Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | TELES PEREIRA | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA ERRO SOBRE O OBJECTO | ||
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Data do Acordão: | 12/14/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA – 3º JUÍZO CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 247º E 251º DO C. CIV. | ||
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Sumário: | I – O conhecimento dos elementos relevantes para a determinação do valor de um terreno, concretamente a sua área real, refere-se ao conhecimento dos elementos identitários desse terreno enquanto objecto de uma promessa de venda. II – Assim, a celebração dessa promessa na pressuposição, pelo promitente-vendedor, de que o terreno teria 9.920 m2 (a área registada na matriz), quando na realidade apresentava 23.800 m2, implica uma situação de erro incidente sobre o objecto (artigo 251º do CC), expressando ignorância das reais qualidades identitárias deste num elemento relevante para a aferição do seu valor. III – Tal erro – erro sobre o objecto – torna a promessa anulável, nos termos do artigo 247º do CC, sendo que o promitente-comprador (aliás, um construtor civil) não pode deixar de conhecer (de reconhecer) o carácter essencial para o vendedor da percepção da verdadeira área do terreno, particularmente quando estão em causa valores tão diversos quanto os indicados em II. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
I – A Causa
1. Em 3 de Junho de 2005[1], A... e mulher, B... (AA., Reconvindos e no presente recurso Apelados), demandaram C... (R., Reconvinte e aqui Apelante), invocando a celebração com este último, em 30 de Abril de 2004, na qualidade de promitente-vendedor (ele, o R. marido, como promitente-comprador), de um contrato-promessa de compra e venda relativo a “um terreno agrícola […] sito em X..., com o número de matriz ..., denominado ..., pela soma de €300.000,00” (transcrição do texto do clausulado do contrato a fls. 7), preço este do qual o A. entregou, no acto da celebração dessa promessa, a título de sinal, a quantia de €30.000,00.
Afirmam os AA. que o R., interpelado sucessivamente para cumprir, outorgando para o efeito na escritura definitiva como vendedor (escritura marcada pelo A. mais de uma vez), persistiu no incumprimento da promessa, considerando os AA. esta definitivamente incumprida, invocando em função dessa circunstância a resolução do contrato e pedindo a condenação do R. na satisfação do valor daquele sinal em dobro (€60.000,00).
1.2. O R. contestou e deduziu pedido reconvencional (fls. 27/30). Invocou – e esta asserção expressa a questão central discutida na acção – a ligação do preço prometido para o imóvel à área deste, sendo que, convencido que tal área corresponderia aos 9.920 m2 constantes da matriz, foi surpreendido, no dia da realização da escritura (em 03/11/2004), pela advertência feita pela Senhora Notária, de que estava pendente uma rectificação da área do terreno para 23.800 m2, não obstante constarem da escritura os tais 9.920 m2[2]. Face a tal discrepância pretendeu o R., sem êxito, alterar os termos do contrato (o preço do imóvel), qualificando tal incidência (a grande diferença de áreas) como indutora, relativamente a ele (R.) de uma situação de “erro sobre o objecto do negócio”, com a consequente anulabilidade do mesmo, pugnando pela improcedência da acção e formulando, reconvencionalmente, o seguinte pedido: 1.3. Finda a fase dos articulados[3], foi o processo saneado e fixados, por remissão para esses mesmos articulados[4], os factos assentes e os considerados controvertidos (fls. 46/48; consta de fls. 114/117 cópia dactilografada da peça condensatória).
1.4. Realizado o julgamento documentado nas actas de fls. 148/152, 215/217 e 247/248 (no qual foi gravada a prova testemunhal), foram os factos provados (por referência aos controvertidos) fixados no despacho de fls. 248-A/254 e proferida a Sentença de fls. 259/276 – esta, integrada pelo indicado despacho de fls. 248-A/254, constitui a decisão objecto do presente recurso –, julgando ela a acção procedente e improcedente a reconvenção, condenando o R. a satisfazer aos AA. a quantia de €60.000,00, correspondente ao dobro do sinal prestado pelo A., nos termos do artigo 442º, nº 2 do Código Civil (CC).
1.5. Inconformado, interpôs o R. o presente recurso, motivando-o a fls. 282/290, rematando tal peça com a conclusão única que aqui se transcreve: Os AA. Apelados responderam ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão colocada em crise pelo Apelante.
Relatada a marcha do processo na primeira instância, é tempo de apreciar as questões colocadas no recurso.
II – Fundamentação
2. Avançando nesta senda, importa consignar desde já que é através das conclusões formuladas por quem recorre – aqui pelo R./Reconvinte/promitente-vendedor – que se operou a delimitação temática do recurso [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)]. Assim sucede com todos os recursos, não constituindo esta apelação excepção a tal respeito.
Ora, atendendo ao teor da conclusão (única), capta-se que a temática do recurso se estrutura em torno da impugnação do acto de julgamento correspondente à determinação dos factos, visando a modificação de alguns destes (artigo 712º, nºs 1 e 2 do CPC), sendo em função desta almejada alteração – e pressupondo-a – que o Apelante pugna por um julgamento-outro da acção, diametralmente antagónico do expresso na decisão da primeira instância. Pretende o Apelante, enfim, a improcedência da acção e o atendimento da reconvenção.
Para o efeito, busca o Apelante, pois, a fixação de outros factos, e é na base de tal alteração que promove uma distinta subsunção, visando a consagração da sua tese respeitante ao erro sobre determinadas qualidades do objecto negocial (artigo 251º do CC), respeitante à celebração do contrato-promessa de compra e venda, promovendo a anulação deste, nos termos do artigo 247º do CC (ex vi do citado artigo 251).
É neste quadro argumentativo que o Apelante, cumprindo o ónus imposto pelas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 690º-A do CPC, dá conta na motivação do recurso dos pontos de facto concretos que considera terem sido incorrectamente julgados e, cumulativamente a tal indicação e completando-a, dos concretos meios de prova que afirma como erradamente valorados pela primeira instância[5] – estes últimos, por corresponderem neste caso, fundamentalmente, a prova testemunhal, por referência a passagens do registo áudio da mesma (ocupa a gravação duas cassetes e um CD, aquelas e este integralmente ouvidos por esta Relação na preparação do recurso).
O fundamento primordial do recurso corresponde, pois, ao controlo de determinados trechos do elenco fáctico indicados pelo Apelante, com base na asserção de estar em causa, conforme este diz na síntese conclusória acima transcrita, “a razoabilidade da convicção formada pela primeira instância”. É esta asserção que importa reter relativamente a esta dimensão do recurso.
2.1. A matéria de facto considerada pelo Tribunal a quo foi a que aqui se transcreverá já de seguida, a partir do trecho da Sentença contendo essa relacionação, sublinhando-se que tal transcrição apresenta, na lógica expositiva deste Acórdão, a provisoriedade decorrente de estarem em causa no recurso, como se disse, pendentes de apreciação, trechos dos factos cuja alteração é pretendida pelo Apelante. Aliás, como veremos adiante, essa pretensão será atendida em aspectos muito substanciais do elenco fáctico considerado pelo Tribunal a quo, no qual serão introduzidas importantes modificações.
Não obstante, feita esta advertência (que esta transcrição assinalará nos locais apropriados), são estes os factos que a instância antecedente deu como provados, constituindo eles a base de trabalho que à partida se oferece a esta Relação: 2.2. Interessa-nos agora – e assim encetamos a apreciação do tema recursório central – o acto de julgamento consubstanciado na fixação dos factos, tendo este por referência específica os itens 9, 11, 13, 14, 15 e 16 da “base instrutória”, que aqui foi apresentada sob a forma de um rol de “factos controvertidos” registado a fls. 115/117 (por facilidade de expressão identificaremos doravante essa inadequada forma de organizar o rol das questões de facto controvertidas como base instrutória, v. nota 5, supra).
Sendo estes os factos que o Apelante indicou no recurso, sublinha-se que a apreciação deste Tribunal incidirá, como não poderia deixar de ser, sobre os mesmos (v. o trecho inicial do artigo 660º, nº 2 do CPC). Isto, todavia, sem prejuízo da possibilidade desta Relação apreciar, por razões de coerência, compaginação lógica, completude ou supressão de possíveis deficiências obscuridades ou contradições no seio da matéria de facto, mesmo exorbitando dos pontos directamente criticados pelo Apelante, outros segmentos dos factos relacionados com os indicados por este, encarando a decisão fáctica como um todo coerente, evitando-se assim a presença nela de desvalores do tipo dos referidos no nº 4 do artigo 712º do CPC. Isto quando, como aqui entendemos suceder, se preenche a hipótese contrária à prevista no trecho inicial deste nº 4: isto é, quando constam do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do nº 1 (desse artigo 712º), permitem a reapreciação da matéria de facto […]” e são detectados nesta os desvalores que a norma prevê no seu segmento intermédio (v. também o trecho final da norma)[6].
2.2.1. Dos pontos de facto indicados pelo Apelante, pretende este que sejam declarados integralmente provados os itens 9[7], 11 e 13[8], não provados os itens 15 (corresponde este ao ponto CC) dos factos acima transcritos) e 16 (que originou o ponto DD) do mesmo elenco fáctico) e, finalmente, quanto ao item 14 da base, que foi considerado não provado[9], pretende o Apelante a prova da asserção positiva quanto à essencialidade da quantificação da área do terreno, enquanto base efectiva na qual assentou o negócio expresso na promessa.
A este último aspecto – referenciação do negócio estabelecido por aquele preço (€300.000,00), exclusivamente, a uma área de 9.920 m2 (não há área real – bem mais do dobro – indicada no requerimento de alteração falado no acto frustrado da escritura) –, a este aspecto, dizíamos, se refere, no essencial, a discordância do Apelante quanto ao julgamento da primeira instância. Assim, simplificando as coisas, acaba por ser esta asserção, enquanto reflexo dos factos e que se expressa em diversos quesitos da base instrutória, aquela que aqui haverá que controlar, respondendo, com base na valoração da prova, nos termos que de seguida caracterizaremos, à seguinte interrogação formulada alternativamente: (1) a promessa de um preço de €300.000,00 foi estabelecido (tese dos AA./Apelados) tendo em conta aquele terreno, reconhecido pelos vendedor e comprador pelas suas verdadeiras características, independentemente do elemento identitário traduzido na quantificação exacta da sua área, sendo que esse preço subsistiria (seria imune) a qualquer alteração dessa área “descoberta” no iter de concretização da promessa (?); (2) ou, pelo contrário (tese do R./Apelante), esse preço era aquele porque o terreno tinha, reconhecidamente, 9.920 m2 de área (ou algo não muito longe disso), com exclusão da estruturação da promessa nesses termos para a hipótese de se vir a verificar que o terreno tinha mais do dobro dessa área (?).
A compreensão do sentido desta questão – enquanto alternativa valorativa da posição das partes no recíproco entendimento da posição de cada uma no negócio final em vista do qual foi celebrada a promessa – alcança-se pensando nos motivos que podem levar alguém a moldar contratualmente a venda (ou a promessa de venda) de um determinado terreno (o terreno X) por determinado preço (o preço Y). Com efeito, (1ª alternativa: a dos AA.) pode o vendedor pretender realizar essa venda porque a aceita face à percepção geral, não exactamente quantificada em todos os seus elementos, que tem do valor de X (o “meu” X que “eu” “vejo” e “conheço” vale para “mim” Y, que é o preço que eu pretendo obter por X, independentemente da área de X), atingindo-se o acordo com o comprador nesses termos e com base no reconhecimento mútuo desse pressuposto, ou (2ª alternativa: a do R.) pode o vendedor realizar essa venda de X, determinando como preço Y, por referência à conjugação dos elementos identitários de X (“vendo” o “meu” X pelo preço Y, porque este traduz o valor dos elementos quantitativos identitários de X que “eu” reconheço nele e que considero no geral relevantes para a determinação desse preço).
A questão central é a de encontrar a realidade objectivável que efectivamente expressou a fixação desse preço, por referência aos elementos consensualmente relevantes para essa operação, no sentido – que é o sentido relevante no seio da facti species do artigo 247º do CC (para o qual remete o artigo 251º do mesmo Diploma) – de dever do destinatário da declaração de não ignorar o carácter essencial dessa realidade para o declarante.
Esta caracterização apresenta um particular interesse neste caso, tendo em vista a estruturação da posição do Apelante quanto à razão da recusa de cumprimento da promessa em função da existência de um erro[10], sendo que este se refere aqui, como o invoca o Apelante, ao objecto (artigo 251º do CC), no sentido em que tal elemento é entendido na estruturação do nosso Código Civil, por diferenciação do “erro sobre os motivos” previsto no artigo 252º do mesmo Diploma. Com efeito, caracterizando o primeiro tipo de erro (no que aqui interessa o erro sobre o objecto previsto no indicado artigo 251º), refere António Menezes Cordeiro:
É a alternativa explicativa do sentido do estabelecimento daquele preço (daquele preço enquanto expressão de um determinado valor que pressupõe e se refere a elementos identitários do prédio) num contrato-promessa (enquanto antecipação de um elemento central de um outro contrato: o contrato definitivo), foi, dizíamos, a alternativa que acima enunciámos a que perpassou ao longo da acção na primeira instância, e é esta questão que agora se transfere através do recurso, como questão decisória operante, para esta Relação. É, enfim, a opção por uma das faladas alternativas, no quadro valorativo aferidor da existência de um erro relevante sobre os motivos, que, reapreciando agora a prova produzida na primeira instância, este Tribunal terá que controlar.
2.2.1.1. Entretanto, preliminarmente à valoração da prova produzida face às asserções fácticas expressas pelo Tribunal a quo, designadamente no que respeita à prova testemunhal que o Apelante indica como erradamente apreciada, preliminarmente a essa valoração, dizíamos, importará ter presente qual o conteúdo dos poderes de reapreciação dos factos nesta Relação, no quadro do controlo dessa prova (sendo deste tipo parte importante da prova que o Apelante considera ter sido deficientemente valorada), controlo este que aqui se realiza nos termos do artigo 712º, nº 1, alínea a) do CPC.
Ora, a este respeito, tenha-se em conta, desde logo, que o relacionamento deste Tribunal de recurso, com a prova testemunhal ocorre indirectamente – consubstancia-se no que apropriadamente se vem chamando acesso mediato – através da audição do registo (sonoro) dos depoimentos prestados em julgamento pelas testemunhas, sem a imediação da qual dispôs o julgador destinatário directo dessa produção de prova.
Assim, sublinhar o carácter indirecto ou mediato que o relacionamento da segunda instância com esta prova assume é relevante, no sentido em que nos fornece o quadro em que se realiza (aqui) o controlo da prova testemunhal. É que a valoração desta assenta no princípio da livre apreciação (estabelecido no artigo 396º do CC), expressando este a aceitação de alguma margem, inevitável, de ponderação subjectiva do julgador, difícil de repetir, nas mesmas condições, num controlo a posteriori por terceiros. É neste sentido que assumimos a asserção de não existir um fundamento prático ou legal, dentro da lógica própria de um acesso mediato a este tipo de prova (assente, tão-só, na audição da gravação sonora de depoimentos), para que o Tribunal de recurso se limite a substituir a “livre apreciação” do julgador imediato, por uma outra “livre apreciação”, entendida esta como correspondente à “sua” – do Tribunal ad quem – “livre apreciação”. A ideia de um recurso de natureza substitutiva quanto aos factos, não implica qualquer “substituição” de “livres apreciações”[12].
Daí que o julgamento dos factos não se repita, pura e simplesmente, em duas instâncias. O que se faz na segunda instância – o que faremos aqui – é, portanto, controlar a racionalidade da fixação de determinados factos e não de outros, procurando o sentido destes face à valoração da prova, aferindo se essa valoração suporta inteiramente aqueles factos enquanto explicação plausível e racionalmente fundada da realidade emergente do acto de julgamento, não obstante até poderem não expressar esses factos a única visão possível das coisas, sem que não deixemos de os considerar correctamente fixados. Nisto reside, estamos em crer, a essência da livre apreciação da prova testemunhal, quanto ao controlo desta em sede de recurso.
É que, como sugestivamente refere Jordi Ferrer Beltrán, “[a] livre valoração da prova é «livre», só no sentido de não estar sujeita a normas jurídicas que predeterminem o resultado dessa valoração. Com efeito, a operação consistente em julgar o apoio empírico que um conjunto de elementos de julgamento aportam a determinada hipótese, está sujeita aos critérios gerais da lógica e da racionalidade”[13], querendo isto dizer que é no controlo do carácter lógico e racional das respostas fornecidas pelo Tribunal a quo, por referência à prova produzida, que se exerce o poder de modificar a decisão de facto pelo Tribunal da Relação (um Tribunal de recurso que não é, como sucede com o Supremo Tribunal de Justiça, um Tribunal de revista), isto, quando estão em causa asserções que assentam fundamentalmente na prova testemunhal. É neste sentido, enfim, que se adere ao entendimento segundo o qual “[…] o controlo da livre valoração segundo a íntima convicção do juiz, é o controlo da justificação da decisão probatória”[14].
Será neste plano valorativo – que o Apelante correctamente identificou como “razões que permitem pôr em causa a razoabilidade da convicção formada pela primeira instância” (conclusão única acima transcrita) –, pois, que se situará a subsequente exposição.
2.2.2. O primeiro dado a reter – e chamamos a atenção para a sua pujança sugestiva – consiste na constatação da enorme diferença entre a área do terreno (incorrectamente) registada na matriz (9.920 m2) e a realidade dessa área (23.800 m2). Trata-se de bem mais do dobro [mais 3.960 m2 que aquilo que seria o dobro da área registada na matriz (corresponderia a simples duplicação dos 9.920 m2 a 19.840 m2)] e, só com base em dados explicativos e contextualizadores da situação concreta que se prefigurem como particularmente expressivos, poderemos sustentar, encarando as coisas numa perspectiva de normalidade, face a um vendedor racionalmente motivado, ser irrelevante, para a decisão de antecipar a fixação contratual do preço, uma tal discrepância de valores quantitativos referidos ao bem prometido vender. Sugestivamente, poderíamos referir que se está a comparar um pouco menos do que equivaleria a um campo de futebol (9.920 m2) com o que corresponderia a quase três campos de futebol (23.800 m2).
Vale isto por dizer, adiantando-se aqui um argumento que adquirirá particular importância mais adiante neste Acórdão, que uma tão significativa discrepância dos valores da área, só poderá ser subtraída à ideia de essencialidade para o declarante, no sentido de cognoscibilidade para o declaratário (v. artigo 247º do CC), se um somatório de dados muito expressivos apontasse nesse sentido.
Ora, entendemos não ser este o caso, face aos elementos probatórios disponíveis, em vista da fundamentação exarada pelo Tribunal a quo.
Sem pretendermos especular em torno de algo tão imperscrutável quanto o é a mente humana em acção, no quadro dinâmico, particularmente complexo, da tomada de decisões contratuais, não deixaremos de sublinhar (para além do elemento de partida correspondente à ideia de um “racionalismo egoísta” básico da generalidade dos agentes económicos actuando no mercado[15], factor que os leva a procurar o melhor preço pela venda de um bem), não deixaremos de sublinhar, dizíamos, aquilo que, no quadro da chamada “Behavioral Decision Theory”[16], é visto como um desvio à chamada “racionalidade perfeita”, no quadro da qual o agente, situado num patamar perfeito de informação, toma uma determinada decisão de contratar correspondente a todos os dados objectivos relevantes para essa decisão. Este elemento, com efeito, expressa-se, frequentemente, num comportamento que acrescenta ou incrementa o factor egoístico, induzindo o indicado desvio de uma “racionalidade perfeita” no processo decisório, traduzindo, por substituição desta, uma forma limitada de racionalidade, potenciadora duma ultra valorização subjectiva do bem[17], situando o ponto de acordo numa base que já não expressa, na perspectiva de quem vende, um conteúdo contratual correspondente a uma “racionalidade perfeita”, determinada pelos dados objectivos respeitantes à avaliação do bem. Fala-se a este respeito, entre outros paradigmas desse efeito de limitação – e citamos Fernando Araújo –, de “[um] efeito de dotação («endowment effect», um afloramento da preferência «inercial» pelo presente, o «status quo bias»[[18]], sub-categoria dentro dos «anchoring biases» que nos leva a sobrevalorizarmos o que (ainda) é nosso em detrimento do que (ainda) não é nosso, e nos leva a pedirmos mais por um bem do que aquilo que estaríamos dispostos a pagar por ele – o resultado combinado do «valor estimativo» (ou «valor de uso») das nossas posses e da nossa aversão às perdas («losse aversion», ou seja a sobrevalorização das perdas em relação a ganhos de igual valor objectivo)”[19] (acrescentámos aqui o sublinhado).
É neste sentido – e adiantamos desde já uma referência à valoração da prova produzida nos autos – que o entendimento do relatório pericial de fls. 234/235, acaba por se afigurar muito limitado no esclarecimento da questão do erro (a questão central desta acção), enquanto elemento atinente à percepção objectivável (reconhecível por terceiros na sua essencialidade) da realidade pelo vendedor (o Tribunal, aliás, limitou-se a referir esse elemento a fls. 251, algo inconsequentemente, sem indicar o sentido em que o valorou). E dizemos isto, desde logo, porque esse relatório não responde cabalmente à solicitação do Tribunal expressa no despacho de fls. 215[20], nem sequer indicando se valorou especificamente uma área de 23.800 m2 comparativamente a uma de 9.920 m2. Depois, porque o relatório determinou – terá pretendido determinar – um valor global de mercado do terreno[21], entendido como a expressão de um elemento relacional da “oferta agregada” e da “procura agregada” de terrenos com aquelas características (di-lo por outras palavras o relatório a fls. 236), sendo que tal determinação, estando em causa aqui a percepção pessoal pelo vendedor dos elementos que considera relevantes no quadro da decisão de contratar (é esta a essência do erro e aqui trata-se de determinar a existência ou não de um erro na estruturação da promessa), acaba por ser muito limitado o resultado dessa perícia no seu significado pois, em si mesma e sem mais, nenhuma informação nos aporta quanto aos elementos intuídos como relevantes por aquele promitente-vendedor (o Apelante) para a decisão de contratar naqueles termos. Embora todos procuremos – e bem – fugir da pesquisa das imperscrutáveis motivações pessoais que levam cada um a emitir, num determinado momento uma declaração negocial com um certo sentido, não deixa de ser possível referir essa declaração, objectivamente, ao conhecimento dos reais elementos de grandeza do objecto vendido (por exemplo à área de um terreno), particularmente quando estão envolvidas ordens de grandeza tão distintas quanto as que aqui se confrontaram para o Apelante.
Trata-se este de um elemento mais seguro de referenciação, por comparação à pura abstracção macroeconómica correspondente a um “valor habitual” ou a um “valor de mercado”. Este sempre expressará um “todo” amorfo, quando o preço aqui fixado corresponde apenas a uma “parte” desse “todo” e tem sentido próprio (também com esta “parte” se construiria esse “todo”[22]), e, se é verdade que não se pode tomar a parte pelo todo, também não se pode tomar o todo pela parte, quando é das vicissitudes da “parte” – e só destas – que cuidamos.
Ao Tribunal ninguém perguntou nesta acção qual era o preço de mercado, ou até o “preço justo”, por aquele terreno – não se trata aqui de uma expropriação –, sendo que nunca se poderá excluir a existência de um erro relevante sobre o objecto negocial, só com base numa hipotética correspondência do preço fixado aos preços normalmente praticados na região relativamente a prédios semelhantes, admitindo ser isso o que resulta do relatório de fls. 251. O erro, expressando ignorância de algo, atende ao desenvolvimento do fenómeno psíquico que conduz à declaração negocial, ou seja, à formação de uma decisão para a qual concorrem vários factores, apreciando, pois, esses factores[23], na medida em que os consigamos objectivar na sua representação social normal pelo destinatário da declaração negocial. Ora, a percepção das tendências do mercado – e isto para quem, conhecendo-as, também por elas se determine ou em função delas paute a sua actuação[24] – só traduz um dos elementos a considerar; actua exteriormente ao agente, sendo que este só se motivará nesses termos na medida em que o preço pelo qual pretende vender um bem lhe apareça inultrapassavelmente limitado por aquilo que os compradores que aborda (ou que o abordam) estejam dispostos a pagar. Isto é bem diferente, todavia, da caracterização dos elementos com base nos quais o vendedor modela a decisão de vender por determinado preço um prédio que supõe ter 9.920 m2 de área, no confronto hipotético com a modelação dessa decisão que o mesmo sujeito formaria relativamente a um prédio com 23.800 m2 de área. Ninguém poderá pretender, faltando elementos muito expressivos apontando em sentido contrário, que o conteúdo de uma venda (o preço), projectado relativamente a realidades quantitativamente tão distintas, seja o mesmo. O valor determina-se em função de múltiplos factores, mas este factor não pode, na falta de outros elementos, ser remetido para o domínio da irrelevância.
Estamos no campo da determinação da motivação do vendedor no acto de fixação de um preço – adiante veremos ser nisso que assenta o artigo 247º do CC –, sendo que é nesse domínio que, relativamente a um elemento fulcral do negócio (relativamente à própria essência do negócio), se situa a questão do erro, sendo nesse quadro referencial que se determina a existência e a relevância desse desvalor negocial[25].
2.2.2.1. Falámos antes do carácter fortemente sugestivo do dado (objectivo) consistente na desproporção de áreas do mesmo terreno consideradas nos dois momentos que aqui adquiriram relevância (a celebração da promessa e a frustrada concretização desta através da celebração do contrato definitivo). Ora, reconduzindo este dado (objectivo) a um plano subjectivo, captando o significado do comportamento dos sujeitos envolvidos no trecho temporal que a apreciação do caso concreto convoca, também antes frisámos que o descartar do significado deste dado – a Sentença mantendo o negócio (a promessa), não obstante este dado, acaba por descartar a relevância de tal dado[26] – só pode assentar num conjunto muito expressivo de circunstâncias e estas, no ambiente de um processo judicial, têm de ser captáveis através da prova e justificadas por uma reconstrução racional do significado desta.
É a busca destas circunstâncias qualificadas (o qualificativo reside em exigirmos a sua acentuada expressividade) que esta Relação empreendeu relativamente à prova testemunhal, cotejando a audição desta (de toda ela) com a fundamentação que o Julgador de primeira instância fez constar no trecho de fls. 251/254 do despacho de fixação dos factos.
Sucede que, nessa procura, não encontrámos elementos que reputemos de substancialmente significativos em abono da visão das coisas que algumas das respostas dadas pelo Tribunal a quo expressam.
Não aceitamos, desde logo e salvo o devido respeito – e estamos a referir-nos ao trecho da fundamentação referido à prova testemunhal (fls. 251/254) –, que o depoimento da testemunha D... (filho dos AA./promitentes compradores e que assumiu ter interesse pessoal na concretização do negócio, v. nota 30, infra) possa ser racionalmente valorado, nesse descartar da relevância negocial de uma diferença de áreas tão significativa como a aqui em causa, dizendo “que […] ninguém sabia a área apesar de o terreno estar devidamente delimitado; mas que a área se «imaginava» pela observação do terreno […]” (fls. 251). Além de “imaginar” algo ser, por definição, uma forma pouco ajustada de abordar realidades quantitativamente expressas de forma tão distante quanto uma diferença de 13.880 m2 para mais na área de um terreno, sempre haveria que posicionar esta afirmação face à verdadeira expressividade – oiça-se a tal respeito a gravação e veja-se a transcrição parcial na nota 28, infra – com a qual a Senhora Notária, a testemunha Dra. E..., que organizou a escritura de 3 de Novembro de 2004 (frustrada na sua realização por desacordo do R. quanto à subsistência do valor fixado como preço), indicou a surpresa e o espanto com o qual este mesmo R. recebeu, dela (Notária), no momento da leitura do texto da escritura, a notícia da magnitude do valor envolvido na alteração da área do terreno, na não coincidência desta com o valor indicado no projecto de escritura[27].
E este mesmo espanto e surpresa foram expressivamente corroborados pela testemunha G... (presente na escritura e, em certo sentido, colaboradora na efectivação do negócio, de cuja documentação preparatória tratou)[28], nas suas importantes declarações[29].
2.2.2.2. Podemos concluir assim – este Tribunal conclui-o em sede de controlo do julgamento dos factos – que a omissão da valorização desta circunstância, fielmente retratada nos depoimentos, objectivos e credíveis, das mencionadas testemunhas, se reflecte inexoravelmente no carácter racional das respostas, fundamentalmente negativas, formuladas pela primeira instância aos números 9, 11, 13 e 14 da base instrutória, aparecendo-nos a única asserção positiva contida na resposta ao número 9 dessa base (apenas que o negócio foi ajustado por €300.000,00, v. a alínea V) do elenco fáctico) como manifestamente insuficiente e, nesse sentido, como inadequada enquanto visão racionalmente aceitável do sentido da prova a tal respeito produzida. Com efeito, induz esta resposta profundamente restritiva (ao ponto 9 da base instrutória), associada às respostas totalmente negativas aos pontos 11, 13 e 14, uma realidade que não lográmos reconstruir através da prova, à luz da fundamentação exarada pelo Tribunal a quo, porque expressa essa realidade muito aquém dos elementos significativos recolhidos numa valoração objectiva da prova testemunhal (remetemos aqui para as transcrições dos excertos dos depoimentos constantes das notas 28 e 30, supra).
Assim, apreciando esta concreta crítica do Apelante à fixação dos factos pela primeira instância (itens 9, 11, 13 e 14 da base instrutória), não podemos deixar de a atender no essencial. Assim, em substituição da redacção acima transcrita do ponto V) dessa matéria de facto, fixa-se, numa resposta conjunta a esses itens 9, 11, 13 e 14 (v. notas 8, 9 e 10 supra, reproduzindo as perguntas em causa nestes pontos), a seguinte asserção fáctica: Esta redacção, introduzida por esta Relação no quadro dos poderes de actuar sobre o julgamento de facto, passará, pois, a funcionar como facto a considerar na nova operação subsuntiva que este resultado do recurso respeitante aos factos determinará.
2.2.2.3. Pelas mesmas razões acima indicadas quanto à valoração da prova, e conferindo coerência lógica à matéria de facto no seu encadeamento expositivo, não pode esta Relação deixar de substituir a resposta de “provado”, dada na primeira instância ao ponto 16 da base (resposta igualmente criticada pelo Apelante), correspondente ao item DD) dos factos transcritos acima, pela seguinte asserção: 2.2.2.4. Quanto à resposta integralmente positiva ao ponto 15 da base (também criticada pelo Apelante) e que veio a gerar a alínea CC) do elenco dos factos provados incluído na Sentença, não vislumbra esta Relação uma fixação notoriamente inadequada (não plausível face à prova) e que se mostre incompaginável com os restantes factos, designadamente com os alterados nesta instância. Com efeito, a circunstância de o terreno ter sido prometido vender como um todo e não ao metro quadrado, resulta dos próprios termos do contrato, compaginados com a prova testemunhal (ninguém afirmou o contrário no julgamento[30]). Note-se, todavia, que este elemento significa singelamente o que diz (não ter sido o terreno vendido ao metro quadrado), ou seja que as partes não expressaram a fixação do preço adoptando expressamente essa base de cálculo ou de determinação (como sucede nos casos previstos no artigo 887º do CC), não significando isto, portanto, que na fixação desse preço o R./Apelante, como promitente-vendedor, tenha estabelecido um preço imune, no seu sentido, à consideração de uma diferença na área do terreno tão significativa quanto a que supervenientemente se veio aqui a detectar. É este último aspecto, tão-só, aquele cuja resolução foi convocada pelo desenvolvimento dialéctico da acção.
2.2.2.5. Embora o Apelante não se refira ao ponto 17 da base[31], que determinou, através de uma resposta especificada do Tribunal a quo, a alínea EE) do elenco fáctico, entende esta Relação, dando seguimento às considerações antes tecidas no item 2.2. deste Acórdão, existirem razões relativas à coerência interna da expressão dos factos provados, reflexo da valoração da prova testemunhal realizada a propósito dos factos expressamente criticados pelo Apelante, que determinam uma precisão e um aprimoramento da resposta a este ponto concreto, consagrando a existência de uma assimetria informacional, que se nos afigurou evidente, entre o A. marido e o R., em claro benefício do primeiro, quanto à percepção das verdadeiras características do terreno prometido vender.
Aliás, esta alteração a introduzir aqui, complementa e dá coerência significativa à resposta aos pontos 12-A e 12-B da base (corresponderam estes à alínea AA) do elenco fáctico), na medida em que da prova decorreu um conhecimento profundo do A. das características do terreno (vive em frente dele e é construtor civil, sabendo, por isso, fazer corresponder áreas de terreno a valores aproximados da realidade), contrastante com um conhecimento superficial do terreno pelo R. (herdou-o do pai, nunca lá viveu, pois sempre viveu noutro sítio – é diplomata em França – e terá visto o terreno, nas vésperas da celebração da promessa, segundo referiu a testemunha F..., “uma vez”, observando-o da estrada, “da parte de cima, de onde se via uma parte só”).
Assim, com reflexo na redacção da alínea EE) dos factos, entende esta Relação como adequada a seguinte resposta especificada ao ponto 17 da base, em substituição da formulada pela primeira instância a fls. 249 e que transitou para o elenco considerado na Sentença apelada: 2.2.2.6. Finalmente – e continuamos na mesma linha argumentativa introduzida no antecedente item deste Acórdão (v. item 2.2., supra) –, e também relativamente a um elemento de facto não expressamente focado pelo Apelante, entendemos imprescindível introduzir uma resposta ao ponto 12-C da base[32], que, não sendo inteiramente coincidente com a asserção positiva contida na pergunta, não deixe de sublinhar que o A. marido é construtor civil, como foi afirmado una voce por todas as testemunhas (de ambas as partes, incluindo o filho do próprio A., sendo até tal circunstância que explica a referência a uma operação de loteamento no texto do contrato e, aqui, na alínea F) dos factos). Este elemento interessa, e fornece completude e contexto coerente ao elenco fáctico, em vista da compreensão da aludida assimetria informacional existente entre o A. marido e o R., com claro reflexo numa correcta percepção por aquele das características do terreno e numa motivação equivocada deste último. A resposta negativa ao ponto 12-C da base não atendeu à exuberante prova produzida a tal respeito.
Assim, formulamos aqui, passando a constituir a alínea JJ) do elenco fáctico, a seguinte resposta especificada ao ponto 12-C da base: 2.2.3. Aqui chegados, apreciados os fundamentos do recurso respeitantes à matéria de facto, sendo que desta dimensão do julgamento do recurso resultaram, nos termos antes indicados, consideráveis alterações a tal elenco, importa aqui dar conta de quais os factos provados, fixados por esta Relação no quadro dos poderes previstos no artigo 712º do CPC, sendo esse elenco aquele que servirá de base à subsequente operação subsuntiva.
Os factos a considerar são, pois, os seguintes: 2.3. Sendo estes os factos, importa agora refazer, em função deles, a operação subsuntiva – nisto se traduz, aliás, a pretensão fundamental do Apelante no presente recurso –, considerando a questão do erro sobre o objecto, nos termos acima definidos, no quadro da anulabilidade da declaração negocial, enquanto consequência prevista no artigo 247º do CC, para o qual remete o artigo 251º do mesmo Código.
2.3.1. Referimo-nos antes (v. nota 12, supra e texto para o qual esta remete) à questão do valor do objecto – o conhecimento dos elementos reconhecidamente respeitantes à determinação deste valor – como elemento integrador do erro incidente sobre esse objecto[37], previsto no artigo 251º do CC, e que constitui causa de anulabilidade do negócio, nos termos do artigo 247º do CC, por remissão para este regime (o do erro na declaração), efectuada pelo trecho final do próprio artigo 251º[38]. Também aí deixámos expressa a existência de algumas reticências doutrinais à configuração nesse quadro daquilo que se poderia descrever como “erro” incidente sobre a operação de fixação do preço[39].
Ora, olhando às incidências do caso concreto, quer-nos parecer que “preço” e “valor” devem ser encarados, neste particular contexto, como expressando realidades situadas em planos distintos.
Esta questão foi tratada, pressupondo o regime emergente do Código de Seabra (face ao respectivo artigo 661º[40]), por Manuel de Andrade: A referência ao preço, enquanto elemento característico da compra e venda, tendencialmente subtraído à lógica de actuação do erro, deve ser compreendida com o sentido de não abranger – portanto, no sentido de não subtrair à actuação do erro sobre o objecto, previsto no artigo 251º do CC –, como acima tivemos o ensejo de sublinhar na nota 12, uma falsa percepção da realidade que se refira a algo incidente sobre qualidades essenciais da coisa alienada que consensualmente se prefigurem como relevantes para a determinação do valor desta, mesmo quando a expressão deste (valor da coisa) se alcança ou manifesta por referência a um preço. Este (o preço) expressará um resultado; tal resultado assenta no conhecimento de determinada realidade; esta realidade corresponde ao valor da coisa: falar do preço nestas circunstâncias é intelectualmente indissociável da visão que se tem do valor dessa coisa, em função de determinados pressupostos.
Com efeito, entendemos útil, para este efeito, distinguir (a) a realidade preço enquanto – rectius, que se esgota como – contrapartida pecuniária estabelecida para a transmissão da propriedade no âmbito de um contrato de compra e venda (artigo 874º do CC), quando o quadro referencial é o da “relevância negocial” da estipulação dessa contrapartida, e (b) o “preço” que expresse uma aferição identitária do bem. É que – e a hipótese vertente coloca-nos perante esta questão –, aquilo que qualificamos como “preço” de um bem pode ser entendido, na lógica de funcionamento de um negócio (particularmente na lógica de funcionamento de um negócio antecipatório, como sucede com a promessa de compra e venda), nesses dois planos cuja proximidade não afasta o assentar em (o pressupor de) sentidos diferentes e de corresponder a realidades que, com algumas (importantes) zonas de sobreposição, não são exactamente coincidentes e nem sempre actuam no mesmo plano de relevância.
Poderemos estar a aludir, como “preço”, a um referencial que se limita a expressar a percepção que se tem do valor de uma coisa e que, nesse sentido, simplifica a compreensão linguística de realidades que – e utilizamos o trecho antes destacado da citação de Manuel de Andrade – correspondem à “constituição material e [às] condições factuais e jurídicas que, pela sua natureza e duração, influem no valor ou no préstimo do objecto”. Diversamente, referindo-nos ao “preço” (aqui com um sentido mais directo e preciso), poderemos ter em vista o aparecimento desse elemento na lógica de um determinado acordo negocial, enquanto elemento integrante do conteúdo deste.
Note-se, como já antes sublinhámos, que esta distinção assume uma particular relevância quando nos defrontamos não directamente com a actuação da compra e venda (com o preço que já só é a directa contrapartida da transmissão de um direito), mas com um contrato-promessa que, estruturalmente autónomo, funciona numa lógica antecipatória dessa compra e venda, colocando o ênfase nos elementos identitários do objecto retidos nessa operação antecipatória de algo. Nesta – não correspondendo esta ainda ao efeito próprio do contrato definitivo –, a realidade indicada como preço pode, reforçadamente, exprimir uma fixação identitária do bem, num dos seus elementos, identificando, passe a redundância, uma qualidade substancial deste e adquirindo, por algum tipo de destaque deste particular sentido, relevância no quadro do erro sobre o objecto[42].
Esta diferenciação – que concedemos ser frequentemente complexa de estabelecer –, é caracterizada por Baptista Machado, distinguindo, a propósito da venda de coisas defeituosas (artigos 913º e seguintes do CC), erro e acordo negocial[43], nos seguintes termos: E, tomando como referência o quadro da venda de coisa defeituosa (artigo 913º e seguintes do CC, designadamente na remissão para o regime da venda de bens onerados, artigos 905º e seguintes), enquanto paradigma de relevância da lex privata e, consequentemente, de exclusão do regime geral do erro, acrescenta o mesmo Autor: 2.3.1.1. Ora, neste caso, afigurando-se-nos que a enorme divergência de áreas consideradas, se refere, na perspectiva do promitente-vendedor, ao sentido identitário expresso nas qualidades do próprio bem (não foi aquilo que se prometeu vender – um terreno cujos sinais identitários expressos na matriz correspondiam a uma área de 9.920 m2[46] – o que “apareceu” a ser vendido na concretização definitiva da promessa: v. a alínea V) dos factos aqui fixados), entendemos ser de referir essa divergência ao próprio objecto, já que seria profundamente distinto nessas qualidades (seria como que um outro terreno) o que o comprador adquiriria através do contrato definitivo concretizador da promessa. É neste sentido que a convocação do erro sobre o objecto (artigo 251º do CC) tem aqui pleno sentido[47], sendo por esta via que a potencialidade anulatória actua, nos termos do artigo 247º do CC, constatada, como aqui constatamos, a cognoscibilidade (o dever de o declaratário não ignorar) a essencialidade desse elemento identitário na lógica própria do negócio. Qualquer declaratário (mais ainda um declaratário construtor civil) “devia saber”[48] – intui-se facilmente por critérios de normalidade social objectivos – constituir um elemento essencial da definição identitária de um objecto correspondente a um terreno destinado a construção (v. alínea F) do elenco fáctico), uma tão significativa diferença de áreas, quanto a expressa em mais 13.880 m2 do que a realidade espacial definida no negócio.
Estamos, pois, é o que entendemos, perante um erro quanto ao objecto (artigo 251º do CC), cuja essencialidade para o declarante o declaratário não podia ignorar. Esta natureza desvaliosa torna o negócio, anulável, como pretende, e reconvencionalmente pediu, o ora Apelante (artigo 247º do CC), actuando esta vicissitude nos termos gerais decorrentes do artigo 289º, nº 1 do CC, projectando-se retroactivamente sobre o negócio destruído (aqui anulado), “[…] devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado […]”, sendo que neste caso esta consequência opera através da restituição aos AA./Apelados/promitentes-compradores, pelo R./Apelante/promitente-vendedor, do sinal, em singelo, que aqueles entregaram a este ao abrigo do contrato.
2.4. É este, enfim, o resultado do recurso que decisoriamente haverá que expressar no pronunciamento final do presente Acórdão, correspondendo ele a um triunfo significativo, embora não total, da tese do Apelante [não total, na medida em que o Apelante pugnava aqui pela procedência total da reconvenção que formulou (v. fls. 30 e transcrição no item 1.2., supra) e, quanto a esta, não existe qualquer facto que suporte os pressupostos, mesmo que inquantificados, do pedido indemnizatório reconvencional, mantido neste recurso].
Note-se, enfim, que a consequência aqui estabelecida – restituição em singelo do sinal – não deixa de estar quantitativamente contida, implicitamente, no pedido formulado, referindo-se este ao dobro do sinal, recebem os AA., apenas, o exacto valor do sinal. Pode tal elemento, por isso, ser aqui considerado, na articulação lógica do resultado do recurso.
É a expressão deste resultado que nos resta enunciar, indicando antes, sob a forma de sumário, os aspectos centrais do antecedente percurso argumentativo:
III – Decisão
3. Assim, na procedência parcial do recurso, revoga-se a decisão apelada, julgando-se:
A) Improcedente a acção, absolvendo-se o R. do pedido formulado pelos AA. (o pedido de resolução por incumprimento do contrato-promessa pelo R. e de restituição, por este, do sinal em dobro);
B) Parcialmente procedente a reconvenção, anulando-se, consequentemente, o contrato-promessa em causa, por verificação de erro relevante quanto ao objecto, condenando-se o R. a satisfazer aos AA. o valor, em singelo, do sinal destes recebido (€30.000,00), acrescido dos juros (civis) legais que, contados do trânsito desta decisão[49], se venham a vencer;
C) No mais referente ao pedido reconvencional (o pedido indemnizatório inquantificado), vão os AA./Reconvindos – tal como já decorria da Sentença apelada – absolvidos.
Custas em ambas as instâncias a cargo dos Apelados (2/3) e Apelante (1/3).
8º Mas em 03/11/2004 a escritura não chegou a ser outorgada uma vez que, antes da leitura da escritura, a Notária do Cartório alertou o R. para o facto de ter sido requerida a rectificação da área do terreno em causa para 23.800 m2, quando a minuta da escritura constava apenas como tendo 9920 m2.[…] 12º Em face desta situação o R. não outorgou a escritura de compra e venda e propôs ao A. marido a anulação do negócio ou a revisão do preço, o que este recusou.[…]” [transcrição de fls. 28] [3] Que incluíram a réplica dos AA. a fls. 35/39 na qual estes indicaram ter o prédio sido negociado por referência àquele terreno em concreto, conhecido de ambos os promitentes, sendo visíveis as respectivas dimensões, e não em função da área respectiva. [4] Forma de despacho condensatório introduzida no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de Julho (na redacção por este então conferida ao nº 2 do artigo 511º), que deixou de existir com a reforma do processo civil consubstanciada no Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro (v. a redacção do artigo 511º, nº 1 por este último introduzida). Tendo presente que a presente acção foi proposta em 2005, percebe-se ter a peça condensatória observado, inadequadamente, uma forma não legalmente prevista no direito adjectivo aplicável, faltando aqui, em rigor, uma base instrutória. [5] Num recurso em que se impugne a matéria de facto, a especificação dos meios de prova prevista no artigo 690º-A, nº 1, alínea b) do CPC, não necessita de constar das conclusões, v., neste sentido, os Acórdãos desta Relação (Jorge Arcanjo), de 13/05/2008 (processo nº 372/04.8AAND.C1) e de 03/06/2008 (processo nº 245-B/2002.C1), disponíveis na base de jurisprudência do ITIJ, através dos campos de pesquisa aqui indicados, ou, directamente, em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb53003ea1c61802568d9005cd5bb/171e03f7d2c8f3e2 e em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/bc3774b42c238fee. [6] O exercício deste poder de evitação da anulação é caracterizado por Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego nos seguintes termos: “[…] A clara ampliação do leque dos elementos probatórios constantes do processo e à disposição da Relação – e o consequente incremento dos seus poderes cognitivos quanto à matéria de facto objecto da impugnação – leva a que a possibilidade de anulação da decisão de facto proferida em 1ª instância passe a ser, de algum modo, excepcional ou residual relativamente ao exercício dos poderes de cognição conferidos à 2ª instância. Assim, constatada uma possível deficiência ou obscuridade quanto a certa parcela ou segmento da decisão sobre a matéria de facto, se constarem do processo todos os elementos probatórios que lhe serviram de base, deverá a Relação, antes e em vez de anular a decisão, proceder à reapreciação do decidido, substituindo-se ao tribunal a quo e corrigindo o erro de julgamento que considere ter ocorrido. […]” (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol I, 2ª ed., Coimbra, 2004, p. 610). Aqui tratar-se-á de considerar, por razões de coerência lógica interna da decisão respeitante à matéria de facto, pontos não especificamente referidos pelo Apelante, mas presentes na base instrutória (em função da qual as partes organizaram a produção de prova) e directamente relacionados com os factos impugnados. Este alargamento do âmbito da apreciação dos factos, estritamente ligado à matéria de facto directamente impugnada, logicamente relacionada com outros pontos de facto, não traduz um alargamento do âmbito temático do recurso, pressupondo sempre matéria efectivamente discutida pelas partes na motivação e contra-motivação da presente apelação, em nada afectando o exercício entre o Apelante e os Apelados da faculdade de contraditório genericamente prevista no nº 3 do artigo 3º do CPC. Enfim, e é o que aqui interessa ter presente, nada daquilo que, na matéria de facto, será adicionalmente apreciado por esta Relação, corresponde a qualquer referencial temático que as partes não tenham discutido efectivamente no recurso. [7] Perguntava-se neste – reproduzindo a alegação do R. no artigo 3º da contestação (fls. 27) – se “[o] negócio fo[ra] ajustado por €300.000,00 atendendo ao facto do imóvel ter 9.920 m2, conforme a respectiva descrição matricial, tendo sido formalizado o contrato-promessa de compra e venda […]”, respondendo o Tribunal, tão-só, “[…] que o negócio foi ajustado por €300.000,00” (fls. 248-A). [8] Estes dois itens (11 e 13) foram considerados não provados. No item 11 (artigo 11º da contestação) perguntava-se se “[…] o R. esteve sempre convencido que o referido terreno tinha apenas a área de 9.920 m2, tal como constava da certidão da matriz predial, tendo o preço da compra e venda prometida sido estabelecido nesse primordial pressuposto” (fls. 116). No item 13 (artigo 18º da contestação) perguntava-se – numa formulação cumulativamente interrogativa e de pendor hipotético – “[s]e o R. tivesse conhecimento que o terreno em causa tinha a área de 23.800 m2 e não de 9.920 m2 como constava da matriz que tinha sido entregue no Cartório Notarial, nunca teria celebrado o contrato-promessa […] pelo preço de €300.000,00”. [9] Perguntava-se nele – e foi considerado não provado – se “[a] área do terreno foi elemento essencial na determinação do preço da compra e venda […], facto que foi sempre do perfeito conhecimento do A. marido”. [10] Numa primeira aproximação à caracterização deste elemento (o erro) em Direito, particularmente no quadro dos desvalores de um negócio jurídico, importa reter que o erro equivale sempre à ignorância de algo e implica, em geral, “[…] uma avaliação falsa da realidade: seja por carência de elementos, seja por má apreciação destes […]” (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 3ª ed., Coimbra, 2005, p. 807). Fala-se a este respeito – e sublinhamos de novo que estamos em sede de caracterização geral do erro na Teoria Geral do Negócio Jurídico – “[…] no desconhecimento ou na falsa representação da realidade que determinou ou podia ter determinado a celebração do negócio” (Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 4ª ed., Lisboa, 2007, p. 199). Enfim, aquilo que Manuel A. Domingues de Andrade, caracterizava, como vício da vontade, nos termos seguintes: “[o] erro-vício consiste na ignorância (falta de representação exacta) ou numa falsa ideia (representação inexacta), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu” (Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 9ª reimpressão, Coimbra, 2003, p. 233). [11] Tratado de Direito Civil Português, cit., p. 825. Cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, cit., p. 213: “[q]uanto à modalidade de erro referida ao objecto negocial, deve aceitar-se que ele abrange tanto o objecto material como o jurídico (o conteúdo)”. José de Oliveira Ascensão, caracterizando o erro sobre o objecto, com o conteúdo contemplado no artigo 251º do CC, tende a excluir deste, citando elementos doutrinais italianos, o erro sobre o preço (Direito Civil. Teoria Geral, Vol. II, 2ª ed., Coimbra, 2003, p. 146 e nota 221). A questão coloca-se em Itália face à especificidade do artigo 1429º do Codice Civile – (Errore essenziali). Sublinhando que o nosso artigo 251º não constitui um exacto equivalente daquele artigo 1429º, não deixará de se sublinhar a admissão na doutrina transalpina de um “errore sul valore” – isto é, ao tratamento como erro motivador da anulabilidade do negócio – daquela falsa percepção da realidade que se refira a algo incidente sobre qualidades essenciais da coisa alienada relevantes para a determinação do valor desta, e que isso poderá passar pela questão do preço (cfr. G. Pescatore, C. Ruperto, Códice Civile annotato, 9ª ed., Tomo I, Milão, 1993, anotação 5, ao artigo 1429º, p. 2236; cfr. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra, 2005, p. 517, nota 711). Esta questão, à qual adiante voltaremos, foi desenvolvidamente tratada num importante estudo de J. Baptista Machado a respeito da articulação da ideia de erro com o regime da venda de coisas defeituosas: Acordo Negocial e Erro na Venda de Coisas Defeituosas, Coimbra, 1971, Separata do vol. XLVI, 1970, do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. [12] O legislador, aliás, assumiu este condicionalismo – e disso deixou um rasto expresso – ao consignar no preâmbulo do referido Decreto-Lei nº 39/95 o seguinte: “[…] [O] objecto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova […]”. [13] La valoración racional de la prueba, Marcial Pons, Madrid, 2007, p. 45. [14] Wròblewski, citado por Marina Gascón Abellán, in Los hechos en el derecho. Bases argumentales de la prueba, 3ª ed., Madrid, 2010, p. 177, nota 32. A citação abona este trecho argumentativo: “[s]e a racionalidade da decisão probatória tem de ser controlada, é evidente que este controlo se projecta sobre as razões que fundamentam a livre valoração do juiz” (p. 177). [15] Referimo-nos à racionalidade económica do comportamento normal dos agentes no mercado, quando pretendem obter um bom preço pelos bens que transaccionam. A ciência económica sempre reconheceu o “individualismo metodológico” do homo oeconomicus, falando mesmo, a este respeito, de comportamento “racionalmente egoísta”. É esta a base, na teoria económica, da chamada “hipótese REMM” [do inglês, resourceful, evaluating, maximising man; v. Hans-Bernd Schäfer, Claus Ott, Manual de Análisis Económico del Derecho Civil, Madrid, 1991 (tradução da edição alemã de 1986), pp. 61 e segs.]. [16] V. a entrada “Decision theory” na Wikipedia, em http://en.wikipedia.org/wiki/Decision_theory. V. uma caracterização geral da aplicação ao Direito da “Teoria” no artigo de Christine Jolls, Cass R. Sunstein, Richard Thaler, “A Behavioral Approach to Law and Economics”, disponível no endereço seguinte: http://www.law.harvard.edu/programs/olin_center/papers/pdf/236.pdf. Artigo 251º O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247º.Erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio Artigo 247º Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.Erro na declaração [39] Partindo de uma referência de direito comparado feita por José de Oliveira Ascensão (Direito Civil. Teoria Geral, Vol. II, 2ª ed., Coimbra, 2003, p. 146 e nota 221). Com efeito, tendo em vista a definição de “erro essencial” (Errore Essenziale), dada no artigo 1429 do Código Civil Italiano, existe uma tendência (por vezes mitigada nos termos caracterizados nessa nota 12, supra) para reconduzir o chamado “errore sul valore” à chamada (no direito italiano) “azioni di rescissione per lesione”, fora do quadro da anulação por erro resultante da conjugação dos artigos 1428 e 1429 do Codice Civile. Aqui transcrevemos, para compreensão do problema, o texto destes: Art. 1428. L'errore è causa di annullamento del contratto quando è essenziale ed è riconoscibile dall'altro contraente.Rilevanza dell'errore. Art. 1429. L'errore è essenziale:Errore essenziale. 1) quando cade sulla natura o sull'oggetto del contratto; 2) quando cade sull'identità dell'oggetto della prestazione ovvero sopra una qualità dello stesso che, secondo il comune apprezzamento o in relazione alle circostanze, deve ritenersi determinante del consenso; 3) quando cade sull'identità o sulle qualità della persona dell'altro contraente, sempre che l'una o le altre siano state determinanti del consenso; 4) quando, trattandosi di errore di diritto, è stato la ragione unica o principale del contratto. [40] Estabelecia este: Artigo 661º O erro sobre o objecto do contrato, ou sobre as qualidades do mesmo objecto, só produz nulidade havendo o enganado declarado, ou provando-se pelas circunstâncias do mesmo contrato, igualmente conhecidas da outra parte, que só por essa razão e não por outra contratara.Erro sobre o objecto do contrato [41] Teoria Geral…, cit., pp. 250/251. [42] Manuel de Andrade, em nota integrada no texto acima transcrito, distinguindo “qualidades substanciais” de “qualidades não substanciais” do objecto, no quadro da restrição às primeiras da “potência anulatória do erro”, refere “[serem] substanciais todas as qualidades que, sempre de acordo com os usos, se reputam importantes, afectando de modo decisivo o préstimo ou o valor da coisa” (Teoria Geral…, cit., pp. 250, nota 1). Esta referência aparece no quadro da caracterização da ultrapassagem do conceito romano, assente numa lógica muito precária, já que reduzia as qualidades substanciais à própria “matéria da coisa”: não deixaria de ser de ouro, por exemplo, um objecto, vendido como “objecto de ouro”, desde que uma ínfima parte dele fosse desse metal, não haveria error in materia ou in substantia, porque algo dela aí existia (“vinho azedo” também seria “vinho”). É neste sentido que se fala das “especulações pouco felizes” da Digesta sobre a “relevância do erro sobre a substância” (Paul Jörs, Wolfgang Kunkel, Derecho Privado Romano, tradução da 2ª ed. Alemã, Barcelona, Madrid, 1937, p 155). [43] Acordo Negocial e Erro na Venda de Coisas Defeituosas, Coimbra, 1971, Separata do vol. XLVI, 1970, do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. [44] Acordo Negocial e Erro…, cit., pp. 10/11. [45] Acordo Negocial e Erro…, cit., p. 41. [46] A área refere-se a um conceito (identitário) matemático, definido como a quantidade de espaço bidimensional correspondente à superfície. Trata-se, pois, de um conceito identitário central na definição da realidade espacial correspondente a um terreno: na compra e venda de uma propriedade fundiária é, descritivamente, determinado espaço assim definido o que se transmite. Estamos, pois, quando nos referimos a essa variável, também a identificar o bem vendido. [47] Cfr. António Menezes Cordeiro, ob. e loc. cit. na nota 12, supra. [48] António Menezes Cordeiro, ob. cit. na nota 12, supra, pp. 817/818. [49] Foi aqui – através deste Acórdão – que a obrigação adquiriu liquidez (artigo 803º, nº 3 do CC). |