Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
276/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
Data do Acordão: 06/15/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 25.º E 26.º COD EXP
Sumário: 1. No âmbito do Código das Expropriações de 1999, não podem ser classificados como aptos para construção, apesar de reunidos os requisitos do n.º 2 do art.25, os solos inseridos na Reserva Agrícola Nacional (RAN) ou na Reserva Ecológica Nacional (REN) .
2. A norma do art.26 n.º12 do CExp.199 não é aplicável, extensiva ou analogicamente, para atribuir aptidão construtiva a solos inseridos na RANIREN.
3. Violam princípio o constitucional igualdade (art.l3 da CRP ), as normas contidas no n.º l do art 23 no n.º 1 do art.26 do CExp./99, quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de "solo apto para construção" e como tal indemnizar o solo expropriado, integrado Reserva Agrícola na Nacional Reserva Ecológica Nacional, para implantação de vias de comunicação.
4. Apenas dois em casos pode um terreno integrado RAN na ou REN na considerado ser apto para construção: (1) Se o proprietário do terreno demonstrar que excepcionalmente foi autorizada a construção de edifício na parcela em causa; (2) se a expropriação da parcela visa a construção de prédios urbanos.
Decisão Texto Integral: 1
Acordam no Tribunal da RELAÇÃO DE COIMBRA

I - RELATÓRIO

1.1. - Por despacho de 16 de Outubro de 2000 do Senhor Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas, publicado no DR n.º 251, de 30 de Outubro de 2000, II série, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação da parcela de terreno 18 A, com 4826 m2, a destacar do prédio situado na freguesia de São Vicente, Concelho da Guarda, inscrito na matriz predial sob o artigo 47 da Repartição de Finanças da Guarda, e descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o n.º 01007, tendo a parcela destacada as seguintes confrontações: do Norte com Ribeira e Caminho, a Sul e Nascente com Estrada, a Poente com Escola C+S de S. Miguel e BB.
1.2. - É expropriante o INSTITUTO PARA A CONSTRUÇÃO RODOVIÁRIA ( ICOR ) e expropriados BB e mulher CC.
1.3. - Realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam, procedeu-se a arbitragem tendo os senhores peritos decidido, por unanimidade, atribuir à referida parcela expropriada o valor de 4.826.000$00 (24.071,99 euros).
1.4. - Adjudicado o prédio expropriado, não concordando com o valor atribuído à parcela pela arbitragem, os expropriados recorreram da decisão arbitral, pedindo que se fixe o valor total da indemnização devida em € 579.120,00, posteriormente ampliada para 1.083.632,00 €.
O expropriante respondeu ao recurso, sustentando que a parcela expropriada deve ser avaliada nos termos do n.º 5 do art. 23º do CExp./99, não sendo aplicável o nº 12º do art. 26 do mesmo diploma.
1.5. - Nomeados os peritos, procedeu-se à avaliação.
Foram apresentados dois laudos, sendo um subscrito pelos peritos designados pelo tribunal e pela expropriante (cfr. fls. 202 a 207) e outro pelo perito designado pelos expropriados (cfr. fls. 183 a 192).
1.6. – Foi proferida sentença que, na parcial procedência do recurso, decidiu fixar a indemnização em € 30.162,50 (trinta mil cento e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos), tendo-se consignado que “(O valor da indemnização é actualizado pelo índice de preços no consumidor, fornecido pelo I.N.E., a partir de 16 de Outubro de 2000 - data da declaração de utilidade pública (art 24.° do Cód. Das Exprop.) - e até efectivo pagamento)”.
1.7. - Inconformados, os expropriados interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1º) - A questão que ainda se discute nestes autos é, substancialmente a de saber se pode ser classificado como solo apto para construção terreno que, possuindo as infra-estruturas que a lei estabelece para essa classificação, está incluído em RAN ou REN, assim definido em PDM.

2º) - Não temos dúvida em afirmar desde já que aceitar a jurisprudência que pretendeu definir a douta sentença significaria manifesta involução na doutrina e jurisprudência em matéria de expropriações e de constitucionalidade.

3º) - Para arrumação das matérias necessário se tornou verificar os factos assentes (supra 5.1. a 5.19., que se dão aqui por reproduzidos).

4º) - Deverá também verificar-se que é grande a disparidade de valores no processo:

- A Decisão Arbitral estabeleceu o valor de indemnização (seu contravalor em euros) em € 24.071,99;

- Os Expropriados sustentam que o respectivo valor deve ser estabelecido em € 1.083.633,00 (em ampliação do pedido inicial do seu recurso);

- A Expropriante pretende, sem recurso autónomo, a conformação com a Decisão Arbitral, ou seja, a fixação do valor € 24.071,99;

- Os Srs. Peritos do Tribunal propuseram os seguintes valores: o de € 30.162,50 se solo apto para outros fins e o de €889.528,32 se solo apto para construção;

- O Sr. Perito do Expropriante propôs os seguintes valores: o de € 24.130, se solo apto para outros fins e o de € 889.528,32 se solo apto para construção;

- O Sr. Perito dos Expropriados propôs o valor de € 1.083.633,00;

- A douta sentença aderiu ao 1° Laudo dos Srs. Peritos do Tribunal, fixando a indemnização em € 30.162,50.

5º) - A Decisão Arbitral, assim como a douta sentença entenderam que o solo deve ser avaliado como solo apto para outros fins, aplicando-se, pois, na sua avaliação os critérios do art° 27° do CExp. de 99.

6º) – Mas, salvo o devido respeito, a decisão é errónea. Com efeito, os critérios legais gerais da fixação da indemnização em expropriação por utilidade pública são aqueles que atrás se deixaram resumidos (supra 17. a 28.), em especial no que respeita aos solos aptos para construção (supra 29. a 41.) — que todos eles têm de ser atendidos e aqui se dão por reproduzidos.

7º) - Merece, porém, especial detença, face aos errados critérios usados pelos Laudos dos Peritos da Expropriante e do Tribunal, e para revisão da sentença recorrida, a situação de terrenos classificados no PDM como área restritiva de RAN/REN.

8º) - O Tribunal Constitucional (supra 31. — Ac. TC. n° 267/97) declarou a inconstitucionalidade o art° 24°-5 CExp. de 91, em que estava, precisamente, em causa a classificação por PDM de terrenos como RAN (ou REN, é indiferente), que retirava capacidade edificativa a solos que, em antes, tinham todos os pressupostos do art° 24°-2 do mesmo Código para serem qualificados como «aptos para construção», na sequência, aliás, de jurisprudência constante dos Tribunais Comuns (supra 32.), e de jurisprudência posterior, mesmo proferida já no domínio do CExp. de 99 (supra 34.) — a despeito de um acórdão do TC em sentido oposto (supra 33. — o Ac. TC. n° 20/2000).

9º) - Hoje, porém, vigora já um novo Código, o Código de 1999 aprovado pela Lei n° 168/99, de 18.09, que é o aplicável ao caso vertente.

10º) - Ora, perante a manifesta inconstitucionalidade do cit. art° 24°-5 do CExp. de 91, o que aconteceu foi que o legislador do CExp. de 99 suprimiu essa norma.

11º) - Passaram a existir neste CExp. de 99 duas normas fundamentais: uma manteve a do Cód. de 91 (a do art° 25°-3 — semelhante à do art° 24°-4 de 91); outra nova (a do art° 26°-12 — em que foi estabelecido um critério autónomo para estes solos, dentro da sua classificação de solos aptos para construção, solos estes que são os art° 26°).

12º) - Deste modo, é manifesto que o legislador do CExp. de 99 aderiu claramente à doutrina do também acórdão n° 267/97 (supra 38. a 41.).

13º) - A razão da enorme diferença entre o valor dos Laudos dos Srs. Peritos do Tribunal e da Expropriante, e a subsequente sentença recorrida, em relação ao Laudo do Sr. Perito da Expropriada resulta de: aqueles e aquela terem considerado a Parcela (n° 18.1.) como solo apto para outros fins, por força da sua inclusão na RAN/REN; enquanto este considerou a Parcela como solo apto para construção.

14º) - É certo e indesmentível que ocorrem todos os índices do art° 25°-1-a) e 2 CExp., pelo que não pode negar-se à Parcela a natureza de solo apto para construção.

15º) - E a isso nada obsta o facto de a Parcela, no todo ou em parte, estar incluída na REN ou na RAN ou estar incursa em zona classificada para não construir no PDM.

16º) - Deste modo, pretender-se — como fizeram com acrimónia os Srs. Peritos do Tribunal e da Expropriante — como fez também a douta sentença, que, por força da classificação em zona de RAN/REN no PDM da Guarda da Parcela n° 23, agora expropriada, deve esta ser classificada como «solo para outros fins», que não o de «para construção», uma de três:

17º) - Ou isso resulta de uma interpretação do art° 25°-3 CExp. 99 manifestamente inconstitucional — até porque equivaleria a atribuir-se-lhe, por si só, uma interpretação equivalente à manutenção da revogada norma do art° 24°-5 do CExp. de 91;

18º) - Ou isso resulta de uma interpretação restritiva do art° 26°-12 CExp. 99, ao não considerar equivalente, ou equiparado a «zona verde e de lazer» a que provém da sua classificação em PDM na área como restrita de RAN/REN, quando a razão de ser da norma é exactamente a mesma, assim sendo feita uma interpretação também inconstitucional daquela norma;

19º) - Ou isso resulta de uma interpretação restritiva do mesmo art°26°-12 CExp. 99, ao não admitir que nela se contém a referência a solos (ora expropriados), que, estando incluídos por PDM em zona restrita de RAN/REN, dela tiveram de ser retirados, por natureza e para o fim da expropriação, para a construção de uma infra-estrutura ou equipamento público como é uma estrada, tal como o é a VICEG - VIA DE CINTURA EXTERNA DA GUARDA, assim sendo também feito uma interpretação inconstitucional daquela norma.

20º) - Certo é que em qualquer dos casos referidos nas conclusões 17 a 19 ocorreria, como ocorreu, na douta sentença, violação dos princípios do direito de e à propriedade, da justa indemnização, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, em violação dos aos art°s 13°, 62°-1 e 2 e 266°-1 e 2 CRP.

21º) - Sendo indubitável que estamos perante solo apto para construção, todo ele, o seu valor «calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor» (CExp. ari° 26°-1).

22º) - Reitera-se, então, que, «sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300m do limite da parcela expropriada» (CExp. art° 26°-12).

23º) - Esses elementos de facto já foram colhidos dos laudos periciais, conforme o que se deixou transcrito nas respostas aos quesitos, os quais foram formulados precisamente tendo em conta o que prescreve a aludida norma.

24º) - O douto Tribunal é quem decide e «o Juiz não está vinculado, na fixação da indemnização, pelos valores indicados pelos peritos, designadamente quando, nos laudos dos peritos não foram observados os critérios legais da avaliação».

25º) - Neste caso, o Tribunal só tem como credível o Laudo do Sr. Perito da Expropriada, por ser o único que respeita, com minúcia e fácil leitura descritiva, os critérios legais, todos eles, com a avaliação da Parcela como solo apto para construção — mesmo em comparação com posteriores avaliações feitas nos outros Laudos como se os seus autores reputassem a Parcela como de solo apto para construção (cf. supra 64. a 66.).

26º) - Finalmente, verificando-se que o Laudo do Sr. Perito dos Expropriados chegou a um valor de indemnização superior àquele que estes tinham peticionado no recurso da Decisão Arbitral, os apelantes procederam nas suas alegações à ampliação do seu pedido, pois que é manifesto que se trata de mero desenvolvimento do pedido primitivo (CPCiv., art° 273°-2) — e é esse o valor que deve ser fixado, ou seja, o de € 1.083.633,00.

27º) - Decidindo diferentemente, a douta sentença violou, salvo o devido respeito, os art°s 25° e 26° (em especial n° 12) do CExp. de 99 e ainda, designadamente face a interpretações inconstitucionais dos art°s 25°-3 e 26°- 12 do mesmo Código, os art°s 13°, 62°-1 e 2 e 266°-1 e 2 CRP, nos termos atrás descritos.

Com as alegações, os apelantes juntaram um douto parecer jurídico.

1.8. – Nas contra-alegações, o Expropriante, em ampliação do âmbito do recurso, requereu a alteração da sentença, na parte em que determinou a actualização da indemnização até efectivo pagamento, pois não se configurando a hipótese do nº3 do art.24 do CExp./99, a actualização só pode ocorrer até à data da decisão final do processo.
Na resposta ao recurso, concluiu, em resumo:
1º) - A douta sentença apelada deve ser rectificada na parte em que decidiu sobre a actualização da justa indemnização, pois aquela não pode ultrapassar a data da decisão final do processo;

2º) - No mais, a douta sentença apelada constitui uma peça notável, que não merece censura;

3º) - A parcela dos autos foi correctamente classificada como solo apto para outros fins;

4º) - O PDM da Guarda proíbe a construção na parcela expropriada, pelo que a classificação desta como solo apto para a construção, ambicionada pelo apelante, só revelaria para efeitos da eventual aplicação do n° 12 do artigo 26° do Código das Expropriações;

5º) - Dada a classificação urbanística da parcela expropriada, no PDM da Guarda, esta não se inclui em qualquer das situações mencionadas naquela inciso que, por isso não se aplica directamente no caso sub judice;

6º) - O n°2 do artigo 26° excepciona o regime geral da justa indemnização, razão porque também não pode aplicar-se por analogia ao caso sub judice.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto do recurso:

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes ( arts.684 nº3 e 690 nº1 do CPC ), impondo-se decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras ( art.660 nº2 do CPC ).

Considerando as conclusões que os recorrentes extraíram da respectiva motivação, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:
a) – Saber se parcela de terreno expropriada deverá ser classificada, para efeitos do cálculo indemnizatório, como "solo apto para construção" ou "solo apto para outros fins";
b) – Qual a justa indemnização a atribuir;
c) – Até quando pode ser actualizada a indemnização.
2.2. – OS FACTOS PROVADOS:
1) - A utilidade pública da expropriação da parcela foi reconhecida por despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas, de 16 de Outubro de 2000, publicado no D.R. nº 251, Série II, de 30 de Outubro de 2000, que reconheceu a urgência da expropriação e a autorização da posse administrativa imediata.
2) - Em 10/11/2000, realizou-se a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” e em 11/12/2000 a expropriante tomou posse administrativa da parcela.
3) - A arbitragem foi realizada em Maio de 2001 e nesta atribuída uma indemnização aos expropriados de € 24.071,99.
4) - A parcela expropriada tem a área 4826 m2, foi desanexada de um prédio com a área de 8,0168 HA, situado na Quinta da Levada, na freguesia de São Vicente, Concelho da Guarda, inscrito na matriz predial sob o art.º 47 da Repartição de Finanças da Guarda, e descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o n.º 01007.
5) - A área da parcela sobrante é de 12.560 m2, esta sofreu um pequeno ajustamento no sentido de ser deixado um acesso da mesma ao arruamento existente junto à escola C+S de S. Miguel.
6) - A parcela destacada tem as seguintes confrontações: do Norte com Ribeira e Caminho, a Sul e Nascente com Estrada, a Poente com Escola C+S de S. Miguel e BBa.
7) - O solo da parcela é delgado, de granito e apresenta declives entre os 10% e os 20 %.
8) - Esta parcela de terreno situa-se em "Área Rural - Área de mato e uso florestal a manter", e também em Área de salvaguarda estrita", nos termos do PDM do Concelho da Guarda.
9) - De acordo com este PDM, os solos da parcela expropriada situam-se totalmente em área abrangida pela Reserva Ecológica Nacional (REN) e parcialmente em área abrangida pela Reserva Agrícola Nacional (RAN).
10) - A parcela de terreno expropriada situa-se fora de qualquer zona urbana, urbanizável ou industrial.
11) - A parcela situa-se junto de uma área urbanizada da cidade da Guarda, dispondo das seguintes infra-estruturas: estrada pavimentada, rede de abastecimento domiciliário de águas, rede de saneamento ligado a uma estação depuradora, rede de distribuição de energia eléctrica e rede telefónica.
12) - A parcela localiza-se no interior do núcleo urbano da Freguesia de São Miguel.
13) - Os solos da parcela têm aptidão agrícola em especial para pastoreio directo.
14) - No âmbito da peritagem efectuada, os peritos designados pelo Tribunal atribuíram à mencionada parcela de terreno o valor de 30.162,50 €.
15) - O perito designado pela expropriante atribuiu à mencionada parcela o valor de 24.130,00 €.
16) - O perito designado pelos expropriados atribuiu à parcela o valor de 1.083.632,00 €.

2.3. – 1ª QUESTÃO:

A sentença recorrida, depois de enunciar, com proficiente retórica-argumentativa, os princípios gerais orientadores da expropriação, bem como a natureza e finalidade da “ justa indemnização “, concluiu que a parcela de terreno expropriada, por se situar totalmente em área abrangida pela Reserva Ecológica Nacional (REN) e parcialmente em área abrangida pela Reserva Agrícola Nacional (RAN), deve ser classificada como “ solo para outros fins “, nos termos do art.25 nº1 alínea b) e nº3 do C.Exp./99.
Rejeitou a pretensão dos Expropriados, no sentido da parcela expropriada ser “ solo apto para construção “ ( art.25 nº1 a) e nº2 do CExp./99 ), com fundamento nos seguintes tópicos:
a) - Não obstante o terreno reunir todos os requisitos do art.25 nº2 do C.Exp., considerou-se que tal não é suficiente para classificar a parcela expropriada como “ solo apto para construção “, visto existir um impedimento legal à construção por se tratar de terreno integrado em Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional;
b) - A tal não obsta a eliminação do n.º5 do art. 24º do C.Exp/91., já que a inclusão dos terrenos em área RAN ou REN mantém-se e o novo diploma não trouxe alterações a este nível;
c) - Apenas em dois casos pode um terreno integrado na RAN ou na REN ser considerado apto para construção: (1) Se o proprietário do terreno demonstrar que excepcionalmente foi autorizada a construção de edifício na parcela em causa; (2) se a expropriação da parcela visa a construção de prédios urbanos;
d) - O destino a dar ou dado pelo expropriante à parcela expropriada não visa a construção de prédios urbanos, ou seja, não visa efectivar a sua potencialidade construtiva, mas apenas a construção de uma estrada, sendo esta diferença que assume enorme relevância e justifica também, mesmo a nível jurisprudencial ( maxime da jurisprudência do TC ) tratamento diferente a situações que são, de facto, diferentes;
e) - Daí que um terreno integrado na RAN ou na REN ou em ambas, como é o caso, com as inerentes limitações do jus edificandi, não confere ao proprietário qualquer expectativa de edificação (não existe, assim, uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa) que possa ser avaliada, para efeitos de indemnização por expropriação, como solo apto para construção;
f) - Não tendo o proprietário expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia invocar o princípio da "justa indemnização", de modo a ver calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar.
g) – Não é aplicável directa, extensiva ou analogicamente o art.26 nº12 do CExp./99.
Desde já se adianta que os fundamentos expostos na sentença recorrida merecem a nossa concordância e a argumentação aduzida nas alegações de recurso, não é suficiente, salvo o devido respeito, para pôr em causa a sua sustentabilidade.
Está provado que de acordo com o PDM do concelho da GUARDA os solos da parcela expropriada, com a área 4826 m2, situam-se totalmente em área abrangida pela Reserva Ecológica Nacional (REN) e parcialmente em área abrangida pela Reserva Agrícola Nacional (RAN).
A questão que se coloca é, pois, a de saber, em tese geral, se um terreno integrado na RAN/REN, pode considerar-se, para efeitos do cálculo de indemnização devida ao expropriado, como tendo “ potencialidade edificativa”.
A resposta não tem sido uniforme, existindo actualmente duas correntes jurisprudenciais.
Uma, no sentido de que a integração dos solos na RAN/REN não obsta à classificação como “ solos aptos para construção “, desde que se verifiquem os requisitos que o Código das Expropriações faz depender a inclusão nesta categoria ( cf., por ex., Ac RP de 4/10/2002, de 5/12/2002, 6/11/2003, www dgsi, Ac RC de 16/12/2003, C.J. ano XXVIII, tomo V, pág.36 ).
Outra, sustenta a tese da inadmissibilidade, salvo quando a expropriação for acompanhada de desafectação da reserva e o terreno se destinar a serem nele levantadas construções urbanas ( cf., por ex., Ac RP de 23/10/2001, de 26/2/2004, www dgsi.pt. ).
O n.º 5 do art. 24.º do C.Exp./91 continha a seguinte norma - “ Para efeitos da aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção” – a qual não foi reproduzida no actual Código das Expropriações.
O Tribunal Constitucional, no Acórdão nº nº267/97 (DR II Série de 21/5/97) pronunciou-se pela inconstitucionalidade desta norma quando interpretada por forma a excluir da classificação de “ solo apto apara construção “ os solos integrados na RAN, expropriados com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola.
Sustentam os Apelantes que o Código das Expropriações de 1999, ao eliminar essa norma veio consagrar a tese deste acórdão do Tribunal Constitucional.
Porém, salvo o devido respeito, não sufragamos esse entendimento, como, de resto, se demonstrou na sentença recorrida.
Desde logo, a norma do n.º 5 do artigo 24 do CExp./91 só foi julgada inconstitucional precisamente neste Acórdão, em que a Administração classificou uma parcela de terreno, dotada de todas as infra-estruturas, como de utilidade pública agrícola integrando-a, por isso, na RAN, vindo, posteriormente e uma vez desvalorizada, a adquiri-la, pagando por ela um valor correspondente ao de solo não apto para construção ( notando-se ainda que a sua apropriação ocorreu apenas uma semana antes da publicação da Portaria nº 380/93, que veio desafectar da RAN todo o terreno em que se situava a referida parcela).
Daí que ALVES CORREIA tenha afirmado que o "sentido profundo" do julgamento de inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 267/97 " é o de impedir que a Administração, depois de ter integrado um determinado terreno na RAN (…), venha, posteriormente, a desafectá-lo, com o fim de nele construir um equipamento público, pagando pela expropriação um valor correspondente ao de solo não apto para a construção" ( cf. A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, Coimbra, 2000, página 52 ).
Contudo, após esse aresto, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a citada norma, sempre a favor da sua não inconstitucionalidade, quando interpretada no sentido de excluir da classificação de “ solo apto para construção “, solos integrados em RAN/REN, expropriados para fins diversos, quer de utilidade pública agrícola, quer de edificação de construções urbanas ( cf. por ex., Ac nº20/2000, DR II Série de 28/4/2000,, Ac nº219/2001, DR II Série de 6/7/2001, Ac nº243/2001, DR II Série de 4/7/2001, Ac nº121/2002, DR II Série de 12/12/2002, Ac nº417/2002, DR II Série de 17/12/2002, Ac nº155/2002, DR II Série de 30/12/2002, Ac nº333/2003, DR II série, de 17/10/2003 ).
Nestes acórdãos, o Tribunal Constitucional defendeu que os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade são afectados apenas quando se exclui da classificação de “ solo apto para construção “ um terreno integrado na RAN e que seja dela desafectado com vista à implantação de edifícios, mas já não quando a expropriação não visar a construção de prédios, mas antes a construção de uma via de comunicação.
Logo no acórdão nº20/2000 se julgou não inconstitucional a mencionada norma, interpretada de modo a excluir da classificação de solo apto para a construção solos integrados na RAN expropriados para implantação de vias de comunicação.
Nele se escreveu:
“ Deve, pois, entender-se que a ratio decidendi do Acórdão 267/97 se baseou, não na desvinculação de uma utilização agrícola pela expropriação, ou na ilegitimidade de expropriação de prédios impostos na RAN, mas na circunstância de, nesse caso, a interpretação normativa em apreço conduzir à não consideração como solo apto para construção de prédios expropriados justamente com a finalidade de neles construir prédios urbanos, em que, portanto, a muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa fica demonstrada pelo facto da expropriação – aliás acompanhada de desafectação da RAN – ser efectuada para edificação de construções urbanas ”.
E no acórdão nº 333/2003, cita-se o acórdão nº 243/201, neste passo:
“ A proibição de edificar em terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional, imposta como é pela própria natureza intrínseca da propriedade, mais não é, pois (…), do que "uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo". Por isso, quando se expropria uma parcela de terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional, não tem de tomar-se em consideração no cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado, a potencialidade edificativa dessa parcela: é que – repete-se – essa potencialidade edificativa não existe, nem a expropriação a faz nascer. Só assim não será, devendo, então, levar-se em conta a aptidão edificativa do terreno expropriado no cálculo do valor da indemnização a pagar, quando a expropriação for acompanhada da desafectação da Reserva, e aquele terreno destinado a nele se levantarem construções urbanas, como aconteceu no caso sobre que incidiu o referido Acórdão n.º 267/97 (…) “.
Por conseguinte, não é pelo facto do actual Código da Expropriações não reproduzir a norma do art. 24 nº5 do CExp./91, que um terreno inserido na RAN ou REN adquire “ aptidão edificativa” e como tal deva ser levada em conta para a “ justa indemnização “.
Por isso, apesar do CExp./99 não conter um preceito similar ao revogado art.24 nº5 do CExp./91, deve continuar a aplicar-se a tese nele subjacente ( cf., neste sentido, PEDRO ELIAS DA COSTA, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, 2ª ed., pág.284 ).
Assim o impõe a unidade do sistema jurídico, face ao regime jurídico da RAN e da REN, e ao princípio geral contido no art.23 nº1 conjugado com a norma do art.26 nº1 do CExp./99, corroborados pela jurisprudência constitucional.
Com efeito, segundo o princípio geral plasmado no nº 1 do art. 23 do CExp./99, a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data” ( sublinhado nosso ).
E o nº1 do art. 26 do CExp./99, prescreve que “ O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor” (sublinhado nosso).
Acresce que a própria redacção da al. a) do nº 2 do art. 25º reforça a interpretação defendida, ao exigir que o acesso rodoviário e demais infra-estruturas nela referidas tenham “as características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir” ( sublinhado nosso ).
Deste modo, não podem ser classificados como aptos para construção, apesar de reunidos os requisitos do nº2 do art.25 do CExp./99, os solos inseridos na RAN/REN.
Isto porque, verificadas estas condições, os proprietários dos respectivos terrenos não poderão ter expectativas legalmente fundadas quanto “ à sua muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa “.
Como acentua LOPES DO REGO, “ (…) a “ aptidão edificativa “ não pode presentemente ser perspectivada como um conceito puramente “ naturalístico “, tendo necessariamente de reflectir as limitações de interesse público ao pleno exercício das faculdades tradicionalmente conferidas pela lei civil ao proprietário.
“ Ora, neste circunstancialismo, afigura-se que não faria qualquer sentido que o proprietário, pelo simples facto de uma entidade pública ter procedido à expropriação do prédio, acabasse por receber verba superior à que teria expectativa de obter se alienasse o bem no comércio jurídico, alcançando como contraprestação o respectivo valor venal ou de mercado ( … ) “ ( RMP ano 20, nº78, pág.120 ).
Ou, como se referiu no Acórdão nº333/03, de 7/7/03, do Tribunal Constitucional, “ não tendo o proprietário, pela integração do terreno na RAN, expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia invocar o princípio da “ justa indemnização “, de modo a ver calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era para ele legalmente inexistente e com a qual não poderia contar “.
A proibição de construir sobre os solos integrados na RAN/REN é, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, uma consequência da “vinculação situacional” da propriedade que incide sobre os solos com tais características.
Na verdade, como se afirmou no Acórdão n.º 347/2003:
“(…) de acordo com o ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos abrangidos pela RAN (DL. n.º 196/89, de 14/6, alterado pelos DLs. n.os 274/92, de 12/12 e 278/95, de 25/10), REN (Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) ou áreas non aedificandi previstas nos Planos Directores Municipais, Planos de urbanização ou Planos de pormenor (Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), não é possível vir a construir-se neles. Trata-se de restrições que se mostram necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros interesses públicos. Estamos, pois, perante restrições constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa indemnização, dada aquela sua “vinculação situacional”, nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma situação jurídica (…)”.
Com efeito, a impossibilidade de construir na RAN/REN é determinada por razões de interesse público ( reservar para a produção agrícola os terrenos que, para tal, tenham melhor aptidão ou garantir o equilíbrio ecológico e a protecção de ecossistemas fundamentais ), encontra justificação constitucional, respectivamente, no artigo 93 da Constituição, que consagra como objectivos da política agrícola o aumento da “produção e a produtividade da agricultura” e a garantia de um “uso e gestão racionais dos solos”, e no artigo 66º também da Constituição, que prevê a criação de reservas para “garantir a conservação da natureza”. A proibição de construir em terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional, imposta pela natureza intrínseca da propriedade, nada mais é, assim, do que “uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo” (cfr. Acórdão n.º 329/99, DR II série, de 20 de Julho de 1999).
Por isso, no caso de expropriação de terrenos integrados na RAN/REN não há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a expropriação.
Não estamos aqui perante as chamadas “ expropriações de plano “, já que a ineptidão para a edificação é anterior ao plano e assenta na “ vinculação social “ ou na “ vinculação situacional “ da propriedade sobre aquele terreno ( cf. ALVES CORREIA, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, 1998, pág.517 ).
Consideram, no entanto, os Apelantes ser de aplicar aqui a norma do art.26 nº12 do CExp./99 - “ Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”.
Ao contrário da RAN e da REN, a afectação destes terrenos não revela, por si só, ausência de aptidão edificativa, pois um dos pressupostos da aplicação desta norma é que os solos sejam previamente classificados como aptos para construção, deixando de o ser por força de um posterior plano municipal de ordenamento do território.
Como sublinha ALVES CORREIA, a razão de ser da norma é evitar as “classificações dolosas do solo ou a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais “, pelo que só pode abarcar “ aqueles solos que, se não fosse a sua classificação como “ zona verde ou de lazer “ ( e, agora, também a sua reserva para a implantação de infra-estruturas e equipamentos públicos ) por um plano municipal de ordenamento de território, teriam de ser considerados como solos “ aptos para construção “, atendendo a um conjunto de elementos certos e objectivos, relativos à localização dos próprios terrenos, às suas acessibilidades, ao desenvolvimento urbanístico da zona e à existência de infra-estruturas urbanísticas, que atestam uma aptidão ou uma vocação objectiva para a edificabilidade “ ( RLJ ano 133, pág.53 e 54 ).
Porém, esta norma, não pode ser usada, extensiva ou analogicamente, para atribuir aptidão construtiva a solos inseridos na RAN/REN e a consequente valorização pelos critérios estatuídos no nº12 do art.26 do CExp./99.
É que nos casos em que um plano municipal de ordenamento do território ( art.9º nº2 do DL 48/98 de 11/8 ) classifica certos solos como zona verde ou de lazer ou os insere em espaços-canais ( corredores para a instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos ), o expropriado tinha uma justificada expectativa de ver o terreno desafectado destinado à construção, o que não sucede, pelas razões já expostas, a propósito dos terrenos inseridos na RAN/REN ( cf., neste sentido, PEDRO ELIAS DA COSTA, lo.cit., pág.286 a 291 ).
Também por isso, não cremos que haja uma discriminação negativa que afronte o princípio constitucional da igualdade ( maxime no âmbito da relação interna da expropriação ), visto serem realidades diferentes.
Ora, o princípio da igualdade, nesta vertente, não consente que particulares colocados numa situação idêntica recebam indemnizações quantitativamente diversas ou que sejam fixados critérios distintos de indemnização que tratem alguns expropriados mais favoravelmente que outros, devendo o legislador estabelecer critérios uniformes de cálculo, mas já se observou não são idênticas as situações.
De resto, a pretensão indemnizatória dos Apelantes, com base na qualificação do terreno expropriado como “ solo apto para construção “, sem potencialidades edificativas, devido ao impedimento da RAN/REN, é que, salvo o devido respeito, violaria o princípio constitucional da igualdade, conforme a recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, proferida no Acórdão nº275/04, de 20/4/04 (www.tribunal constitucional.pt/jurisprudência.htm), ao decidir:
“ Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no art.13º da Constituição, as normas contidas no nº1 do artigo 23 e no nº1 do art.26 do Código das Expropriações (1999), quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de “ solo apto para construção “ e, consequentemente, de como tal indemnizar, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação “.
Para justificar este juízo de inconstitucionalidade, citando os Acórdãos nº33/2003 e nº557/03, aduziu-se a seguinte argumentação:
“(…) Não tendo o proprietário, pela integração do terreno na RAN, expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia invocar o princípio da "justa indemnização", de modo a ver calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar.
“ E, em rigor, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar-se uma situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante fossem ou não contemplados com a expropriação, com um ocasional locupletamento injustificado destes últimos. Na verdade, enquanto os expropriados viriam a ser indemnizados com base num valor significativamente superior ao valor de mercado, os outros, proprietários de prédios contíguos igualmente integrados na RAN e na REN e delas não desafectados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios, não alcançariam senão o valor que resultava da limitação edificativa legalmente estabelecida. Ora, se é verdade que o “princípio da igualdade de encargos” entre os cidadãos, a que o Tribunal Constitucional já fez apelo por diversas vezes, a propósito da apreciação de regras de definição do cálculo da indemnização, obriga a que o expropriado não seja penalizado no confronto com os não expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação, devam os expropriados vir a ser manifestamente favorecidos em relação aos não expropriados. De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que ele efectivamente sofreu, e, por isso, não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não poderá ser desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública. Assim, se a parcela a expropriar não permite legalmente a construção, não pode ser paga com o preço que teria se pudesse ser-lhe implantada uma construção”.
Note-se que neste Acórdão, o Tribunal Constitucional não acolheu a argumentação do recorrido, ao chamar à colação precisamente a norma do art.26 nº12 do CExp./99, para infirmar o juízo de inconstitucionalidade.
Em resumo, não obstante as doutas alegações dos Apelantes, tal como se concluiu na sentença recorrida, a parcela de terreno expropriada terá que ser classificada, para efeitos do cálculo indemnizatório, como “ solo para outros fins” ( arts.25 nº3 e 27 do CExp./99 ).

2.4. - 2ª QUESTÃO:

Para fixar a indemnização, a sentença recorrida fundamentou-se nos Laudos dos peritos do Expropriante e do Tribunal.
Dada a divergência quanto ao montante indemnizatório entre os peritos nomeados pelo tribunal e pelo expropriante, seguiu-se, justificadamente, a posição unânime dos peritos nomeados pelo tribunal.
Embora o juiz não esteja vinculado aos laudos e relatórios dos peritos do tribunal, quando haja disparidades, deve atender-se fundamentalmente aos escolhidos pelo tribunal, pelas maiores garantias de imparcialidade que oferecem à partida, além da presumida isenção e competência, que motivaram a sua escolha, conforme orientação jurisprudencial uniforme.
Deste modo, nenhum reparo merece a indemnização arbitrada, que se mantém, a qual foi posta em causa pelos Apelantes, mas apenas no pressuposto de que a parcela expropriada deveria ser classificada, para cálculo da indemnização, como “solo apto para construção “, o que não sucede, pelas razões já aduzidas.

2.5. - 3ª QUESTÃO:

Na sentença recorrida decidiu-se que o valor da indemnização é actualizado pelo índice de preços no consumidor, fornecido pelo I.N.E., a partir de 16 de Outubro de 2000 ( data da declaração de utilidade pública ) e até efectivo pagamento.
O Apelado pretende, nos termos do art.684-A CPC, a alteração da sentença quanto ao limite temporal da actualização, já que não sendo aplicável o nº3 do art.24 do CExp./99, a mesma deve reportar-se até à data da decisão final do processo ( art.24 nº1 ).
Efectivamente, não se verificando os pressupostos legais do nº3 do art.24 do CExp., a actualização é feita até “ à data da decisão final do processo “, nos termos do nº1 do mesmo artigo, ou seja, até à data deste acórdão.
Em resumo, improcede a apelação e confirma-se a sentença recorrida, com a ressalva do limite temporal da actualização.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente a apelação dos Expropriados e confirmar a douta sentença recorrida quanto à fixada indemnização de 30.162,50 € ( trinta mil cento e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos), com actualização do valor da indemnização pelo índice de preços no consumidor, fornecido pelo I.N.E., a partir de 16 de Outubro de 2000 ( data da declaração de utilidade pública ), e até à data deste acórdão.
2)
Condenar os Apelantes nas custas.
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COIMBRA, 15 de Junho de 2004.