Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
19/07.0TBAGN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
USURA
PAGAMENTO
FACTO EXTINTIVO
Data do Acordão: 11/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ARGANIL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: N.º 2 DO ART.º 342.º, 375.º, N.º 1, 376.º, N.ºS 2 E 3 E N.º 1 DO ART.º 282.º DO CC
Sumário: 1 – O pagamento, como facto extintivo da obrigação, deve ser provado por quem o alega (n.º 2 do art.º 342.º do CC);

2. – A eficácia probatória de um contrato-promessa, enquanto documento particular, ainda que com as assinaturas dos promitentes-vendedores reconhecidas presencialmente no notário, respeita apenas à materialidade das declarações, que não à sua exactidão, por falta ou vício da vontade, cuja prova pode ser feita por qualquer meio, mormente testemunhal (art.ºs 375.º, n.º 1 e 376.º, n.ºs 2 e 3, do CC);

3. – Tem-se como usurário, nos termos do n.º 1 do art.º 282.º do CC, o contrato-promessa de compra e venda de um prédio rústico, que a par de um outro que tinha por objecto um prédio urbano que constituía a casa de habitação dos promitentes-vendedores, cujo valor real era superior ao indicado nesses contratos para a venda de ambos os imóveis, por outro lado abusando o promitente-comprador da situação de necessidade dos promitentes-vendedores, por si conhecida, traduzida no empréstimo desse a estes da quantia que lhes faltava de € 19.343,05 (foi indicada num daqueles contratos como constituindo o sinal), para obstarem à venda judicial da casa de habitação marcada para o mesmo dia e ocasião em que aqueles contratos foram assinados.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

                   1. Relatório

            A... propos no Tribunal Judicial da comarca de ... acção com forma de processo sumário contra B... , C.. e D....., pedindo a sua condenação na execução específica de dois contratos-promessa de compra e venda de dois imóveis ou, subsidiariamente, os RR. condenados no pagamento da importância de € 68.686,10 equivalente à restituição em dobro do sinal prestado ou, ainda, no pagamento da quantia de € 34.343,05 correspondente ao sinal em singelo e preço adiantados pelo A. aos RR.

            Alegou para tanto, em resumo, que no dia 24.5.06 celebrou com os RR. dois contratos-promessa de compra e venda de um prédio urbano, no valor de € 45.000,00 e de um prédio rústico no valor de € 15.000,00 entregando aos mesmos, a título de sinal, quanto ao prédio urbano, a quantia de € 19.343,05 e quanto ao prédio rústico a importância de € 15.000,00 como sinal e completo pagamento, de que lhe foi dada a respectiva quitação, ficando o A. de marcar as competentes escrituras públicas de compra e venda, o que fez para o dia 22 de Novembro de 2006, às 10h30, no Cartório Notarial de ... e a que faltaram os RR., não obstante notificados.

            O prédio urbano está onerado com uma hipoteca, cuja dívida está disposto a pagar e sobre ele incide uma penhora registada e cuja quantia foi depositada pela Ré então executada B..., conforme guia cuja cópia juntou e cujo valor é de € 5.258,00, bem como juntou os correspondentes contratos-promessa.

            Os RR. contestaram, alegando que só outorgaram os contratos-promessa em virtude do estado de necessidade em que se encontravam, uma vez que no próprio dia em que os mesmos foram assinados estava marcada a venda judicial do imóvel objecto de um deles e que constituía a sua casa de morada de família e, os RR., não dispondo de dinheiro para liquidação da dívida exequenda, no valor de € 19.343,05 (quantia esta igual ao valor da importância que viria a ser indicada como sinal num dos contratos-promessa), viram-se obrigados a tais assinaturas para que o A. lhes emprestasse, mediante cheque, tal quantia, minutos antes da hora marcada  para a venda, cuja realização, assim impediram, pelo que se trata de contratos usurários, não sendo verdade que aquando da assinatura dos contratos-promessa o A. houvesse entregue aos RR. a quantia de € 15.000,00.

            O prédio urbano tinha o valor de € 70.000,00 quando no contrato-promessa se referiu ser de € 45.000,00 e o A., que já antes tinha concedido um empréstimo aos RR. em situação idêntica, explorou e aproveitou-se da situação de necessidade dos RR., tendo aquele assegurado a estes que os contratos-promessa seriam apenas uma garantia de que lhes devolveriam a quantia emprestada de € 19.343,05.

            Ao abrigo do art.º 283.º, n.º 1, do Cód. Civil, em lugar da anulação, os RR, concluíram pelo pedido de modificação dos contratos-promessa e de forma a que apenas tenham que devolver ao A. a quantia emprestada de € 19.343,05, acrescida dos juros de mora legais.

            O A. respondeu à matéria de excepção e concluiu como na petição inicial.

            Os RR. vieram pedir a condenação do A. a título de litigância de má fé, em multa e indemnização a fixar pelo tribunal.

            Foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto relevante e cuja base instrutória viria a sofrer reclamação dos RR., que foi parcialmente deferida.

            Entretanto, o A. veio desistir do pedido de execução específica do contrato-promessa relativamente ao prédio urbano.

Proferida sentença, na procedência parcial da acção, foram os dois contratos-promessa julgados usurários e modificados segundo juízos de equidade, com a condenação dos RR. a devolverem ao A. a quantia de € 19.343,05 acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento.

Inconformado com o assim decidido, recorreu o A. quanto à improcedência da acção no tocante ao contrato-promessa de compra e venda do prédio rústico, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

a) – Recorrente e recorridos assinaram um contrato-promessa de compra e venda em que o 1.º prometeu comprar e os 2.ºs vender o prédio rústico, sito em Cansado, freguesia de Secarias, concelho de ..., composto de ¼ de terra de pinhal, vinha e oliveiras, inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º 2023 e descrito na competente Conservatória sob o n.º 01007/990513;

b) – O recorrente pagou, nessa data, aos recorridos a quantia de € 15.000,00 a título de sinal e completo pagamento do preço acordado;

c) – No contrato os recorridos declararam que “nesta data o segundo outorgante entregou aos primeiros a totalidade do preço acordado”;

d) As assinaturas dos recorridos no predito contrato foram reconhecidas no Cartório Notarial;

e) – O contrato-promessa em questão é um documento autenticado com força probatória plena;

f) – A sentença recorrida inverteu o ónus da prova, pretendendo que fosse o recorrente a provar que pagou, esquecendo-se que o contrato-promessa, como documento autenticado, é prova suficiente de pagamento;

g) – A sentença recorrida violou o disposto no n.º 3 do art.º 363.º, art.º 371.º, n.º 1 do art.º 375.º, n.º 1 do art.º 376.º e art.º 377.º, do CC;

h) - O contrato-promessa foi incumprido pelos recorridos;

i) – O recorrente tem direito a receber dos recorridos o dobro daquilo que pagou, ou seja, € 30.000,00;

j) – Caso assim não se entenda, os recorridos, em virtude da redução do negócio efectuado segundo juízos de equidade, têm que devolver ao recorrente a quantia de € 15.000,00, acrescida de juros moratórios desde a citação.

            Houve lugar a resposta dos RR. a sustentar a manutenção do decidido.

            Colhidos os vistos cumpre decidir e uma vez que o A. restringiu o recurso à parte da decisão correspondente ao contrato-promessa que tem como objecto o prédio rústico, são questões a decidir:

            a) – A quem compete o ónus da prova do pagamento;

            b) - Qual o valor probatório dos contrato-promessa de compra e venda do prédio rústico enquanto documento particular com as assinaturas dos outorgantes RR. reconhecidas presencialmente no cartório notarial;

            c) – Incumprimento desse contrato-promessa.


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            2. Fundamentos

2.1.De facto

Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância e que não foi concretamente impugnada, desde logo por falta de gravação dos depoimentos orais produzidos em audiência;

            a) – Em 24 de Maio de 2006 foram celebrados por escrito entre os RR., enquanto 1.ºs outorgantes e o A., como 2.º outorgante, dois contrato-promessa de compra e venda;

            b) – Nesses contratos ficou consignado que os RR. são donos e legítimos possuidores, por sucessão por óbito de António Nunes Pereira, ocorrido em 11.6.01, de quem  foram declarados únicos herdeiros, conforme escritura de habilitação lavrada no Cartório  Notarial de ... em 29.1.03, exarada de fls. 79 a 97 v.º do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 93-D, dos imóveis aí indicados;

            c) – O prédio urbano objecto de um desses contratos está onerado com uma hipoteca registada a favor da “F...”;

            d) – No âmbito da execução sumária que com o n.º 160-A/97 correu termos no 1.º Juízo Cível de Coimbra e em que era executada a ora 1.ª Ré, foi penhorado o prédio urbano objecto de um dos contratos-promessa (fracção F correspondente ao 3.º andar esq.dº. do imóvel sito em Vale Cid, freguesia e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o n.º 2528-F e registado na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 48/230485-F);

            e) – O exequente inicial nesse processo era a “E... ”;

            f) – No âmbito desse processo de execução a executada, ora 1.ª Ré, procedeu ao pagamento da quantia exequenda, no montante de € 5.258,00, através de depósito obrigatório efectuado em 7.10.03 na F...;

            g) – Por sentença datada de 16.6.04 a referida execução foi julgada extinta, nos termos do art.º 919.º do CPC;

            h) – A 6.7.04 veio o Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Coimbra, do “Instituto de Segurança Social, IP” ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 920.º do CPC requerer a renovação e prosseguimento daquela instância para pagamento do seu crédito, o que foi deferido por despacho datado de 11.2.05;

            i) – Tendo sido designado o dia 24.5.06, pelas 15h00, para venda do imóvel penhorado – casa de morada de família dos ora RR. – no Tribunal Judicial de ..., por carta precatória distribuída com o n.º 132/06.1TBAGN e extraída dos referidos autos de execução;

            j) – O valor anunciado para a referida venda foi de 70% do valor base de € 70.000,00;

            l) – Por despacho datado de 19.1.07 foi julgada extinta aquela execução e ordenado o levantamento da penhora e o cancelamento do respectivo registo;

m) – No seguimento daquele despacho, a ora 1.ª Ré, munida de certidão do mesmo, requereu junto da Conservatória do Registo Predial de ... o cancelamento do registo da penhora, encontrando-se a aguardar que o mesmo seja efectivado;

n) – Através dos contratos aludidos os RR. declararam prometer vender ao A. e este declarou prometer comprar os seguintes prédios:

1. – Prédio urbano, sito em Vale Cid, freguesia e concelho de ..., correspondente à fracção F, 3.º andar esq.do inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º 2528-F e descrito na competente Conservatória sob o n.º 00048/230485;

2. – Prédio rústico, sito em Cansado, freguesia de Secarias, concelho de ..., composto de ¼ de terra de pinhal, vinha e oliveiras, inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º 2023 e descrito na competente Conservatória, sob o n.º 01007/990513;

o) – O preço declarado para a transacção do prédio urbano era de € 45.000,00 e € 15.000,00 para o prédio rústico;

p) – No dia 24 de Maio de 2006 o A. pagou aos RR., que estes dele receberam, o montante de € 19.343,05, declarando-se no contrato aludido e respeitante à aquisição do prédio urbano que esse valor foi desembolsado a título de sinal;

q) – Nos termos da cláusula 4.ª do contrato junto a fls. 9-11 ficou exarado que a quantia entregue de € 15.000,00 funciona como sinal e completo pagamento do preço acordado;

r) – O A. procedeu à marcação da escritura pública de compra e venda dos prédios objecto dos contratos acima referenciados para o dia 22 de Novembro de 2006, pelas 10h30, no Cartório Notarial de ...;

s) – Após terem sido regularmente notificados e de terem pleno conhecimento da data da outorga da escritura pública, nenhum dos RR. compareceu no Cartório Notarial;

t) – Os contratos-promessa acima mencionados foram elaborados pelo A. com base nos documentos facultados pelos RR., muito tempo antes do dia 24.5.06;

u) – Uma vez que se encontrava marcada para o dia 24.5.06 a venda judicial daquela que é a sua casa de morada de família e por não possuírem os RR. possibilidades financeiras para liquidarem o crédito exequendo em causa viram-se os mesmos obrigados a assinar os contratos para que o A. lhes desse em empréstimo a necessária quantia;

v) – Os RR. encontravam-se desesperados por não possuírem a quantia que lhes permitiria liquidar o crédito exequendo e, assim, evitar a venda judicial daquela que é a sua casa de morada de família;

x) – Porque não tinham alternativa e com o aproximar da hora marcada para a venda judicial, os RR., desesperados, assinaram os aludidos contratos;

z) – E dirigiram-se apressadamente para o Cartório Notarial onde foram reconhecidas as respectivas assinaturas;

aa) – No seguimento do pagamento, por meio de cheque, da referida quantia exequenda ao credor exequente Centro Distrital de Segurança Social de Coimbra, do Instituto de Segurança Social, IP, este veio requerer, em 12.6.06, a extinção da instância;

bb) – A 1.ª Ré pretende efectuar o pagamento da quantia de € 19.343,05 que o A. concedeu no dia 24 de Maio de 2006, nos moldes referidos no art.º 12.º da base instrutória;

cc) – A relação de confiança entre o A. e os RR. era estreita, inclusivamente o 2.º R. C..., na altura trabalhava para o A. no stand de que este é dono;

dd) – Em 24.5.06 os RR. não possuíam conhecimentos jurídicos e mantinham grande confiança no A. tendo assinado os contratos em causa na sequência do que ficou assente nas respostas dadas aos art.ºs 12.º e 20.º da base instrutória;

ee) – Os RR. nunca quiseram vender os dois imóveis em causa;

ff) – Muito menos pelo valor constante dos aludidos contratos-promessa, deveras inferior ao seu valor real.


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2.2. De direito

            Antes de mais, importa salientar que o recorrente não impugnou a matéria de facto, no sentido de haver sido incorrectamente julgada, embora entenda que deva dar-se como provado, contra a resposta negativa dada ao quesito 4.º (“E pela aquisição do prédio rústico o A. ainda pagou aos RR. o preço global de € 15.000,00 como sinal e completo pagamento?”, o pagamento, em dinheiro, de tal quantia, tendo como objecto o prédio rústico, já que tal é declarado no próprio contrato-promessa de compra e venda cujas assinaturas dos RR. estão reconhecidas notarialmente, por presença.

            Apreciando a 1.ª questão – do ónus da prova do pagamento do preço integral daquele prédio rústico – o pagamento, como facto extintivo da obrigação, quem o alega é que tem de prová-lo (n.º 2 do art.º 342.º do CC).

            E não foi provado, conforme aquela resposta dada ao quesito 4.º.

            Não tem, assim, sentido a afirmação do recorrente de que “eram os recorridos que tinham o ónus de provar que não tinham recebido tal quantia”.

            Como há muito se diz, “o pagamento em direito não se presume”.

Mas, independentemente daquela resposta será que o contrato-promessa enquanto assinado pelos RR. e com as assinaturas reconhecidas notarialmente faz prova plena quanto ao pagamento?[1]

Entramos, assim, na 2.ª questão.

A questão é recorrente nos tribunais e a resposta que lhe tem sido dada, com o apoio da doutrina e assento na lei é esta:

- Nos documentos particulares, como é o contrato-promessa, assinados pelos pelo seu autor, mormente com assinaturas notarialmente reconhecidas, não arguidos de falsos, a declaração neles contida considera-se plenamente provada, por confissão, na medida em que seja contrária aos interesses de quem a profere, v. g., o recebimento de sinal e/ou pagamento, a não ser que o declarante refira e prove por qualquer meio de prova, v. g., testemunhal, que não correspondeu à sua vontade ou que foi afectada por algum vício do consentimento.

Dito de outro modo, a sua eficácia probatória diz somente respeito à materialidade das declarações, que não, também, à sua exactidão (artºs 375.º, n. 1 e 376.º, n.ºs 2 e 3, do CC).[2]

Ora, a desconformidade das declarações com a sua vontade foi o que os RR. lograram provar, assente que ficou que os contratos-promessa em causa não correspondiam à sua vontade declarada de realizarem qualquer negócio, antes a sua outorga se deveu à situação de necessidade em que se encontravam, ávidos do empréstimo a conceder pelo A. recorrente, da quantia de € 19.343,05, face à eminência da venda judicial da sua casa de morada de família e cuja execução conseguiram sustar e pagar, no momento da venda, quantia essa que, aliás, figurou como correspondendo ao sinal da promessa do prédio urbano.

É o que resulta não só da resposta negativa dada ao quesito 4.º e consequente aproveitamento do incumprimento do ónus da prova por parte do A. recorrente, como também das respostas positivas dadas aos quesitos 34.º e 35.º e que, repetimos, não foram impugnadas, nem em princípio o poderiam ser, uma vez não requerida ou ordenada a gravação dos depoimentos orais produzidos em audiência de julgamento.

Do exposto decorre a improcedência das sete 1.ªs conclusões do recurso.

Quanto à 3.ª questão, do incumprimento do contrato-promessa e consequente devolução em dobro do sinal, ou em singelo, segundo juízos de equidade por redução [redutibilidade] do negócio, já estamos a ver que, não provada nenhuma entrega pecuniária relativamente ao prédio rústico objecto do contrato-promessa, nada haverá a conferir ou restituir.

O contrato em causa, não obstante ter sido objecto de um escrito autónomo em relação ao prédio urbano, ambos respeitam ao mesmo momento e circunstancialismo. Foram assinados na mesma ocasião e debaixo de igual constrangimento ou situação de necessidade e que o recorrente aceitou quanto à fracção predial urbana ao delimitar o objecto do recurso, apenas, ao prédio rústico, pelo que os requisitos objectivo (benefício injustificado) e subjectivo (exploração da mesma situação de necessidade, ou seja, a eminência da venda judicial da casa de habitação) se têm por verificados igualmente.

E a tanto não obsta a falta de indicação (e prova) do valor real desse prédio, de forma a melhor sopesar a desproporção decorrente do n.º 1 do art.º 282.º do CC.

Mas, ainda que o seu valor real fosse o indicado no contrato-promessa (€ 15.000,00), somado este ao valor indicado na promessa do urbano (45.000,00), tendo, só este, o valor da venda judicial de € 70.000,00, desproporção injustificada existia, também.

Pelo valor de um ficava o A. com dois e ainda sobrava dinheiro!..

Porque a nenhuma prestação houve lugar, na realidade, quanto ao contrato-promessa respeitante ao prédio rústico, nenhum conteúdo existe tendente à sua modificação (redutibilidade) segundo juízos de equidade (n.º 1 do art.º 283.º do CC), nada havendo, como se disse, a restituir.

Improcedem, assim, também, as demais conclusões do recurso.

            Em suma e em jeito de conclusão, poderíamos assim sumariar:

1 – O pagamento, como facto extintivo da obrigação, deve ser provado por quem o alega (n.º 2 do art.º 342.º do CC));

2. – A eficácia probatória de um contrato-promessa, enquanto documento particular, ainda que com as assinaturas dos promitentes-vendedores reconhecidas presencialmente no notário, respeita apenas à materialidade das declarações, que não à sua exactidão, por falta ou vício da vontade, cuja prova pode ser feita por qualquer meio, mormente testemunhal (art.ºs 375.º, n.º 1 e 376.º, n.ºs 2 e 3, do CC);

            3. – Tem-se como usurário, nos termos do n.º 1 do art.º 282.º do CC, o contrato-promessa de compra e venda de um prédio rústico, que a par de um outro que tinha por objecto um prédio urbano que constituía a casa de habitação dos promitentes-vendedores,  cujo valor real era superior ao indicado nesses contratos para a venda de ambos os imóveis, por outro lado abusando o promitente-comprador da situação de necessidade dos promitentes-vendedores, por si conhecida, traduzida no empréstimo desse a estes da quantia que lhes faltava de € 19.343,05 (foi indicada num daqueles contratos como constituindo o sinal), para obstarem à venda judicial da casa de habitação marcada para o mesmo dia e ocasião em que aqueles contratos foram assinados.


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            3. Decisão

            Face a todo o exposto, acordam na improcedência da apelação e confirmam a sentença, na parte recorrida.

            Custas pelo apelante.


[1] Embora irrelevando para a decisão e porque documento autenticado é o documento cujo conteúdo as partes confirmem perante o notário, contrariamente ao que vem sustentado nas alegações de recurso, não é, no caso, o reconhecimento presencial das assinaturas que confere aos contratos-promessa tal atributo (v. art.ºs 35.º, n.º 3, 150.º e 151.º, do Cód. Notariado).
[2] P. Lima e A. Varela, “Cód. Civil, Anot.”, I, 4.ª ed., pág. 332.
Acs. STJ de 17.4.08, Proc. 08B731, 7.5.09, Proc. 09A0664 e 26.5.09, Proc. 97/09.8YFLSB, todos no ITIJ.