Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2964/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. GARCIA CALEJO
Descritores: VENDA JUDICIAL PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
ABERTURA DE PROPOSTAS EM CARTA FECHADA
Data do Acordão: 11/04/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: REC. AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Legislação Nacional: ARTS. 88º, Nº2; 893°, Nº1; 894°, NºS 1 E 3; E 895º, TODOS DO C PC .
Sumário:
I- Na venda judicial por propostas em carta fechada não podem ser aceites propostas de valor inferior ao anunciado para a venda, excepto se o exequente, o executado e todos os credores com garantia real sobre os bens a vender acordarem na sua aceitação .
II- Se eventuais irregularidades relativas à abertura, licitação, sorteio, apreciação e aceitação das propostas não forem invocadas no acto de venda, as mesmas ficam imediatamente sanadas.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- No processo 172/99 que corre seus termos no Tribunal Judicial de Soure e em que é exequente a Caixa de Crédito ...., com sede em Vila Nova de Anços, Soure e executada Maria do Rosário ..., com residência em Torre do Sobral, Soure, foi penhorado a esta um “barracão amplo de r/ch e sótão e casa de banho sito em Torre do Sobral, com área de 800 m2 e não descrito na Conservatória de Registo Predial, como valor patrimonial de 108.000$00”.
1-2- Por despacho judicial de 18-2-03, foi ordenada a venda do bem penhorado por propostas em carta fechada, tendo sido designado o dia 27-3-03 pelas 9,30 para abertura das propostas.
1-3- No dia designado para a abertura de propostas, verificou-se que a única proposta apresentada ( no valor de 10.500 Euros ), havia-o sido pela exequente, pelo que foi aceite.
1-4- Não se conformando com esta decisão, dela veio recorrer a executada Maria do Rosário, recurso que foi admitido como agravo, com subida quando a venda estivesse concluída, em separado e com efeito devolutivo.
1-5- A recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª- O art. 894º nºs 1 e 3 do C.P.Civil estabelece que após a apreciação das propostas pelo executado, exequente e credores que hajam comparecido e se nenhum estiver presente, considera-se aceite a proposta de maior preço, sem prejuízo do disposto no nº 3.
2ª- O nº 3 estabelece que não serão aceites propostas de valor inferior ao previsto no nº 2 do art. 889º, salvo se o exequente o executado e todos os credores com garantia real sobre os bens a vender acordarem na sua aceitação.
3ª- O valor previsto no art. 889 nº 2 do C.P.Civil é precisamente o valor que foi anunciado para venda e não em qualquer outro.
4ª- O valor referenciado no art. 894º nº 3 coincide com o valor a que se reporta o art. 889º nº 2 do C.P.Civil e que é o valor a anunciar para a venda.
5ª- Daqui que qualquer proposta inferior ao valor anunciado para venda não possa ser aceite e tida em consideração, sendo esta regra que se impõe ao tribunal porque a eventual aceitação está sempre dependente de acordo entre o exequente, executado e credores se for o caso.
6ª- O despacho recorrido violou os arts. 894º nºs 1 e 3, 889º nº 2, 894º nº 3 do C.P.Civil
Termos em que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que declare que a proposta apresentada deveria ter sido rejeitada, com anulação da venda judicial efectivada.
1-6- A parte contrária não respondeu a estas alegações.
1-7- O M.º Juiz recorrido manteve a sua decisão.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Neste recurso a agravante impugna a decisão de aceitação da única proposta apresentada para aquisição do bem penhorado, já que essa proposta era inferior ao valor anunciado para venda, razão por que não poderia ser aceite.
Vejamos:
Como se disse acima, no dia designado para a abertura de propostas, verificou-se que só uma proposta, no valor de 10.500 Euros, foi apresentada. Essa proposta foi da exequente. Por não existir qualquer outra, essa proposta foi aceite.
Terá sido este procedimento correcto ?
É esta a questão que nos é submetida para apreciação.
Estabelece o art. 893 nº 1 do C.P.Civil que “as propostas são entregues na secretaria do tribunal e abertas na presença do juiz, podendo assistir à abertura o executado, o exequente, os reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender e os proponentes”.
Procede-se depois a licitação ou sorteio se houver razão para isso e então “são as propostas apreciadas pelo executado, exequente e credores que hajam comparecido; se nenhum deles estiver presente, considera-se aceite a proposta de maior preço, sem prejuízo do disposto no nº 3 ( art. 894º nº 1 ).
Estabelece por sua vez o nº 3 desta disposição que “não serão aceites as propostas de valor inferior ao previsto no nº 2 do art. 889º, salvo se o exequente, o executado e todos os credores com garantia real sobre os bens a vender acordarem na sua aceitação”.
Por sua vez o art. 889º nº 2 refere que “o valor a anunciar para a venda é, neste caso (venda mediante proposta em carta fechada ) igual a 70% do valor de base dos bens determinado nos termos do disposto no art. 886ºA, salvo se o juiz fixar percentagem diversa”.
Do disposto nestas disposições resulta, a nosso ver e para o que aqui interessa, que na venda judicial por propostas em carta fechada, não poderão ser aceites propostas de valor inferior ao valor anunciado para a venda, excepto se o exequente, o executado e todos os credores com garantia real sobre os bens a vender acordarem na sua aceitação.
Quer isto dizer que no caso vertente, uma vez que a única proposta apresentada ( no valor de 10.500 Euros ), foi inferior ao valor anunciado para a venda (que foi de 14.963,94 Euros ), a mesma não poderia ter sido aceite. Só o poderia ser se nisso acordassem o exequente e o executado ( não existem aqui credores com garantia real sobre o bem a vender ).
Evidentemente que sendo a proposta do exequente, tem-se como certa a sua aceitação na venda a si próprio. Porém não existiu, como se verifica pela respectiva acta, a anuência da executada, razão por que a venda não se poderia ter realizado por aquele preço.
Estabelece porém o art. 895º nº 1 que “as irregularidades relativas à abertura, licitação, sorteio, apreciação e aceitação das propostas só podem ser arguidas no próprio acto”.
Significa isto, a nosso ver, que se as irregularidades não forem invocadas no acto, as mesmas ficam sanadas. Ou seja, a executada, ora agravante, deveria no acto de abertura de propostas, da sua apreciação e aceitação, levantar a ilegalidade cometida, devendo então o juiz providenciar pelo cumprimento da lei ( art. 205º nº2 ). Não o tendo feito ( como se vê da respectiva acta ) a conclusão a retirar não poderá ser outra senão a de que se deve ter como sanada a irregularidade cometida.
Evidentemente que, caso a ilegalidade, uma vez invocada no acto, não fosse suprida pelo Mº Juiz, teria então a executada o ensejo de recorrer da decisão proferida.
Quer isto dizer que, pese embora se reconheça que a venda não poderia ter sido realizada por aquele preço, o certo é que a correspondente irregularidade se deve ter como sanada.
Assim se conclui que o recurso, por estas razões. será insubsistente.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se provimento ao agravo, mantendo a douta decisão recorrida.
Custas pela agravante.