Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1413/20.7T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator:  FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
DESNECESSIDADE DE AUDIÇÃO PRÉVIA DA EXEQUENTE
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 281.º DO CPC
Sumário: Se a parte já foi advertida de que os autos não têm andamento por omissão que lhe é imputável, desnecessária se torna a sua posterior audição, previamente à decisão que determina a deserção da instância.
Decisão Texto Integral:
*

 Relator: Falcão de Magalhães 

1.º Adjunto: Luís Ricardo

2.º Adjunto: Henrique Antunes

Apelação n.º 1413/20.7T8ACB.C1

 
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:1

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I – a) Nos autos de execução ordinária, para pagamento de quantia certa, que, em 27/7/2020, a “A..., S.A.”, com sede em ..., instaurou contra AA, a correr termos no Juízo de execução ..., com vista à concretização da citação do executado no estrangeiro (despacho de 10/11/2022), foi endereçada, em 14/12/2022, ao Exmo. Advogado da Exequente, Exm. Sr. Dr. BB, notificação, nos termos que se transcrevem:

«[…] Fica V. Exª. notificado, na qualidade de Mandatário, e relativamente ao processo supra identificado, para, no prazo de 20 dias, proceder à tradução para francês do ofício que ora se anexa e da seguinte expressão: "Dois (nota de citação e requerimento executivo com os respetivos documentos anexos)".
Deverá ainda juntar o comprovativo de pagamento dos encargos devidos atinentes ao pedido de citação do executado, para a entidade a seguir indicada, conforme determinado no despacho que se anexa: · ...:

- morada: ... 105, 105 Avenue ... ...; - e-mail: ...; - custas da citação (taxa fixa de intervenção do oficial de justiça): € 48,36; - IBAN/BIC-SWIFT: (o constante do email que se anexa).

Junta-se despacho. […]». (os sublinhados são nossos).

b) - Em 31/1/2023, veio a Exma. Sra. Dra. CC, requerer a junção aos autos de substabelecimento, passado pelo Exmo. Sr. Dr. BB, de todos os poderes forenses que a este foram conferidos pela A... S.A, mais tendo requerido, nessa ocasião, que o emitente do referido substabelecimento, fosse desassociado dos presentes autos, devendo a ser associada aos mesmos a Exma. Sra. Dra. CC, para prossecução dos subsequentes termos.

c) - Em 19/4/2023, veio a Exma. Sra. Dra. CC, em representação da Exequente, A..., S.A., “solicitar que se apure se a citação que foi promovida foi concretizada.”.

d) - Em resposta, com data de 28/4/2023, foi endereçada a tal Ilustre Advogada, notificação, com o seguinte teor:

«[…] Fica V. Exª notificado, na qualidade de Mandatário, relativamente ao processo supra identificado, e na sequência do requerimento que antecede, que o executado ainda não foi citado.

Importa ainda esclarecer que os presentes autos se encontram a aguardar por impulso processual da exequente, uma vez que nada foi junto ao processo face à notificação de 14-12-2022. […]»;

d) - Posteriormente, nada tendo sido requerido, ou junto, pela Exequente, no sentido de satisfazer o referido na notificação de 14/12/2022, foi proferido despacho, em 28/6/2023, que constatando ter ocorrido a deserção da instância, por negligente falta de impulso processual da Exequente, declara, extinta, por deserção, a instância executiva:

e) - O teor desse despacho é o que ora se transcreve:

«[…] Compulsados os autos, verifica-se que nada mais foi impulsionado nos autos pela exequente na sequência da notificação ref. 102281541, para efeitos do desenvolvimento da execução quanto à citação do executado (pressupondo a tradução e o pagamento dos encargos, o que se entende ser a cargo da exequente, conforme lhe foi notificado - cfr. ainda despacho ref. 101890830), o que se mantém por período superior a seis meses.

Considera-se que a exequente estava devidamente ciente quanto ao desenvolvimento dos autos depender exclusivamente do seu impulso processual - em concreto, a apresentação da tradução e o pagamento necessário para as diligências de citação ou, no limite, que algo mais fosse requerido a esse respeito ou quanto à execução que prejudicasse aquela citação, mas não relevando o requerimento ref. 9674539, que se mostra inócuo na situação dos autos em que o impulso que pertencia à exequente e não ao Tribunal -, em circunstancialismo que se entende dispensar qualquer contraditório prévio, visto que o ónus processual pertencia à exequente (e o que esta não poderia deixar de saber, até por se encontrar devidamente representada) e a negligência deve ser aferida objectivamente face ao processo - cfr., quanto a isto, entre outros, o Ac. do STJ de 08/03/2018, disponível em www.dgsi.pt, cuja argumentação aqui se dá por reproduzida com a devida vénia: "No contexto da deserção da instância, inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes com vista a aquilatar da negligência da parte sobre quem recai o ónus do impulso processual. A negligência a que se refere o art. 281°, n.° 1 do C. P. Civil, é a negligência retratada objectivamente no processo (negligência processual ou aparente), pelo que a assunção pela parte de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência”.

Dito de outra forma, entende-se que, o mais tardar desde a data de produção de efeitos da notificação ref. 102281541 (art. 248.°, n.° 1, do CPC), a exequente estava ciente da necessidade de impulso processual para o desenvolvimento da execução e em condições de se inteirar do estado dos autos, nada mais tendo sido requerido nos autos ao longo de um período superior a seis meses desde aquela data (prazo que não se suspende em férias judiciais nos termos do art. 138.°, n.° 1, do CPC - cfr. ainda o Ac. da RP de 28/10/2015, consultado em www.dgsi.pt), pelo que se entende possível um juízo de actuação negligente da exequente, por remetida a uma passividade que, face a esse mesmo lapso de tempo, dá origem à ausência de impulso processual relevante para efeitos do art. 281.°, n.° 5, do CPC, em termos de negligência objectivamente espelhada nos autos.

Por fim, nota-se que, no caso da acção executiva, a deserção opera independentemente de decisão judicial, conforme expressa o art. 281.°, n.° 5, do CPC, o que, todavia, não impede a sua apreciação judicial (cfr., quanto a isto, o Ac. da RC de 01/12/2015, consultado em www.dgsi.pt), cabendo à exequente, se assim o entender e verificados os pressupostos legais, instaurar nova execução autónoma (cfr., quanto a esta possibilidade, o Ac. da RG de 10/11/2016, consultado em www.dgsi.pt

Face ao exposto, por deserta, encontra-se extinta a presente instância executiva. Notifique e oportunamente arquivem-se os autos. […]».

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II - Inconformada com tal decisão, a Exequente interpôs recurso da mesma, terminando a respectiva alegação recursiva com as seguintes conclusões:

«1. Veio o Tribunal a quo decidir, da seguinte forma, “…a deserção opera independentemente de decisão judicial, conforme expressa o art. 281.º, n.º 5, do CPC(…). Face ao exposto, por deserta, encontrase extinta a presente instância executiva.”. 

2. Ressalvando-se o devido respeito pela opinião do Ilustre Julgador a quo, vem a Recorrente interpor recurso da Sentença proferida, porquanto crê que a sua decisão, assenta num pressuposto errado, não resultando a correcta aplicação da Lei ao caso dos presentes autos. 

3. A presente execução foi iniciada em 31.07.2020. 

4. Em 15/09/2020, ordenou-se a citação dos Executados. 

5. Tal citação não foi ainda obtida até à presente data. 

6. Sucede que, no passado dia de 28 de Junho de 2023, o Tribunal de Primeira Instância proferiu a seguinte Despacho Sentença, da qual agora se recorre. 

7. Ora, é com espanto que a Exequente é notificada da decisão supra referida, pois não foi sequer dada possibilidade às partes de se pronunciarem sobre se a falta de impulso processual seria imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou até de ambas.  8. Atente-se que, à luz do Princípio da Cooperação, consagrado no C. P. C., é imperioso que as partes sejam advertidas para as consequências que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo, decorrido o prazo fixado na lei, impondo-se que o douto Tribunal dê às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão em apreço, dando cumprimento ao respectivo contraditório. 9. Do dever de gestão processual, decorre que ao juiz cabe, em geral, a direcção formal do processo, nos seus aspectos técnicos e de estrutura interna e essa direcção implica a concessão de poderes tendentes a assegurar a regularidade da instância e o normal andamento do processo, sendo que no caso concreto deveria ter sido dada possibilidade às partes de se pronunciarem sobre o motivo que levaria à falta de impulso processual, o que não se verificou. 

10. Entende a Recorrente que não estão verificados os requisitos que consubstanciam a deserção da instância.

11. Até porque, não foi dada possibilidade às partes de se pronunciarem sobre o motivo que levaria à falta de impulso processual. 

12. Razão pela qual não se aceita a Sentença recorrida. 

13. O Tribunal a quo sempre devia ter determinado a notificação das partes para se pronunciarem sobre o motivo que levaria à falta de impulso processual. 

14. Decisão que não se aceita e que viola o direito de crédito da Recorrente. 

15. Razão pela qual se recorre da presente decisão. 

16. Em suma, ao decidir o Tribunal a quo, em julgar a instância extinta por deserção, não fez a correcta interpretação e aplicação da letra da lei ao caso concreto. 

17. Entende a Recorrente que esta decisão de qual aqui se recorre, violou o sentido do artigo 9.º do Código Civil.

18. E bem assim, os artigos 3.º, n.º 3, 6.º, 7.º, n.º 1 e 547.º do C.P.C e o artigo 20.º da CRP, entre outros .

19. Imperando a necessidade de revogação da Sentença de que aqui se recorre.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVERÃO V. EXAS. JULGAR PROCEDENTE A PRESENTE  APELAÇÃO E REVOGAR O TEOR DA DOUTA SENTENÇA:

SUBSTITUINDO-SE A DECISÃO AGORA PROFERIDA E QUE AQUI SE RECORRE, POR DECISÃO QUE ORDENE A  PROSSECUÇÃO DA EXECUÇÃO PARA GARANTIA DO CRÉDITO DA RECORRENTE. (…)».

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III - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06 (doravante, NCPC)2, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”3 e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.

E a questão a solucionar é a de saber se se verificam os pressupostos legais que habilitavam o Tribunal “a quo” a ter como deserta a instância executiva, incluindo, a necessidade de uma específica audição da Exequente sobre a projectada decisão de considerar a instância deserta.

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IV - A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I supra.

B) – O nº 1 do artº 281º do NCPC preceitua: “Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”.

Por sua vez, consignam os nºs 3 e 4 deste artigo:

“3 - Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.

4 - A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.”.

E o nº 5 do citado artº 281º, preceitua:
No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”.

Ora, a recorrente defende que não estão reunidos os pressupostos que permitam concluir pela verificação da negligência que lhe é imputado, ao que acresce, sustenta, que o tribunal omitiu a necessária audição das partes, audição esta que permitiria aferir da existência dessa negligência.

Ora, salvo o devido respeito, entende-se que, quer quanto ao decurso do prazo de seis meses, quer quanto ao concluído no que concerne à negligência da Exequente, são acertados os fundamentos invocados na decisão recorrida.

O Exmo. Advogado que inicialmente patrocinava a Exequente, em face do teor da notificação que lhe foi endereçada em 14/12/2022, em que lhe foi dado a conhecer, que, para se proceder à citação, teria de proceder, em 20 dias, conforme o aí indicado – proceder à tradução para francês do ofício que foi enviado em anexo e da seguinte expressão: "Dois (nota de citação e requerimento executivo com os respetivos documentos anexos)", bem como juntar o comprovativo de pagamento dos encargos devidos atinentes ao pedido de citação do executado, para a entidade que se indicou em tal notificação -, ficou, ou deveria ter ficado, ciente, de que, o andamento do processo dependia da satisfação do assim comunicado e que era da exclusiva responsabilidade da Exequente.

Ora, no prazo de vinte dias a partir do dia seguinte àquele em que se presume ter-se como efectuada essa notificação - 19/12/2022 - começou a correr o prazo de deserção, que só se interromperia, com a satisfação do aí referido como tendo que ser observado pela Exequente (tradução e junção de comprovativo de pagamento dos encargos devidos) , ou com o requerimento que fizesse no processo, em que, idoneamente, justificasse não ter podido concretizar o que lhe fora exigido nessa notificação.

Ora, nem uma coisa, nem outra, foi feita pela Exequente, sendo que esta apenas requereu, em 31/1/2023, a junção aos autos de um substabelecimento sem reserva, a favor da Exma. Sra. Dra. CC, que, em 19/4/2023, subscreveu um requerimento em que solicitava que se apurasse se a citação que fora promovida fora concretizada. 

Ora, além de, qualquer um desses requerimentos, não ser idóneo a impulsionar os autos, o requerimento de 19/4/2023, atesta bem a negligência da Exequente, pois que deveria estar ciente de que a citação não poderia ter sido concretizada, pois estava dependente da observância, por ela, do que havia sido comunicado ao seu Exmo. Advogado mediante a notificação endereçada a este em 14/12/2022, sendo que a actual e Ilustre Advogada da Exequente, que a representa em função do substabelecimento sem reserva passado a seu favor por aquele que foi o seu mandatário inicial, está processualmente vinculada aos actos e omissões da responsabilidade desse Ilustre Advogado que anteriormente representava a Exequente. Mas mais: Na sequência do requerimento por si subscrito em 19/4/2023, foi endereçada, em 28/4/2023, à Exma. Sra. Dra. CC, notificação com o seguinte teor:

“Fica V. Exª notificado, na qualidade de Mandatário, relativamente ao processo supra identificado, e na sequência do requerimento que antecede, que o executado ainda não foi citado.

Importa ainda esclarecer que os presentes autos se encontram a aguardar por impulso processual da exequente, uma vez que nada foi junto ao processo face à notificação de 14-12-2022.”;

No entanto, também depois disso, não obstante esse “esclarecimento”, de que os autos não prosseguiam por inacção da Exequente no sentido de satisfazer o comunicado mediante a notificação de 14-122022, o certo é que a Exequente nada veio juntar ou requerer aos autos que, respeitando à apontada satisfação, fosse idóneo a impulsionar a execução.

Ora, se já anteriormente era evidente que a execução não prosseguia por estar dependente da prática de actos, por parte da Exequente, e que esta não podia ignorar que, persistindo na omissão de tais actos, iria, com o decurso do tempo, provocar a deserção da instância executiva, essa conclusão sai reforçada após o esclarecimento/advertência que a Exequente recebeu mediante a notificação endereçada em 28/4/2023.

Sendo certo que haverá casos em que a declaração da deserção da instância, nos termos do artº 281, nº 5, do NCPC, deverá ser precedida da audição da parte que é responsável por impulsionar o processo, outros há em que essa parte já foi advertida de que os autos não têm andamento por omissão que lhe é imputável – como sucedeu com a Exequente, aquando da notificação que lhe foi endereçada em 28/4/2023 – que dispensam uma posterior audição, prévia à decisão que constate a deserção da instância e as respectivas consequências. Estamos, neste particular caso, inteiramente de acordo com o entendimento seguido no acórdão do STJ de 08.03.2018 – processo nº 225/15.4T8VNG.P1-A.S1 in www.dgsi.pt – que, refere, entre o mais: «[…] «o princípio do contraditório tem em vista questões de facto ou de direito que sejam suscitadas no processo, impondo-se ao Tribunal decidi-las, não tem em vista, o que é completamente diferente, impor ao Tribunal, no âmbito de um incidente inominado que não está previsto na lei, convidar os interessados que, no aludido período de seis meses optaram por não juntar aos autos nenhum documento nem suscitar qualquer questão, explicar o seu comportamento ou apresentar os documentos ou suscitar as questões que podiam ter suscitado e não suscitaram».       
De igual modo e sufragando-se a orientação seguida no Acórdão do STJ, de 20.09.2016 (proc. nº 1742/09.TBBNV-H.E1.S1) [6], importa realçar que a negligência de que fala o citado art. 281º, n.º1 do CPC « é necessariamente a negligência retratada ou espelhada objectivamente no processo (negligência processual ou aparente)» e que «se a parte não promove o andamento do processo e nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que inculque a ideia de que a inacção se deve a causas estranhas à vontade da parte, está apoditicamente constituída uma situação de desinteresse, logo de negligência».   
No mesmo sentido, escreve Paulo Ramos de Faria[7], que a conduta negligente consubstancia-se na omissão que não resulta de facto de terceiro (estranho à parte) ou de força maior que impede o demandante de praticar o ato. Deste modo, a assunção pelo demandante de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência. Tal conduta omissiva e negligente só «cessará com a prática do ato que, utilmente, estimule a instância, ou com a superveniência de uma circunstância que subtraia à vontade da parte a possibilidade da sua prática».
Ora, resultando da matéria de facto provada que, no caso vertente, o autor deixou decorrer o prazo legal máximo de seis meses estipulado no art. 281º, n.º1 do C. P. Civil sem ter comprovado o registo da ação e sem ter levado ao conhecimento do Tribunal nenhum elemento que permitisse ao juiz do processo contrariar esta situação de negilência aparente espelhada no processo, por não ter sido ainda realizado o registo da ação, dúvidas não restam que ao Tribunal impunha-se declarar deserta a instância, facto, aliás, exclusivamente imputável ao autor. […]».

Do exposto resulta, que, sem infracção ao previsto nos preceitos legais que a Apelante diz terem sido violados, foi acertada a decisão “sub judice”, que constatou a deserção e, que, por esse motivo, julgou extinta a instância.


Improcede, pois, a apelação.
* V - Decisão:

Em face do exposto, decide-se julgar a Apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.

 

Custas pela Apelante (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, “in fine”, todos do NCPC). 

 

7 de Novembro de 20234

 

(Luiz José Falcão de Magalhães)
(Luís Manuel Carvalho Ricardo) (Henrique Ataíde Rosa Antunes)

 

                                                 
1 Na presente decisão segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, evidentemente, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2 Utilizando-se a sigla “CPC”, para identificar o código que o precedeu, salvo nos casos em que esta última sigla seja transcrita de outro texto para referir já o novo código.
3 Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis - tal como os demais Acórdãos, em texto integral, do STJ, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -,  em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase.
4 Processado e revisto pelo Relator.