Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FRANCISCO CAETANO | ||
Descritores: | SUBEMPREITADA DEFEITOS CADUCIDADE EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO MÁ FÉ | ||
Data do Acordão: | 05/08/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | LEIRIA 5º J C | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 331º Nº 2, 1220º E 1225º DO CC | ||
Sumário: | I – A procedência da “exceptio non rite adimpleti contractus” obsta à procedência da acção em que o subempreiteiro pede o pagamento do preço da subempreitada; II – Contudo, em vez da absolvição do pedido deve antes julgar-se justificado o não pagamento do preço em dívida enquanto a subempreiteira não eliminar os defeitos da obra; III – O reconhecimento do direito à eliminação dos defeitos de obra subempreitada, como causa impeditiva da caducidade, deve ser expresso, preciso e sem ambiguidades e fazer as vezes de uma sentença; IV – Reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida, ficando apenas sujeita às regras da prescrição se se trata de direito disponível; V – Proposta acção para pagamento do preço de subempreitada, embora omitindo a autora o seu próprio cumprimento defeituoso, não se configura abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”; VI – Incorrendo em litigância de má fé, o seu grau de censura ético-jurídica não enquadra caso “especialmente grave” que justifique a imposição da multa máxima de 10 UC, antes, adequadamente, de 3 UC. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
1. Relatório “A..., SA” propos, no 5.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Leiria, contra “B... Lda.”, acção com forma de processo ordinário, alegando, em suma, que a pedido da Ré lhe forneceu diversos materiais do seu comércio e executou pavimentos industriais, tendo a mesma omitido o pagamento das duas facturas que titulam tais fornecimentos e trabalhos, no valor global de € 19.746,76, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 19.746,76, acrescida dos juros de mora vencidos, desde a data de vencimento das facturas, no valor de €3.082,00 e dos vincendos até integral pagamento. Citada, a Ré contestou, excepcionando o não cumprimento pela A. das obrigações que assumira, já que executou de forma defeituosa o pavimento colocado na adega do Z..., sita em ..., traduzindo-se tais defeitos em nivelamentos incorrectos, depressões, manchas, empoçamentos e diferenças de cor e em virtude deles a dona da obra “C... , Lda.”, que contratara os serviços da Ré, não lhe pagou o acordado, nem aceitou a obra, exigindo a reparação do pavimento, o que a Autora não fez, concluindo, assim, pela improcedência da acção e deduzindo incidente de intervenção acessória provocada dessa sociedade por ter sobre ela direito de regresso caso venha a ser condenada no pagamento das quantias peticionadas pela A. A A. replicou para pugnar pela improcedência da excepção, mantendo que executou os trabalhos de acordo com as instruções da Ré e conforme as regras da arte, mais alegando que os direitos da Ré, mormente o direito de invocar a excepção do não cumprimento, caducaram, pois que a A. executou e terminou os seus trabalhos antes de 24 de Junho de 2005 e a Ré apenas lhe deu conhecimento dos alegados defeitos em 22 de Agosto de 2005, invocando a referida excepção apenas com a contestação de 22 de Junho de 2007 e pronunciou-se, ainda, contra o pedido de admissão da intervenção da mencionada sociedade. A Ré treplicou, reiterando que a A. sempre reconheceu a existência dos defeitos, apresentando soluções para a sua correcção e que os denunciou atempadamente, concluindo que a A. litiga de má fé, pelo que pediu a sua condenação em multa e indemnização não inferior a € 5.000,00. Foi admitida a intervenção acessória provocada da sociedade “ C..., Lda.” a qual, citada, nada disse. Proferido despacho saneador, procedeu-se à selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, sem reclamação. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto, igualmente sem reclamação. Proferida sentença, foi a acção julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido e a A. condenada a título de litigância de má fé na multa de 10 UC e posteriormente na indemnização à Ré da importância de € 2.000,00. Inconformada, recorreu a A., apresentando alegações que finalizou com as seguintes úteis conclusões: a) – A solução preconizada na sentença recorrida, de concluir que “a excepção do não cumprimento obsta à procedência, neste momento em que a A. ainda não cumpriu sem defeitos a sua prestação, da acção”, viola o disposto no art.º 428.º do CC; b) – A obrigação da Ré cujo cumprimento a A. visa nestes autos existe, mas não é ainda exigível; c) – O facto de a prestação que a A. visa obter ainda não ser exigível, não obsta a que esta se condene no seu cumprimento, no momento próprio, como deriva do estatuído no art.º 662.º, n.º1, do CPC; d) – Invocada a excepção do não cumprimento e provados os factos subjacentes, a consequência seria condenar-se a Ré no pagamento da quantia em dívida, acrescida dos juros, quando a A. proceder à reparação dos defeitos existentes no pavimento; e) – O objecto do contrato de empreitada celebrado entre a A. e a Ré foi de uma obra destinada a longa duração; f) – Os defeitos foram comunicados à A. pela Ré em 22.8.05; g) – A excepção do não cumprimento foi invocada pela Ré em sede de contestação apresentada em 22.7.07; h) – O reconhecimento do direito, tal como ocorrido nos autos, não é impeditivo da caducidade, pelo que esta ocorreu; i) – A Ré alegou ter acordado com a dona da obra e ter comunicado tal facto à A. que a reparação e a eliminação dos defeitos ficaria temporariamente suspensa; j) – A A. tem sobre a Ré um direito de crédito, direito esse que tem a mesma protecção que o direito da Ré de a obra ser executada conforme acordado, sem defeitos que diminuam ou excluam o seu valor e caso estes existam de os eliminar; l) – A existência de um direito de crédito da A., a verificação dos defeitos e a disponibilidade, por diversas vezes, de querer eliminar as deficiências da obra, a par do facto de a A. apenas ter intentado a presente acção em 2007, quando a obra foi executada em 2005 e os defeitos conhecidos da Ré neste ano, a que acresce a invocação por esta de a dona da obra considerar suspensa a eliminação dos defeitos, legitima a A. a litigar nos termos em que o fez, isto é, de boa fé, visando acautelar o seu direito; m) – Para se falar em abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium” teremos de estar perante condutas contraditórias do seu titular, a frustrar a confiança criada pela contraparte em relação à situação jurídica futura, teremos de estar perante situação juridicamente intolerável, traduzida em aberrante e chocante contradição com um comportamento anteriormente adoptado perlo titular do direito; n) – Apenas a lide essencialmente dolosa e não a lide temerária, ousada ou errada, justifica a condenação por litigância de má fé; o) – Foram violados os art.ºs 457.º do CPC e 334.º, 428.º, 457.º e 1207 e ss. do CC, pelo que deve a sentença recorrida ser substituída por outra que julgue a acção procedente e declare que a A. não litigou de má fé. Não houve lugar a resposta. Dispensados os vistos, cumpre apreciar, sendo questões a decidir, tal qual a recorrente as recortou: a) – Se a excepção do não cumprimento do contrato acarreta, sem mais, a improcedência da acção; b) – Se a A. agiu com abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”; c) – Se se verificam os requisitos de litigância de má fé por parte da recorrente. * 2. Fundamentação a) – De facto Foi a seguinte a matéria de facto a que a sentença recorrida se ateve e que não foi objecto de impugnação por parte da recorrente: 1. A A. é uma sociedade anónima que se dedica à indústria de pavimentos (Alínea A) dos factos assentes); 2. No âmbito da sua actividade e por solicitação da Ré, a A. executou pavimentos industriais e forneceu-lhe produtos do seu comércio, tudo conforme consta das seguintes facturas: a) - Factura n° 4015/2005, de 24/06/2005, no valor de € 11.513,92; b) - Factura n° 4398/2006, de 22/08/2006, no valor de € 8.232,84 (Alínea B) dos factos assentes); 3. Conforme o acordado entre A. e Ré, o montante em dívida - € 19.746,76 - seria liquidado na data da emissão das referidas facturas, nos escritórios da A. (Alínea C) dos factos assentes); 4. A Ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à construção civil (Alínea D) dos factos assentes); 5. A empresa C..., Lda. celebrou um contrato de empreitada com a ora Ré para realização da obra na adega da Herdade do Z..., sita na localidade de ... (resposta ao facto nº 1 da base instrutória); 6. No âmbito da adjudicação desta empreitada a empresa C..., Lda. exigiu ao empreiteiro, ora Ré, que o pavimento da referida adega fosse executado pela Autora, por se tratar de uma empresa especializada em pavimentos e gozar de grande prestígio no meio (resposta ao facto nº 2 da base instrutória); 7. A colocação do pavimento de betão na adega da Herdade do Z... foi executada pela Autora na qualidade de subempreiteira (resposta ao facto nº 3 da base instrutória); 8. Depois da colocação do pavimento de betão na aludida adega, foram detectadas as seguintes situações: a) - nivelamentos incorrectos e manchas; b) - má execução do pavimento ao nível do acabamento (marca de ligação entre massames junto às instalações sanitárias); c) - má execução das meias canas (pintadas com uma tonalidade diferente da cor base do restante pavimento) e tapamento das juntas efectuado com mástique com cor diferente; d) - depressões no pavimento junto das caleiras e instalações sanitárias; e) - reacção anómala do pavimento com as águas de lavagem das cubas; f) - manchas brancas no pavimento; g) - empoçamento debaixo das cubas e junto às caleiras (resposta ao facto nº 4 da base instrutória); 9. O dono da obra exigiu então a reparação do pavimento, sendo deduzido o preço do mesmo até tal situação estar resolvida (resposta ao facto nº 5 da base instrutória); 10. Porque a adega se encontrava já em sistema de laboração, estes trabalhos de reparação implicariam a desmontagem da adega, i. é., desmontagem do sistema de frio e das cubas, acrescida dos custos de armazenagem, transporte e seguros do vinho (resposta ao facto nº 6 da base instrutória); 11. Todas as operações para eliminação de tais defeitos que foram propostas pela Autora não seriam possíveis sem que se cumprisse a remoção dos equipamentos já existentes no local (resposta ao facto nº 7 da base instrutória); 12. O que implicaria custos superiores a € 22.500,00 (resposta ao facto nº 8 da base instrutória); 13. Os defeitos foram comunicados à autora pela Ré, via fax datado de 22/08/2005 (resposta ao facto nº 11 da base instrutória); 14. Os defeitos verificados e assumidos pelo subempreiteiro, ora Autora, não foram eliminados (resposta ao facto nº 12 da base instrutória); 15. O preço referente à colocação do citado pavimento na adega da Herdade do Z... não foi pago pelo dono da obra à Ré (resposta ao facto nº 13 da base instrutória); 16. Como não obtivesse resposta, voltou a Ré a insistir na visita à obra da adega na Herdade do Z..., a fim de que o pavimento fosse verificado e detectadas as irregularidades (resposta ao facto nº 14 da base instrutória); 17. A 07/10/2005 e porque a Autora, após visita à obra, não apresentou qualquer solução para a resolução dos defeitos acima mencionados, a Ré enviou mais um fax à Autora no sentido de se encontrar uma rápida resolução para tal impasse (resposta ao facto nº 15 da base instrutória); 18. A 19/10/2005, o dono da obra apresentou por escrito a não aceitação do pavimento executado pela Autora, enquanto subempreiteira, na adega sita na Herdade do Z... (resposta ao facto nº 16 da base instrutória); 19. A Autora, a 25/10/2005, remeteu carta à Ré, reconhecendo a existência dos defeitos já enunciados e predispondo-se à sua reparação (resposta ao facto nº 17 da base instrutória); 20. Em 22 de Março de 2006 a Ré recebeu uma carta da Autora interpelando-a para proceder ao pagamento da quantia de € 20.957,97 referente aos trabalhos por si executados (resposta ao facto nº 18 da base instrutória); 21. A 24/04/2006 a Autora remete nova carta à Ré, enunciando a boa relação das partes, reconhecendo que a obra não fora ainda considerada como concluída pelo dono da obra e apresentando uma proposta de intervenção (resposta ao facto nº 19 da base instrutória); 22. Proposta esta que foi transmitida pela Ré ao dono da obra em 05/06/2006 [e não 2007, como por lapso repetidamente se indica – v. doc. n.º 11 de fls. 63], circunstância da qual foi informada a Autora (resposta ao facto nº20 da base instrutória); 23. O mesmo dono da obra remeteu a sua resposta à Ré via e-mail datado de 07/07/2006, reiterando que todas as operações propostas pela Autora não seriam possíveis sem que se cumprisse o pressuposto da remoção dos equipamentos já existentes no local (resposta ao facto nº 21 da base instrutória); 24. Menciona ainda no seu e-mail que, apesar de ter sido contratada uma firma especializada para colocação do pavimento, tal trabalho ficou mal executado, existindo muitas zonas de águas estagnadas que são potenciais focos de proliferação de microrganismos, fungos e bactérias susceptíveis de alterar a qualidade do vinho (resposta ao facto nº 22 da base instrutória). * b) – De direito Como é sabido, são as conclusões do recurso que fixam o thema decidendum, pelo que importa analisar, uma a uma, as questões acima enunciadas. 1. Se a exceptio non rite adimpleti contractus impede a prolação de uma sentença de mérito ou se impõe uma decisão condicional à eliminação dos defeitos. De acordo com a factualidade provada, tendo-se a A. recorrente obrigado à colocação de um pavimento de betão numa adega, perante a Ré recorrida, por sua vez empreiteira da obra de que era dona a chamada, não merece dúvida a classificação de tal relação contratual como subempreitada. Definida no n.º 1 do art.º 1213.º do CC (como os demais que irão referenciar-se) como “o contrato pelo qual um terceiro se obriga a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela”, trata-se de um contrato subordinado a um negócio jurídico precedente – empreitada (art.º 1207.º) – por isso sendo por vezes denominado de empreitada de 2.ª mão, entrando na categoria geral do subcontrato, onde o subempreiteiro se apresenta como o empreiteiro do empreiteiro e este como dono da obra, igualmente, como este, adstrito a uma obrigação de resultado, ambos os contratos prosseguindo a mesma finalidade de realização do interesse do dono da obra. Face a tal identidade aplicam-se à subempreitada (ainda que com as devidas adaptações) as mesmas regras da empreitada.[1] Aquela obrigação de resultado (realização de certa obra) encontra a sua correspectividade (sinalagma) na obrigação de pagamento do preço (art.º 1207.º). E porque a posição do subempreiteiro em relação ao empreiteiro é em princípio igual à deste em relação ao dono da obra, em regra, o empreiteiro goza dos direitos de exigir a eliminação dos defeitos ou uma nova construção e, no caso de não cumprimento de tais obrigações, do direito, sequencial, à redução do preço ou resolução do contrato (art.ºs 1221.º e 1222.º). Como contrato bilateral, está sujeito à excepção de não cumprimento do contrato (art.º 428.º), sendo entendimento pacífico que, mesmo estando o cumprimento das prestações sujeito a prazos diferentes, poderá sempre ser invocada (nunca oficiosamente conhecida) pelo contraente cuja prestação deva ser efectuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que deva cumprir em primeiro lugar.[2] E a exceptio tanto vale para o caso de falta integral de cumprimento da obrigação, como para o cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos art.ºs 227.º e 762.º, n.º 2, comummente se designando, neste caso, de exceptio non rite adimpleti contractus.[3] Trata-se de uma excepção dilatória de direito material, os seus efeitos são meramente temporários, perdurando apenas enquanto o devedor faltoso não cumprir em relação ao excipiente aquilo que perante ele se obrigou. Essa suspensão, se não extingue o crédito do devedor faltoso, impede, contudo, o seu exercício enquanto o seu incumprimento se mantiver. Através da exceptio, o empreiteiro, mediante a suspensão do pagamento do preço em dívida, pressiona o devedor ao cumprimento, v. g., mediante a reparação dos defeitos da obra. Como refere o Acórdão do STJ de 23.5.02[4], em situação similar à ventilada no caso em apreço, a excepção apenas suspende a exigibilidade do pagamento do preço (no caso de subempreitada) pelo empreiteiro enquanto o subempreiteiro não cumprir a obrigação de eliminação dos defeitos. Como aí se indica “não se trata de obrigação ainda não exigível no momento da propositura da acção, mas de obrigação de exigibilidade suspensa enquanto a outra parte não cumpra ou oferecer o cumprimento da sua prestação. Não, há por isso, que condenar o comprador [tratava-se de compra de coisa defeituosa] no pagamento da quantia em dívida, uma vez que esta está reconhecida e não é controvertida”. Face a este quadro legal, a resposta à 1.ª questão não oferece dificuldade. O invocado art.º 662.º do CPC (julgamento no caso de inexigibilidade da obrigação) visa a condenação do réu in futurum, isto é, a sua condenação a cumprir na data do vencimento da obrigação que, como salienta Lebre de Freitas[5], “não estando vencida quando a acção é proposta, continua a não o estar no último momento de produção dos factos a que a sentença pode atender, isto é, à data do encerramento da discussão de facto na 1.ª instância (art.º 663.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo de ser atendível, quando depende apenas do decurso do tempo, o vencimento que ocorra entre esse momento e o da sentença”. Não é exigível a prestação – continua - quando se trate de uma obrigação de prazo certo, mas este ainda não decorreu (art.º 779.º), o prazo seja incerto e a fixar pelo tribunal (art.º 777.º, n.º 2) ou a constituição da obrigação tenha sido sujeita a condição suspensiva que ainda se não verificou (art. 720.º e 804.º, n.º 1). Com refere Antunes Varela et al.[6] são razões de economia processual que subjazem a tal preceito, de forma a conciliar o interesse do autor (credor) em desde logo ficar munido (não obstante a precipitação por prematuridade da proposição da acção) com um título judicial, reconhecendo a existência do seu direito e condenando o réu a cumprir, com o interesse contraposto do devedor em não perder o prazo estipulado a seu favor. Ora, no caso sub judice, em que ao pedido de condenação da recorrente no pagamento do preço, a recorrida contrapos a exceptio, não se tratou de uma obrigação ainda não exigível (v. g., por falta de vencimento ou verificação de condição) no momento da propositura da acção, mas antes de uma obrigação de exigibilidade temporariamente suspensa enquanto uma das partes (a recorrente) não cumpra ou ofereça o cumprimento simultâneo da sua prestação. Conforme se sumariou no citado Acórdão do STJ de 23.5.02 “os campos de aplicação do art.º 662.º, n.º 1 do CPC e 4 do art.º 428.º, n.º 1, do CC, são distintos”. Face ao exposto, não merecendo censura o entendimento da sentença recorrida, de que a excepção de não cumprimento obstava à procedência da acção, embora em vez da absolvição do pedido fosse (seja) mais curial, desde logo face aos efeitos do caso julgado, julgar justificado o não pagamento do preço em dívida por parte da Ré enquanto a A. não eliminar os defeitos da obra por si efectuada, o que, a final e no uso dos poderes de substituição ao tribunal recorrido (art.º 715.º do CPC), se determinará. * 2. O abuso de direito, na modalidade do “venire contra factum proprium”. A apreciação desta questão pressupõe indaguemos se, como sustentou a recorrente, ocorreu a caducidade do direito da recorrida à eliminação dos defeitos, o que também acarretaria a impossibilidade de verificação da exceptio. Dispõe o art.º 1225.º, n.ºs 1, 2 e 3 que, quanto aos imóveis de longa duração, como é o caso dos autos (entendimento que a recorrente segue nas alegações recursivas, mas não subscreveu nos articulados), a denúncia dos defeitos de obras de construção, modificação ou reparação de edifícios deve ser feita dentro do prazo de 1 ano e o seu pedido de eliminação deve fazer-se no ano seguinte à denúncia. O n.º 2 do art.º 1220.º faz equivaler à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro (no caso subempreiteiro), da existência do defeito. O art.º 331.º, n.º 2, preceitua, contudo, que quando se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível impede a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido. Como ensina Pires de Lima e Antunes Varela[7], no 1.º caso, o reconhecimento torna certa a situação, tornando-se desnecessária a denúncia e, no 2.º (prazo de propositura de acção judicial), transcrevendo Vaz Serra, “o reconhecimento deve ser tal que torne o direito certo e faça as vezes da sentença, porque tem o mesmo efeito da sentença pela qual o direito fosse reconhecido”. Dada tal relevância, a jurisprudência tem, desde há muito, entendimento firmado que o reconhecimento do direito à eliminação dos defeitos como causa impeditiva da caducidade deve ser expresso, preciso e sem ambiguidades e faça as vezes da própria sentença.[8] Sustentam ainda aqueles autores que o reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do reconhecimento que interrompe a prescrição (continuando a citar Vaz Serra), “não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida”. O direito reconhecido (a tratar-se de direitos disponíveis) ficará, então, subordinado às regras da prescrição se se tratar de um direito prescritível. Ora bem. Seja em função dos prazos (ainda que o conhecimento dos defeitos coincidam com a emissão da factura de 24.6.05, defeitos que a Ré comunicou à A. mediante fax de 22.8.05), de cuja análise se concluiu não ter decorrido o prazo de denúncia de 1 ano, seja do reconhecimento dos defeitos, legalmente equivalente à denúncia, esse reconhecimento ocorrido através das missivas da A. de 25.10.05 e 24.4.06, cuja precisão e alcance não oferece dúvidas, não ocorreu a caducidade do direito da Ré à sua eliminação, não obstante só em 22.6.07 ter, com a contestação, invocado o seu direito à eliminação dos defeitos subjacente, aliás, à exceptio que deduziu. E, porque reconhecidos os defeitos e disponibilizada para os reparar, será que a A. fez confiar a Ré da desnecessidade do recurso à vai judicial para solução do litígio e, porque depois excepcionou a caducidade, incorreu em abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”? Assim concluiu a sentença, embora daí não tirando nem resultando consequências. O relevante para a acção e definição dos direitos das partes era, antes, a existência ou não de causa impeditiva da caducidade. Seja como for e sem prejuízo da falta de lisura da A. ao propor a acção nos termos em que o fez, como se de simples dívida se tratasse, omitindo todo o demais enredo fáctico-jurídico relacionado com o seu próprio incumprimento na modalidade de cumprimento defeituoso da sua prestação, a obstar à sua procedência, o que acertadamente relevou em sede de litigância de má fé, cremos, contudo, que não existe abuso de direito na modalidade considerada pelo tribunal a quo do denominado “venire contra factum proprium”. Também conhecida por “Verwirkung” e visando a tutela da confiança face a condutas contraditórias, consiste ela em alguém comportar-se de forma a criar na outra parte a legítima convicção de que certo direito não será exercido vem, depois, a exercê-lo. Ora bem. Pese embora o reconhecimento dos defeitos por parte da A. e a sua manifestação de vontade em repará-los (e que tudo indica esbarrou na exigência da chamada dona da obra em, previamente à reparação proposta dever proceder-se à remoção dos equipamentos (sistema de frio e cubas) com custos do montante de € 22.500,00 imputados à A. – questão que não foi suscitada na acção, muito menos no recurso), tal circunstancialismo nenhuma confiança criou na Ré de a A. não accionar judicialmente o seu direito de crédito que, aliás, atenta a sorte da presente acção, continua a manter-se em aberto! Inexiste, portanto, abuso de direito, nesse sentido claudicando a sentença, embora sem consequências práticas, como vimos. * 3. A má fé. De acordo com o disposto no art.º 456.º do CPC diz-se litigante de má fé nomeadamente quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (alín. a) e tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa (alín. b)). Integra-se aí a conduta da recorrente. Como acima se referiu, a A. configurou a acção proposta como se de simples acção de dívida se tratasse, omitindo o seu próprio incumprimento, sendo que partiu afoitamente para a acção quando a obrigação tinha consabidamente a sua exigibilidade em suspenso. Mais que lide temerária, ousada ou errada, foi intencional a sua conduta e, daí, devesse ser sancionada com multa. O quantitativo desta foi fixado em 10 UC, quando o seu valor varia em abstracto entre o coeficiente de 0,5 e 5 UC (art.º 27.º, n.º 1, do RCP[9]), podendo ascender a 10 UC “nos termos especialmente graves” (idem, n.º 2), sendo que (n.º 3 do mesmo preceito) o montante da multa é fixado tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no seu património. Como refere Salvador da Costa[10], “os casos excepcionalmente graves são aqueles que, vistos à luz de um juízo de proporcionalidade, tendo em conta as respectivas circunstâncias, envolvem uma intensíssima censura ético-jurídica”. Neste quadro afigura-se que o desvalor da acção da recorrente não configura “caso especialmente grave” que justifique a imposição da multa máxima de 10 UC, antes se tendo como mais adequada a multa de 3 UC, não nos pronunciando quando à indemnização fixada por não incluída no objecto do recurso. * 3. Sumariando (art.º 713.º, n.º 7, do CPC) I – A procedência da “exceptio non rite adimpleti contractus” obsta à procedência da acção em que o subempreiteiro pede o pagamento do preço da subempreitada; II – Contudo, em vez da absolvição do pedido deve antes julgar-se justificado o não pagamento do preço em dívida enquanto a subempreiteira não eliminar os defeitos da obra; III – O reconhecimento do direito à eliminação dos defeitos de obra subempreitada, como causa impeditiva da caducidade, deve ser expresso, preciso e sem ambiguidades e fazer as vezes de uma sentença; IV – Reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida, ficando apenas sujeita às regras da prescrição se se trata de direito disponível; V – Proposta acção para pagamento do preço de subempreitada, embora omitindo a autora o seu próprio cumprimento defeituoso, não se configura abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”; VI – Incorrendo em litigância de má fé, o seu grau de censura ético-jurídica não enquadra caso “especialmente grave” que justifique a imposição da multa máxima de 10 UC, antes, adequadamente, de 3 UC. * 4. Decisão Face a todo o exposto e com os fundamentos expressos, acordam em julgar improcedente a apelação e em confirmar a sentença recorrida, mas substituindo a absolvição do pedido pela justificação do não pagamento do preço em dívida por parte da Ré à A. enquanto esta não eliminar os defeitos da obra por si efectuada e alterando a condenação em multa pela litigância de má fé, de 10 para 3 UC. Custas em ambas as instâncias pela A. recorrente, anotando-se que a redução da multa não releva para tal efeito. *** António Magalhães Ferreira Lopes
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