Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6283/09.3TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MARINHO
Descritores: MANDATO JUDICIAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ILICITUDE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 04/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA 5º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.487, 494, 496, 563, 1157 CC
Sumário: 1. São pressupostos da responsabilidade civil contratual: a) o acto ilícito consistente na inexecução do vínculo negocial; b) a culpa; c) o dano ou prejuízo e d) a causalidade ou nexo causal.

2. A discricionaridade técnica do mandatário judicial não impõe, por si só, a instauração da acção desejada pelos seus mandantes ou que o mesmo siga determinadas soluções jurídicas sugeridas pelos mesmos, se as considerar desaconselháveis.

3. Porém, o não despoletamento de processo judicial, a omissão de desempenho de conduta orientada para a solução do litígio em virtude, não de distinta leitura jurídica do caminho a seguir ou de diversa opção estratégica, mas de incúria e desinteresse posteriormente agravados por logro e artifício apontam, de forma insofismável, para a existência de ilicitude.

4. São ressarcíveis os danos não patrimoniais sofridos por alguém que é enganado pelo seu mandatário forense – no qual, necessariamente, confiou e ao qual entregou a protecção de parte dos interesses patrimoniais – que arrasta durante largos anos a resolução de um caso que lhe foi confiado sem sequer dar início ao respectivo processo de solução e que, de forma dolosa, ilude quanto a esse facto, assim gerando depressão (logo tristeza, perda de alegria de viver, dúvida, obscurecimento do quotidiano, pensamentos negativos, bloqueio de processos de raciocínio construtivos, diminuição de confiança no próximo, no futuro e na vida).

5. Na ponderação do montante indemnizatório, há que tomar em consideração a necessidade de atender a elementos estritamente ressarcitivos ou de mero «apagamento» do dano bem como a outros de natureza preventiva, carácter punitivo e pendor reequilibrante.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
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I. RELATÓRIO                  
A (…) e M (…), com os sinais identificativos constantes dos autos, instauraram acção declarativa de condenação com processo ordinário contra L (…) nela melhor identificado, pela qual pediram que o Réu fosse condenado a pagar-lhes quantia pecuniária destinada ao ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros a contar desde a citação até integral pagamento.
Alegaram, para o efeito, que:
Outorgaram uma procuração forense a favor do Réu; deram indicação ao Demandado no sentido de que fosse intentada acção judicial visando a resolução de contrato-promessa, com fundamento em incumprimento imputável à promitente-compradora; por diversas vezes, o Autor marido contactou o escritório do Réu para se inteirar do andamento do processo; a resposta, por parte do Demandado, era que estava tudo a andar, mas os tribunais tinham muito  trabalho e, portanto, tudo se processava com alguma lentidão; durante muitos meses, mesmo anos, a resposta por parte do Réu foi sempre a de que o processo já tinha entrado em Tribunal e que os Autores tinham que aguardar pelo desenrolar do mesmo; tiveram ofertas de compra para o estabelecimento mas nunca puderam vender porque o Réu lhes dizia estar pendente uma acção em Tribunal; nunca o Demandado forneceu ao Autor o número do processo; durante o ano de 2002, o Demandante dirigiu-se ao Tribunal para consultar o processo e foi surpreendido com a informação de que em seu nome e da sua mulher nenhuma acção havia sido intentada naquele Tribunal; no mesmo dia, dirigiu-se ao escritório do Réu para saber o que, de facto, se estava a passar e obteve, da parte do mesmo, a resposta: «falhei, acontece, foi um lapso»; porém, o Réu não se prontificou a reparar os danos causados; com o passar dos dias, os Autores começaram a sentir-se muito angustiados e deprimidos; tiveram que recorrer a acompanhamento médico para conseguirem superar essa fase difícil; passaram a tomar diariamente anti-depressivos e outros medicamentos similares; apresentaram queixa do Réu no Conselho Distrital da Ordem dos Advogados de Coimbra que concluiu que o Demandado revelou falta de zelo no tratamento da questão que lhe foi confiada, negligenciando assim os mais elementares deveres deontológicos que lhe eram impostos nas relações com o cliente; o Réu nunca se disponibilizou a accionar o seguro de responsabilidade profissional; deixaram de vender a loja a outras pessoas nela interessadas; tiveram essa loja encerrada por um período superior a 4 anos, situação em que ainda continua; foram forçados a recorrer a um empréstimo no valor de € 27.000,00, para fazer face aos encargos bancários com a aquisição da aludida loja.
O Réu contestou pedindo que fossem consideradas procedentes as excepções que considerou ter aí deduzido ou declarada a sua absolvição do pedido. Invocou a prescrição do direito a indemnização e alegou que:
Com a omissão apontada, os Autores não perderam qualquer direito sobre o imóvel ou sobre a promitente compradora do imóvel, mantendo-se intocados, pelo menos até Janeiro de 2003, todos os direitos que eventualmente lhes assistissem; nunca existiu ou existiria qualquer obrigação de resultado por parte do Réu; não existia estabelecimento, nem incumbência quanto a estabelecimento; a obrigação de pagar o preço de uma compra e dos respectivos encargos bancários (sejam eles quais forem) é sempre, apenas e só, do comprador, sendo essa obrigação intransmissível sem cessão de posição contratual e de propriedade; a venda da fracção autónoma era possível mesmo sem a respectiva posse; não se verificou, nem sequer foi invocada, objectivamente, perda do interesse na prestação; não se pode falar em incumprimento do Réu porque não foi fixado pelos Autores um prazo razoável para que o Réu cumprisse a sua prestação; foi o Autor quem rescindiu, tacitamente, mas por vontade própria, o mandato.
Os Autores responderam a este articulado concluindo pela improcedência da excepção de prescrição.
Foi realizada a instrução, discussão e julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que conteve a seguinte parte dispositiva:
«Em face do exposto e sem outras considerações, julgo a acção parcialmente procedente e consequentemente, condeno o réu a pagar aos autores a quantia de € 8.000,00 (oito mil euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4% desde a presente data até efectivo e integral pagamento.»
É desta sentença que vem este presente recurso interposto pelo Réu,  que formulou as conclusões que se transcrevem:
«Nem o estado de ilusão nem terem os AA. concluído que andaram iludidos constituem, nos termos do direito vigente, qualquer dano que haja que ressarcir.
No máximo a ilusão pode ser geradora de dano, nunca ser um dano em si mesma, e uma “conclusão”, que é um mero raciocínio, nem a gerador de dano chega.
Uma vez que ilusões e conclusões nada retiram e em nada afectam os AA. na respectiva saúde, bem-estar, honra, bom nome ou qualquer outro bem jurídico atendível, causando-lhes simultaneamente manifestações externas de privação ou afectação desses bens jurídicos.
Provada só a ilusão e a conclusão não ficou provado qualquer dano.
Assim, o Tribunal “a quo” confundiu factos potencialmente geradores de danos com danos e raciocínios com danos, com o que acabou por efectuar uma errada interpretação do artº 496º do Código Civil.
Devendo consequentemente a decisão em crise ser revogada e absolvido o R. A partir do facto provado “os autores andaram deprimidos porque a situação referente ao contrato-promessa não se resolvia” foi considerado/fundamentado em sentença que os AA. “concluíram que andaram iludidos com as informações erróneas que lhes eram prestadas por alguém em quem tinham confiado para solucionar o seu caso” e proferida condenação.
Mas essa consideração/fundamentação que constitui na verdade o único suporte da decisão proferida é, em bom rigor, uma extrapolação dos factos provados.
Ainda para mais quando os factos a provar na base instrutória estavam balizados no tempo, estavam associados à conduta do R., decorriam exclusivamente da conduta do R. e eram descritos como de manifestação externa evidente
E os factos que vieram a ser provados o foram sem qualquer baliza temporal, sem qualquer ligação à conduta do A. e sem manifestações externas evidentes ou apreciáveis conforme resulta da resposta à matéria de facto produzida pelo Tribunal “a quo”.
Por isso, e tendo em conta que não se sabe quando é que os RR. começaram a andar deprimidos, não se sabe se começaram a andar deprimidos em momento imediatamente seguinte ao incumprimento do contrato promessa, se em momento posterior, nem qual foi esse momento posterior, nomeadamente não se sabe se antes se depois dos factos trazidos a juízo.
Tendo ainda em conta que se trata de matéria essencial nos autos, pois estão em causa a existência e a origem dos danos
Só pode concluir-se que a sentença em crise enferma de erro de julgamento e errada apreciação da prova, consubstanciado numa decisão não suportada pelos factos efectivamente provados mas apenas numa extrapolação a partir de factos provados, a que se seguiu a aplicação de regras jurídicas sem suporte factual que permitisse legitimamente dar por preenchida a previsão das normas aplicadas.
Como é sabido, relativamente à matéria de facto, está vedado ao Tribunal confundir ou extrapolar factos a partir dos que efectivamente estão dados como provados E a livre apreciação da prova produzida por testemunhas cessa no término da audiência de discussão e julgamento, e cristaliza-se no despacho a que alude o artº 653º nº 2 do CPC.
Razão pela qual a sentença em crise violou o disposto no artº 655º do CPC e deu erradamente por preenchida a previsão dos artº 496º e 562º do CC devendo por isso ser revogada e substituída por Acórdão que absolva o R.
Improcedendo o supra referido, e a vir a decidir-se em Acórdão terem sido provados danos, afirma-se que a prova produzida e cristalizada em despacho sobre a matéria de facto (“provado apenas que o autor e mulher andaram deprimidos porque a situação referente ao contrato promessa referido em B) não se resolvia) não permite sequer saber a data em que se iniciaram tais danos.
Nomeadamente se os AA. começaram a andar deprimidos em momento imediatamente seguinte ao incumprimento do contrato promessa pela promitente compradora, se em momento posterior a esse incumprimento, nem qual foi esse momento posterior.
Falta, em bom rigor e por referência à conduta do R., prova suficiente para imputar o dano à conduta do R. e até mesmo para afirmar a ligação causa/efeito facto ilícito/dano, essencial a qualquer condenação em sede de responsabilidade civil.
Falta inclusivamente a ligação temporal entre a conduta do R. e o surgimento dos danos pois para haver essa ligação teria que ter sido provado que o dano era contemporâneo ou posterior aos factos ilícitos apontados quando na verdade até se mostra indiciado que o dano é anterior a esses factos e contemporâneo ou imediatamente posterior à não conclusão do contrato prometido.
Pelo exposto não está provado o nexo causal razão pela qual resultaram violados os artºs 659º do CPC e 563º do CC., o que mais uma vez impõe a absolvição do R.
Ao afirmar-se na fundamentação que o pretendido pelos autores se traduz numa indemnização pela violação da sua expectativa em responsabilizar a promitente compradora está-se a aceitar, na sentença em crise, que era exigida ao R. uma obrigação de resultado.
Pois só com o ganho de acção, e de nenhuma outra maneira, se “responsabilizaria” a promitente compradora e se satisfaria a expectativa que, em sentença, se considerou animar os AA. e a partir da qual se proferiu condenação.
Essa obrigação de resultado, para contratos como aquele a que se referem os presentes autos é, desde sempre, negada pela lei e pela jurisprudência.
Não tendo sido praticados actos desadequados a “responsabilizar a promitente compradora”, que levassem nomeadamente à perda do direito por actos ou omissões praticados nem tendo havido “perda de chance”, como aliás se diz na sentença.
O direito vigente, maxime o artº 1157º nº 1 do CC. impunha decisão contrária à proferida
Como muito correctamente se diz na sentença, só danos suficientemente graves é que merecem a tutela do Direito.
Mas mesmo que se dê de barato – sem conceder – que a inovatória “conclusão de ilusão” gerada em sentença constitua um dano consubstanciado em terem andado os AA. deprimidos coloca-se a questão de saber “quão deprimidos” é que eles andavam.
É que a mera referência a andarem deprimidos, sem a mais pequena quantificação de gravidade, sem prova da data de início desse estado, sem prova da data do fim desse estado, sem prova de efeitos físicos daí resultantes, sem prova de necessidade ou de realização de tratamentos médicos e medicamentosos para pôr fim ao “andarem deprimidos” é manifestamente insuficiente, vaga, genérica e inconcretizada para fundamentar uma condenação.
No máximo, daí resultaram provados simples incómodos ou contrariedades, que não são nem poderiam ter sido aferidos como revestindo-se de gravidade suficiente para merecerem a tutela do Direito (artº 496º CC), com as legais consequências.
Subsidiariamente, e improcedendo o demais, invoca-se expressamente que o valor da indemnização fixada é manifestamente excessiva, exorbitante mesmo, e que por essa razão deverá ser reduzida para valor não superior a 1.000,00€
Não podendo deixar de afirmar-se que, com o pedido que formularam, os AA. (“donos” do processo quanto ao pedido formulado e “primeiros juízes ” da gravidade das lesões e da quantia adequada ao respectivo ressarcimento) fixaram para o caso limites absolutos mas também limites relativos (de proporcionalidade ou de adequação aos danos) a que há que atender na decisão a proferir.
Limites esses atendíveis nomeadamente em sede das “demais circunstâncias do caso”, da “justa medida” da indemnização, da “boa prudência e do bom senso prático, da justa medida das coisas e das realidades da vida” que têm vindo a ser pacífica e constantemente utilizados pela jurisprudência.
Sabendo-se que a valorização (pedido de 10.000,00 €) teve como pressuposto danos descritos, melhor dizendo qualificáveis, como muito graves (angústia, depressão, toma diária de anti depressivos, afectação psicológica e emocional, instabilidade, dependência de medicamentos, acompanhamento médico, etc)
E sendo indesmentível que os danos provados terão de ser definidos como de reduzidíssima gravidade e proporcionalmente muito inferiores aos peticionados, reduzindo-se, no máximo, a incómodos e contrariedades.
Por maioria de razão, comparativa e proporcionalmente a reparação de danos de reduzidíssima gravidade através da importância de 8.000,00 é excessiva
O mesmo acontecendo se a questão for abordada do ponto de vista da “praxis” jurisprudencial, onde, para danos notória e indesmentivelmente muito mais graves do que os “apurados” no caso dos autos têm sido fixadas indemnizações iguais ou muito inferiores à fixada no aresto recorrido.
Mostrando-se, por comparação, valoradas limitações de movimento e actividades, para toda a vida, com valor pecuniário igual à dos autos, e traumatismos com apresentação de dores, ou a combinação de inquietação, insegurança, angústia, ansiedade, mal estar psicológico, humilhação e tristeza valoradas em menos de metade ou em menos de um terço da importância fixada na sentença em crise.
Constituindo assim a quantia fixada em sentença indemnização desproporcional aos danos, por excesso, e que assim extravasa “a justa medida das coisas” “ a boa prudência e o bom senso prático”, sendo ainda não equitativa e violadora dos artºs 496º e 566º do CC.».
Concluiu dever «ser revogada a sentença em crise e proferido Acórdão que absolva o R. do pedido ou reduza para 1.000,00€ a indemnização fixada».
Respondendo, os Apelados apresentaram as seguintes conclusões:
«1ª - Existe obrigação de indemnizar os danos não patrimoniais sofridos pelos recorridos, pelo facto de o recorrente ter já sido condenado pelo Conselho Deontológico da Ordem dos Advogados de Coimbra por falta de zelo no tratamento da questão que lhe foi confiada, negligenciando assim os mais elementares deveres deontológicos que lhe são imputados na relações com o cliente e adjuvada com a matéria dada como provada nos factos de 10 a 23 da douta sentença sob recurso;
2ª - Ao interpretar os factos provados o Tribunal "a quo" concluiu, acrescido do reconhecimento pelo réu que aludiu a "lapso não intencional" da sua parte, a não instauração da acção não se deveu a quaisquer opções técnicas no tratamento a dar à questão, mas sim, a simples desinteresse da sua parte a respeito do assunto para o qual os autores o tinham contratado, com a gravante» (leia-se «agravante») «de esconder tal facto dos autores, fazendo-os crer que a acção havia sido interposta;
3ª - Em relação ao artigo 496° CC a doutrina nacional reconhece que a indemnização dos danos não patrimoniais não reveste natureza exclusivamente ressarcitiva, desempenhando também uma função preventiva e uma função punitiva, sendo o montante a atribuir fixado com recurso à equidade, fundando-se, por exemplo, a culpa do agente e a sua situação económica, bem como a do lesado:
4ª - Assim o nº 1 do artigo 496° do CC não foi violado pela douta decisão sub judice, porque o Tribunal "a quo" teve em atenção à gravidade do dano, medindo-o por um padrão objectivo, afastando factores susceptíveis da sensibilidade exacerbada ou requintads» (leia-se «requintada») «e apreciou-o em função da tutela do direito;
5ª - Teve em atenção que a culpa é matéria de facto da exclusiva competência das instâncias judiciais extrair da prova produzida, excepto quando o mesmo resulta da inobservância de preceitos legais ou regulamentares, como é o caso da violação do artigo 95° da Lei 15/2005 (E.O.A.);
6ª - Houve realmente dano para os recorridos, porque estes viram frustadas as expectativas de responsabilizar a promitente-compradora na altura e concluíram que nada foi feito nesse sentido, por não estar intentada no tribunal uma acção para esse fim e como tinham solicitado ao recorrente, assim, andaram iludidos pelas informações erróneas que lhes eram prestadas pelo mesmo em que tinham depositado a sua confiança para solucionar o seu caso;
7ª - Não existindo qualquer confussão» (leia-se «confusão») «com factos potencialmente geradores de danos com danos e raciocínios de danos com danos e também não houve erro de julgamento e apreciação da prova nos termos do n° 2 do artigo 653° do CPC;
8ª - O Tribunal "a quo" analisou criticamente os meios de prova produzidos no processo e especificou os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, bascando-se no depoimento de parte do autor e nos depoimentos sérios e isentos das testemunhas, indicando as razões de ciência e, ainda, fundamentou-se no teor dos documentos;
9ª - A única testemunha comum do recorrente e dos recorridos presenciou o estado psicológico do autor motivado pela ausência de solução das questões relacionadas com a escritura de compra e venda do referido estabelecimento;
10ª - Apesar de ninguém ter presenciado qualquer conversa entre o autor e o réu, limitando-se os depoimentos ouvidos a aludir a queixas genéricas do autor sem as localizar no tempo, conclui-se que os recorridos sentiram-se deprimidos pela violação da expectativa em responsabilizar a promitente-compradora, conforme resulta provado nos factos numerados de 12 a 19 que ficou gorada pela não interposição da respectiva acção por parte do recorrente e de este lhes ter prestado informações erróneas no sentido que tinha instaurado a respectiva acção a responsabilizar a promitente-compradora;
11ª - O Tribunal "a quo" deu cumprimento ao estatuído no nº 2 do artigo 659° do CPC ao descriminar» (leia-se «discriminar») «na sentença os factos que considerou provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final;
12ª - Existe nexo de causalidade nos termos do artigo 563° CC, porque o nexo causal envolve uma relação entre o facto praticado pelo agente e o dano, segundo o qual ele fica obrigado a indemnizar todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão;
13ª - O recorrente ao aludir "lapso não intencional" da sua parte de não instaurar a acção mostrou desinteresse da sua parte e» («a»?) «respeito do assunto para o qual os autores o haviam contratado, com a agravante de esconder tal facto dos autores, fazendo-os crer que a acção teria sido interposta;
14ª - Extraindo-se que o dano é contemporâneo com a conduta do recorrente, porque os recorridos contrataram os serviços do recorrente muito antes para interpor a respectiva acção;
15ª - Em relação à indemnização o Tribunal "a quo" andou bem ao afirmar categoricamente que a actividade do advogado no exercício do mandato que lhe foi conferido configura uma obrigação de meios, no sentido, por contraposição à obrigação de resultados, e que não se obriga à produção de qualquer resultado, mas sim a desenvolver lodos os esforços, de encetar todas as deligências» (leia-se «diligências») «segundo as exigências das leges artis para que o resultado pretendido se venha a produzir;
16ª - 0 recorrente foi condenado pela omissão dos meios que tinha ao seu dispor para deligenciar» (leia-se «diligenciar») «a responsabilização da promitente compradora;
17ª - O Tribunal "a quo" quantificou os danos não patrimoniais dos recorridos ao resolver a questão do pedido formulado pelos então autores, concluindo que pelos factos provados que os recorridos julgaram durante quatro anos que o recorrente estavs» («estava») «a tratar adequadamente do seu assunto e nada tinha feito;
18ª - Esta indemnização foi, também, atribuída aos recorridos com o fim de reprovar e castigar a conduta do recorrente, conforme consagra a maioria da Jurisprudência dos tribunais superiores em responsabilizar os actos dos advogados por factos ou omissões que lesam direitos dos seus clientes;
19ª - A fixação da indemnização atribuída para este caso é adequada aos danos não patrimoniais que os recorridos sofreram com a omissão da conduta do recorrente e pelo lapso de tempo que andaram iludidos que estava a correr uma acção judicial para responsabilizar a promitente-compradora;
20ª - O Tribunal "a quo" cumpriu escrupulosamente o estipulado no artigo 494° CC sobre a limitação da indemnização no caso de mera culpa, que é um poder discricionário a usar pelo tribunal segundo critérios de equidade, tomando era conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.»
Concluíram dever ser mantida a sentença criticada.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
São as seguintes as questões a avaliar:
1. Por não se terem demonstrado danos bem como o nexo causal entre a conduta do Demandado e o surgimento de tais danos, impõe-se a absolvição do Réu?
2. Apenas resultaram provados simples incómodos ou contrariedades que não são nem poderiam ter sido considerados como revestindo-se de gravidade suficiente para merecerem a tutela do Direito?
3. O valor da indemnização fixada é manifestamente excessivo?

II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Vêm provados os seguintes factos:
«1- No dia 30.07.1996, os autores subscreveram o contrato junto a fls 10 e 11 (que aqui se dá por integralmente reproduzido) denominado “contrato-promessa de compra e venda”, no qual se afirmaram “donos e legítimos proprietários da fracção autónoma destinada ao comércio de mercearia e churrascaria, com alvará sanitário nº 3542/95 de 28.06.95, passado pela Câmara Municipal de Leiria, sito em (...), Leiria e do alvará de exploração de estabelecimento mencionado na alínea anterior.
2- A fracção autónoma referida em 1 possui o alvará sanitário nº 3542/95 de 28.06.95, passado pela Câmara Municipal de Leiria.
3- No documento referido em 1 declararam que “prometem vender” a (…) “o mencionado na alínea anterior (referido em 1), pelo preço de nove milhões trezentos e sete mil setecentos e setenta e oito escudos.
4- Mais foi acordado que o pagamento do preço seria feito do seguinte modo: a) “ a título de sinal e antecipação de pagamento a segunda outorgante entrega com a assinatura deste contrato a quantia de dois milhões de escudos de que os primeiros dão quitação; b) “o restante será pago ao Banco M (...)em virtude de um empréstimo contraído pelos primeiros e de que a segunda assume inteira responsabilidade, efectuando os pagamentos tal como aqueles vinham a fazer e exonerando os primeiros de toda e qualquer responsabilidade em relação àquele empréstimo.
5- Foi ainda acordado que “a escritura de compra e venda será outorgada no prazo de um ano a contar da data de início do presente contrato.
6- Foi também estipulado no contrato referido em 1 que “ com a entrada em vigor do presente contrato, a fracção e estabelecimento são entregues à segunda outorgante que assim os pode usar e fruir como se proprietária fosse, fazendo seu o produto da exploração do estabelecimento comercial.
7- Os anos foram passando e a outra outorgante no contrato referido em 1 não mostrava qualquer disponibilidade em celebrar o contrato prometido.
8- Os autores enviaram em 20.01.1998, por via postal registada com aviso de recepção, uma carta para (…) com o intuito de conseguirem marcar uma data para a celebração do contrato de compra e venda.
9- O réu é advogado na comarca de Leiria, tendo o seu escritório na Rua (…) Edifício (...), fazendo da advocacia profissão habitual e lucrativa.
10- Como nunca conseguiram obter de (…) qualquer resposta, os autores resolveram no decurso do ano de 1998 contactar o réu para que este se ocupasse do assunto e dessa forma se conseguisse obter a celebração da escritura, para o que outorgaram uma procuração forense a favor do réu, quando este ainda fazia parte de uma sociedade de advogados sita em Leiria.
11- No decurso do ano de 1999, o réu deixou de fazer parte da sociedade de advogados referida, mudando o seu domicílio profissional, após o que contactou os autores para que se dirigissem ao seu escritório e lhe assinassem uma nova procuração forense, o que estes fizeram no dia 19.09.1999, deixando então todo o processo nas mãos do réu para que este conseguisse uma solução para si.
12- Como as negociações não estavam a ser bem sucedidas (apesar de o réu ter enviado diversas cartas para (…) às quais não obteve resposta), os autores deram indicação ao réu para que fosse intentada uma acção judicial junto do Tribunal da Comarca de Leiria, com o fim de promover a resolução do contrato promessa por incumprimento imputável (…)e a restituição da posse da fracção autónoma, com a condenação nos pagamentos não realizados por (…)ao Banco M (...)que foram suportados pelos autores.
13- Nunca o réu forneceu ao autor o número do processo que sempre disse ter dado entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
14- O autor dirigiu-se ao tribunal com o intuito de saber se tinha dado entrada alguma acção respeitante ao contrato-promessa referido em 1, tendo sido informado que nenhuma acção havia ali sido intentada em seu nome e da sua mulher.
15- O réu nunca deu entrada a qualquer acção no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
16- O autor obteve do réu a resposta “falhei, acontece, foi um lapso”, não se tendo prontificado a reparar os danos causados aos autores.
17- Os autores apresentaram queixa do réu ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados de Coimbra, cujo Conselho de Deontologia proferiu acórdão em 25.11.2005 (junto a fls 13 ss e que aqui se dá por integralmente reproduzido), tendo no ponto 7 do mesmo, dado como provado o seguinte: “o arguido ao não ter proposto a acção judicial, conforme, aliás, prometera ao participante e lhe fez crer que a havia instaurado e, ainda, ao não lhe ter prestado informações correctas sobre o andamento do processo, revelou falta de zelo no tratamento da questão que lhe fora confiada, negligenciando assim os mais elementares deveres deontológicos que lhe são impostos nas relações com o cliente”.
18- Em Janeiro de 2003, o réu fez uma proposta aos autores, prontificando-se a pagar-lhes a quantia de € 1.000,00 (mil euros).
19- O autor e mulher andaram deprimidos porque a situação referente ao contrato-promessa referido em 1 não se resolvia.
20- Após a celebração do contrato-promessa referido em 1, pelo menos uma pessoa esteve interessada na aquisição do estabelecimento a que o mesmo respeitava.
21- Em 19 de Março de 2003 foi feito um depósito na conta bancária do autor, no valor de € 27.000,00 em nome de (…).
22- Nunca funcionou na fracção em causa um estabelecimento de mercearia.
23- O autor procedeu ao “levantamento do processo” e de toda a documentação nele constante, do escritório do réu, em 03.12.2002.»
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Fundamentação de Direito
1. Por não se terem demonstrado danos bem como o nexo causal entre a conduta do Demandado e o surgimento de tais danos, impõe-se a absolvição do Réu?
Pelo seu acerto técnico e conexão com a matéria dos presentes autos, releva, neste domínio, o conjunto de considerações tecidas em sede de sumário no seio do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-04-2010, proferido no Processo 2622/07.0TBPNF.P1.S1, in http://www.dgsi.pt, com o seguinte teor: 
«1) O mandato forense é um contrato de mandato atípico, sujeito às regras dos artigos 1157.º do Código Civil e do Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo que se destina a garantir o patrocínio judiciário que é de interesse e ordem públicos.
2) Integra uma obrigação de meios (ou de diligência) já que o mandatário apenas se obriga a desenvolver uma actividade direccionada para uma solução jurídico-legal, pondo ao serviço do mandante todo o seu zelo, saber e conhecimentos técnicos mas não garantindo qualquer desfecho da controvérsia que lhe é posta.
3) Ao mandatário forense não é apenas exigida diligência do homem médio (n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil) um paradigma de conduta a apreciar em abstracto mas tendo em atenção tratar-se de um profissional a quem é imposto muito maior rigor na investigação, actualização, adequação e aplicação dos conhecimentos da sua especialidade.
4) Não sendo um contrato de trabalho (e apenas uma “species” – embora matriz – da prestação de serviços) o incumprimento do mandato forense (incluindo deveres colaterais deontológicos) gera, em regra, responsabilidade contratual perante o cliente.
5) Mas se o incumprimento incidir sobre violação de outro dever, ou preceito legal, não integrado especificamente no contrato de mandato forense, a responsabilidade para com o cliente pode ser aquiliana. E é sempre extra contratual a responsabilidade do Advogado perante terceiros.
6) Se o mesmo facto ilícito integrar os dois tipos de responsabilidade só uma delas pode ser invocada como causa de pedir.
7) Os danos não patrimoniais são indemnizáveis em sede de responsabilidade contratual, desde que do clausulado (ou de normas imperativamente aplicáveis) não resultar uma sanção autónoma para o incumprimento e que o dano não patrimonial apurado resulte directamente do incumprimento por verificação da causalidade adequada na formulação do artigo 563.º do Código Civil.
8) A perda de chance não se confunde com perda de expectativa, já que aqui há uma esperança de um direito, por se ter percorrido um “iter” que a ele conduziria com forte probabilidade. Trata-se de situação dogmatizada na responsabilidade pré contratual.
9) Na perda de chance, ou de oportunidade, verificou-se uma situação omissiva que, a não ter ocorrido, poderia razoavelmente propiciar ao lesado uma situação jurídica vantajosa.
10) Trata-se de imaginar ou prever a situação que ocorreria sem o desvio fortuito não podendo constituir um dano presente (imediato ou mediato) nem um dano futuro (por ser eventual ou hipotético) só relevando se provado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida.
11) Se um recurso não foi alegado, e em consequência ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda de oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado do recurso é sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa.
12) Do n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil resulta que o dano não patrimonial só é compensável se o evento lesivo afectar relevantemente, e com certa gravidade, valores da personalidade moral, devendo a situação ser vista casuisticamente.»
Assistiu razão ao Tribunal «a quo» quando concluiu que «Não oferece dúvidas que entre os autores e o réu foi celebrado um contrato de mandato, posto que este se obrigou a praticar um ou mais actos jurídicos por conta daqueles (artº 1157º do Código Civil ...)» já que se patenteou que se vinculou a praticar actos jurídicos «por conta» dos Demandantes, presumindo-se o carácter oneroso do contrato em virtude da natureza profissional da intervenção visada através da outorga da procuração forense.
À luz do critério adequadamente referenciado no acima indicado aresto e considerando a natureza da prévia vinculação das partes, tem que se concluir que a responsabilidade civil em causa nos autos é de natureza contratual. Neste ponto, assistiu  razão ao aludido Tribunal no que tange ao resultado do percurso lógico e técnico que seguiu.
São pressupostos deste tipo de responsabilidade civil: a) o acto ilícito consistente na inexecução do vínculo negocial; b) a culpa; c) o dano ou prejuízo; d) a causalidade ou nexo causal – vd., neste sentido,TELLES, Inocêncio Galvão, Direito das Obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, págs. 299 a 301.
No que se reporta à ilicitude, ou seja, à não execução do sinalagma contratual por parte do Réu, são abundantes e seguras, na situação sob análise, as referências fácticas colhidas em sede instrutória no sentido da violação, por parte do Recorrente, da obrigação assumida face aos Recorridos. Nesse sentido apontam, insofismavelmente, as seguintes menções:
«12- (…) os autores deram indicação ao réu para que fosse intentada uma acção judicial junto do Tribunal da Comarca de Leiria, com o fim de promover a resolução do contrato promessa por incumprimento imputável a (…) e a restituição da posse da fracção autónoma, com a condenação nos pagamentos não realizados por (…)ao Banco M (...)que foram suportados pelos autores.
13- Nunca o réu forneceu ao autor o número do processo que sempre disse ter dado entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
14- O autor dirigiu-se ao tribunal com o intuito de saber se tinha dado entrada alguma acção respeitante ao contrato-promessa referido em 1, tendo sido informado que nenhuma acção havia ali sido intentada em seu nome e da sua mulher.
15- O réu nunca deu entrada a qualquer acção no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
16- O autor obteve do réu a resposta “falhei, acontece, foi um lapso”, não se tendo prontificado a reparar os danos causados aos autores.
17- Os autores apresentaram queixa do réu ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados de Coimbra, cujo Conselho de Deontologia proferiu acórdão em 25.11.2005 (junto a fls 13 ss e que aqui se dá por integralmente reproduzido), tendo no ponto 7 do mesmo, dado como provado o seguinte: “o arguido ao não ter proposto a acção judicial, conforme, aliás, prometera ao participante e lhe fez crer que a havia instaurado e, ainda, ao não lhe ter prestado informações correctas sobre o andamento do processo, revelou falta de zelo no tratamento da questão que lhe fora confiada, negligenciando assim os mais elementares deveres deontológicos que lhe são impostos nas relações com o cliente”.
É certo que, no sentido do que disse o Tribunal «a quo», a discricionaridade técnica do causídico não impunha, por si só, a instauração de acção ou que o mesmo seguisse determinadas opções jurídicas sugeridas pelos seus mandantes, se as considerasse desaconselháveis. Porém, como também acertadamente o mesmo referiu, o não despoletamento de processo judicial, o não desempenho de conduta orientada para a solução do litígio, não resultaram de distinta leitura jurídica do caminho a seguir ou de diversa opção estratégica mas de incúria, desinteresse posteriormente agravados por logro e artifício. 
Num tal contexto, é insofismável a existência de ilicitude.
No que tange à culpa, ou seja, à imputação do facto ao lesante, ela não escasseia no caso em apreço. O próprio Demandado reconheceu a sua falha, a sua omissão, apodando-as de «lapso». Este pressuposto materializou-se, ao menos, por negligência inicial que, atentos os contornos do patenteado, se tem que considerar grosseira e que se qualificou e evoluiu para intervenção dolosa a partir do momento da ocultação da falta grave, de forma dilatada no tempo.
É quanto ao dano ou prejuízo que o Recorrente suscita reservas, questionando a sua concretização.
A este respeito provou-se, com relevo para a definição temporal e avaliação dos contornos do prejuízo, que:
1. «(...) os autores resolveram no decurso do ano de 1998 contactar o réu para que este se ocupasse do assunto e dessa forma se conseguisse obter a celebração da escritura, para o que outorgaram uma procuração forense»;
2. «Em Janeiro de 2003, o réu fez uma proposta aos autores, prontificando-se a pagar-lhes a quantia de € 1.000,00 (mil euros)»;
3. «Os autores apresentaram queixa do réu ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados de Coimbra, cujo Conselho de Deontologia proferiu acórdão em 25.11.2005»;
4. «O autor e mulher andaram deprimidos porque a situação referente ao contrato-promessa referido em 1 não se resolvia».
O que resulta destes factos, dos já indicados e da própria pendência dos autos, em termos de caracterização do prejuízo?
Emerge deles que, desde 1998 até à 2003, os Recorridos se viram envolvidos, contratual e existencialmente com o Recorrente, ao qual pediram resolução de problema da sua vida pessoal que envolvia a sua intervenção enquanto profissional do foro e que, quase cinco anos depois da materialização da necessidade inicial que os levou a contratar, o Recorrente não só nada tinha feito para solucionar tal problema no âmbito da sua esfera de intervenção como os tinha enganado de forma incompreensível e injustificável a qualquer luz, dizendo ter «dado entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria» processo que nunca instaurou.
Em 2005, ainda os Autores descobriam o relevo dos actos do Recorrente à luz da leitura do seu órgão corporativo de representação profissional e, no presente momento, ainda litigam no quadro do mesmo encadeado fáctico.
Quando se diz que os Autores andaram deprimidos pela indefinição do seu problema, é a esta realidade global que se faz referência, é ao sofrimento psicológico produtor de tais efeitos – emergente do facto de terem contratado um advogado para dar o seu contributo profissional à resolução de um problema pessoal de relevo económico e patrimonial e esse advogado, aceitando o encargo, tê-los enganado e iludido e nada solucionado – à perda de auto-confiança pela escolha inadequada, à redução da confiança nos outros, face ao engano, à incerteza quanto à solução da questão originária, que se faz menção.
Tal estado de depressão é, num contexto desta natureza, totalmente compreensível. O sofrimento que o caracteriza e que, simultaneamente o gera, assume, claramente, dimensão digna de tutela pelo sistema jurídico nacional nos termos do disposto no n.º 1 do art. 496.º do Código Civil. Há, pois, dano objecto de ressarcimento.
     Tendo a conduta do Apelante gerado, claramente, o referenciado estado anímico – já que só a ele se pode atribuir o facto de, até 2003, o problema dos Recorridos nem sequer se ter começado a tentar solucionar e de a incerteza se ter transformado em noção segura de se ter sido objecto de um embuste – existe o necessário nexo de causalidade entre a ilícita e subjectivamente intensa violação contratual e o dano.
Preenchem-se todos os pressupostos. Materializam-se os requisitos técnicos.
Também a Justiça e os seus interesses não dispensam a ponderação do relevo do dano e a atribuição de valor indemnizatório adequado ao seu ressarcimento.
É necessariamente negativa a resposta à questão proposta.
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2. Apenas resultaram provados simples incómodos ou contrariedades que não são nem poderiam ter sido considerados como revestindo-se de gravidade suficiente para merecerem a tutela do Direito?
Flui do que ficou dito que não estamos perante meros incómodos ou contrariedades mas face a uma situação de depressão ou seja, a uma condição médica, um estado patológico do foro psíquico produtor de incapacidades e patologias derivadas.
Não nos encontramos, aliás – não só em termos de experiência comum e de normalidade das reacções psicológicas mas também face ao concretamente demonstrado no âmbito das circunstâncias de enquadramento – ante tais consequências ligeiras quando avaliamos os prejuízos sofridos por alguém que é profundamente enganado pelo seu mandatário forense – no qual, necessariamente, confiou e ao qual entregou a protecção de parte dos interesses patrimoniais – que arrasta durante largos anos a resolução de um caso que lhe foi confiado sem sequer dar início ao respectivo processo de solução e que, de forma dolosa, ilude quanto a esse facto, assim gerando depressão (logo tristeza, perda de alegria de viver, dúvida, obscurecimento do quotidiano, pensamentos negativos, bloqueio de processos de raciocínio construtivos, diminuição de confiança no próximo, no futuro e na vida).
Trata-se, antes, de consequência de conduta alheia que merece segura e rigorosa tutela do sistema.
Também esta questão clama, consequentemente, por resposta negativa.
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3. O valor da indemnização fixada é manifestamente excessivo?
No que releva para o caso vertente, o n.º 4 do art. 496.º do Código Civil estatui que:
«4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º»
Por seu turno, o apontado art. 494.º estabelece que:
«Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem».
Na situação sob avaliação, aliás marcado não pela mera culpa mas pela actuação do Apelante intencional e dirigida, com clara intensidade, à materialização do evento produtor de prejuízo, nada se sabe no domínio das condições económicas em termos que permitam recorrer a critérios de degradação do montante a fixar.
O apelo à equidade é feito, pois, no caso em apreço, sem quaisquer desvios.
Na ponderação do montante indemnizatório, há que tomar em consideração a necessidade de atender a elementos estritamente ressarcitivos ou de mero «apagamento» do dano e a outros com natureza preventiva, carácter punitivo e pendor reequilibrante, com o sentido acolhido jurisprudencialmente, conforme notado por LOURENÇO, Paula Meira in A Indemnização Punitiva e os Critérios para a sua Determinação, pág. 11, nota 29, in http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/ responsabilidadecivil_paulameiralourenco.pdf (à data da prolação deste acórdão), nos seguintes termos:
«Vide referências expressas à necessidade de “reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” (STJ 08/06/99, GARCIA MARQUES, disponível em www.dgsi.pt e publicado no BMJ, n.º 488, Ano 1999, pp. 323 e ss.), nos seguintes acórdãos: STJ 09/01/90 (ELISEU FIGUEIRA); STJ 07/03/91 (BALTAZAR COELHO), STJ 30/10/96 (SILVA PAIXÃO), disponível em www.dgsi.pt e publicado no BMJ, n.º 460, Ano 1996, pp. 444 e ss.; STJ 21/11/96 (COSTA SOARES); STJ 04/12/96 (SILVA PAIXÃO); STJ 17/11/98 (RIBEIRO COELHO); STJ 05/11/98 (GARCIA MARQUES); STJ 29/06/2000 (MIRANDA GUSMÃO)»
Por outro lado, conforme referido no ponto IV do sumário do primeiro dos indicados arestos jurisprudenciais, «a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496,º do Código Civil e constituir uma uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e a suportar».
Em concreto, temos, em ambas as vertentes, compensatória e punitiva, os seguintes elementos de avaliação e construção do juízo de equidade: a gravidade da conduta; a produção de depressão nos Recorridos através de violação contratual assinalada por desinteresse pelo seu destino e agravada pelo logro, engano e ocultação; o prolongamento no tempo da conduta ilícita; o surgimento da intervenção no quadro de uma relação jurídica necessariamente remunerada; a importância social e económica da intervenção omitida; a elevada responsabilidade e tecnicidade inerente ao múnus profissional do lesante, que afastam o controlo e seguimento apertado e próximo, pelo mandante.
Tudo isto ponderado no quadro de um juízo de estrita equidade e considerando as práticas jurisprudenciais neste âmbito, julga-se excessivo o valor indemnizatório definido pelo Tribunal «a quo» e reduz-se o montante destinado a operar o ressarcimento dos danos morais à quantia de seis mil euros.
Sumário:
1. São pressupostos da responsabilidade civil contratual: a) o acto ilícito consistente na inexecução do vínculo negocial; b) a culpa; c) o dano ou prejuízo e d) a causalidade ou nexo causal;
2. A discricionaridade técnica do mandatário judicial não impõe, por si só, a instauração da acção desejada pelos seus mandantes ou que o mesmo siga determinadas soluções jurídicas sugeridas pelos mesmos, se as considerar desaconselháveis. Porém, o não despoletamento de processo judicial, a omissão de desempenho de conduta orientada para a solução do litígio em virtude não de distinta leitura jurídica do caminho a seguir ou de diversa opção estratégica mas de incúria e desinteresse posteriormente agravados por logro e artifício apontam, de forma  insofismável, para a existência de ilicitude.
3. No que tange à imputação do facto ao lesante, a mesma materializou-se face à negligência inicial grosseira que se qualificou e evoluiu para intervenção dolosa a partir do momento da ocultação da falta grave, de forma dilatada no tempo;

4. Não estamos perante meros incómodos ou contrariedades quando avaliamos os prejuízos sofridos por alguém que é enganado pelo seu mandatário forense – no qual, necessariamente, confiou e ao qual entregou a protecção de parte dos interesses patrimoniais – que arrasta durante largos anos a resolução de um caso que lhe foi confiado sem sequer dar início ao respectivo processo de solução e que, de forma dolosa, ilude quanto a esse facto, assim gerando depressão (logo tristeza, perda de alegria de viver, dúvida, obscurecimento do quotidiano, pensamentos negativos, bloqueio de processos de raciocínio construtivos, diminuição de confiança no próximo, no futuro e na vida). Trata-se, antes, de consequência de conduta alheia que merece segura e rigorosa tutela do sistema;

5. Na ponderação do montante indemnizatório, há que tomar em consideração a necessidade de atender a elementos estritamente ressarcitivos ou de mero «apagamento» do dano bem como a outros de natureza preventiva, carácter punitivo e pendor reequilibrante.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação da Autora parcialmente procedente e, em consequência, condenamos o Apelante a pagar aos Apelados a quantia de 6.000 € (seis mil euros) mantendo, quanto ao mais, a sentença criticada.
Custas na proporção de 3/4 pelo Apelante e 1/4 pelos Apelados.

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Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Alberto Ruço (1.º Adjunto)
Judite Pires (2.ª Adjunta)