Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
189/16.7T8CDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO DE PRIVAÇÃO DO USO DO VEÍCULO
REPARAÇÃO
Data do Acordão: 02/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JLCÍVEL DE POMBAL – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 483º E 566º, Nº 3, DO C. CIVIL.
Sumário: I – Na reparação do dano consistente na privação do uso do veículo por parte do lesado, em consequência de um sinistro rodoviário, podem equacionar-se duas distintas situações:
- uma delas em que se apura a concreta existência de despesas feitas pelo lesado em consequência dessa privação, como será por exemplo o caso mais comum em que o lesado se socorre do aluguer de veículo de substituição, contratando esse aluguer junto de empresas do ramo;

- uma outra situação em que não se apuram gastos alguns mas apenas que o lesado utilizava o veículo nas suas deslocações habituais (para fins profissionais ou de lazer) e que não lhe foi facultada pelo lesante viatura de substituição, tendo o mesmo ficado, por isso, impedido de fazer essas deslocações ou tendo o mesmo continuado a fazê-las socorrendo-se para o efeito de veículos de terceiros familiares e amigos que, a título de favor, lhe cederam por empréstimo tais veículos.

II. Na primeira das apontadas situações, o lesado tem direito à reparação integral dos gastos/custos que teve por via da dita privação.

III. Na segunda, a medida da indemnização terá que ser encontrada com recurso à equidade, pois que deve concluir-se pela existência de um dano que se traduziu na impossibilidade do lesado o utilizar nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer, havendo que encontrar em termos quantitativos um valor que se mostre adequado a indemnizar o lesado pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as suas necessidades básicas diárias.

IV. No que concerne aos danos decorrentes da privação de uso do veículo cumpre ter presente que se provou que a autora ficou privada do seu uso, pelo menos, durante 20 dias úteis, cumprindo ainda atender ao facto de que a simples privação do uso do seu veículo traduziu-se numa diminuição patrimonial que cumpre reparar.

V. Concluindo-se pelo dano e não sendo possível quantificá-lo em valores certos face aos factos provados, o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar a indemnização, nos termos previstos no artigo 566º, n. 3, do Código Civil.

VI. Para este efeito pode tomar-se como ponto de referência, por exemplo, a quantia necessária para o aluguer de um bem de características semelhantes, devendo realizar-se em abstracto uma ponderação global das várias situações por forma a chegar-se a um valor concreto, nomeadamente que tal valor deve ser sempre tomado como simples referência e não em termos absolutos, que deve do mesmo ser excluída a normal taxa de lucro obtida por estas entidades por forma a evitar-se um benefício injustificado por parte do lesado, tendo-se sempre presente o uso concreto que o lesado fazia do veículo em causa.

Decisão Texto Integral:






Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I - A) - “E…, Lda.”, com sede na Rua …, intentou, em 02/06/2016, contra a “B…- COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, com sede em …, acção declarativa, de condenação, para efectivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação ocorrido em 21/09/2015, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe o montante de €8.118,08, a título de indemnização pelos danos resultantes da privação do uso do seu veículo pesado de mercadorias, marca DAF, matrícula …, correspondente aos 32 dias de paralisação deste, em resultado dos danos por ele sofridos no acidente, acidente esse que disse ser imputável a culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré -, mais pedindo que essa quantia fosse acrescida de juros de mora vencidos e já contabilizados em €382,60, bem como dos vincendos, até integral pagamento.

A quantia peticionada pela privação do veículo, sustentou a Autora, entendê-la adequada, por estar, o respectivo valor diário (€253,69) “de acordo com as regras estabelecidas no acordo celebrado entre a ANTRAM e a APS (Associação Portuguesa de Seguradoras) quanto aos valores da paralisação para veículos de serviço internacional, para a compensar de tais danos...”.

B) - A Ré, contestando, defendeu-se por impugnação, sustentando, em síntese, no que interessa à economia do recurso, que, a ser responsabilizada pelos danos decorrentes do sinistro, apenas terá de pagar, a título de indemnização pelos danos decorrentes da paralisação do veículo, o valor de 1.989,10€, “...correspondentes a 10 dias (de 21/09/2015 - data do sinistro - a 29/09/2015 - data do fecho da peritagem - mais 3 dias referentes ao período necessário para proceder à reparação)...”, valor que esse que foi assumido, aliás, pela Seguradora da Autora, no âmbito Convenção CIDS (Indemnização Directa ao Segurado).

C) - Realizada que foi, no Juízo Local Cível de Pombal (Juiz 1), da Comarca de Leiria, a audiência final, veio a acção, por sentença de 18/05/2017, a ser julgada parcialmente procedente, com a condenação da Ré - que foi absolvida do demais peticionado -, a pagar à autora a quantia de oitocentos euros (€ 800,00), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da decisão e até integral pagamento.

D) - Inconformada com esta sentença, na parte que lhe foi desfavorável, dela apelou a Autora, que, a findar a respectiva alegação de recurso, ofereceu as seguintes conclusões:

E) - A Ré, na resposta à alegação da Apelante, para além de defender a confirmação da sentença, pugnou pela rejeição liminar do recurso relativo à impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto, invocando, para o efeito, o incumprimento, por parte da Recorrente, dos ónus impostos pelo art.º 640.º nº 1 alíneas a), b) e c) e nº 2 do novo Código de Processo Civil[2] (doravante, NCPC[3]).

F) - O ora Relator, na sequência dessa alegação da Recorrida, proferiu despacho, que veio a ser notificado às partes e do qual constava o seguinte: «[…] Afigurando-se, que, pelo menos, a Recorrente não procedeu, quanto aos depoimentos que invoca, à indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso, nos termos exigidos pelo artº 640º, nº 2, a), do NCPC, o que implicará a rejeição desse recurso, na parte que respeita à impugnação da decisão da matéria de facto, determino, para observância do contraditório, a notificação da Apelante para que, querendo, diga o que se lhe oferecer quanto a esta matéria. […]».

G) - 1) - Na sequência dessa notificação veio a Apelante oferecer nova alegação, com as conclusões respectivas, dizendo, entre o mais, no início daquela peça: «[…] tendo sido notificada para o efeito, vem, ao abrigo do disposto no artigo 640 nº 1 alíneas a), b) e c) e nº 2 do Código de Processo Civil, proceder à indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso, usando, para melhor compreensão, o texto do mesmo, agora com as intervenções gravadas devidamente identificadas temporalmente, mediante registo áudio […]».

2) - O relator, a fls. 186, exarou despacho, que não veio a merecer reclamação para a conferência, onde decidiu que seriam desconsideradas as alegações e “conclusões” que a Apelante oferecera subsequentemente à notificação do aludido despacho, que se destinara, tão-só, a fazer cumprir o contraditório.

H) - Questões a resolver:
Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”[4] e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.

E as questões a resolver são as de saber:

1.ª - Se é de alterar a decisão proferida pela 1.ª Instância quanto à matéria de facto e, em caso afirmativo, em que termos;

2.ª - Se, em face dos factos que se tiverem como provados, deve ser aumentado o montante indemnizatório atribuído à ora Apelante.

II - Fundamentação:

A) - Na sentença da 1.ª Instância consignou-se o seguinte relativamente à matéria de facto:

B) - Impugnação da matéria de facto.

A Apelante insurge-se contra a circunstância de não ter sido incluída nos factos provados a matéria que veio a ser vertida nas alíneas a) b) e c) do elenco dos factos não provado, bem assim como - apesar de documento algum ter junto para provar tal facto - que “é era associada da ANTRAM”, sendo que, no seu entender, tal matéria seria de dar como provada, se tivesse sido feita uma correcta apreciação da prova, designadamente, do documento nº 5 (“print” de mensagem de correio electrónico) e dos depoimentos das testemunhas ...

Estabelece o artº 662º, nº 1, do NCPC, que a Relação “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.

Efectivamente, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância sobre matéria de facto é susceptível de ser alterada pela Relação, tendo, para esse efeito, o recorrente que pretenda impugnar tal decisão socorrendo-se da gravação dos depoimentos prestados na audiência, de especificar, sob pena de rejeição, “Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (artº 640º, nº 1, a), do NCPC, que corresponde ao art.º 685-B, nº 1, a), do CPC), bem como “Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (artº 640º, nº 1, b), do NCPC, que corresponde ao art.º 685-B, nº 1, b), do CPC).

Sob pena de rejeição do recurso respeitante à alteração da matéria de facto, também se exige ao Recorrente que especifique “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” (artº 640, nº 1, c), do NCPC).

Por outro lado, ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados - v.g., quanto às declarações das partes e dos peritos, bem assim como quanto aos depoimentos das testemunhas -, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na parte respectiva, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2, a), do artº 640º do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685-B do CPC).

Ora, para que cumpra o que a lei exige no aludido artº 640º, nº 2, a), importa ao recorrente indicar, por referência ao suporte em que se encontrem gravados os depoimentos que pretenda utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens desses depoimentos, em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2, a), do artº 640º do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685-B do CPC).
Do exposto resulta, assim, que a transcrição de depoimentos, ou de excertos destes, e a indicação exata que se refere no artº 640º, do NCPC, não são uma e a mesma coisa, nem, tão-pouco, se equivalem, não sendo, pois, esta exigência da indicação exacta das passagens do(s) depoimento(s) em que se funda o recurso, substituível pela transcrição da totalidade ou de excertos dos mesmos -, transcrição esta, dos excertos, que constitui uma faculdade que acresce ao ónus do recorrente, que, portanto, querendo-a utilizar, terá, ainda assim, de satisfazer a apontada exigência legal.

Ora, no caso “sub judice”, o que a Apelante fez, no que respeita à prova gravada - “rectius”, no que concerne aos depoimentos das testemunhas que indicou -, foi, precisamente, no corpo da alegação, reproduzir alguns excertos desses depoimentos, sem que haja feito a indicação dos tempos, onde, no suporte em que ficaram gravados esses elementos de prova, se situam tais passagens que entendia relevantes para alcançar a dita alteração quanto à decisão da matéria de facto.

O que se acaba de expor, salvo o devido respeito por entendimento diverso, implica, por incumprimento do ónus previsto no artº 640º, nº 2, b), do NCPC, a rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Idêntico, aliás, foi o entendimento seguido, perante impugnação efectuada em termos semelhantes àquela que a Apelante levou a efeito no presente caso, no Acórdão de 12/07/2017, proferido por este mesmo Colectivo (Apelação nº 2317/16.3T8CBR.C1), bem assim como no Acórdão desta Relação de 24/02/2015, Apelação nº 145/12.4TBPBL.C1), relatado pelo aqui relator e subscrito pela ora 2ª Adjunta.

Concluindo, dir-se-á, pois: A omissão acima apontada à Apelante quanto ao cumprimento do ónus que, enquanto impugnante da decisão proferida quanto à matéria de facto, sobre ela recaía, conduz, “ex vi” do artº 640º, nº 2, b), do NCPC, a que a reapreciação dessa decisão tenha de ser rejeitada, o que ora se decide

Em consequência do exposto, a matéria de facto a ter em conta - como provada e como não provada - é aquela que assim está consignada na sentença e que acima se elencou.
C) - A Apelante sustenta, em grande parte apoiada na matéria de facto que pretendia ver provada por esta Relação, que o montante indemnizatório que lhe foi arbitrado deveria ser aumentado, tendo em consideração, o período de paralisação de 32 dias úteis e o valor, para cada dia de paralisação do seu veículo, de €250,00, resultante das tabelas da ANTRAM para o cálculo dos valores de paralisação, ou pelo menos um valor superior aos 40 € diários fixados pelo Tribunal “a quo”, que não desconsiderasse, por completo, essa tabela.
Vejamos:
Diz-se - o que aqui se subscreve - no Acórdão de 10/09/2013 (Apelação nº 438/11.8TBTND.C1), desta Relação de Coimbra: «[…] 1. Na reparação do dano consistente na privação do uso do veículo por parte do lesado, em consequência de um sinistro rodoviário, podem equacionar-se duas distintas situações:
- uma delas em que se apura a concreta existência de despesas feitas pelo lesado em consequência dessa privação, como será por exemplo o caso mais comum em que o lesado se socorre do aluguer de veículo de substituição, contratando esse aluguer junto de empresas do ramo;
- uma outra situação em que não se apuram gastos alguns mas apenas que o lesado utilizava o veículo nas suas deslocações habituais (para fins profissionais ou de lazer) e que não lhe foi facultada pelo lesante viatura de substituição, tendo o mesmo ficado, por isso, impedido de fazer essas deslocações ou tendo o mesmo continuado a fazê-las socorrendo-se para o efeito de veículos de terceiros familiares e amigos que, a título de favor, lhe cederam por empréstimo tais veículos.
2. Na primeira das apontadas situações, o lesado tem direito à reparação integral dos gastos/custos que teve por via da dita privação.
3. Já na segunda, a medida da indemnização terá que ser encontrada com recurso à equidade, pois que deve concluir-se pela existência de um dano que se traduziu na impossibilidade do lesado o utilizar nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer, havendo que encontrar em termos quantitativos um valor que se mostre adequado a indemnizar o lesado pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as suas necessidades básicas diárias. […]».
A Autora alegou na petição inicial:
«[…] 20º
Considerando o acordo estabelecido entre a APS e a ANTRAM, identificam-se os períodos que devem ser considerados para efeitos de paralisação da viatura:
• 21/09 (data do sinistro) a 29/09 (data da peritagem) de 2015: 7 dias úteis;
• 30/09 a 13/10 de 2015 (data de emissão da ordem de reparação): 10 dias úteis;
• 14/10 a 03/11 de 2015 (data da entrega da viatura reparada): 15 dias úteis;
21º
Contabilizam-se 32 dias úteis de paralisação.
22º
O valor diário de imobilização para uma viatura com serviço internacional, com a tipologia da sinistrada, é de €253,69 (duzentos e cinquenta e três euros e sessenta e nove cêntimos), de acordo com a Tabela APS/ANTRAM (Doc. n.º 5, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos).
23º
Nestes termos, o valor devido à A. a título de indemnização pelo período de paralisação é de €8.118,08 (oito mil cento e dezoito euros e oito cêntimos). […]».
Portanto, o valor indicado pela paralisação do veículo não resultou do cálculo dos prejuízos concretos que a Autora tenha sofrido com essa situação, mas antes de um valor encontrado por recurso à tabela da ANTRAM para o cálculo dos valores de paralisação.
Só que a Autora não provou - e a nosso ver, nem alegou - que pertencesse à ANTRAM e, portanto, que essa tabela tivesse aplicação directa.
A esse propósito escreveu-se na sentença recorrida: «[…] na senda do exposto por A. Abrantes Geraldes, importa ter presente que, “(…) não custa compreender que a simples privação do uso seja causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que possa servir de base à determinação da indemnização. E mesmo que se considere que a situação não atinge a gravidade susceptível de merecer a sua inclusão na categoria de danos morais, nos termos do art. 496º nº 1 do CC, é incontornável a percepção de que entre a situação que existia se não houvesse o sinistro e aquela que se verifica na pendência da privação existe um desequilíbrio que, na falta de outra alternativa, deve ser compensado através da única forma possível, ou seja, mediante a atribuição de uma quantia adequada”.
Nesta parte, no confronto com o que se provou, resultou que o veículo ficou imobilizado pelo menos desde o dia do sinistro, 21/09/2015, até à data em que a peritagem passou a definitiva, 13/10/2015, sendo que resultou provado que foi fixado o prazo de 3 dias para a reparação do veículo. Razão pela qual se conclui, atendendo aos factos que resultaram provados, que o veículo da autora ficou impedido de circular, pelo menos durante 20 dias úteis, pelo que cumprirá também ressarcir a autora em conformidade.
(...)
No que concerne aos danos decorrentes da privação de uso do veículo, cumpre ter presente que se provou que a autora ficou privada do seu uso, pelo menos, durante 20 dias úteis, cumprindo ainda atender ao facto de que a simples privação do uso do seu veículo traduziu-se numa diminuição patrimonial que cumpre reparar.
Concluindo-se pelo dano e não sendo possível quantificá-lo em valores certos face aos factos provados, o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar a indemnização, nos termos previstos no artigo 566º, n. 3, do Código Civil.
Para este efeito pode tomar-se como ponto de referência, por exemplo, a quantia necessária para o aluguer de um bem de características semelhantes, devendo realizar-se em abstracto uma ponderação global das várias situações por forma a chegar-se a um valor concreto, nomeadamente que tal valor deve ser sempre tomado como simples referência e não em termos absolutos, que deve do mesmo ser excluída a normal taxa de lucro obtida por estas entidades por forma a evitar-se um benefício injustificado por parte do lesado, tendo-se sempre presente o uso concreto que o lesado fazia do veículo em causa, ponderando-se ainda a se existiu poupança decorrente da própria não utilização do veículo imobilizado, ou antes a existência de dificuldades e ou sacrifícios decorrentes do seu não uso.
A este respeito ensina também Paulo Mota Pinto9 que “(…) o dano da privação do uso deverá ser quantificado num valor que pode ser obtido de uma de duas formas; ou (como de “cima para baixo”) a partir dos custos de um aluguer durante o lapso de tempo em causa, mas “depurados” - bereinigte Mietkosten que excluem o lucro do locador, e custos gerais como os gastos com a manutenção da frota, as provisões para períodos de paragem dos veículos, as amortizações, etc. (no direito alemão os valores constantes das referidas tabelas rondam cerca de um terço dos custos de aluguer normalmente praticados); ou (como que “de baixo para cima”), designadamente, para viaturas de profissionais e empresas, a partir dos custos de capital imobilizado necessário para obter a disponibilidade de um bem, como aquele durante o período de tempo necessário (por ex., os custos necessários para constituir uma reserva de um bem como o que está em causa)”.
Realizando ponderação de todos os critérios apontados, é certo que a indemnização em causa nos presentes autos se encontra dependente de um juízo de equidade, a formular ao abrigo do artigo 566º nº 3 do Código Civil.
Anotando-se desde já que a jurisprudência tem vindo a fixar um valor para ressarcir a privação do uso de veículo automóvel a rondar os € 10,00.
Todavia, importa ponderar que se deu como provado que o veículo propriedade da autora é um veículo pesado de mercadorias.
Sendo que, sempre haverá de se deixar salientado, não poderá aqui o tribunal lançar mão dos valores constantes do protocolo da ANTRAM para a regularização de sinistros uma vez que tais valores são utilizados para associados da ANTRAM e nenhum facto se alegou, e consequentemente resultou provado, acerca de tal qualidade por parte da autora.
Assim, atendendo aos valores praticados pela jurisprudência e atendendo ainda a tudo quanto se deixou exposto, entende o tribunal, estarmos perante situação concreta em que se afigura adequado fixar um valor na ordem dos € 40,00 diários.
Em consequência, entende-se, pois, que o valor diário peticionado pela autora (€ 250,00) é excessivo, afigurando-se justo e equitativo o referido valor diário de € 40,00, que a aplicar ao período de privação efectivo de uso (de harmonia com o peticionado), ditará um valor de € 800,00 (20 dias X € 40,00). […]».
Prescreve o nº 3 do art. 566º CC que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados”; por outras palavras, se não for possível determinar o valor exacto dos danos, o tribunal deve julgar segundo a equidade. […]».
Ora o “quantum” indemnizatório - criticado aqui pela Apelante - a que chegou o Tribunal “a quo”, com apelo à equidade, parece-nos muito escasso.
Não dissentindo do restante, não podemos entender como adequado à paralisação, por 20 dias, de um veículo da tipologia do pertencente à Autora (DAF, pesado de mercadorias) - que “é uma empresa que se dedica ao transporte de mercadorias tanto em Portugal como no estrangeiro” (cfr. pontos 1, b), 2 e 15 dos factos provados) -, um valor total de oitocentos euros, resultante da contabilização do valor diário de 40 €.
Efectivamente, concordando que, no caso em apreço, não serão de aplicar, “tout court”, os valores previstos na tabela da ANTRAM para efeitos de compensar a paralisação dos veículos dos respectivos associados, já consideramos que nada obsta (veja-se entendimento semelhante, embora que respeitando aos custos de aluguer no mercado de “rent-a-car”, no Acórdão desta Relação, de 16/12/2009) a que se pondere os € 250,00/dia, previstos em tal tabela, como mero referencial a considerar no juízo de equidade a fazer nos termos do artº nº 3 do art. 566º do CC.
Assim, ponderado o exposto, entendemos que, em juízo de equidade, nos termos do artº 566º, nº 3, do Código Civil, será de arbitrar pela paralisação diária do veículo em questão o valor de 100,00 €, o que dará, face aos 20 dias de imobilização a atender, a indemnização global de € 2.000,00 (dois mil euros).
A esse montante acrescerão os juros de mora, nos termos decididos na sentença.
III - Decisão:
Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, julgando a Apelação parcialmente procedente, revogar a sentença na parte em que condenou a Ré apenas no pagamento da quantia de € 800,00, acrescida de juros, e, na parcial procedência da acção, absolvendo-a do restante, condenar agora a Ré a pagar à autora E…, Lda.a indemnização de € 2.000,00 (dois mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da presente decisão, tudo até integral pagamento.
Custas, do recurso e da acção, por Apelante e Apelada, na proporção do respectivo decaimento (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do NCPC).
Coimbra, 06/02/2018
                                                (Luiz José Falcão de Magalhães)

(António Domingos Pires Robalo)
(Sílvia Maria Pereira Pires)

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[1] Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[2] Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06.
[3] Sendo o código que o antecedeu referenciado aqui com a sigla “CPC”.
[4] Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.