontal. (Cfr. pontos 11, 12 e 13 dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo)

60. A área da fracção autónoma “AZ” que os Autores compraram e que se encontrava registada na CRP e AT na data de aquisição (1992) era de 69,60 m2.

61. A área total das fracções autónomas “AV”, “AW” e “AX” que os Réus compraram e que se encontrava registada na CRP e AT na data de aquisição (1991) era de 59,80 m2 = (18,60 m2 + 18,60 m2 + 22,60 m2).

62. Os Réus não compraram no ano de 1991 as fracções autónomas designadas pelas letras “AV”, “AW” e “AX” com a área total de 107,05 m2.

63. A fracção autónoma AZ tem actualmente uma área de 22,60 m2.

64. Face às áreas que os Autores e Réus efectivamente adquiriram, não se pode considerar incluída nas fracções autónomas destes (Réus) e ser parte integrante das mesmas (AW, AV e AX) a área de 47,25 m2 que pertence e foi atribuída à fracção autónoma AZ.

65. A área que a fracção autónoma AX actualmente ocupa é de 69,85 m2 = (22,60 m2 + 47,25 m2), conforme representado vem na página 15 do relatório pericial apresentado pelos Senhores Peritos no dia 15.07.2020.

66. A área total que os Réus ocupam de 107,05 m2 tem mais 47,25 m2 do que aquela que consta do título constitutivo da propriedade horizontal, das cadernetas prediais e das certidões de registo predial relativas às fracções autónomas AW, AV e AX.

67. Os Réus encontram-se a ocupar área da fracção autónoma AZ para terem incluída a área de 47,25 m2 nas suas fracções autónomas.

68. De acordo com o que consta do título constitutivo da propriedade horizontal, das cadernetas prediais e das certidões de registo predial das fracções autónomas em apreço nos autos, os Réus encontram-se a ocupar 47,25 m2 que pertencem e foram atribuídos à fracção autónoma AZ.

69. Não é possível coexistir a fracção autónoma AZ com 69,85 m2 e as AW, AV e AX com 107,05 m2.

70. Os Réus não colocam em causa os títulos de aquisição do direito de propriedade dos Autores  sobre a fracção AZ, tal como os AA. não questionam que os Réus sejam proprietários das fracções AX, AW e AV.

71. Divergem apenas quanto à área e delimitação física de cada fração, pretendendo os Autores que se estabeleça a correspondência com o que consta do título constitutivo, ao passo que os Réus consideram que deve ser respeitada a situação ora existente.

72. A titularidade do direito de propriedade sobre a fracção dos Autores, para além de corresponder ao efeito da compra e venda que foi outorgada com os anteriores proprietários (aquisição derivada), emerge ainda da presunção resultante da inscrição em seu benefício no registo predial (art.º 7.º CRP), à qual, por seu lado, está subjacente a descrição e o licenciamento da construção e da utilização do edifício e de cada uma das frações.

73. No confronto com a pretensão de sentido reivindicatório que foi deduzida pelos Autores, era processualmente admissível aos Réus suscitar a usucapião por via reconvencional, como mecanismo de reconhecimento do direito de propriedade sobre toda a área ocupada (art.º 266.º n.º 2 al. a) CPC).

74. No entanto, os Réus optaram pela mera defesa por exceção, que também é admissível, invocando a usucapião como fator impeditivo da procedência daquela pretensão (art.º 576.º n.º 3 CPC),

75. apesar de não a terem qualificado como tal e devidamente identificado e especificado separadamente na contestação da impugnação dos factos alegados na p.i. e de os Autores não terem sido notificados pelo Tribunal a quo para se pronunciarem sobre esta matéria, quer na audiência prévia, quer no início da audiência final.

76. A usucapião constitui uma forma de aquisição originária de direitos reais de gozo, permitindo que o exercício da posse em termos correspondente a um direito real se convole no reconhecimento desse direito na esfera do possuidor, com efeitos que retroagem à data do início da posse (art.os 1287º e 1288º do CC).

77. No entanto, afigura-se que só é possível adquirir por usucapião fracções que existam como tal no título constitutivo da propriedade horizontal; ou espaços que reúnam as condições físicas e legais (incluindo as administrativas), necessárias para poderem figurar no/em título constitutivo da propriedade horizontal como frações autónomas ou partes integrantes de frações autónomas já existentes.

78. A propriedade horizontal pode ser constituída por usucapião. (Art.º 1417.º CC)

79. Em qualquer dos casos, é imprescindível o respeito pelos requisitos legais do art.º 1415.º CC, ou seja, só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública. (Art.º 1415.º CC)

80. Não é possível constituir a propriedade horizontal relativamente a um edifício que foi construído sem autorização camarária. (Art.º 4.º n.º 5 RJUE)

81. Uma utilização, ou uma alteração da utilização que vem sendo feita relativamente a certo espaço de um edifício, dependem também, em regra, de autorização camarária. (Art.º 62.º RJUE)

82. E sempre que entre o título constitutivo da propriedade horizontal e o projecto de construção licenciado pela entidade competente surgirem discrepâncias, prevalece o que resultar do título constitutivo. (Vide, neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III Volume, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, página 412; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. n.º 5544, de 07.10.1993)

83. Para uma sentença poder declarar a aquisição de um direito de propriedade horizontal, por usucapião, há de existir uma situação de posse do direito correspondente, o que pressupõe a existência de um objeto possuído com as características necessárias à constituição do direito de propriedade horizontal, incluindo-se aqui as exigências administrativas atinentes à edificação, urbanização e utilização dos edifícios.

84. Acontece, porém, que, muito embora a propriedade horizontal possa ser constituída por usucapião, já a alteração do respetivo título constitutivo não pode ter lugar pela via da usucapião.

85. Conforme a Lei exige, para a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, o acordo de todos os interessados, devidamente formalizado, esta exigência seria violada se fosse possível alterar o título constitutivo através de sentença que reconhecesse a aquisição, por usucapião, de uma fração ou parte de fração que ainda não existisse como tal no título constitutivo da propriedade horizontal.

86. Não é possível constituir e adquirir por usucapião uma parte da área de um edifício, como um espaço de estacionamento, como uma parcela de área que pertence e foi atribuída a determinada fracção autónoma,

87. porque isso implicaria a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal e esta alteração só é possível por acordo de todos os condóminos legalmente formalizado.

88. No caso sub judice, importa apreciar se se verificam ou não as condições formais ou materiais que permitam reconhecer judicialmente a ocorrência de uma modificação legítima do título constitutivo, atribuindo efeitos jurídicos de natureza real ao que transparece publicamente a respeito da delimitação física das frações dos Autores e dos Réus.

89. Se acaso se aceitasse a defesa por exceção apresentada pelos Réus, a fracção registada a favor dos Autores (AZ) teria a sua área reduzida em 47,25 m2 por via da diminuição da sua área a 22,60 m2 e em contrapartida tal implicaria o reconhecimento implícito da ampliação da área correspondente às três fracções dos Réus, uma das quais (AX) passaria a integrar parte da área da fração AZ.

90. Foi nesta base que os Réus sustentaram a sua defesa com o objetivo de levar à improcedência do segmento essencial da pretensão reivindicatória dos Autores, defesa cuja aceitação não pode dispensar a verificação dos requisitos que seriam exigíveis se acaso os Réus buscassem a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal por via extrajudicial e, designadamente, através de escritura notarial.

91. Não se duvida que a situação refletida pela matéria de facto apurada revela uma situação de posse que se manteve e prosseguiu até à citação para a presente ação.

92. Mas a extração de efeitos jurídicos correspondentes à aquisição originária da área extravagante ocupada pelos Réus não pode prescindir da verificação dos requisitos legais de que depende a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal.

93. Revertendo ao caso sub judice, verifica-se que a parcela de área que os Réus se encontram a ocupar com 47,25 m2, não constitui uma unidade independente, não é distinta e isolada do restante espaço e das demais fracções autónomas, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública e, por isso, não cumpre a exigência legal assinalada no art.º 1415.º do Código Civil ao objeto sobre o qual há de recair o direito de propriedade horizontal.

94. Por conseguinte, tem de se concluir que não existiu posse de um bem suscetível de constituir uma fração autónoma ou parte separada pertencente a uma fração autónoma já constante do título de constituição da propriedade horizontal.

95. Por outro lado, como acabou de se referir, não é possível constituir e adquirir por usucapião uma parte da área de um edifício porque isso implicaria a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal e esta alteração só é possível por acordo de todos os condóminos legalmente formalizado. (Vide, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08.05.2018, proc. n.º 1483/16.2T8GRD.C1)

96. Os Réus pretendem como factor impeditivo da procedência da pretensão dos Autores, o seu invocado direito de propriedade, com fundamento em usucapião, sobre uma parte da fração autónoma AZ, com a área de 47,25 m2 que, alegadamente, vêm possuindo como donos exclusivos desde 1991.

97. Sucede que um tal reconhecimento depende, necessariamente, de essa parte ser também reconhecida como nova fração autónoma integrada na propriedade horizontal do respetivo prédio urbano, pois só assim poderia ser reconhecida a constituição de propriedade horizontal por usucapião sobre as duas unidades em que se desdobraria a fração AZ.

98. Com efeito, sem prejuízo de regimes especiais (v.g. o da propriedade intelectual ressalvado no art.º 1303.º, n.º 1, do CC), no domínio dos direitos reais, vigoram, além do mais, os princípios da especialidade ou individualização, da totalidade da coisa e da tipicidade, à luz dos quais tais direitos só podem ter por objeto coisa corpórea, certa e determinada, na sua totalidade, de entre os tipos previstos na lei, como decorre do disposto nos artigos 204.º, 205.º, 1302.º e 1306.º n.º 1 CC.

99. Desse modo, a aquisição originária de um bem imobiliário mediante o exercício de posse usucapível só é legalmente possível se recair sobre coisa imóvel ou parte de coisa imóvel susceptível de constituir objeto de direito real.

100. Significa isto que, a usucapião, enquanto ato jurídico de aquisição originária de direitos reais, não opera validamente sobre coisa que, nesse domínio, se traduza em objeto legalmente impossível, nos termos do art.º 280.º CC, aplicável por via do art.º 295.º CC.

101. Nessa conformidade, o exercício de posse usucapível apenas sobre parte de uma fração autónoma em regime de propriedade horizontal não conduz, por si só, à aquisição de um direito de propriedade singular sobre essa parte, destacável daquela fração, já que essa parte não é susceptível, no quadro daquele regime, de constituir unidade independente, nos termos dos art.os 1414.º e 1415.º CC.

102. Face ao exposto, o Tribunal a quo ao reconhecer que os Réus têm a posse da área de 47,25 m2 que pertence, faz parte integrante e foi atribuída à fracção autónoma AZ e, consequentemente, reconhecer que aqueles (Réus) adquiriram por usucapião a referida área, está em termos práticos a alterar o título constitutivo da propriedade horizontal por meio de sentença judicial, passando a fracção AX a ter a permilagem de 1,73 e 69,85 m2 e a fracção AZ a permilagem de 0,58 e 22,60 m2 e isso não é possível sem o acordo de todos os condóminos.

103. No caso em apreço, a verificação da existência de uma modificação do título de propriedade horizontal por via da usucapião judicial é liminarmente impedida em face do desajustamento entre o título de propriedade horizontal e o projeto que serviu de base quer ao licenciamento, quer à constituição originária da propriedade horizontal.

104. No que respeita às fracções AZ (dos Autores) e AX, AW e AV (dos Réus), a situação de facto revela que a parede divisória não está colocada na posição determinada pelo título constitutivo, não podendo, por isso, sobrepor-se ao que emerge desse título ao qual subjaz o licenciamento camarário, nos termos do art.º 1418.º CC.

105. Ademais, a aceitação da defesa dos Réus sempre seria de recusar ante a impossibilidade de fixar os elementos previstos no art.º 1418.º n.º 1 CC (valor relativo de cada uma das 4 frações recompostas).

106. Se estes elementos são imprescindíveis aquando da formalização do acto constitutivo da propriedade horizontal, sob pena de nulidade do título, nos termos do disposto no n.º 3, jamais poderiam ser dispensados só pelo facto de a situação ser apreciada em sede de sentença judicial.

107. Daqui decorre que não pode manter-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que julgou improcedente o pedido de reivindicação deduzido pelos Autores com base na usucapião que os Réus invocaram como meio de defesa.

108. Os Autores não só adquiriram a fracção AZ dos anteriores proprietários (aquisição derivada), como se verifica ainda que beneficiam da presunção da titularidade (art.º 7.º CRPredial), via dupla que leva ao reconhecimento de que são proprietários de tal fracção, com os limites que decorrem do título constitutivo da propriedade horizontal.

109. Tudo quanto se discorreu é o entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência, que foi perfilhado, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.12.2007, proc. n.º 07A3023, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.10.2011, proc. n.º 369/2002.E1.S1, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.11.11, proc. n.º 718/03, Acórdão do STJ de 03.10.06, proc. n.º 06A2497, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.01.03, proc. n.º 03A1835, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.11.06, proc. n.º 06A3355, Acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 18.09.03, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.12.2018, proc. n.º 8250/15.9T8VNF.G1.S1, Acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 04.10.2018, proc. n.º 4080/16.9T8BRG-A.G1.S1, supra citados e transcritos nas alegações de recurso.

110. Pelo que, deve declarar-se i) que os Autores são legítimos donos e senhores, com exclusão de outrem, Réus incluídos, do prédio urbano descrito nos pretéritos art.os 1.º a 4.º da p.i., com a área de 69,60 m2, e

111. ii) que a área de 47,25 m2 que os Réus se encontram a ocupar foi atribuída à fracção autónoma AZ, desta faz parte integrante e pertence aos Recorrentes.

112. Devem, por via disso, os Réus reconhecer e respeitar o direito de propriedade plena dos Autores sobre a fracção autónoma AZ, na totalidade da mencionada área de 69,60 m2, e absterem-se da prática de quaisquer actos ofensivos e perturbadores do mesmo.

113. Deve, por isso, a área de 47,25 m2 que os Réus se encontram a ocupar ser restituída aos Autores.

114. Destarte, ao assim não entender, violou o tribunal recorrido o disposto nos art.os 204.º, 205.º, 280.º, 295.º, 1251.º, 1287.º, 1288.º, 1302.º, 1306.º, 1414.º, 1415.º, 1417.º, 1418.º, 1419.º CC, 4.º e 62 RJUE, 60.º C. Notariado, 7.º C.R. Predial.

B) DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ

115. A litigância de má-fé exige a consciência de que quem litiga de certa forma, tem a consciência de não ter razão e por isso se tem entendido que a defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art.º 542.º n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, excepto se não forem observados os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé.

116. Vem hoje constituindo entendimento prevalecente na nossa jurisprudência, que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito em que vivemos, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do art.º 542.º CPC, havendo sempre que ter presente as características e a natureza de cada caso concreto, e daí que se recomende uma certa prudência e razoabilidade, na formulação do juízo sobre essa má fé.

117. Donde que, como constitui hoje entendimento claramente prevalecente na nossa jurisprudência, a condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave, com e/ou no processo entrado em tribunal.

118. Além disso, a decisão da matéria de facto controvertida, normalmente apoiada no princípio da liberdade de julgamento, consagrado no art.º 607.º CPC, deve reflectir o resultado da conjugação dos vários elementos de prova que na audiência ou em momento anterior foram sujeitos às regras da contraditoriedade, da imediação e da oralidade.

119. A declaração dos factos julgados provados e não provados devem traduzir, assim, aquilo que efectivamente se apurou, após uma análise objectiva, imparcial e desinteressada da prova produzida ao longo de todo o processo.

120. A certeza absoluta é humanamente inatingível.

121. A resposta totalmente negativa a determinado ponto da matéria de facto controvertida, sujeita a instrução, pode ter um duplo fundamento: ou os meios de prova produzidos foram contrários à verificação do facto ou todo o esforço desenvolvido pelas partes e pelo próprio tribunal, destinado ao apuramento da verdade, foi insuficiente para afastar uma situação de dúvida razoável, de acordo com as circunstâncias do caso.

122. A resposta negativa a um determinado facto apenas significa que o mesmo não se provou, que a parte que tinha o ónus de provar esse facto não conseguiu prová-lo, o que não determina que tenha de dar-se por provado o facto inverso.

123. Feitas estas breves considerações, salvo o devido respeito por entendimento contrário, no caso em apreço, não nos parece que tenha existido litigância de má fé por parte dos Autores e que estes tenham violado os mais elementares deveres de cooperação e de boa-fé que devem pautar a atuação das partes.

124. Com efeito, na sua petição inicial limitaram-se a apresentar a sua versão dos factos quanto às questões i) da titularidade e respectivas áreas registadas das fracções autónomas em apreço nos autos e ii) da alegada alteração da disposição das paredes divisórias daquelas (fracções).

125. A versão dos factos que os Autores apresentaram foi a percepção e convicção que estes tinham sobre a informação relativa às áreas que avulta e resulta da documentação que tinham em sua posse e a disposição das paredes divisórias entre as fracções AZ e AX.

126. Não conseguiram provar parte da sua versão, todavia, isso de modo algum representa litigância de má fé, pois que, não se colhe dos autos que estivessem convencidos que isso não correspondia à realidade factual, ou seja, que eles sabiam com grau de certeza os factos referidos nas alegações de recurso (páginas 57 e 58).

127. Saber se a área de 47,50 m2 que, na presente data, os Réus, ora Recorridos, ocupam, lhes adveio à posse desde a data em que compraram as fracções autónomas AX, AW e AV ou por via de alegadas obras de alteração de paredes de divisão, parece-nos que, no nosso modesto entendimento, é uma questão secundária e que seria relevante e pertinente aferir e apurar para a resposta a dar sobre a questão de direito relativa à aquisição ou não daqueles da mencionada área por usucapião, caso esta fosse usucapível.

128. Acontece, porém, que, conforme já tivemos oportunidade de verificar, a área em litígio não é usucapível.

129. De acordo com o acervo documental que consta dos autos, designadamente, o título constitutivo da propriedade horizontal, as cadernetas prediais e as certidões de registo predial das fracções autónomas em apreço nos autos, a área de 47,25 m2 que os Réus se encontram a ocupar pertence e foi atribuída à fracção autónoma AZ dos Autores e desta faz parte integrante.

130. Pelo que, a pretensão dos Autores relativa à declaração de i) que estes são legítimos donos e senhores, com exclusão de outrem, Réus incluídos, do prédio urbano descrito nos pretéritos art.os 1.º a 4.º da p.i., com a área de 69,60 m2, ii) que a área de 47,25 m2 que os Réus se encontram a ocupar foi atribuída à fracção autónoma AZ, desta faz parte integrante e pertence aos Recorrentes, iii) que devem os Réus reconhecer e respeitar o direito de propriedade plena dos Autores sobre a fracção autónoma AZ, na totalidade da mencionada área de 69,60 m2, e absterem-se da prática de quaisquer actos ofensivos e perturbadores do mesmo e iv) que deve ser restituída aos Autores a mencionada área (47,25 m2) que aqueles (Réus) se encontram a ocupar,

131. tem fundamento e respaldo legal, doutrinal e jurisprudencial e encontra-se sustentada em prova documental, conforme já se teve oportunidade de expender.

132. Não é pelo facto de os Autores não terem logrado provar a sua versão dos factos e de os Réus terem conseguido parcialmente demonstrar a sua, que isso representa litigância de má fé daqueles (Autores), pois que, não se colhe dos autos que estivessem convencidos que isso não correspondia à realidade factual.

133. Além disso, a defesa convicta da sua posição jurídico-processual que os Autores apresentaram foi promovida por estarem honestamente convencidos da razão e da verdade, ou seja, na defesa convicta da sua posição.

134. A pretensão dos Autores decaiu por fragilidade da sua prova, não tendo logrado convencer o Tribunal da realidade por si trazida a julgamento.

135. Os Autores não alteraram conscienciosa e intencionalmente a verdade dos factos, como nunca foi sua vontade alterar a mesma, era, como é, a percepção e convicção da realidade e dos factos que tinham, como têm, e nunca quiseram fazer do processo um uso manifestamente reprovável.

136. Os Autores defenderam a sua posição, alicerçada em documentos juntos aos autos, a que deram um significado não coincidente com aquele que lhes foi dado pelo Tribunal a quo.

137. É que, atento o entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência que se deixou supra vertido, bastava terem apresentado a versão dos factos que o Réus apresentaram para o direito de propriedade sobre a fracção autónoma AZ, na totalidade da mencionada área de 69,60 m2, lhes ser reconhecido e terem os Réus que lhes restituir a mencionada área (47,25 m2) que se encontram a ocupar.

138. Os Autores não tinham qualquer necessidade de faltar à verdade para lhes ver ser reconhecida razão.

139. Pelo que, os Autores ao deduzirem a pretensão que deduziram na p.i. com os fundamentos que nela deixaram expendidos e com o suporte documental nela junto, não o fizeram com falta de sustentação que não deveriam ignorar, não alteraram a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa, como não praticaram omissão grave do dever de cooperação.

140. Pelo que, não existe fundamento de facto ou de direito para condenar os Autores como litigante de má fé (multa e indemnização).

141. Caso assim se não entenda quanto aos fundamentos de facto e de direito determinativos da multa, o que não se concebe, nem concede, mas por mero dever de patrocínio e exercício de raciocínio se desenvolve, sempre se dirá que o quantitativo, a título de multa processual, que a propósito foi fixado na decisão recorrida, não se revela adequado, ajustado e proporcional.

142. Com efeito, a multa processual fixada em 10 (dez) UC revela-se ser excessiva.

143. Entendemos que, atendendo à natureza e ao tipo de infracção em causa, bem como à circunstância de não se tratar do único fundamento da acção apresentada, da pretensão dos Autores ter decaído por mera fragilidade da sua prova, por existir abrigo e fundamento doutrinal e jurisprudencial para a interpretação da lei aos factos que lhe deram, por terem defendido a sua posição, alicerçada em documentos juntos aos autos, se afigura que a multa a aplicar deverá ser fixada em montante inferior ao constante da sentença recorrida.

144. Sem prejuízo do que supra se deixou expendido, considera-se, por conseguinte, num juízo de ponderação, adequada, ajustada, proporcionada e plenamente suficiente a fixação de multa inferior a 5 (cinco) UC.

145. Destarte, ao assim não entender, violou o tribunal recorrido o disposto nos art.os 7.º, 8.º e 542.º CPC, 762.º CC e 20.º CRP.

III – DAS CUSTAS PROCESSUAIS

146. Procedendo o presente recurso aduzido pelos Recorrentes nos termos supra citados, a decisão sobre a responsabilidade pelas custas processuais não pode ser aquela que foi proferida pelo Tribunal a quo.

147. Pelo que, a decisão deve ser alterada em conformidade e ser determinado que quem deu causa às custas da acção e incidente de litigância de má fé foi a parte vencida, neste caso, os ora Recorridos, na proporção em que o foram, devendo estes ser condenados nesses precisos termos. (Art.os 527.º CPC)

Termos em que, e no que mais Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão na parte em apreço nos termos expostos, revogando-se a sentença proferida, substituindo-se por outra, tudo de molde a que:

a) seja declarado que os Autores são legítimos donos e senhores, com exclusão de outrem, Réus incluídos, do prédio urbano descrito nos art.os 1.º a 4.º da p.i., com a área de 69,60 m2, e, que se mantém na sua titularidade e na dos seus antecessores, desde 1983, com a referida área registada, ao abrigo do disposto nos art.os 1316.º e 1317.º CC;

b) sejam os Réus condenados a reconhecer que a área de 47,25 m2 que se encontram a ocupar foi atribuída à fracção autónoma AZ, desta faz parte integrante e pertence aos Autores;

c) sejam os Réus condenados a reconhecer e respeitar o direito de propriedade plena dos Autores sobre a fracção autónoma AZ, na totalidade da mencionada área de 69,60 m2, e a absterem-se da prática de quaisquer actos ofensivos e perturbadores do mesmo;

d) sejam os Réus condenados a, no prazo de trinta dias, após o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida, restituir aos Autores a mencionada área (47,25 m2) que se encontram a ocupar e a executar as obras que se mostrarem necessárias à demolição da parede existente e à construção de uma nova ou a permitirem que os Autores levem a cabo estes trabalhos de demolição e construção, de forma a ser restituída aos Autores a totalidade dos 47,25 m2 da fracção autónoma AZ que aqueles (Réus) ocupam e se encontra incluída na presente data na fracção autónoma AX;

e) sejam os Réus condenados a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de €250, por cada dia de atraso no cumprimento da sentença que condenar na demolição da parede edificada, na construção de uma nova e na restituição aos Autores da área de 47,25 m2 integrante da fracção autónoma AZ que se encontram a ocupar;

f) sejam os Autores absolvidos por litigarem de má fé (multa e indemnização) e da multa processual já aplicada;

g) sejam os Réus condenados nas custas processuais da acção e do incidente de litigância de má fé, na proporção em que foram vencidos.

Caso assim se não entenda (pedido subsidiário),

h) seja o quantitativo fixado, a título de multa processual, reduzido para montante inferior a 5 (cinco) UC, com o que se fará

INTEIRA JUSTIÇA.»                                                    

                                                                       *

            Os RR. apresentaram contra-alegações a este recurso, as quais remataram com as seguintes conclusões:

«1 – Os Apelantes carecem de qualquer razão fática e muito menos de direito, quanto ao que alegam na motivação do seu recurso.

Com efeito,

2 - A matéria de facto considerada provada e constante da mui douta decisão recorrida, encontra-se mui doutamente fundamentada, tendo sido bem apreciada toda a prova carreada para os autos e a produzida em sede de julgamento, sendo a expressão fiel da verdade, sendo certo que os autos, com o devido respeito por melhor opinião, não contêm quaisquer elementos que a possam alterar, em qualquer ponto que seja;

3 - A mui douta sentença não padece de qualquer vício que imponha a sua modificação;

4 - Tendo feito uma correcta aplicação da Lei e do Direito.

5 - A matéria de facto está fixada de modo inalterável;

6 - Em face de tudo o exposto, devem ser julgadas improcedentes as conclusões apresentadas pelos Recorrentes.

7 - Deve assim, confirmar-se “ in tottum “ a mui douta sentença recorrida.

Nestes termos e nos melhores de direito, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso, ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se inalterada a mui douta sentença recorrida,

Pois,

V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, assim decidindo, mais uma vez farão a costumada e verdadeira

JUSTIÇA.»

                                                                       *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos AA./recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

            - impugnação da matéria de facto, invocando o incorreto julgamento da matéria de facto quanto aos factos dados como “provados” sob os pontos “17)”, “27)”, “28)”, “30)”, “43)”, “51)”, “52)”, “53)”, “54)” e “55)” [os quais, alternativamente, deviam ser dados como “provados” com a redação que sugerem/reclamam];

- incorreto julgamento de direito [porquanto a parcela de 47,25 m2 reivindicada, que pertence e que foi atribuída à fração autónoma “AZ” dos AA. ora  recorrentes, não era usucapível pelos RR., sendo, ao invés, que os AA. beneficiam da presunção da titularidade da mesma (art. 7.º CRPredial), o que leva ao reconhecimento de que são proprietários de tal fração, com os limites que decorrem do título constitutivo da propriedade horizontal, donde, a área de 47,25 m2 que os RR. se encontram a ocupar deve ser restituída aos AA., e igualmente procedendo os demais pedidos oportunamente formulados na p.i.];

- desacerto na condenação dos AA. como litigantes de má-fé [incluindo o quantitativo fixado a título de multa processual].

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.   

            Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância em termos de Factos Provados:

«1 - Consta do teor dos docs. nºs 1 e 2 juntos com a petição inicial, que a aquisição da propriedade da fracção autónoma designada pelas letras “AZ”, correspondente à loja n.º 104 (cento e quatro), 2.º piso, 1.º andar, sendo a 8.ª a contar do norte do alçado interior que fica voltado a nascente (no alçado lateral poente), com a área de 69,60 m2, inscrita na matriz predial respectiva sob o n.º ...00... e descrita na CRP ... sob o n.º ...24..., com a permilagem de 17,3, conforme descrição da CRP ..., correspondente a 1,73% do valor total do prédio, de harmonia com a escritura pública de constituição da propriedade horizontal, que faz parte integrante do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal designado por Centro Comercial ..., sito na Avenida ..., ... (Bloco ...0), freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o n.º ...00 e descrito na CRP ... sob o n.º ...24, afecto ao regime de propriedade horizontal pela apresentação ... de 10.08.1983, convertida da inscrição “F-1”, se encontra referida registada a favor dos pela apresentação 27 de 28.07.1992, convertida da inscrição “G” (arts. 1º a 4º da petição inicial).

2 - A fracção autónoma descrita em 1) é titular da licença de utilização n.º ...04, emitida no dia 14.11.1983, pela Câmara Municipal ..., conforme decorre do teor do doc. nº3 junto com a petição inicial (art. 6º da petição inicial).

3 - Conforme decorre do teor do doc. nº2 junto com a petição inicial, por escritura pública de 11 de Julho de 1983, lavrada no ... Cartório Notarial ..., exarada de folhas 29 verso a 67 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º 29-E, a sociedade comercial por quotas A..., Limitada, constituiu o regime da propriedade horizontal do prédio urbano à data, ainda, em construção, designado por Centro Comercial ..., sito na Avenida ..., ..., freguesia ..., concelho ..., construído no terreno descrito na CRP ... sob o n.º ...36, a folhas 91 verso do livro ..., prédio este que, por não se encontrar naquela data concluído, não se encontrava ainda inscrito na respectiva matriz, com o valor de cem milhões de escudos (arts. 7º e 8º da petição inicial).

4 - Consta da escritura pública de constituição de propriedade horizontal do prédio referido no ponto 3) junta como doc. nº2 com a petição inicial, designadamente, o seguinte:

1) Fracção AV – Loja número cento e um, constituída por uma divisão, sendo a décima a contar do norte do alçado interior, que fica voltado a nascente (no alçado principal sul). Foi-lhe atribuído o valor de quatrocentos e cinquenta e cinquenta mil escudos, correspondente a zero vírgula quarenta e cinco por cento do valor total do prédio;

2) Fracção AW – Loja número cento e dois, constituída por uma divisão, sendo a nona a contar do norte do alçado interior que fica voltado a nascente. Foi-lhe atribuído o valor de quatrocentos e cinquenta mil escudos, correspondente a zero vírgula quarenta e cinco por cento do valor total do prédio;

3) Fracção AX – Loja número cento e três, constituída por uma divisão, sendo a terceira a contar do nascente do alçado interior que fica voltado a norte (no alçado principal sul). Foi-lhe atribuído o valor de quinhentos e oitenta mil escudos correspondente a zero vírgula cinquenta e oito por cento do valor total do prédio;

4) Fracção AZ – Loja número cento e quatro, constituída por uma divisão, sendo a oitava a contar do norte do alçado interior que fica voltado a nascente (no aldo lateral poente). Foi-lhe atribuído o valor de um milhão setecentos e trinta mil escudos, correspondente a um vírgula setenta e três por cento do valor total do prédio (art. 9º da petição inicial

5 - Conforme decorre do doc. nº2 junto com a petição inicial, no dia 10.08.1983, foi registada a constituição da propriedade horizontal do edifício identificado em 3), pela apresentação ... de 10.08.1983 (art. 10º da petição inicial).

6 - Conforme decorre do teor do doc. nº2, junto com a petição inicial, por escritura pública de 14 de Dezembro de 2006, lavrada no Cartório Notarial ..., exarada de folhas 60 a 63 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º 58-A, foi alterado o título constitutivo do regime da propriedade horizontal levado a efeito pela escritura de 11.07.1983, mencionada nos pontos 3) e 5, registado pela inscrição “F-1”, apresentação ... de 10.08.1983 (arts. 11º e 12º da petição inicial).

7 - Conforme decorre do teor do doc. nº2 junto com a petição inicial, a alteração do título constitutivo aludida no ponto 6), consistiu na modificação da utilidade da fracção autónoma designada pelas letras “DU” para comércio e serviços, mantendo a mesma percentagem de 9,11% e o mesmo valor relativo de nove mil cento e dez escudos (art. 13º da petição inicial).

8 - Conforme decorre do teor do doc. nº4 junto com a petição inicial, por escritura pública de 28 de Julho de 1987, lavrada no ... Cartório Notarial ..., exarada de folhas 55 verso a 58 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º 71-B, a sociedade comercial por quotas A..., Lda., vendeu a EE, casado no regime da comunhão de adquiridos com FF, pelo preço global de oito milhões quatrocentos e oitenta mil escudos, a fracção referida no ponto 1) (arts. 14º a 16º da petição inicial).

9 - Conforme decorre do teor do doc. nº 5 junto com a petição inicial, por escritura pública de 06 de Abril de 1989, lavrada no ... Cartório Notarial ..., exarada de folhas 4 a 5 do livro de notas para escrituras diversas n.º 19-E, EE, e mulher, FF, venderam a GG, casado no regime da comunhão de adquiridos com HH, pelo preço de três milhões e quinhentos mil escudos, a fracção descrita no ponto 1) (arts. 17º a 19º da petição inicial).

10 - Conforme decorre do teor do doc. nº1 junto com a petição inicial, por escritura pública de 08 de Junho de 1992, lavrada no ... Cartório Notarial ..., exarada de folhas 53 a 54 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º 151-B, GG, casado no regime da comunhão de adquiridos com HH, venderam aos Autores, pelo preço de seis milhões e seiscentos mil escudos, a fracção descrita no ponto 1) (arts.20º a 22º da petição inicial).

11 - Conforme decorre dos docs. nºs 2 e 6 juntos com a petição inicial, a aquisição da propriedade da fracção autónoma designada pelas letras “AV”, correspondente à loja n.º 101 (cento e um), 2.º piso, 1.º andar, sendo a 10.ª a contar do norte do alçado interior, que fica voltado a nascente (no alçado principal sul), com a área de 18,60 m2, inscrita na matriz predial respectiva sob o n.º ...00... e descrita na CRP ... sob o n.º ...24..., com a permilagem de 4,5, conforme descrição da CRP ..., correspondente a 0,45% do valor total do prédio, de harmonia com a escritura pública de constituição da propriedade horizontal, que faz parte integrante do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal descrito no ponto 3) dos Factos Provados, afecto ao regime de propriedade horizontal pela apresentação ... de 10.08.1983, convertida da inscrição “F-1”, encontra-se registada a favor dos Réus pela apresentação 11 de 05.08.1991, convertida da inscrição “G-2” (parte do art. 23º da petição inicial).

12 - Conforme decorre dos docs. nºs 2 e 6 juntos com a petição inicial, a aquisição da propriedade da fracção autónoma designada pelas letras “AW”, correspondente à loja n.º 102 (cento e dois), 2.º piso, 1.º andar, sendo a 9.ª a contar do norte do alçado interior que fica voltado a nascente, com a área de 18,60 m2, inscrita na matriz predial respectiva sob o n.º ...00... e descrita na CRP ... sob o n.º ...24..., com a permilagem de 4,5, conforme descrição da CRP ..., correspondente a 0,45% do valor total do prédio, de harmonia com a escritura pública de constituição da propriedade horizontal, que faz parte integrante do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal descrito no ponto 3) dos Factos Provados, afecto ao regime de propriedade horizontal, a favor dos Réus pela apresentação ... de 10.08.1983, convertida da inscrição “F-1”, encontrando-se a referida fracção autónoma (AW) registada a favor dos Réus pela apresentação 11 de 05.08.1991, convertida da inscrição “G-2” (parte do art. 23º da petição inicial).

13 - Conforme decorre dos docs. nºs 2 e 6 juntos com a petição inicial, a aquisição da propriedade da fracção autónoma designada pelas letras “AX”, correspondente à loja n.º 103 (cento e três), 2.º piso, 1.º andar, sendo a 3.ª a contar de nascente do alçado interior que fica voltado a norte (no alçado principal sul), com a área de 22,60 m2, inscrita na matriz predial respectiva sob o n.º ... e descrita na CRP ... sob o n.º ...24..., com a permilagem de 5,8, conforme descrição da CRP ..., correspondente a 0,58% do valor total do prédio, de harmonia com a escritura pública de constituição da propriedade horizontal, que faz parte integrante do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal descrito no ponto 3) dos Factos Provados, afecto ao regime de propriedade horizontal pela apresentação ... de 10.08.1983, convertida da inscrição “F-1”, encontrando-se registada a favor dos Réus pela apresentação 11 de 05.08.1991, convertida da inscrição “G-2” ( parte do art. 23º da petição inicial).

14 - Conforme decorre dos docs. nºs 2 e 7 juntos com a petição inicial, encontra-se registado a favor de NN, e marido, OO, casados no regime da comunhão geral, a aquisição do seguinte bem imóvel:

-fracção autónoma designada pelas letras “BA”, correspondente à loja n.º 105 (cento e cinco), 2.º piso, 1.º andar, sendo a 7.ª a contar do norte do alçado interior que fica voltado a nascente (no alçado lateral poente), com a área de 22,60 m2, inscrita na matriz predial respectiva sob o n.º ...00... e descrita na CRP ... sob o n.º ...24..., com a permilagem de 5,8, conforme descrição da CRP ..., correspondente a 0,58% do valor total do prédio, de harmonia com a escritura pública de constituição da propriedade horizontal, que faz parte integrante do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal descrito no ponto 3) dos Factos Provados, afecto ao regime de propriedade horizontal pela apresentação ... de 10.08.1983, convertida da inscrição “F-1”, encontrando-se a referida fracção autónoma (BA) registada a favor destes pela apresentação 41 de 04.09.1987, convertida da inscrição “G-1” (art. 24º da petição inicial).

15 - Conforme decorre dos docs. nºs 2 e 8 juntos com a petição inicial, encontram-se registados a favor de PP, e marido, QQ, casados no regime da comunhão geral, a aquisição dos seguintes bens imóveis:

-fracção autónoma designada pelas letras “BB”, correspondente à loja n.º 106 (cento e seis), 2.º piso, 1.º andar, sendo a 6.ª a contar do norte do alçado interior que fica voltado a nascente (no alçado lateral poente), com a área de 22,60 m2, inscrita na matriz predial respectiva sob o n.º ...00... e descrita na CRP ... sob o n.º ...24..., com a permilagem de 5,8, conforme descrição da CRP ..., correspondente a 0,58% do valor total do prédio, de harmonia com a escritura pública de constituição da propriedade horizontal, que faz parte integrante do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal descrito no ponto 3) dos Factos Provados, afecto ao regime de propriedade horizontal pela apresentação ... de 10.08.1983, convertida da inscrição “F-1”, encontrando-se a referida fracção autónoma (BB) registada a favor destes pela apresentação 23 de 12.01.1984, convertida da inscrição “G-1”;

-fracção autónoma designada pelas letras “BC”, correspondente à loja n.º 107 (cento e sete), 2.º piso, 1.º andar, sendo a 5.ª a contar do norte do alçado interior que fica voltado a nascente (no alçado lateral poente), com a área de 22,60 m2, inscrita na matriz predial respectiva sob o n.º ...00... e descrita na CRP ... sob o n.º ...24..., com a permilagem de 5,8, conforme descrição da CRP ..., correspondente a 0,58% do valor total do prédio, de harmonia com a escritura pública de constituição da propriedade horizontal, que faz parte integrante do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal descrito no ponto 3) dos Factos Provados, afecto ao regime de propriedade horizontal pela apresentação ... de 10.08.1983, convertida da inscrição “F-1”, encontrando-se a referida fracção autónoma (BC) registada a favor destes pela apresentação 23 de 12.01.1984, convertida da inscrição “G-1” (art. 25º da petição inicial).

16 - A fracção autónoma dos Autores designada pelas letras “AZ” (loja 104), descrita no ponto 1)º, é contígua à dos Réus, designada pelas letras “AX”, correspondente à loja n.º 103 (cento e três) (art. 26º da petição inicial).

17 - Os Autores, por si e seus antecessores, desde a abertura do Centro Comercial ..., em finais de 1983, que vêm ocupando e utilizando a fracção autónoma AZ, dentro dos limites fixados pelas paredes, com uma área real de 22, 60m2 que a dividem das restantes fracções e partes comuns do edifício, introduzindo arranjos e melhoramentos, de acordo com a sua vontade e gosto, realizando obras de manutenção e conservação da mesma, arranjando o piso e pintando as paredes, bem como os autores passaram, desde a data da aquisição, a arrendá-la e a auferir a respectiva remuneração, fechando-a quando não está a ser utilizada, a pagar os seguros, os impostos, as despesas do condomínio, a cuidar da sua limpeza, conservação, segurança e a fazer as reparações mais urgentes… (arts. 27º, 29º 30º e 31º e resposta restritiva ao art. 39º, quanto à área, da petição inicial).

18 - … de forma continuada … (parte do art. 28º e art. 32º da petição inicial).

19 - …à vista de toda a gente … (parte do art. 28º e parte do art. 33º da petição inicial).

20 - …sem oposição de ninguém, mormente, dos réus… (parte do art. 28º e art. 34º da petição inicial).

21 - …sem lesarem direitos alheios… (parte do art. 28º e parte do art. 33º da petição inicial).

22 - …na convicção de serem proprietários da referida fracção autónoma AZ. (parte do art. 28º e parte do art. 33º da petição inicial).

23 - Até 2013, ano em que se reformaram, os Autores residiam em França, país para onde emigraram em Maio de 1969, apenas se deslocando a Portugal nas férias de verão (art. 40º da petição inicial).

24 - Os Autores ainda na presente data passam parte do ano em Paris, cidade onde o filho destes reside com a sua família e onde têm a sua casa, há mais de 30 anos, na ...Rue..., .... (art. 41º da petição inicial).

25 - À data em que a fracção autónoma AZ foi adquirida pelos Autores (08.06.1992), estes encontravam-se em França e não tiveram oportunidade de a ver antes de a comprar (art. 42º da petição inicial).

26 - Em Agosto de 1992, quando se deslocaram a Portugal de férias e após terem adquirido a fracção autónoma AZ, os Autores foram ver a mesma, tendo-lhes sido mostrada pelo representante legal da sociedade comercial B..., Lda, RR (art. 43º da petição inicial).

27 - Nessa ocasião, as fracções autónomas AZ (loja 104 dos autores) e AX (loja 103 dos réus) apresentavam a mesma configuração e áreas reais de 22, 60m2 e 69, 85 m2, respectivamente que tiveram, desde a abertura do Centro Comercial ..., em finais de 1983 e sempre tiveram a parede que divide as duas fracções desde tal abertura até aos dias de hoje (resposta explicativa aos arts. 44º a 46º e 52º da petição inicial).

28 - A parede que divide as fracções autónomas AZ e AX, bem como as paredes que dividem estas das restantes fracções autónomas e áreas comuns, foram construídas pela sociedade comercial A..., Lda., na data em que o prédio foi construído, não tendo sofrido alteração até à presente data (resposta explicativa ao art. 47º da petição inicial).

29 - Desde a data da aquisição da fracção autónoma AZ até à presente data, os Autores utilizaram a mesma, com a totalidade da área (22,60 m2) e com a configuração que a mesma apresentava nessa data que se manteve até à presente data (resposta explicativa ao art. 50º da petição inicial).

30 - As paredes da fracção autónoma AZ foram construídas pela sociedade comercial referida no ponto 28), de forma que no seu interior ficassem incluídos 22,60 m2 (resposta explicativa ao art. 51º da petição inicial).

31 - Desde Junho de 1992 até Novembro 2010, a procuradora dos Autores foi a sociedade comercial B..., Lda., e a partir de Novembro de 2010 até Maio de 2017, foi a sociedade comercial II, Lda., data em que os autores revogaram a procuração a esta sociedade, recebendo aqueles apenas as rendas a que tinham direito (contratadas), depois de pagas todas as despesas tidas com a fracção autónoma e as remunerações devidas aos procuradores pelos serviços prestados (arts. 53º a 57º da petição inicial).

32 - Os Autores muito ocasionalmente iam visitar a fracção autónoma AZ, uma vez que faziam plena confiança na administração que vinha a ser realizada pelas sobreditas sociedades comerciais, suas procuradoras (arts. 58º da petição inicial).

33 - Em 27.11.2012, o Autor foi notificado da avaliação geral efectuada à fracção autónoma AZ pela Autoridade Tributária e Aduaneira (art. 59º da petição inicial).

34 - Em Março de 2013, o Autor foi notificado da liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (art. 60º da petição inicial).

35 - Nesse mesmo mês, o Autor considerou que o valor do imposto era elevado e entrou em contacto com o representante legal da sociedade comercial II, Lda., para ver o que poderia ser feito para reduzir o mesmo (art. 61º da petição inicial).

36 - Nesse seguimento, deslocou-se com a sua mulher até Coimbra para reunir pessoalmente com o representante legal da referida sociedade comercial (art. 62º da petição inicial).

37 - No final dessa reunião, os Autores e o representante legal da referida sociedade comercial decidiram visitar a fracção autónoma para ver o estado em que a mesma se encontrava (art. 63º da petição inicial).

38 - O valor locativo mensal da fracção autónoma “AZ” é de montante nunca inferior a €6,10 por metro quadrado (art. 91º da petição inicial).

39 - Desde a sua aquisição pelos Réus, a fracção autónoma “AX “sempre teve a mesma área de 69,85m2 até aos dias de hoje (Art. 17º da contestação).

40 - Nunca os Réus demoliram, ou construíram de novo, qualquer parede divisória que separa a sua fracção autónoma “AX”, da fracção autónoma “AZ” de que os Autores são seus titulares (Art. 18º da contestação).

41 - Autores e Réus reconheceram que a Autoridade Tributária liquidou tais impostos respeitante às suas aludidas fracções autónomas “AZ” e “AX” com base numa área de 69, 60 m 2 e 22,60m2, respectivamente, constante das respectivas matrizes que, por sua vez, tiveram, por base, as constantes do Título de Constituição da Propriedade Horizontal do prédio de que tais fracções fazem parte (art. 37º da contestação).

42 - Consta em tal título que a área declarada da fracção autónoma dos Autores “ AZ “, é de 69, 60 m2 e a da fracção autónoma dos Réus “AX” é de 22,60 m2 (art. 38º da contestação).

43 - Desde a conclusão de tais fracções, desde o acabamento da sua construção, sempre tiveram as áreas que actualmente possuem, ou seja, 69, 85, m2 a fracção autónoma dos Réus “ AX “ e a área de 22, 60 m 2, a fracção autónoma “AZ”, dos Autores (art. 39º da contestação).

44 - Tendo os Réus e Autores, usufruído cada uma das suas fracções, com as áreas atrás referidas, desde a data da sua aquisição, ou seja, os Réus desde o ano de 1991 e os Autores, desde o ano de 1992 (art. 40º da contestação).

45 - Há 20 ou mais anos, que os Réus vêm ocupando e utilizando a sua fracção de que são titulares, dentro dos limites fixados pelas paredes que as dividem das restantes fracções e partes comuns do prédio… (art. 41º da contestação).

46 - … de forma ininterrupta … (parte do art. 42º da contestação).

47 - … à vista de toda a gente … (parte do art. 42º da contestação).

48 - …sem oposição de ninguém… (parte do art. 42º da contestação).

49 - … sem lesarem direitos de outrem … (parte do art. 42º da contestação).

50 - … na convicção de exercerem o correspectivo direito de propriedade sobre a aludida fracção “AX” com a área real de 69,85m2 (parte do art. 42º da contestação).

51 - As áreas de tais fracções, constantes da respectiva Conservatória do Registo Predial e dos Serviços de Finanças, tiveram por base erradamente as atribuídas no respectivo Título de Constituição de Propriedade Horizontal, do prédio de que fazem parte (art. 43º da contestação).

52 - A propriedade horizontal do prédio urbano de que tais fracções fazem parte, foi constituída, quando tal prédio ainda se encontrava em construção, pois, concluído este, as áreas reais com que ficaram tais fracções são as aludidas no ponto 43) dos Factos Provados (art. 44º da contestação).

53 - Por força do aludido em 50) e 51) dos Factos Provados, e até à rectificação de tal Título de Constituição de Propriedade Horizontal, os Réus acordaram com os Autores, pagar-lhe parte do seu IMI, correspondente à diferença de áreas, em que as suas liquidações se baseavam, visto reconhecerem que os Autores estavam a ser prejudicados, em virtude da área constante da respectiva matriz predial urbana e registo na Conservatória, que teve por base a mencionada no respectivo título de Propriedade, exceder mais que o triplo da sua área real (art. 45º da contestação).

54 - Pagamento acordado, que os Réus chegaram a efectuar aos Autores, mediante transferência bancária, para o NIB por estes indicado, para o efeito, o que fez desde finais de 2013 até princípios do ano de 2015, conforme evidenciam os docs. nºs 1 e 2 juntos com a contestação, e não tendo continuado com os mesmos, em virtude dos Autores recusarem o seu recebimento, sem qualquer justificação, para romper o acordado entre ambos (art. 47º e 48º da contestação).

55 – Os autores e réus sempre pagaram o condomínio pela sua fracção autónoma correspondente às suas áreas reais que cada um usufrui no prédio de que fazem parte, razão por que os réus, desde sempre, pagaram de condomínio pela sua fracção autónoma “AX” cerca do triplo do pago pelos autores pela sua fracção “AZ”, conforme decorre do teor dos docs. nºs 4, 5, 6 e 7 (actas das assembleias de condóminos) juntos com a contestação (arts. 51º e 52º da contestação).»

¨¨

E o seguinte em termos de factos Não Provados:

«I - E qual não foi o seu espanto quando chegaram à fracção autónoma “AZ”, de frente para a mesma, olharam para o seu interior e constataram que tinha sido construída uma parede, em todo o comprimento, junto à entrada da fracção, na área que lhes pertencia, como pertence, e que tinha sido demolida a parede que dividia esta fracção (“AZ”) da “AX” desde a data em que o prédio referido nos pretéritos arts. 6.º a 8.º foi construído pela supramencionada sociedade comercial (art. 64º e 64º da petição inicial).

II - Em data que não se consegue precisar, mas que se acredita que tenha sido em meados do ano de 2012, período em que a fracção autónoma “AZ” não esteve arrendada, os Réus levaram a cabo obras na fracção autónoma “AX” que consistiram i) na demolição da parede que a dividia da fracção autónoma “AZ”, desde a data em que o prédio referido no ponto 3) dos Factos Provados foi construído mencionada sociedade comercial e ii) na construção de uma nova (parede) que divide as mesmas fracções autónomas, na área que pertencia, como pertence, à “AZ”, em todo o comprimento, junto à entrada desta fracção autónoma (“AZ”), melhor representadas, respectivamente, a cor azul e a vermelho no doc. n.º 18, que ora se junta, e cujo teor, por economia e brevidade processual, se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos (arts. 65º a 68º da petição inicial).

III - Nessa altura, o Autor procedeu à medição da área da fracção autónoma “AZ”, tendo então constatado que a mesma apresentava uma área de 22 m2, inferior à constante da caderneta predial e do projecto de construção aprovado pela Câmara Municipal ... e que sempre teve até àquela data (art. 69º e 70º da petição inicial).

IV - As obras em apreço foram realizadas sem terem sido, previamente, licenciadas pela autoridade competente (Câmara Municipal ...) e sem a autorização dos Autores e da assembleia de condóminos (art. 71º da petição inicial).

V - Em contactos pessoais mantidos com o Réu, os Autores exigiram por diversas vezes àquele (Réu) para demolir a parede da fracção autónoma “AX”, erigida nos termos descritos no ponto I dos factos não provados, e para construir uma nova, de forma a ser restituída aos demandantes a totalidade dos 47,60 m2 que ocupou (art. 80º da petição inicial).

VI - Por via da inclusão pelos Réus de 47,60 m2 da fracção autónoma “AZ”, que sabiam não ser sua, na da “AX”, os Autores deixaram de poder dar de arrendamento a totalidade da área (69,60 m2) da fracção autónoma “AZ” (art.89º e 90º da petição inicial).

VII - Os Autores a partir da data em que tomaram conhecimento (Março de 2013) das obras que os Réus tinham levado a cabo descritas no ponto I) dos factos não provados da ocupação e inclusão na área atribuída à fracção autónoma “AX” 47,60 m2 da área da fracção autónoma “AZ”, deixaram de poder utilizar, fruir e retirar aproveitamento económico da área total da fracção autónoma “AZ” conforme o vinham a fazer até àquela data (arts. 93º e 94º da petição inicial).

VIII - Os Autores têm receio que os Réus, aproveitando-se do facto de a sua fracção autónoma (“AZ”) não estar, eventualmente, a ser arrendada, a ocupem e incluam na área atribuída à fracção autónoma “AX” os restantes 22 m2 da área da fracção autónoma “AZ” que ainda são utilizados pelos Autores e que pertencem àquela (fracção autónoma “AZ”) (art. 107º e 108º da petição inicial).

IX - Ponderaram, e ainda ponderam, vender a sua fracção autónoma, e já o teriam feito caso não tivessem este “cancro” nas mãos que ninguém quer (art. 110º da petição inicial).

X - Não conseguem estar relaxados e descansados quando estão fora do país, uma vez que têm receio que a qualquer momento entrem em contacto com eles a dar-lhes conhecimento que os Réus estão a desapossá-los da área da fracção autónoma (“AZ”) que remanesce ainda na sua posse (22 m2) (art. 111º da petição inicial).

XI - A somar: a ocupação e inclusão pelos Réus de 47,60 m2 da área da fracção autónoma “AZ” na área atribuída à fracção autónoma “AX”, causaram aos Autores, pessoas de idade avançada, ele com 72 anos de idade e ela com 73 anos de idade, preocupações, desgaste, inquietações fortes, desassossego, falta de paz de espírito, transtornos, canseiras, aborrecimentos, discussões e angústias (arts. 112º a 114º da petição inicial).

XII - Tendo perdido diversas noites de sono a pensar como haveriam de solucionar esta questão e abordado amigos e familiares no sentido de com eles poder desabafar e de lhe prestarem auxílio na resolução deste problema (art. 115º da petição inicial).»

                                                                       *

           

3.2 – Os AA./recorrentes deduzem impugnação da matéria de facto, invocando o incorreto julgamento da matéria de facto quanto aos factos dados como “provados” sob os pontos “17)”, “27)”, “28)”, “30)”, “43)”, “51)”, “52)”, “53)”, “54)” e “55)” [os quais, alternativamente, deviam ser dados como “provados” com a redação que sugerem/reclamam].

            Que dizer?

            Apreciemos com o necessário pormenor e detalhe cada um dos pontos de facto questionados.

Sem prejuízo de esta apreciação ser feita conjuntamente, quando justificada in casu.

Começando pela apreciação dos pontos de facto dados como “provados” sob “17)”, “27)”, “28)”, “30)”, “43)” e “52)”, relativamente aos quais os AA./recorrentes pugnam no sentido de que devem ser eliminados as seguintes expressões:

«17) “com uma área real de 22,60m2”;

27) “mesma” e “que tiveram, desde a abertura do Centro Comercial ..., em finais de 1983 e sempre tiveram a parede que divide as duas fracções desde tal abertura até aos dias de hoje”;

28) “A parede que divide as fracções autónomas AZ e AX” e “não tendo sofrido alteração até à presente data”;

30) “ficassem incluídos 22,60 m2”;

43) “Desde a conclusão de tais fracções, desde o acabamento da sua construção”;

52) “pois, concluído este, as áreas reais com que ficaram tais fracções são as aludidas no ponto 43) dos Factos Provados”.»

Como fundamento para tanto sustentam os AA./recorrentes, em síntese, que não houve prova testemunhal ou documental que demonstrasse essas realidades, mais concretamente, que dos depoimentos das testemunhas KK, LL, MM e JJ [que foram invocados para este efeito na “motivação” que consta da sentença recorrida], «(…) é apenas possível aferir que, pelo menos desde 1990/1991, as fracções autónomas AZ e AX apresentavam a mesma configuração e áreas reais de 22,60 m2 e 69,85 m2, respectivamente, e que já tinham a parede que as divide até aos dias de hoje», acrescendo que «Em nenhum outro elemento escrito ou desenhado constante das cópias do processo de licenciamento existe referência a esta subdivisão que integra a constituição da propriedade horizontal», e bem assim que «(…) não foi possível apurar em que data e por que pessoa ou entidade foi construída a parede que divide as duas fracções».

Que dizer?

Será que dos elementos de prova que constam dos autos/neles foram produzidos, não é efetivamente possível concluir no sentido de que as frações autónomas ... e ... apresentam a mesma configuração e áreas reais de 22,60m2 e 69,85 m2, respetivamente, desde a abertura do “Centro Comercial ...” [em finais de 1983], e que como tal haviam sido construídas pela sociedade comercial “A..., Lda.”?

Quanto a nós, sendo líquido e pacífico nos autos que o dito “Centro Comercial ...” foi construído pela sociedade comercial “A..., Lda.”, tendo aberto no final de 1983, face à conjugação da demais prova efetivamente produzida, toda devidamente conjugada e concatenada, e à luz das regras da experiência comum e do normal acontecer, é efetivamente possível concluir no sentido em que o fez a sentença recorrida e que se traduziu na redação dada aos visados pontos de facto, tal como constam da sentença em recurso.

Senão vejamos.

As 3 primeiras citadas testemunhas foram todas elas “lojistas” no Centro Comercial, tendo sido inclusive arrendatárias, em períodos distintos, da loja “AZ” dos AA. [a testemunha MM no período compreendido entre 1990/1991 e 1996/1997; a testemunha KK no período de Junho de 2009 a Março de 2012; a testemunha LL desde Janeiro de 2014 até à presente data], todas elas tendo sido convictas na afirmação de que a fração “AZ” dos AA. sempre teve a área de cerca de 20 m2, e com a mesma e precisa configuração com que tem na atualidade; mas, tendo em conta mais diretamente, a circunstância de pelo menos a testemunha KK ter sido “lojista” ininterruptamente desde 1984 até 2012 naquele Centro Comercial, bem conheceu desde aquele momento inicial a fração “AZ” dos AA., confirmando que sempre teve a mesma área e configuração, donde, salvo o devido respeito, uma tal razão de ciência podia e foi devidamente valorada.

Por outro lado, existem elementos físicos, ao nível construtivo, nas duas frações em causa [“AZ” e “AX”] que apontam no sentido de a compartimentação entre ambas ser a original e sempre assim se ter mantido ao longo do tempo: tal foi devidamente evidenciado no Relatório da peritagem feita nos autos [cf. fls. 239 a 260], sendo de destacar, como sublinhado na já citada “motivação” da sentença recorrida que a fração «(…) “AX” tem uma área real de 69, 85 m2; o quadro eléctrico está embutido na alvenaria da parede divisória da fracção dos autores “AZ” e da fracção dos réus “AX”, do lado interior do “AX”; o acabamento/revestimento de tal parede divisória é igual ao de todas as paredes do interior do “AX” e tendo em conta os espaços originais do “AZ” e do “AX” o quadro eléctrico está numa zona de ninguém, e em razão disso, o quadro eléctrico sempre esteve embutido na parede divisória; as três fracções dos réus não se encontram subdividas materialmente, apresentando-se antes como uma única fracção sem subdivisão material em três fracções; o acesso às três fracções dos réus é comum e sempre foi o mesmo, e as características da parede, do tecto, na parcela, em litigio, e o pavimento do chão são iguais ao tecto, paredes e pavimentação da restante parte integrante das três fracções sem subdivisão material entre si dos réus».

Acresce que a testemunha JJ [cuja razão de ciência decorreu de, a partir de Novembro de 2010 e até ao ano de 2017, ter passado a fazer a gestão desta loja/fração dos AA., em representação destes] também foi perentório, designadamente, na afirmação de que desde que a conheceu as lojas dos RR. e AA. que a configuração e área real de cada uma das lojas/frações e parede divisória das lojas sempre se mantiveram as mesmas até aos dias de hoje.

Finalmente, temos que os AA. sustentaram na p.i. uma versão distinta (para o que ora releva, que a “apropriação” pelos RR. através da demolição/construção de uma nova parede teria tido lugar muito provavelmente em meados de 2012, quando a sua fração não esteve arrendada) distinta da que veio a ser sustentada pelo A. marido no depoimento que prestou na audiência de julgamento (a saber, que essa  demolição/construção de uma nova parede teria tido lugar em data concretamente desconhecida, mas situada entre o ano de 1992 e o ano de 2007/2008), o que descredibilizou completamente a posição dos AA., por mais nenhum elemento de prova em abono de tal terem apresentado, e também pela exuberância da versão contraposta vinda de enunciar.

A esta luz, não vislumbramos como não deixar de concordar com o que foi vertido conclusivamente em termos de valoração e convicção probatória na sentença, a saber,  «(…) aliado às regras da experiência comum e ao critério da normalidade das coisas, é natural, lógico, e razoável considerar-se que a parede divisória das fracções, em causa, sempre foi mesma, desde a data da abertura do Centro Comercial ... até à presente data, e por inerência lógica, as fracções sempre tiveram uma área real de 22,60m2 e 69,85m2, respectivamente, desde tal data até aos dias de hoje, e por inerência lógica, os autores e réus, respectivamente, por si e seus antecessores, desde tal data até aos dias de hoje, de forma ininterrupta, sempre utilizaram as suas fracções “AZ” e “AX”, com uma área real de 22,60m2 e 69,85m2, respectivamente, e por inerência lógica, nunca os réus demoliram a parede divisória das fracções que sempre se manteve a mesma desde a data da abertura do Centro Comercial ... até aos dias de hoje (…)».

Não havendo, assim, qualquer erro de julgamento a reconhecer e/ou assinalar, improcede a impugnação que visava este conjunto de pontos de facto.

                                                           ¨¨

Ponto de facto “51)”, cujo teor literal é:

«51 - As áreas de tais fracções, constantes da respectiva Conservatória do Registo Predial e dos Serviços de Finanças, tiveram por base erradamente as atribuídas no respectivo Título de Constituição de Propriedade Horizontal, do prédio de que fazem parte (art. 43º da contestação).»

Relativamente a este ponto de facto, os AA./recorrentes invocam a desadequação da palavra “erradamente”, pugnando por que seja eliminada, isto na medida em que havia documentos autênticos de suporte para tanto, os quais não foram tão pouco impugnados.

Que dizer?

Que para além de assistir razão aos AA./recorrentes neste particular face ao que aduzem, acresce que a palavra “erradamente” sempre expressa um juízo conclusivo (de facto ou de direito), pelo que, pela conjugação dessas duas razões, se determina a eliminação dessa dita palavra “erradamente” deste ponto de facto.

                                                           ¨¨

Pontos de facto “53)” e  “54)”.

Rememoremos, antes de mais, o seu teor literal, a saber:

«53 - Por força do aludido em 50) e 51) dos Factos Provados, e até à rectificação de tal Título de Constituição de Propriedade Horizontal, os Réus acordaram com os Autores, pagar-lhe parte do seu IMI, correspondente à diferença de áreas, em que as suas liquidações se baseavam, visto reconhecerem que os Autores estavam a ser prejudicados, em virtude da área constante da respectiva matriz predial urbana e registo na Conservatória, que teve por base a mencionada no respectivo título de Propriedade, exceder mais que o triplo da sua área real (art. 45º da contestação).»;

«54 - Pagamento acordado, que os Réus chegaram a efectuar aos Autores, mediante transferência bancária, para o NIB por estes indicado, para o efeito, o que fez desde finais de 2013 até princípios do ano de 2015, conforme evidenciam os docs. nºs 1 e 2 juntos com a contestação, e não tendo continuado com os mesmos, em virtude dos Autores recusarem o seu recebimento, sem qualquer justificação, para romper o acordado entre ambos (art. 47º e 48º da contestação).».

Relativamente a estes pontos de facto, os AA./recorrentes alegam, no essencial, que o acordo de “compensação” de valores do IMI neles em causa não teve lugar diretamente com os próprios, antes quem os representou em tal foi a sociedade “C...”, na pessoa de JJ [o qual no seu depoimento em audiência claramente o confirmou], sendo certo que as transferências monetárias em causa foram correspondentemente para conta bancária desta sociedade, donde a redação desses pontos de facto devia refletir tal, pela expressa forma que invocam.

Que dizer?

Que lhes assiste no essencial razão, acrescendo que se deteta que o primeiro segmento do primeiro desses pontos de facto, assim como o último segmento do segundo desses pontos de facto, correspondem ambos a proposições manifestamente argumentativas, razão porque se entendem que não devem subsistir nos mesmos.

Nesta linha de entendimento, decide-se deferir a impugnação quanto a este particular traduzida na reformulação destes pontos de facto pela seguinte forma:

«53 - Os Réus acordaram com os Autores, para tal representados pela sociedade comercial “C...” aludida no ponto “31.”, pagar-lhes parte do seu IMI, correspondente à diferença de áreas, em que as suas liquidações se baseavam, visto reconhecerem que os Autores estavam a ser prejudicados, em virtude da área constante da respectiva matriz predial urbana e registo na Conservatória, que teve por base a mencionada no respectivo título de Propriedade, exceder mais que o triplo da sua área real (parte do art. 45º da contestação).»;

«54 - Pagamento acordado, que os Réus chegaram a efectuar mediante transferência bancária, para o NIB indicado para o efeito, o que fizeram desde finais de 2013 até princípios do ano de 2015, conforme evidenciam os docs. nºs 1 e 2 juntos com a contestação, e não tendo continuado com os mesmos, em virtude dos Autores recusarem o seu recebimento. (parte dos art. 47º e 48º da contestação).».

                                                           ¨¨

     Ponto de facto “55)”, cujo teor literal é:

«55 – Os autores e réus sempre pagaram o condomínio pela sua fracção autónoma correspondente às suas áreas reais que cada um usufrui no prédio de que fazem parte, razão por que os réus, desde sempre, pagaram de condomínio pela sua fracção autónoma “AX” cerca do triplo do pago pelos autores pela sua fracção “AZ”, conforme decorre do teor dos docs. nºs 4, 5, 6 e 7 (actas das assembleias de condóminos) juntos com a contestação (arts. 51º e 52º da contestação).»

Relativamente a este ponto de facto, os AA./recorrentes entendem que deve ser introduzida a “retificação” de que a situação nele reportada não é desde “sempre”, antes só se podendo afirmar tal “desde o ano de 2009” – pois que isso é o que resulta dos documentos juntos [docs. n.os 4 a 7 juntos aos autos com a contestação].

Será assim?

Neste particular também assiste integral razão aos AA./recorrentes, pelo que, operando a reapreciação dos meios de prova constantes dos autos, defere-se à impugnação em apreciação determinando que este ponto de facto figurará doravante com a seguinte redação:

«55 – Os autores e réus, pelo menos desde o ano de 2009, pagaram o condomínio pela sua fracção autónoma correspondente às suas áreas reais que cada um usufrui no prédio de que fazem parte, razão por que os réus, pagaram de condomínio pela sua fracção autónoma “AX” cerca do triplo do pago pelos autores pela sua fracção “AZ”, conforme decorre do teor dos docs. nºs 4, 5, 6 e 7 (actas das assembleias de condóminos) juntos com a contestação (arts. 51º e 52º da contestação).»

                                                           *

            4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1Questão do incorreto julgamento de direito [porquanto a parcela de 47,25 m2 reivindicada, que pertence e que foi atribuída à fração autónoma “AZ” dos AA. ora  recorrentes, não era usucapível pelos RR., sendo, ao invés, que os AA. beneficiam da presunção da titularidade da mesma (art. 7.º CRPredial), o que leva ao reconhecimento de que são proprietários de tal fração, com os limites que decorrem do título constitutivo da propriedade horizontal, donde, a área de 47,25 m2 que os RR. se encontram a ocupar deve ser restituída aos AA., e igualmente procedendo os demais pedidos oportunamente formulados na p.i.].

Vejamos.

A grande linha de argumentação dos AA./recorrentes quanto a este particular consiste precisamente na invocação de que a parcela de 47,25 m2 em causa não era usucapível pelos RR., isto porque tal se traduziria em contrariar o que resultava do título constitutivo da propriedade horizontal, o que não era possível por essa via.

E este é um entendimento que quanto a nós é efetivamente incontornável, desconsiderando até para tal os pormenores da factualidade efetiva e definitivamente “provada” (por via da procedência parcial que foi dada à impugnação à decisão sobre a matéria de facto). 

Na verdade, a usucapião constitui uma forma de aquisição originária de direitos reais de gozo, permitindo que o exercício da posse em termos correspondente a um direito real se convole no reconhecimento desse direito na esfera do possuidor, com efeitos que retroagem à data do início da posse (cf. arts. 1287º e 1288º do C.Civil).

Acontece que a usucapião não constitui um instituto jurídico isolado, pois que ela não pode ser desconectada nem muito menos funcionar de forma contrária ou conflituante com outras normas que a condicionam ou impedem, sendo umas integradas no Código Civil e outras que emergem de diplomas avulsos como os que regulam a matéria de direito do urbanismo ou do licenciamento da construção ou utilização de edifícios.

É por assim ser que o legislador na formulação expressa no art. 1287º do C.Civil, ao definir a usucapião, previu que esta forma de aquisição originária não pode ser invocada quando exista “disposição em contrário” [o que tem o significado de casos em que o reconhecimento desse título contende com lei expressa].

Este efeito impeditivo verifica-se no direito do urbanismo, nas regras sobre construções e edificações ou, como ocorre no caso sub judice, no regime jurídico-civilístico da propriedade horizontal.

Sendo certo que sublinhando um tal entendimento, já foi doutamente sustentado que «O exercício de posse usucapível sobre parte delimitada de uma fração autónoma em regime de propriedade horizontal não conduz, por si só, à aquisição de um direito de propriedade singular sobre essa parte, destacável daquela fração, já que essa parte não é suscetível, no quadro daquele regime, de constituir unidade independente, nos termos do arts. 1414º e 1415º do CC.»[2]

Concretizemos.

É certo que a atual redação do art. 1419º do C.Civil permite que a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal seja formalizada por escritura pública ou por documento particular autenticado.

Acrescendo que o facto de o preceito divergir do que no art. 1417º do mesmo C.Civil se prevê relativamente à “constituição” da propriedade horizontal permitiria questionar, ab limine, a admissibilidade da invocação da usucapião como fonte geradora da “modificação” do título preexistente ou a possibilidade de a mesma poder ser declarada por via judicial.

Contudo, em resposta a esta questão e enfrentando diretamente essa problemática, o melhor entendimento vai no sentido de negar explicitamente estas possibilidades, assim se sublinhando expressamente que «modificação do título apenas pode ser efetuada por acordo de todos os condóminos».[3]

Por outro lado, importa não olvidar que esse mesmo resultado sai reforçado pelos requisitos de natureza administrativa a que está sujeita não apenas a constituição da propriedade horizontal como a modificação do título constitutivo.

A esta luz já aduzido que «o tribunal não pode alterar o título constitutivo da propriedade horizontal em violação das normas legais em vigor, designadamente sem aprovação de todos os condóminos e junção de documento emanado da Câmara Municipal comprovativo de que a alteração está de acordo com as leis e regulamentos em vigor na autarquia».[4] [com destaque da nossa autoria]

E bem assim o seguinte:

«(…)

Da multiplicidade de normativos enunciados resulta que a realidade respeitante tanto às frações autónomas como às partes comuns dos edifícios em regime de propriedade horizontal deverá estar em consonância com os requisitos legais, quer os que resultam das regras constantes do Cód. Civil (máxime dos arts. 1415º, 1416º e 1418º), quer os que decorrem da legislação que regula o licenciamento da construção e da utilização que serviu de base à fixação daquele regime jurídico.

Na jurisprudência esta matéria tem sido largamente debatida, sendo bem ilustrada no Ac. do STJ de 13-12-07, 07A3023 (www.dgsi.pt), em cujo sumário se expressou que:

Não pode adquirir-se a propriedade de parte física de fração autónoma de prédio constituído em propriedade horizontal antes que haja alteração do título constitutivo que autonomize essa parte física da fração da outra em que estava inserida.

O Tribunal não pode alterar o título constitutivo da propriedade horizontal em violação das normas legais em vigor, designadamente, sem a aprovação de todos os condóminos e junção de documento emanado da Câmara Municipal comprovativo que a alteração está de acordo com as leis e regulamentos em vigor na autarquia, porque não pode impor a terceiros nem aos Condóminos uma decisão que a todos atinge, quando os condóminos e o Município não são sequer partes na ação”.

Na respetiva fundamentação sustentou-se que:

Num prédio constituído em propriedade horizontal a posição jurídica dos respetivos titulares não é a mesma que a dos proprietários de prédios a ela não sujeitos, pois existem partes próprias e partes comuns; e, mesmo nas partes próprias, existem limitações sérias ao poder de alterar o seu conteúdo e objeto.

Na verdade, na propriedade horizontal há um interesse relevante plural que se sobrepõe aos interesses individuais, sendo aquele um interesse coletivo, manifestado num título constitutivo dessa forma específica de direito real.

No direito real de propriedade horizontal a questão do domínio encontra-se repartida entre vários sujeitos, os condóminos, entrelaçando-se os interesses individuais de uns, de forma inseparável, com os interesses dos demais condóminos, através de regras próprias, sendo de destacar que não está na disponibilidade de um ou de vários deles, conseguir(em), só por si, a alteração do título de constituição desse tipo de propriedade, a menos que o título assim o tenha previsto desde o início, anteriormente à primeira alienação. (arts. 1419º e 1422º-A, nº 3).

É indispensável, portanto, que o título de constituição o permita ou a assembleia de condóminos se pronuncie e aprove as alterações sem qualquer oposição”.

E mais adiante:

… há que ter presente que a usucapião só opera a aquisição do direito real por forma correspondente ao direito sobre o qual se exerce a posse.

E o direito que se exerceu aqui foi o da posse sobre uma pequena parte física de uma fração autónoma alheia (fração A), de que os RR. são titulares, em prédio submetido ao regime de propriedade horizontal.

Ora, na propriedade horizontal, o direito de propriedade exclusiva só se pode exercer sobre frações autónomas, perfeitamente individualizadas no título constitutivo e não sobre partes delas (arts. 1414.º, 1415.º, 1418.º e 1420.º do CC.), pelo que estando a garagem e arrecadação inserida fisicamente no espaço que é pertença dos RR. (fração “A”), não pode ela operar enquanto a situação de indivisibilidade se mantiver, o que só poderia vir a acontecer se entretanto se tivesse tornado possível a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal”.

(…)»[5]

Ora se assim é, merece-nos integral acolhimento o que foi invocado nas alegações recursivas respeitantes a esta matéria, mais concretamente no seguinte segmento:

«(…)

Face ao exposto, o Tribunal a quo ao reconhecer que os Réus têm a posse da área de 47,25 m2 que pertence, faz parte integrante e foi atribuída à fracção autónoma AZ e, consequentemente, reconhecer que aqueles (Réus) adquiriram por usucapião a referida área, está em termos práticos a alterar o título constitutivo da propriedade horizontal por meio de sentença judicial, passando a fracção AX a ter a permilagem de 1,73 e 69,85 m2 e a fracção AZ a permilagem de 0,58 e 22,60 m2 e isso não é possível sem o acordo de todos os condóminos.

No caso em apreço, a verificação da existência de uma modificação do título de propriedade horizontal por via da usucapião judicial é liminarmente impedida em face do desajustamento entre o título de propriedade horizontal e o projeto que serviu de base quer ao licenciamento, quer à constituição originária da propriedade horizontal.

Essa divergência é manifesta no que concerne a todas as frações a que os autos se reportam.

No que respeita às fracções AZ (dos Autores) e AX, AW e AV (dos Réus), a situação de facto revela que a parede divisória não está colocada na posição determinada pelo título constitutivo, não podendo, por isso, sobrepor-se ao que emerge desse título ao qual subjaz o licenciamento camarário, nos termos do art.º 1418.º CC.»

O que tudo serve para dizer que não era in casu possível constituir e adquirir por usucapião uma parte da área de um edifício, isto é, a usucapião judicial está liminarmente impedida em face do desajustamento entre o título de propriedade horizontal e o projeto que serviu de base quer ao licenciamento, quer à constituição originária da propriedade horizontal.

Donde, logo por aqui, o desacerto da decisão recorrida quando decidiu que a parcela com a área de 47,25 m2 era parte integrante do prédio/fração “AX” dos RR..

Em contraponto, resulta insofismavelmente da materialidade provada que os AA./recorrentes não só adquiriram a fração “AZ” dos anteriores proprietários (aquisição derivada), como ainda beneficiam da presunção da titularidade (cf. art. 7º C.R.Predial), termos em que importa inapelavelmente concluir pelo reconhecimento de que os mesmos são proprietários de tal fração, com os limites que decorrem do título constitutivo da propriedade horizontal, e bem assim, por que nada resulta provado que o impeça, que devem os RR. ser condenados a tal aceitar e reconhecer, e ainda a restituir a área de 47,25 m2 que vêm ilegitimamente possuindo [por ser parte integrante da dita fração “AZ”], aos AA..

Para além disto, será que os RR. podem e devem ser condenados em mais alguma coisa, rectius, algum dos pedidos que os AA. haviam formulado oportunamente na p.i.?

Recorde-se que os AA. haviam ainda formulado na p.i. os seguintes pedidos:

«d) Condenar-se os Réus a, no prazo de trinta dias, após o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida, executarem as obras que se mostrarem necessárias à demolição da parede por si edificada e à construção de uma nova, de forma a restituírem aos Autores a totalidade dos 47,60 m2 da fração autónoma “AZ” que passaram a ocupar e incluíram na fração autónoma AX, bem como a reporem a fração autónoma “AZ” no estado em que se encontrava anteriormente à ocupação, designadamente, com a área total de 69,60 m2;

e) Condenar-se os Réus a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de €250, por cada dia de atraso no cumprimento da sentença que condenar na demolição da parede edificada, na construção de uma nova e na restituição aos Autores da área de 47,60 m2 integrante da fração autónoma “AZ” que ocuparam;

f) Condenar-se os Réus a pagar aos Autores, a título de danos patrimoniais (indemnização), a quantia que se liquidar em execução de sentença que vier a ser proferida nos presentes autos, com o fundamento e pelos danos acima referidos nos pretéritos arts. 88.º a 95.º;

g) Condenar-se os Réus a pagar aos Autores a indemnização, a título de danos não patrimoniais, de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida dos juros de mora que se vencerem a partir da citação até efetivo e integral pagamento.»

A nossa resposta é integralmente negativa.

Explicitando.

Se bem atentarmos, a pretensão globalmente deduzida pelos AA. na respetiva p.i. assentava numa ação ilícita por parte dos RR., qual seja, a de que os mesmos se haviam “apropriado” – através da demolição/construção de uma nova parede entre as frações “AZ” e “AX”, traduzida na “incorporação” material da área de 47,25 m2 na fração “AX” deles RR.! – da dita área de 47,25 m2 efetivamente pertencente à fração “AZ” dos AA..

Acontece que, ao invés, o que resultou apurado nos autos é que essa situação da “incorporação” material – errada e indevida face aos títulos! – da área de 47,25 m2 na fração “AX” dos RR., não teve lugar por qualquer atuação (física/material ou de outra natureza), mas antes decorreu duma atuação da própria sociedade construtora do “Centro Comercial ...”, assim se encontrando desde a abertura deste e início da posse das frações, por tal circunstância atingidas, pelos respetivos anteproprietários.

Não havendo, assim, qualquer atuação ilícita ou indevida que possa ser assacada aos aqui RR./recorridos nesse ato de “incorporação”, entendemos que não existe justificação jurídica para que sejam os mesmos a demolir a parede existente, em ordem à integração dos AA. quanto aos seus direitos sobre a área da fração de que são (reconhecidamente desde agora) titulares.

E muito menos quanto à reposição da fração “AZ” «no estado em que se encontrava anteriormente à ocupação», até por tal nunca ter afinal existido… 

O dever/obrigação de efetivação das obras de demolição e reconstrução da parede, a existir, seria ou da sociedade que construiu e era originariamente proprietária do “Centro Comercial ...”, ou, atualmente, do condomínio!

Não dos RR. individualmente.

Consequente e correspondentemente, entendemos que não deve ter lugar qualquer condenação em sanção pecuniária compulsória (para o caso e pelo incumprimento).

O que igualmente se diga quanto aos pedidos de condenação em danos patrimoniais e não patrimoniais.

Quanto as ambas estas categorias de danos, porque no quadro factual efetivamente apurado, nenhuns dos danos que haviam sido invocados se detetam como apurados ou podem se valorados.

Particularmente no que aos danos patrimoniais que haviam sido invocados diz respeito, não resulta apurado que os AA. estivessem desapossados da área em causa (e impossibilitados de a dar de arrendamento e dela receber rendimento), por razão materialmente imputável aos RR., sendo certo que se a situação de falta de detenção dessa área pelos AA. persistiu até ao presente sibi imputet aos próprios AA., que com tal contemporizaram, sem reivindicação efetiva e anterior à propositura desta ação (no que à área propriamente dita dizia respeito).

Por outro lado e decisivamente, o vasto acervo factual relativo aos danos e prejuízos que os AA./recorrentes haviam invocado, resultou todo ele “não provado”.

Sem que os AA./recorrentes sequer tivessem impugnado a decisão no que a esse particular dizia respeito!

Neste conspecto, manifestamente improcede a pretensão ressarcitória/indemnizatória que haviam formulado, em qualquer vertente que seja.

            Termos em que procede o recurso deduzido pelos AA./recorrentes quanto a esta parte da sentença, somente nos moldes e limites mais restritos antecedentemente assinalados.

                                                                       *

            4.2 – Questão do desacerto na condenação dos AA. como litigantes de má-fé [incluindo o quantitativo fixado a título de multa processual].

            Recorde-se que a sentença recorrida, estribou-se, no essencial, quanto a essa parte na seguinte linha de raciocínio:

«(…)

Temos, assim, que os Autores estribaram, assim, no essencial, as pretensões ora deduzidas, na presente acção, no facto de a fracção deles, desde a data da compra em 1992 até 2012 ter uma área de sensivelmente 69,00m2 e a fracção dos réus, uma área de, sensivelmente, 22,00m2; a parede divisória das fracções manteve-se a mesma desde a construção do edifício/Centro Comercial ... de que fazem parte das fracções até 2012; que no ano de 2013, quando se deslocou à sua fracção, com o seu representante, constataram que a parede que dividia as fracções tinha sido demolida pelos réus, e que tinha sido construída outra parede em todo o comprimento junto à entrada da fracção, na área que lhes pertencia, a dividir as fracções, muito provavelmente, em meados de 2012, quando a sua fracção não estava arrendada, e nessa altura, procederam à medição da área da fracção autónoma “AZ”, e vieram a constatar que a sua fracção apresentava, apenas, uma área de 22 m2, e que os réus integraram abusivamente na sua fracção autónoma “AX” a área de 47,60 m2 que fazia parte integrante daquela sua fracção “AZ”.

O que é certo, porém, é que se provou que, desde a data da construção do edifício de que fazem parte as ditas fracções até aos dias de hoje, a parede que divide as duas fracções sempre foi a mesma, as áreas duma e outra fracção sempre foi a mesma (ou seja, a fracção dos autores, com uma área de 22,60m2 e a fracção dos réus com uma área de 69,85m2) e a configuração de uma e outra fracção sempre foi a mesma, e que os réus nunca demoliram qualquer parede.

O que não é menos certo, porém, é que a factualidade provada o que evidencia gritantemente é que os autores alteraram consciente e intencionalmente (ou seja, como dolo intencional) a verdade dos factos, pois bem sabiam que a parede divisória das fracções sempre foi a mesma, desde a data em que foi construído o edifício até aos dias de hoje; que a área da sua fracção sempre foi de sensivelmente 22,00m2 e que a área da fracção dos réus sempre foi de sensivelmente 69,00m e que as fracções sempre tiveram a mesma configuração, e que os réus nunca demoliram tal parede divisória e muito menos se apropriaram da área de sensivelmente 47m2 que a sua fracção nunca teve.

Assim, nesse conspecto, duvidas não há que a conduta aí tida pelos autores é clamorosamente reveladora duma conduta processual ilícita e dolosamente muito intensa ao adulteraram/alteraram conscienciosa e intencionalmente a verdade dos factos sob apreciação, e portanto, é notório que a conduta tida pelos autores, por que reveladora de uma culpa gravíssima, mostra-se “in casu” altamente censurável e reprovável, e reconduzível à litigância de má-fé processual, por parte dos autores “in casu” na modalidade substancial, subsumível na al. b), nº2, do art. 542º, do CPC.

Para além disso, e tendo em conta as pretensões ora deduzidas pelos autores, na presente acção, com base em tais factos de que tinham a consciência que não eram verdadeiros/verídicos/verazes, o que a conduta ilícita e dolosa e reprovável aí tida pelos autores ao alterarem conscienciosa e intencionalmente a verdade de tais factos evidencia, outrossim, é que os autores estavam, igualmente, cientes de que, se não invocassem tais factos que sabiam que eram inverdadeiros/inverazes/inverídicos, as pretensões ora deduzidas, na acção, em abstracto, não teriam minimamente fundamento.

Ou seja, é notório que “in casu” os autores já estavam cientes, em momento prévio à propositura da acção contra os réus, de que as pretensões ora deduzidas na presente acção, estariam votadas ao insucesso, se se apoiassem na verdade dos factos elencados atrás.

(…)»

Sendo que certo que, nessa lógica, veio a concluir pela condenação dos AA./recorrentes em 10 (dez) unidades de conta, relegando a condenação na indemnização a favor da parte contrária para momento ulterior.

Que dizer?

Será que os autos evidenciam os AA./recorrentes terem adulterado/alterado conscientemente a verdade dos factos?

Nos termos do art. 542º, nº 2, do n.C.P.Civil, «diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.»

Atenta a disciplina legal, a litigância de má fé surge como um instituto processual, de tipo público e que visa o imediato policiamento do processo.

Consabidamente, as alíneas a) e b) do normativo em referência reportam-se à chamada má fé substancial (direta e indireta), as restantes alíneas contendem com a má fé instrumental.

Por outro lado, o âmbito da má fé abrange hoje não apenas o dolo, como a “negligência grave”, introduzida com a alteração ao CPC pelo DL nº 329-A/95, de 12 /12, concebida como erro grosseiro ou culpa grave, sem que seja exigível a prova da consciência da ilicitude da atuação do agente.

Por conseguinte, a lei tipifica as situações objetivas de má fé, exigindo-se simultaneamente um elemento subjetivo, já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico.

Ademais, como nos é ensinado por douto aresto jurisprudencial e à luz da melhor doutrina, alterar a verdade dos factos significa que «a parte queira convencer de uma realidade que conhece ser diferente, portanto, deturpando ou corroendo aquilo que sabe que assim não é (…) estarão, ainda, principalmente aí em vista os factos pessoais ou, pelo menos, aqueles que sejam do conhecimento pessoal da parte, e cuja prova se venha, depois, a fazer em contrário daquilo porque ela pugnara.»[6] 

E que significa proceder com dolo ou negligência grave?

A concretização do dolo revela-se numa intencionalidade da parte; agirá dolosamente, por exemplo, quem sabe que procede a uma descrição dos factos essenciais não coincidente com a realidade. Do ponto de vista da negligência, nem toda é relevante, mas apenas a mais acentuada, portanto, a que supõe uma atuação sem o mínimo de cautelas ou qualquer espécie de ponderação, a imprudência grosseira na atuação da parte; e agirá assim, por exemplo, aquele que, sem fazer apelo ao mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da sua desrazão, opte temerariamente por proceder à descrição dos factos, que se vêm mais tarde a revelar desconformes com a realidade apurada.[7]

Que dizer então no caso vertente?

Que efetivamente os AA./recorrentes in casu “manipularam” ou “adulteraram” factos, mais concretamente, alterando a verdade dos factos a fim de afeiçoarem/fundamentarem substancialmente a sua pretensão jurídica, inclusive na vertente indemnizatória formulada, portanto, atuando com dolo, ao invocarem uma versão factual que sabiam ser falsa ou cuja inveracidade não podiam desconhecer porque respeitante a factos que teriam sido presenciados ou do conhecimento pessoal dos próprios, assim integrando o estatuído na al. b) do nº 2 do art. 542º do n.C.P.Civil, sendo que parte dessa versão adulterada foi sustentada em depoimento pessoal na audiência, quando é certo que se veio a concluir judicialmente em sentido contrário!

Assim, mais do que errar, por negligência, “adulteraram” e, considerando a circunstância nuclear básica da alteração dos factos, parece tornar-se legítima a conclusão de que, pelo que é possível perceber, visavam um objetivo a que não tinham direito, não se abstendo de mentir para que o lograssem alcançar.

Enfim, é a sua própria versão factual a denunciadora, claramente, duma “atuação intencional”, porque patenteando a inveracidade intrínseca, mormente quando alegaram que a parede havia sido destruída/modificada por volta do ano de 2012, não estando na atualidade como estava inicialmente, que o mesmo é dizer, evidencia-se uma atuação censuravelmente gravosa do ponto de vista substantivo para além de processual.

Na explicitação da sentença recorrida, aduziu-se que «(…) é notório que “in casu” os autores já estavam cientes, em momento prévio à propositura da acção contra os réus, de que as pretensões ora deduzidas na presente acção, estariam votadas ao insucesso, se se apoiassem na verdade dos factos elencados atrás»…

Consabidamente, tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

A má fé é passível de multa entre 2 e 100 UCs, conforme estabelece o art. 27º nº 3 do Regulamento das Custas Processuais.

Como critério geral de orientação, segundo o nº4 do referido artigo, «o montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste».

No caso, a má fé processual em causa conduziu à necessidade de um significativo labor acrescido no que concerne à instrução do processo e à decisão relativa à matéria de facto, sendo que estão em causa sujeitos processuais relativamente aos quais não resulta dos autos uma especial vulnerabilidade económica.

Contudo, afigura-se-nos que a materialidade inverídica alegada nunca viria a ter influência na “correta decisão da causa” no que à questão central em causa na mesma dizia respeito, isto é, quanto à decisão supra enunciada no sentido de que nunca seria possível constituir e adquirir por usucapião, através de decisão judicial, uma parte da área de um edifício objeto de propriedade horizontal, para agregar a uma fração existente, porque isso implicaria a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal e esta alteração só é possível, nos termos do artigo 1419º do Código Civil, por acordo de todos os condóminos legalmente formalizado.

Dito de outra forma: os anos da posse inveridicamente imputados aos RR. [menores do que os realmente ocorridos], ou a violência na apropriação pelos mesmos [na realidade inverificada], não obliteravam que a usucapião em benefício deles nunca seria possível, por mais anos de posse que tivessem tido.

Por outro lado, os AA. deduziram a sua demanda assente nos títulos que eram documentos autênticos e objetivamente incontestados, para além de que vieram, a final, a obter ganho de causa quanto ao núcleo central da sua pretensão.

Sob este ponto de vista, o grau de censurabilidade com que pode ser efetivamente qualificado o comportamento/conduta processual dos AA., resultou objetivamente atenuado, a final.

Assim sendo, considera-se justa e equilibrada a aplicação aos mesmos de uma multa fixada em 6 UCs (seis unidades de conta), valor que, tendo em conta a amplitude da moldura legalmente prevista, se considera adequado, não havendo risco, face ao seu equilibrado montante, de ter sérias repercussões no património de cada um desses sujeitos, sendo ainda certo, sempre em contraponto, que «o caráter desmotivador da aplicação da sanção», também não permite que o valor da multa seja “irrisório”.[8]

Ademais, na ponderação da multa concreta, na falta de outros elementos, devemos considerar o valor do processo (€ 153.313,63), o dolo usado e o tempo decorrido.

Donde, parece-nos que face a tudo o exposto se mostra ajustada a multa de 6 UCs.

Nesta linha de entendimento, entendemos não ser de manter a condenação dos AA./recorrentes como litigantes de má fé, nos precisos termos em que teve lugar (10 UCs), pois que deve ser reduzida a multa a este título para o montante vindo de referir (6 UCs).

Procede assim, nesta parte parcialmente, o recurso dos AA./recorrentes.

           

            (…)

 

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, na parcial revogação da sentença da 1ª instância:

A) - acorda-se em julgar parcialmente procedente a ação, declarando-se que os AA. são legítimos donos e senhores, com exclusão de outrem, RR. incluídos, da fração autónoma designada pelas letras “AZ”, correspondente à loja n.º 104 (cento e quatro), 2.º piso, 1.º andar, sendo a 8.ª a contar do norte do alçado interior que fica voltado a nascente (no alçado lateral poente), com a área de 69,60 m2, inscrita na matriz predial respetiva sob o n.º ...00... e descrita na CRP ... sob o n.º ...24..., e condenando-se os RR. a reconhecerem e respeitarem o direito de propriedade plena dos AA. sobre esta dita fração autónoma “AZ”, na totalidade da mencionada área de 69,60 m2, e a absterem-se da prática de quaisquer atos ofensivos e perturbadores do mesmo;

     - absolve-se os RR. dos demais pedidos formulados pelos AA.;

     - custas da ação, nas duas instâncias, por AA. e RR. em partes iguais;

           B) - acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso quanto ao incidente de litigância de má-fé processual dos AA. e, em consequência, altera-se o montante da condenação em multa dos mesmos, o qual passa a ser de 6 UCs;

                - no demais mantém-se o determinado na sentença quanto a esta parte;

                - custas do recurso nesta parte, também por AA. e RR. em partes iguais.

Coimbra, 10 de Outubro de 2023

                                                        Luís Filipe Cravo

                                                            Rui Moura

                                                          Vítor Amaral





[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Rui Moura
  2º Adjunto: Des. Vítor Amaral
[2] Assim no acórdão do STJ de 4-10-2018, proferido no proc. nº 4080/16.9T8BRG-A.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[3] Cf., inter alia, o acórdão do STJ de 15-11-2011, proferido no proc. nº 718/03.6TBPNI.L1.S1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[4] Assim por FERNANDO PEREIRA RODRIGUES, in “Usucapião”, Livª Almedina, 2008, a págs. 16-17.
[5] Citámos agora o acórdão do STJ de 6-12-2018, proferido no proc. nº 8250/15.9T8VNF.G1.S1, também ele acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[6] Citámos o acórdão do T.R. de Lisboa de 18.01.2011, no proc. nº 1807/08.6TVLSB-A.L1-7, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.

[7] Neste sentido, vide LEBRE DE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE, in “Código de Processo Civil anotado”, volume 2º, 3ª edição, Livª Almedina, 2017, a págs. 455-462.

[8] Neste sentido, cf. o ac. do TRL de 08.03.2017, proferido no proc. nº 6894/16.0T8LSB.L1-4, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.