Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
281/06.6TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: DESPEDIMENTO ILICITO
CONSEQUÊNCIAS PARA O EMPREGADOR
INDEMNIZAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO DA REINTEGRAÇÃO – SEU CÔMPUTO
Data do Acordão: 05/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Processo no Tribunal Recurso: Tribunal do Trabalho de Coimbra - 1º Juízo
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 436º/1, 437º/1, 438º/1 E 439º/1,2 E 3, DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – Dispõe-se nos artºs 436º/1, 437º/1, 438º/1 e 439º/1, 2 e 3, todos do C. T., que, sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado, além do mais, a reintegrar o trabalhador que, para além da indemnização prevista, tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal.

II – Em substituição da reintegração na empresa (por que pode optar até à sentença), o trabalhador tem a alternativa de escolher uma indemnização, de montante a fixar pelo tribunal entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude, sendo que para o efeito do respectivo cômputo o tribunal deve atender a todo o tempo decorrido, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial…não podendo nunca ser a mesma inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.

III – Sendo a sentença o momento referencial, por nela se conter a declaração judicial de invalidade da determinação patronal da ruptura do vínculo, só a partir daí se torna eficaz a escolha alternativa facilitada ao trabalhador.

IV – Optando pela indemnização de antiguidade, esta implica, a partir de então, a extinção definitiva do vínculo por vontade do trabalhador.

V – Não significa isso, naturalmente, que, intercorrendo uma causa típica de caducidade do contrato, os efeitos da repristinação no que tange à contagem dos valores vincendos, relativos quer às prestações retributivas, quer ao cômputo para a fixação da indemnização de antiguidade, se considerem necessariamente até à data da prolação e trânsito da decisão judicial – basta que ocorra, v.g., a morte do trabalhador ou a sua reforma por velhice.

VI – A escolha feita relativamente ao pedido alternativo não é mais do que isso mesmo, não tendo qualquer eficácia extintiva do vínculo antes da declaração judicial/sentença a proclamar a invalidade da ruptura, com a consequente repristinação da constância da relação juslaboral.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I –


- A..., com os demais sinais dos Autos, demandou no Tribunal do Trabalho de Coimbra a sociedade R. «B...», pedindo, a final, a sua condenação no pagamento das quantias que liquida, bem como a reintegração no seu posto de trabalho ou, em opção a fazer oportunamente, o pagamento da correspondente indemnização de antiguidade, acrescidas das prestações vincendas até ao trânsito em julgado da decisão, com a compensação pelos danos morais causados, que computa em € 1.640,00.
Alegou, em síntese, que foi trabalhador da Ré desde 27 de Julho de 2005, tendo sido despedido sem justa causa em 17 de Outubro de 2005.

- Tentada, sem sucesso, a conciliação das partes, no momento próprio, a R. veio contestar negando que o A. tenha sido seu trabalhador e pugnando pela improcedência do pedido.

- Discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, declarando-se a ilicitude do despedimento do A. e a consequente condenação da R. a pagar-lhe a indemnização por que optou em substituição da reintegração, pagando-lhe ainda as retribuições devidas até ao trânsito em julgado da decisão, além das demais importâncias discriminadas no dispositivo, a fls. 109v.º e 110, a que nos reportamos.

- Inconformada, a R. veio apelar.
Alegando, concluiu assim:
1- A recorrente não pode aceitar a decisão ‘sub judice’, uma vez que a mesma enferma de vários vícios, desde logo na apreciação da matéria de facto dada por provada.

2- Em primeiro lugar, jamais a R. pode aceitar a existência de um contrato de trabalho celebrado com o A., pois esta vontade nunca existiu em ambas as partes.

3- O A. apenas se comprometeu a auxiliar a nova gerência da R. na integração do giro do estabelecimento comercial, já que ambos os gerentes não tinham qualquer experiência no ramo.

4- Só por esta razão o A. se deslocava diariamente ao estabelecimento da R., logicamente em horário de expediente, acompanhando os novos gerentes durante esse horário.

5- Não se provou que alguma vez a R., através dos seus gerentes, tenha exercido sobre o A. o seu poder de direcção e autoridade.

6- Em todo o caso, não se provou que o A. se tenha inserido na estrutura organizativa da R., antes pelo contrário: o A. manteve a retribuição de gerente da sociedade e não de empregado de balcão.

7- O A. diz ter sido admitido como trabalhador da R. em 25 de Julho de 2005, alegou no entanto e provou-se que logo no mês de Agosto seguinte, entre os dias 16 e 31, gozou férias.

8- Ora tais factos demonstram claramente que nunca o A. se sentiu como trabalhador da R., pelo menos integrado na sua estrutura organizativa, com direito iguais aos dos restantes trabalhadores.
9- Pois não é compreensível, nem ficou explicado e provado, a razão pela qual o trabalho do A. seria remunerado diferentemente dos restantes empregados de balcão e teria direito a férias que a lei lhe não conferia, sendo ainda menos compreensível que a nova gerência da R., inexperiente no negócio, começasse de imediato por dar benesses a um empregado de balcão.

10- Pelo que, a decisão recorrida fez errada interpretação do disposto nos artigos 10.º e 12.° do C.T.

11- Em todo o caso, as decisões constantes das alíneas c), d) e e) não podem proceder, porquanto ofendem a lei aplicável, nomeadamente o disposto nos art. 437.°, 438.° e 439.° do CT.

12- A decisão constante da aliena b) foi corrigida, na sequência da opção do trabalhador pela indemnização prevista no art. 438.°, em substituição da reintegração.

13- Consequentemente, não pode a R. aceitar a condenação nos créditos constantes das citadas alienas c), d) e e).

14- Em primeiro lugar, decorre do n.°4 do art. 437.° do C.T. que as retribuições previstas no n.° 1 do mesmo artigo só são devidas após 30 dias antes da propositura da acção, o que equivale a dizer que a Ré só pode ser condenada a pagar as retribuições que se vencerem após 2 de Fevereiro de 2006, dado a acção ter sido instaurada em 2 de Março do mesmo ano.

15- Por outro lado, não pode a R. ser condenada a pagar as retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão, já que o A. aceitou a cessação do contrato de trabalho que alegadamente terá existido, ao optar pela indemnização em substituição da sua reintegração no alegado posto de trabalho.

16- O A. veio alterar o seu pedido inicial de reintegração, optando expressamente, em 15.3.2007, (fls. 101 dos autos), pela indemnização.

17- Logo, após esta data, deixou de existir vínculo laboral, não fazendo sentido o vencimento de créditos que decorrem da vigência de um contrato que a parte aceitou cessar.

18- Assim, a condenação da R. nas retribuições deve balizar-se entre 2 de Fevereiro de 2006 e 15 de Março de 2007.

19- Ainda que assim não se entenda, o direito a perceber essas retribuições cessou com a prolação da sentença da primeira instância, ou seja 21 de Setembro de 2007, pois nesta se declara cessado o vínculo laboral, ao condenar a R. na indemnização prevista no art. 439.º do C.T.

20- Pelo que a decisão que condena a R. a pagar as retribuições até ao trânsito em julgado da decisão, viola o disposto nos citados arts. 437.º, 438.º e 439.º do C.T.

21- A opção do A. pela indemnização, influenciará também os créditos referentes a subsídio de Natal, férias e subsídio de férias, já que os mesmos, sendo considerados retribuições, só podem ser calculados de acordo com o tempo de vigência do contrato e ainda com a regra prevista no n.°4 do art. 437.° do CT.

22- Ou seja, o A. só terá direito ao subsídio de Natal referente ao ano de 2006, desde 2 de Fevereiro de 2006 e quanto ao ano de 2007, o proporcional à vigência do contrato — 15.3.2007 (ou se assim não se entender 21/9/2007) e não até ao trânsito em julgado da decisão.

23- O mesmo acontece quanto ás férias alegadamente vencidas em 1 de Janeiro de 2006, que devem considerar apenas a vigência de 5 meses de contrato em 2005, com desconto de 15 dias de férias gozados indevidamente em Agosto de 2005.

24- Quanto ás férias vencidas em 1 de Janeiro de 2007, deve ser considerado no seu cálculo a data da propositura da acção e o ‘terminus’ do contrato de trabalho nos termos apontados, e jamais até ao trânsito em julgado da decisão.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao recurso e absolver-se a R. da totalidade do pedido ou, quando assim se não entenda, deve julgar-se parcialmente procedente o recurso no que se refere às decisões constantes das alíneas c), d) e e).

- O A. respondeu, concluindo, em síntese, que não há na decisão qualquer violação da Lei, não tendo fundamento as pretensões também formuladas nos items 21 a 24 das ‘conclusões’ alinhadas pela recorrente.


Recebido o recurso e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a pronunciar-se no sentido do seu improvimento, Parecer a que não houve reacção, vindo apenas o A. louvar-se nele, subscrevendo-o na íntegra – vamos decidir.
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II –
A – DOS FACTOS.
Vem assente a seguinte factualidade, que, não tendo sido impugnada nem suscitando qualquer reparo, assim se fixa:
1. A Ré dedica-se à actividade hoteleira, explorando um bar-cafetaria na Estação Nova, em Coimbra.
2. O A. foi admitido como empregado de balcão da Ré em Outubro de 1975 e até Maio de 1981.
3. O A. foi sócio da Ré até 27 de Julho de 2005.
4. Por escritura de 27 de Julho de 2005, junta a fls. 13 a 19, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o ora A. e esposa declararam ceder a C..., ‘com renúncia à gerência’ por parte do A., a quota de que o mesmo era titular na sociedade ora Ré.
5. Nessa escritura F... e esposa, E..., declararam ceder a C..., ‘com renúncia à gerência’, a quota de que E... era titular na sociedade ora Ré e a quota de ambos a D....
6. Com a celebração da escritura referida em 4, C... e esposa D... ficaram como únicos sócios da Ré.
7. C... e D... eram inexperientes no negócio explorado pela Ré.
8. À data da escritura referida em 4, F... ofereceu a sua colaboração aos cessionários e sugeriu-lhes que ficassem com o A. como empregado, o que estes aceitaram.
9. Aquando da realização da escritura referida em 4, a Ré, através dos seus sócios, e o A., acordaram que o A. continuaria ao serviço da Ré como empregado de balcão.
10. Nos termos do acordo referido em 9, o A. prestaria à Ré, sob as ordens direcção e fiscalização dos respectivos sócios, a actividade de empregado de balcão.
11. Nos termos desse acordo o A. deveria cumprir – e cumpriu – o horário de Segunda a Sexta-Feira, das 9h às 12h e das 14h às 18h e entre as 20h30 e as 22h30.
12. Aos Sábados o horário de trabalho do A. tinha início às 07h e termo às 13h.
13. A partir de 27 de Julho de 2005 o A. passou a desempenhar, no horário referido em 11 e 12, as funções de empregado de balcão, cumprindo com zelo, assiduidade e competências as ordens e directivas dadas pelos sócios da Ré.
14. A Ré manteve ao A. a retribuição antes auferida de € 820 e com a categoria de empregado de balcão.
15. O A. manteve na sua posse as chaves do estabelecimento, fechando-o à noite.
16. Nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2005 o R. procedeu aos descontos para a Segurança Social relativos ao A., bem como ao seu envio.
17. A Ré concedeu férias ao A. entre 16 e 31 de Agosto de 2005.
18. A Ré, através da sócia D... apresentou ao A., para este o assinar, o contrato junto a fls. 24.
19. O A. não assinou o contrato junto a fls. 24.
20. No dia 17 de Outubro de 2005, a Ré, através da sua sócia D..., quando o A. se preparava para iniciar o seu trabalho, disse-lhe que não podia entrar, que não ia trabalhar mais, que estava dispensado.
21. A Ré não instaurou qualquer procedimento disciplinar ao A.
22. Em consequência do referido em 18 o A. andou triste e deprimido.
23. A Ré não efectuou o pagamento dos 17 dias de trabalho prestado pelo A. no mês de Outubro de 2005.
24. Aquando da cessão de quotas o estabelecimento da Ré tinha, além dos sócios gerentes, mais dois trabalhadores, pretendendo os novos sócios trabalhar no mesmo.
25. A Ré pagou ao A., a título de remuneração, nos meses de Julho, Agosto, Setembro de 2005, a quantia ilíquida de € 820.
26. A contabilidade da Ré é tratada pela ‘G...’.
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B – CONHECENDO.
Vamos então abordar as questões que nos vêm propostas no alinhamento conclusivo com que a Recorrente rematou a motivação do recurso.
São essencialmente duas, a saber:
1) – Da existência de contrato de trabalho/ilicitude do despedimento.
Num esforço dialéctico respeitável, a R. empenhou-se em tentar contrariar uma realidade de facto que, sendo incontornável, não poderia nunca conduzir à solução por que pugna.
Discorre sobre um contexto parcialmente virtual, num exercício meramente especulativo, de curto ou nulo alcance em termos da pretendida eficácia da sua reacção.
Com efeito:
Ante o factualizado, que não se discute, (Aquando da realização da escritura referida em 4., a R., através dos seus sócios, e o A. acordaram que o A. continuaria ao serviço da R. como empregado de balcão’; «Nos termos desse acordo o A. prestaria à R., sob as ordens, direcção e fiscalização dos respectivos sócios, a actividade de empregado de balcão’; ‘Nos termos desse acordo o A. deveria cumprir – e cumpriu – o horário de trabalho de 2.ª a 6.ª feira, das 9:00 às 12:00 horas e das 14:00 às 18:00 horas e entre as 20:30 e as 22:30 horas’; ‘Aos sábados o horário de trabalho do A. tinha início às 7:00 horas e termo às 13:00 horas’; ‘A partir de 27 de Julho de 2005 o A. passou a desempenhar, no referido horário, as funções de empregado de balcão, cumprindo com zelo, assiduidade e competência as ordens e directivas dadas pelos sócios da R.’; ‘A R. manteve ao A. a retribuição antes auferida de € 820,00 e com a categoria de empregado de balcão’; ‘a R. concedeu férias ao A. entre 16 e 31 de Agosto de 2005’; ‘Nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2005 a R. procedeu aos descontos para a Segurança Social relativos ao A., bem como ao seu envio’ – cfr. items 8. a 14. e 16. e 17. do rol dos factos seleccionados), visto à luz da noção legal constante do art. 10.º do C.T., que se recorda, (‘contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas’), devidamente analisada, como consta da fundamentação jurídica da decisão sujeita, na decomposição dos seus elementos típicos – maxime no binómio ‘subordinação jurídica’/’dever de obediência’ não se suscitam dúvidas relevantes sobre a natureza jurídica da relação estabelecida entre os outorgantes/litigantes.

É, pois, esforço vão – com o devido respeito – alegar-se, v.g., que ‘não se teve a intenção/vontade de contratar o A. como seu empregado’ …ou que ‘não era lógico que o salário do A. fosse diferente do salário pago aos restantes empregados’ …ou ainda que ‘se as parte efectivamente considerassem existir um contrato de trabalho, nunca o A. teria direito a gozar o período de férias na data em que o gozou’…

Sendo para nós óbvio que nada obstava – no âmbito do princípio da liberdade contratual – a que fosse livremente acordado o convénio juslaboral nos termos e aspectos referidos, com condições mais favoráveis para o trabalhador, (salário superior ao devido a trabalhador com a categoria de empregado de balcão; gozo de férias no início do contrato, etc.), não se alcança como poderia (tentar) desqualificar-se o falado contrato por essa via…
…Sempre se esperando, ao menos, que a R. – que invoca como razão maior não ter querido/não ter tido a intenção de, com isso, contratar o A. como seu empregado – adiantasse um esclarecimento sobre qual o tipo de vínculo que afinal teve em mente para a relação jurídica que estabeleceu com o A., como bem questiona o Exm.º P.G.A. na sua proficiente intervenção.

(A presunção de laboralidade a que respeita o art. 12.º do C.T., trazida à colação pela Recorrente, não tem qualquer relevância para o caso, face à fixação material dos contornos da relação jurídica de que cuidamos, perante os quais a caracterização não oferece, como se disse, qualquer dúvida significativa.
Interessando apenas quando não seja fácil a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, (‘regra probatória’…), a estabelecida presunção arrisca-se ser uma norma simplesmente espúria, de interesse e alcance residuais …e, mesmo assim, muito duvidosos.
Mais valera – …seria tecnicamente mais correcto, como escreve Albino Mendes Baptista, op. loc. adiante identificados, pg. 81 – que essa norma tivesse sido simplesmente revogada.
Como dela diz ainda Pedro Romano Martinez, (‘Código do Trabalho Anotado’, 5.ª Edição, pg. 100), referindo-se à alteração introduzida ao art. 12.º do C.T. pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, …A singular modificação nos mais de quatrocentos artigos do regime do contrato de trabalho visou substituir uma norma pouco clara e com algumas deficiências técnicas…por um preceito com um sentido dificilmente compreensível’.
A sua (única…) vantagem visível será a de – como refere Albino Mendes Baptista, in ‘Estudos Sobre o Código do Trabalho’, 2.ª Edição, pg. 67 – fazer inverter o ónus da prova, passando a caber ao empregador provar a inexistência de contrato de trabalho).

Ante a inequívoca existência de uma relação juslaboral entre os litigantes – e não se questionando a declarada ilicitude do despedimento – ficam assim ultrapassadas as dez primeiras asserções conclusivas do alinhamento final.


2) – Os créditos salariais conferidos ao A.
Pretexta a Recorrente que os créditos laborais em que foi condenada não estão calculados de acordo com a Lei aplicável.
Porém, para alcançar tal conclusão, parte de uma premissa insustentável, de um pressuposto que se não aceita, como se demonstra brevemente na sequência.

Na sua tese, quando o A. – que na P.I. formulara o pedido de reintegração na empresa em alternativa com a opção pela indemnização substitutiva da reintegração, a fazer até à data da sentença – vem assumir a escolha pela indemnização, esta conforma uma verdadeira alteração do pedido…
E, assim, aceita o ‘terminus’ do eventual vínculo laboral que o ligava à R., o que equivale a dizer que, após esta opção, se deve entender ter cessado o contrato de trabalho sic, a fls. 133.
Invocando a posição do Prof. Pedro Romano Martinez, (com citação de excerto respigado in ‘Estudos Jurídicos em Homenagem ao Professor António Motta Veiga’, Almedina), insiste em que a opção pela indemnização equivale à cessação unilateral do contrato por banda do trabalhador, o que terá necessariamente repercussão quanto ao vencimento das pedidas retribuições vincendas e ao momento da cessação desse vencimento, independentemente da procedência do pedido de ilicitude do despedimento.
Assim – continua – o direito de receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento só se aplica durante a vigência do contrato, o que a significa que, mantendo o interesse na reintegração, as prestações vincendas se vão vencendo até à efectiva reintegração.
Já assim não será se o trabalhador optar pela indemnização, seja na petição, seja posteriormente até à prolação da sentença, pois ao optar pela indemnização demonstra inequivocamente que aceita o despedimento, ainda que ilícito, e a cessação do contrato.
Cessando o contrato nesse momento, não faz sentido que se lhe creditem retribuições respeitantes à vigência de um contrato que deixou de existir.

Discreteando sobre o momento em que devem operar-se os efeitos dessa cessação do contrato de trabalho por vontade do trabalhador, (se desde que data em que se manifesta essa vontade, se após a prolação da sentença no Tribunal 'a quo'), a R., – embora não enjeitando de todo aceitar que os efeitos se prolonguem até este segundo momento processual…por admitir que seja a sentença que valida a opção do trabalhadoratreve-se (a expressão é sua) a defender que os efeitos da cessação do contrato devem reportar-se ao momento em que é manifestada a vontade de o fazer cessar (sic, fls. 136).


Com o devido respeito, não é esse o nosso entendimento.
(Importa, antes de continuar, consignar parenteticamente que, contrariamente ao alegado, o A. não começou por formular o pedido de condenação na reintegração e só mais tarde veio modificar esse pedido, optando pela indemnização.
Como se conferiu – e se disse já, acima – o A. formulou o pedido em alternativa, deixando a escolha para momento oportuno…’opção a fazer até à data da sentença’, ‘ut’ alínea D), na P.I., a fls. 8).

A lógica que enforma a tese proposta é, ‘primo conspectu’, insinuante.
Não resiste todavia a uma segunda reflexão.
Na verdade, dispõe-se nos arts. 436.º/1, 437.º/1, 438.º/1 e 439.º/1, 2 e 3, todos do C.T., que sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado, além do mais, a reintegrar o trabalhador, que, para além da indemnização prevista, tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal.
Em substituição da reintegração na empresa, (por que pode optar-se até à sentença do Tribunal), o trabalhador tem a alternativa de escolher antes uma indemnização, de montante a fixar pelo Tribunal entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude, sendo que para o efeito do respectivo cômputo, o Tribunal deve atender a todo o tempo decorrido, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial…não podendo nunca ser a mesma inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.

O (bom) sentido da solução passa por saber, no que tange aos efeitos da ilicitude do despedimento, qual o alcance da declaração judicial da ilegalidade do acto do empregador (omissão ou vício letal do processo disciplinar, ou falta de fundamento/justa causa) determinante da ruptura do vínculo, e, consequentemente, que causas de caducidade que, relevando eficazmente, são susceptíveis de limitar o cômputo dos salários intercalares.

Sendo indiscutível que o despedimento ilícito é um acto juridicamente inválido – e que a decisão judicial que como tal o declara tem eficácia retroactiva, nos termos gerais da respectiva disciplina civilista, ‘ut’ arts. 287.º/2 e 289.º/2 do C.C. – só o efeito repristinatório desta tem a virtualidade de fazer ‘renascer’ o vínculo.

(Cfr., por todos, Pedro Furtado Martins, em qualificada reflexão e excurso sobre a temática em causa, in RDES, Julho-Dezembro de 1989, n.ºs 3 e 4 da 2.ª Série, pg. 483 e seguintes.
Veja-se ainda Monteiro Fernandes, ‘Direito do Trabalho’, 13.ª Edição, pg. 570-571, e também Albino Mendes Baptista, obra acima citada, pg. 243).

É nessa conformidade que o art. 437.º/1 do C.T. determina que o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal.
E é também por igual razão que o n.º2 do art. 439.º do mesmo C.T. prescreve que, no caso da opção pela indemnização substitutiva da reintegração, o Tribunal deve atender a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.

Sendo a sentença o momento referencial, por nela se conter a declaração judicial de invalidade da determinação patronal da ruptura do vínculo, só a partir daí se torna eficaz a escolha alternativa facilitada ao trabalhador.
Optando pela indemnização de antiguidade, esta implica, a partir de então, a extinção definitiva do vínculo por vontade do trabalhador.

A anulação do despedimento implica – repete-se – a subsistência do contrato de trabalho, pelo menos até à data da declaração judicial da invalidade da cessação.

Não significa isso, naturalmente, que, intercorrendo uma causa típica de caducidade do contrato, os efeitos da repristinação no que tange à contagem dos valores vincendos, relativos quer às prestações retributivas, quer ao cômputo para a fixação da indemnização de antiguidade, se considerem necessariamente até à data da prolação e trânsito da decisão judicial.
Basta que ocorra, v.g., a morte do trabalhador ou a sua reforma por velhice.
Nesses casos – como ensina Jorge Leite, ’Direito do Trabalho’, Vol.II, Coimbra 1999, pg. 238 – …’se, antes da sentença que considerou ilícito o despedimento, o contrato vier a extinguir-se por qualquer causa juridicamente relevante, (por exemplo o falecimento do trabalhador), as retribuições a ter em conta são apenas as vencidas até à data da extinção e as vencidas com a extinção (e não as que se venceriam até à sentença).
(Parece-nos ser esta a leitura que também faz Pedro Romano Martinez na anotação III ao art. 437.º do ‘C.T. Anotado’, 5.ª Edição, 2007, pg. 749).


Não é, pois, rigoroso, com o devido respeito, sustentar-se que imediatamente com a declaração/opção pela indemnização de antiguidade – e por isso antes da prolação da sentença que proclama a ilicitude do despedimento – se extinguiu o vínculo laboral.
A escolha feita relativamente ao pedido alternativo não é mais do que isso mesmo, não tendo qualquer eficácia extintiva do vínculo antes da declaração judicial/sentença a proclamar a invalidade da ruptura, com a consequente repristinação da constância da relação juslaboral.
(Reforçando a nossa asserção, na sequência do já dito, não resistimos a transcrever a lúcida anotação doutrinada por P. Furtado Martins, ob. cit., pg. 507:
‘A cessação do contrato de trabalho por vontade do trabalhador é a consequência necessária da opção pela substituição da reintegração pela indemnização de antiguidade. Neste caso, considera-se extinto na data da sentença que declarou a ilicitude do despedimento, pelo que o trabalhador terá sempre direito a receber as prestações pecuniárias relativas ao período que vai do despedimento até à sentença’ os sublinhados supra não constam no texto original).

Correndo o risco (…assumido) de alguma redundância, cremos ter deixado suficientemente clara a razão por que não pode acolher-se a tese propugnada.


Prejudicada fica assim a invocação de que, mesmo não se entendendo como se sustenta, o montante das retribuições vencidas/vincendas, no caso de opção pela indemnização substitutiva da reintegração, cessa com a prolação da sentença…
É aliás a Lei que expressamente prescreve a sua contagem, (quer da compensação, quer da indemnização), até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal – arts. 437.º/1 e 439.º/2 do C.T.
…Como prejudicado fica o pretendido reparo ao decidido nas alíneas d) e e) do dispositivo.

Num aspecto da sua reacção tem razão a Recorrente.
Tendo o despedimento do A. acontecido em 17.10.2005 e a acção da respectiva impugnação judicial sido interposta em 2 de Março de 2006, a condenação da R. no pagamento das retribuições devidas até ao trânsito da decisão do processo – a que se refere a alínea c) do dispositivo – deveria ter observado a prescrição do n.º4 do art. 437.º do C.T., que manda que ao valor das retribuições vencidas/vincendas seja deduzido o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção, se esta – como no caso – não tiver sido proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento.
Reportando o respectivo pagamento, como se determinou, à data do despedimento, (17.10.2005), não se decidiu consentaneamente.

No mais, concretamente no a tange às férias concedidas no princípio da relação juslaboral, (facilidade que terá tido a mesma etiologia/justificação que o salário diferenciado…), como não havia razão que impusesse então a sua concessão, igualmente não há qualquer fundamento legal para entrar com isso em linha de conta na liquidação dos créditos conferidos ao A.

Tudo considerado, vamos terminar.
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III – DECISÃO.
Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se julgar parcialmente procedente a Apelação apenas no que tange à condenação constante da alínea c) do dispositivo de fls. 109v.º, que se revoga, ficando a R. condenada, em consequência, a pagar ao A. tão-só as retribuições devidas desde 2 de Fevereiro de 2006 e até ao trânsito em julgado da decisão.
No mais vai confirmada a douta sentença.
Custas em função do decaimento.
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Coimbra,