Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
900/13.8TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL
CONCORRÊNCIA DESLEAL
PROPRIEDADE INDUSTRIAL
Data do Acordão: 04/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA 5º J CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 211 CRP, 66, 67 CPC, LEI Nº 3/99 DE 13/1, DL Nº 67/2012 DE 20/3, PORTARIA Nº 84/2012 DE 29/3
Sumário: 1. A competência material do Tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo Autor e pelos fundamentos que este invoca.

2. Os actos de concorrência desleal não se esgotam na violação de direitos privativos tutelados pelo CPI (Código da Propriedade Industrial).

3. Nem sempre a concorrência desleal assenta na lesão de um desses direitos privativos, assim como a violação de um de tais direitos privativos não consubstancia necessariamente um acto de concorrência desleal.

4. Só é competente o Tribunal de Competência Especializada para a Propriedade Intelectual para conhecer das questões relativas a acções em que a causa de pedir verse sobre a prática de actos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial e quando a prática desses actos de concorrência desleal respeitem a direitos privativos da propriedade industrial.

Decisão Texto Integral:          Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

         I- RELATÓRIO

         1. A requerente L (…) UNIPESSOAL, LDA. intentou, em 21/02/2013, contra os requeridos R (…), UNIPESSOAL, LDA., ID (…) e DM (…), procedimento cautelar comum que veio a ser distribuído ao 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria,  pedindo que, sem audiência prévia dos requeridos, sejam decretadas as seguintes providências:

         a) Ordenar-se a suspensão imediata da actividade da 1.ª requerida comunicando-se tal facto ao 2.º Serviço de Finanças;

         b) Ordenar-se a notificação pessoal dos requeridos, devendo a 1.ª ser notificada na pessoa de “titulares” das respectivas quotas, para se absterem de por si ou por intermédio de outra pessoa contactar e prestar aos clientes que a requerente tinha à data de 18.12.2012 (data em que os requeridos rescindiram os seus contratos de trabalho com a requerente), os serviços que a requerente exerce, sob pena de incorrerem no crime de desobediência;

         c) Ordenar-se a apreensão na sede da 1.ª requerida, das minutas de contratos de controlo de pragas e a eliminação do “site” publicitário que consta no doc. 96; e

         d) Condenar-se solidária e provisoriamente os requerido ( e não arguidos com vem referido no requerimento inicial ) a pagar à requerente a quantia de 30.000,00 € relativa a perdas e danos que entretanto lhe causaram.

         Fundamenta a requerente tais providências, em síntese, no seguinte conjunto de razões: a requerente é uma sociedade comercial cujo objecto consiste na exterminação de insectos e de roedores, desinfecção, fumigação, tratamento de térmitas, fertilização de jardins e eliminação de ervas daninhas, comércio por grosso de produtos de limpeza, outras actividades de limpeza em edifícios e equipamentos industriais; o 2º e o 3º requeridos foram admitidos ao serviço da requerente, respectivamente em 09.11.2007 e em 01.08.2008, tendo ambos  rescindido o contrato de trabalho em 18.12.2012, desempenhando  o 2.º requerido ao serviço da requerida, as funções de técnico de vendas e o 3.º as de técnico de controlo de pragas; a requerente é a representante da marca TRULY NOLEN para a área dos distritos de Leiria, Coimbra e Santarém, para a qual comprou a concessão; desde a data da sua constituição, em Março de 2004 e até ao presente, a requerente vem constantemente divulgando os seus serviços, angariando clientes, adquirindo instalações, veículos, equipamentos, produtos, admitindo funcionários, dando-lhes formação técnica contínua, melhorando sempre a qualidade dos seus serviços e aumentando o volume de vendas; no dia 18.12.2012 o legal representante da requerente foi alertado por um seu fornecedor que uma empresa nova com o nome de RATATUI, com sede em Regueira de Pontes o havia contactado para obter o fornecimento dos mesmos produtos para o controlo de pragas que a requerente lhe adquiria, empresa essa que o gerente da requerente veio a saber tratar-se de uma sociedade que pertencia aos 2º e 3º requeridos, os quais, confrontados com tal facto, confessaram que haviam constituído a 1ª requerida e pediram a sua demissão para evitarem processos disciplinares; a requerente ficou chocada com tamanha deslealdade daqueles seus funcionários, aos quais no início de Dezembro de 2012 a requerente concedeu a última acção de Aptidão Profissional Contínua para técnicos de controlo de pragas com a duração de 16 horas a cada um, e com os quais sempre teve um relacionamento amistoso, leal e de colaboração, os quais, nos dias 14, 15 e 16 de Dezembro de 2012 a requerida gratificou assim como os demais funcionários com uma Festa de Natal durante um fim-de-semana, no Alentejo, (não tendo o 3.º requerido ido por motivos familiares); veio entretanto a requerente a saber que a 1ª requerida foi constituída em 08.11.2012 e tem por objecto a prestação de serviços de desinfestação, desratização e outros serviços de limpeza e comércio de produtos de limpeza, produtos químicos e consumíveis afins à actividade, tendo inscritos como sócios (…) e (…), o primeiro avô do requerido ID (…) e a segunda mãe do requerido DM (…), nenhum dos quais tendo ou exercendo qualquer actividade relacionada com a desinfestação e desratização, tendo sido os 2.º e a 3 requeridos que procederam à obtenção do nome da 1.ª requerida, que diligenciaram pela sua constituição, publicação e registo, que procederam ao pagamento dos respectivos custos, utilizando os nomes e consentimentos do seu avô e mãe, respectivamente, para figurarem como sócios da referida sociedade para, desse modo, ocultarem a sua real titularidade das respectivas quotas; no exercício das suas funções de técnico de vendas da requerente, o 2º requerido angariava clientes, negociava com eles os serviços a prestar, os respectivos preços, a duração dos contratos e visitava-os regularmente, enquanto que, como técnico de controlo de pragas ao serviço da requerente, o 3º requerido prestava regularmente os serviços da requerida aos seus clientes; tais 2º e 3º requeridos apoderaram-se dos ficheiros dos clientes da requerente, da sua base de dados dos clientes e tinham conhecimento da identificação de todos os clientes da requerente, dos serviços que esta prestava, dos preços contratados e dos prazos dos respectivos contratos, apropriaram-se da minuta de contrato utilizada pela requerente ( e não requerida, como por lapso que se evidencia no próprio contexto vem referido no requerimento inicial ), para estabelecerem os contratos com os seus clientes e copiaram-na “ipsis verbis” para utilização da 1.ª requerida, incluindo a mesma disposição gráfica, o mesmo clausulado, as mesmas condições contratuais e garantias, a mesma cor dos duplicados; apenas alteraram a identificação da sociedade, contactos e o NIB; no dia da rescisão do contrato, o requerido ID (…) tinha em seu poder uma PEN com informações confidenciais da requerente, e tendo-lhe sido pedido para a devolver, aquele procedeu à sua destruição, sem a entregar à requerente; nos últimos meses que estiveram ao serviço da requerida iam contactando os clientes desta, oferecendo-lhes os próprios serviços, negociando com eles os termos do novo contrato a celebrar com a sociedade RATATUI que viriam a constituir e incentivando os vários clientes que identifica a denunciarem os contratos com a requerente nos termos das suas renovações; no dia 11.02.2013 a requerente dirigiu-se ao estabelecimento de (…) para efectuar o serviço de controlo de pragas contratado e deparou que os requeridos já tinham efectuado o serviço (sem que o contrato com a requerente tivesse sido rescindido), e no dia 08.02.2013 a requerente dirigiu-se ao estabelecimento de (…) para efectuar o serviço de controlo de pragas contratado e deparou que os requeridos já tinham efectuado o serviço; as rescisões dos contratos por parte dos referidos clientes da requerente foram efectuadas a pedido do 2º e 3º requeridos e quase todas elas efectuadas com a antecedência não inferior a 90 dias prevista nos contratos, tendo quase todos esses clientes já celebrado contratos de controlo de pragas com a 1.ª requerida, por intermédio dos 2º e 3º requeridos, estando já a ser efectuados nos estabelecimentos das entidades cujas rescisões já produziram efeitos, os serviços de controlo de pragas e de desratização pelos 2.º e 3.º requeridos em representação da 1.ª requerida, rescisões essas que correspondem a zonas cuja área de trabalho estava atribuída aos 2.º e 3.º requeridos, ou seja a zona Norte de Leiria; a 1ª requerida colocou no seu “site” a publicidade e informações que a requerente continha nos seus folhetos, exerce a sua actividade com os clientes que haviam sido angariados pela requerente e apenas na zona em que trabalharam ao serviço da requerente; os 2º e 3º requeridos vêm continuando a contactar os demais clientes da requerente que ainda restam, os preços praticados pela 1ª requerida são inferiores ao custo real dos serviços que pratica, por não tomar em consideração os investimentos na formação de pessoal, nas prospecções de mercado, na angariação de clientes, no aperfeiçoamento das técnicas a utilizar, pois que tudo isso foi usurpado pelos requeridos, porque estes conheciam os preços praticados pela requerente e conheciam os contratos celebrados por esta; a requerente tem ao seu serviço 14 trabalhadores, tendo nos 10 anos de existência investido em meios técnicos e humanos, tornando-se uma empresa credível e de referência no sector da sua actividade; por causa da actuação criminosa dos requeridos, perdeu já desde Outubro de 2012 até ao corrente mês de Fevereiro pelo menos 83 clientes e tem já sofrido prejuízos elevados, o que representa uma perda da receita anual de 16.220,00 e um volume de negócios, relacionado com a venda de produtos relacionados com a actividade, superior a 15.000,00 €; em virtude da actuação dos requeridos, a requerente está em vias de ter que despedir trabalhadores e suportar os elevados custos das respectivas indemnizações compensatórias e de imobilizar veículos, pondo a actuação dos requeridos em sério risco a subsistência futura da requerida; a requerente teve que revisitar todos os seus clientes e propor-lhes baixar os respectivos preços contratuais para prevenir o aliciamento desleal dos requeridos, suportando com isso perdas de receita que oportunamente serão quantificadas; os 2.º e 3.º requeridos são jovens e não possuem qualquer património que não seja, eventualmente, os próprios veículos, enquanto o património da 1.ª requerida se limita ao stock de alguns produtos e equipamentos que utiliza nos serviços de desinfestação e que, se estiverem pagos, não terão valor superior a 1.000,00 €; a actuação dos requeridos vem causando perdas e danos à requerente de montantes bem superiores ao valor do seu próprio património, inviabilizando a possibilidade de futuramente indemnizarem a requerente pelas perdas e danos que lhe vem causando; enquanto foram empregados da requerente o 2º e 3º requeridos violaram frontalmente o disposto no artigo 128 n.º 1 f) do Código do Trabalho e vêm praticando concorrência desleal cujo regime jurídico se contem essencialmente nos artigos 317, 318 e 331 do Código da Propriedade Industrial (CPI) aprovado pelo DL 36/2003 de 5/03 e que se traduz numa actividade voluntária, desonesta e conscientemente praticada com a intenção de desviar clientela alheia em proveito próprio, configurando a actual situação dos requeridos um ilícito civil e, porque são vários os responsáveis, a sua responsabilidade é solidária. (art.º 497 do Cód. Civil); a 1.ª requerida foi constituída com o único objectivo de se apoderar e aproveitar-se de forma ilícita dos segredos do negócio da requerente, dos seus clientes, das suas técnicas, da sua organização, do seu mercado, dos seus investimentos técnicos e humanos, do conhecimento dos seus contratos com os respectivos prazos e preços, sendo toda a actividade da 1.ª requerida e dos demais requeridos exercida de forma ilícita.

         2. Por entender ser competente o Tribunal da Propriedade Intelectual para a apreciação do objecto de tal procedimento cautelar, decidiu-se o tribunal a quo pela declaração de sua incompetência e, em consequência, pelo indeferimento liminarmente do requerimento inicial.

         3. Inconformada com o assim decidido, recorreu a requerente, rematando as alegações do recurso interposto, formulando as seguintes conclusões:

         “ 1- Na decisão sob recurso julgou-se o Tribunal Judicial de Leiria incompetente em razão da matéria para apreciação do objecto do presente procedimento cautelar, por considerar competente o Tribunal da Propriedade Intelectual, nos termos das alíneas b) e j) do n.º 1 do artigo 89-A da Lei 3 de 99 de 13/01 (redacção da Lei 46/2011 de 24/06).

         2- A pretensão da requerente assenta na prática de actos de concorrência desleal por parte dos requeridos, dois dos quais funcionários seus que entretanto deixaram de o ser, sendo que tais comportamentos se referem, no essencial, à divulgação, aquisição ou utilização de segredos de negócio da demandante, tal como vem previsto no artigo 318.º do Código da Propriedade Industrial.

         3- Segundo a configuração que a requerente dá ao pleito, dele não fazem parte actos de concorrência desleal que constituam infracções ou de alguma forma tenham a ver com direitos privativos de propriedade industrial, ou seja, direitos sobre bens imateriais como sejam, por exemplo, os sinais distintivos do comércio como as marcas ou os logótipos.

         4- Pese embora o instituto da concorrência desleal se encontre regulado no Código da Propriedade Industrial (artigos 317.º e 318.º do CPI), tem sido entendimento pacífico que se trata de um instituto autónomo e que não constitui um direito de propriedade industrial, enquanto direito privativo.

         5- O Tribunal da Propriedade Intelectual não é competente para apreciar todos os actos de concorrência desleal, sem distinção, mas só aqueles que tenham a ver com direitos privativos de propriedade industrial.

         6- Conforme resulta do preceituado no artigo 89.º-A, n.º 1, alínea j), da Lei n.º 3/99, de 13-1 (LOFTJ), na redacção dada pela Lei n.º 46/2011, de 24-6, que criou o tribunal de competência especializada para a propriedade intelectual, a ele compete conhecer das questões relativas a acções em que a causa de pedir verse sobre a prática de actos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial.

         7- Ora, considerando as modificações introduzidas durante o processo de produção daquela norma, o teor da redacção que passou para o texto vigente, a autonomia do instituto da concorrência desleal relativamente à propriedade industrial, nos moldes acima descritos, e as razões que fundamentaram a criação do Tribunal de Propriedade Intelectual, com competência especializada (entre outras, o reforço do tratamento especializado das questões de direitos de autor, direitos conexos e de propriedade industrial), concluímos que na citada alínea j) o legislador quis apenas incluir as situações em que a prática de actos de concorrência desleal respeitem a direitos privativos da propriedade industrial (área de especialização do novo Tribunal de Propriedade Industrial, que é mais circunscrita do que a da tutela da actividade empresarial em geral). Este será, pois, o sentido a dar à expressão “em matéria de propriedade industrial”, constante da parte final do preceito em análise (cf., neste sentido, e tecendo considerações sobre a opção do legislador, Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, Coimbra Editora, 2011, págs.317 e 318, nota 640).

         8- Sendo esse o sentido e alcance da referida norma atributiva de competência, então há que concluir que os actos em causa no presente procedimento cautelar não estão contemplados pela mesma, uma vez que, conforme dissemos supra, os mesmos se referem, no essencial, à divulgação, aquisição ou utilização de segredos de negócio da requerente e não a quaisquer direitos privativos de propriedade industrial.

         9- A causa de pedir neste procedimento, também não versa sobre a propriedade industrial em qualquer das suas modalidades previstas na Lei.

         10- No Tribunal recorrido não se fez correcta interpretação e aplicação do disposto       nos artigos 89-A n.º 1 b) e j) e 64 n.º 2 da Lei 3/99 de 13/01 (LOFTJ), dos artigos 317 e 318 ambos da Lei 36/2003 (Cód. da Propriedade Intelectual), normas que foram violadas.”

         Termina pugnando pela procedência do recurso e pela e declaração de competência em razão da matéria do Tribunal Judicial de Leiria para tal providência cautelar e pelo prosseguimento dos seus subsequentes termos.

         - Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.

         II – ÂMBITO DO RECURSO

         Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ), é a seguinte a questão a decidir: saber se, em face da causa de pedir subjacente às providências requeridas pela requerente no referido procedimento cautelar comum, é o Tribunal Judicial Cível de Leiria o competente para o julgamento deste.

         III- Fundamentação

         A) De facto

            A factualidade pertinente para o efeito consta do relatório, para o qual remetemos.

         B) De Direito

         Perscrutando as conclusões do recurso em apreciação a única questão que importa decidir é a de saber se em face da causa de pedir subjacente às providências requeridas pela requerente no referido procedimento cautelar comum é ou não o Tribunal Judicial Cível de Leiria o competente para o julgamento deste, considerando que assim não entendeu o tribunal a quo ao propugnar que o tribunal competente é o Tribunal da Propriedade Intelectual.

         Nos termos do Art. 211º Nº1 da Constituição da República, “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal que exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”, assim se estabelecendo o princípio da competência jurisdicional residual dos tribunais judiciais, uma vez que ela se estende a todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais.

         Por seu turno, preceitua-se no Art. 66º do C.P.C. que “ São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional “.

         E, no Art. 67º do mesmo diploma legal que “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada”.

         De acordo com o que dispõe o Art.  89º-A, n.º 1 da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), compete ao Tribunal da Propriedade Intelectual conhecer das questões relativas a:

         (…) b) acções em que a causa de pedir verse sobre propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas na lei;

         (…) j) acções em que a causa de pedir verse sobre a prática de actos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial.

            Tal Art. 89º-A assim como o Art. 89º-B da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro foram aditados pelo Art. 2.º da Lei n.º 46/2011, de 24 de Junho, diploma que criou o Tribunal de Competência Especializada para a Propriedade Intelectual e o Tribunal de Competência Especializada para a Concorrência, Regulação e Supervisão e cujos efeitos se produziram a partir da data da instalação dos ditos Tribunais.

            O DL n.º 67/2012, de 20 de Março veio instituir tais Tribunais, com competência territorial de âmbito nacional, para o tratamento das questões relativas à propriedade intelectual e à concorrência, regulação e supervisão (artigos 1.º e 2.º), estabelecendo o seu artigo 4.º que os referidos Tribunais entram em funcionamento na data em que for determinada a sua instalação por Portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça.

         A Portaria n.º 84/2012, de 29 de Março declarou instalados, com efeitos a partir de 30/03/2012, o 1.º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual e o 1.º Juízo do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (artigo 1.º) e entrou em vigor no dia seguinte ao da respectiva publicação (artigo 2.º).

         Por entender que a relação jurídica que se discute no procedimento cautelar tal como vem estruturada pela requerente se enquadra no disposto no Art.  89.º-A Nº1 b) e j) da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, decidiu o tribunal recorrido que o tribunal competente para tramitar e julgar o mesmo é o Tribunal da Propriedade Intelectual.

         A competência material do Tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo Autor e pelos fundamentos que invoca.

          Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Vol.1º, pag. 88, acerca do critério aferidor da competência material, ensina: “São vários esses elementos também chamados índices de competência (Calamandrei). Constam das várias normas que provêem a tal respeito. Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção – seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjacentes (identidade das partes ). A competência do tribunal – ensina Redenti (vol. I, pág. 265), afere-se pelo “quid disputatum” (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor. E o que está certo para os elementos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes”.

         De acordo com os ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, pag. 375, causa de pedir “é o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer declarar”.

         A causa de pedir releva para efeitos de determinação da competência material do tribunal.

         Também Mariana França Monteiro, in A Causa de Pedir na Acção Declarativa, págs., 507/508, escreve “ Para efeitos de competência, a causa de pedir deve ser identificada com os factos jurídicos alegados pelo autor que, analisados na lógica jurídica da petição inicial, permitam a aplicação de uma norma de competência. Isto significa que a estrutura de causalidade entre causa de pedir e pedido que o autor estabelece na petição inicial, ou no conjunto dos seus articulados, é suficiente, é o contexto, o enquadramento da relação jurídica alegada e, em consequência, da aplicação das normas de competência. A causa de pedir encontra-se, assim, nos factos jurídicos alegados pelo autor que, na sua lógica, permitem o isolamento da relação jurídica necessária para a aplicação da norma de competência. Para efeitos do princípio da causalidade, assumindo-se os factos jurídicos alegados para efeitos de competência em geral, a causa de pedir integrará qualquer um, de entre estes factos, que permitem a qualificação da relação jurídica […]. A causa de pedir na cumulação inicial identifica-se com a norma que os factos alegados e o efeito jurídico pedido permitem preencher numa relação de causa-efeito. A causa de pedir é, assim, a norma alegada pelo autor, aquela que, na sua perspectiva, permite que os factos alegados produzam o efeito jurídico pedido. Se a norma é apenas uma, a causa de pedir será uma. Se são várias, haverá pluralidade de causas de pedir e, em consequência, cumulação”.

            Como bem refere a recorrente no seu discurso recursivo, a pretensão por si deduzida no procedimento cautelar comum que instaurou assenta na prática pelos três requeridos ( dois dos quais seus funcionários que entretanto o deixaram de ser ) de actos de concorrência desleal que se traduzem, no essencial, na divulgação, aquisição ou utilização de segredos de negócio da demandante, tal como vem previsto no artigo 318.º do Código da Propriedade Industrial.

         Já antes da criação do Tribunal de Competência Especializada para a Propriedade Intelectual se discutia se o julgamento das acções sobre concorrência desleal eram da competência dos tribunais cíveis ou antes dos tribunais do comércio.

          No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-12-2003, estabelecendo o confronto das posições de Carlos Olavo em artigo intitulado “A Propriedade Industrial e a Competência dos Tribunais de Comércio”, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, ano 61.º, p. 193 e ss., onde este defende que deve ser intentada no tribunal de comércio “uma acção por concorrência desleal, porquanto a repressão da concorrência desleal integra a propriedade industrial, nos precisos termos do artigo 1.º do respectivo Código” (cfr. p. 201), e de Oliveira Ascensão, em Concorrência Desleal, AAFDUL, 1994, p. 266, para quem a apreciação da concorrência desleal não se inscreve na esfera de competências dos tribunais de comércio, pois que “a concorrência desleal não é, ela própria, propriedade industrial, é antes a sanção de formas anómalas de concorrência”, veio a concluir-se que “para o julgamento da acção fundada em actos de concorrência desleal que não impliquem a violação de direitos privativos — como o são os que tutelam invenções e patentes, modelos de utilidade, modelos e desenhos industriais, marcas, nomes e insígnias de estabelecimentos e logótipos — são materialmente incompetentes os tribunais de comércio”.

         Como vem sendo maioritariamente defendido os actos de concorrência desleal não se esgotam na violação de direitos privativos tutelados pelo CPI (Código da Propriedade Industrial). Nem sempre a concorrência desleal assenta na lesão de um direito privativo, assim como a violação de um direito privativo não consubstancia necessariamente um acto de concorrência desleal – neste sentido, vide, por todos o ac. da Rel. de Lisboa, de 05-02-2009, disponível in www.dgsi.pt.

         Os argumentos então esgrimidos a respeito da competência dos tribunais cíveis e dos tribunais de comércio a propósito das acções sobre concorrência desleal continuam, em nossa opinião, a manter-se, agora, no confronto entre os tribunais cíveis e o Tribunal de Competência Especializada para a Propriedade Intelectual.

         Na verdade, expressando a lei – na citada alínea  j) do Art.  89º-A, n.º 1 da Lei n.º 3/99, de 13.01 na redacção que resulta da Lei n.º 46/2011, de 24.06 – que compete ao Tribunal de Competência Especializada para a Propriedade Intelectual conhecer das questões relativas a acções em que a causa de pedir verse sobre a prática de actos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial, temos para nós que o legislador quis apenas incluir em tal previsão legal as situações em que a prática de actos de concorrência desleal respeitem a direitos privativos da propriedade industrial.

         Em tal sentido aponta Pedro Sousa e Silva, in Direito Industrial, Coimbra Editora, 2011, págs.317 e 318, nota 640, aduzindo que a área de especialização do novo Tribunal de Propriedade Industrial é mais circunscrita do que a da tutela da actividade empresarial em geral, pelo que o sentido a dar à expressão “em matéria de propriedade industrial”, constante da parte final do referido preceito legal abarca apenas as situações em que a prática de actos de concorrência desleal respeitem a direitos privativos da propriedade industrial, tecendo, ainda, considerações sobre a opção do legislador.

         No caso em vertente, é patente que o núcleo essencial da causa de pedir invocada pela requerente radica em práticas ilícitas imputadas aos requeridos que configuram concorrência desleal e que não integram factos respeitantes a algum dos direitos privados consagrados no CPI.

         Assim sendo, e ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, é este o tribunal competente para o julgamento do procedimento cautelar comum nele instaurado e não o Tribunal da Propriedade Intelectual.

          

         III- SUMÁRIO ( Art. 713º Nº7 C.P.C. )

         1. A competência material do Tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo Autor e pelos fundamentos que este invoca.

         2. Os actos de concorrência desleal não se esgotam na violação de direitos privativos tutelados pelo CPI (Código da Propriedade Industrial).

         3. Nem sempre a concorrência desleal assenta na lesão de um desses direitos privativos, assim como a violação de um de tais direitos privativos não consubstancia necessariamente um acto de concorrência desleal.

         4. Só é competente o Tribunal de Competência Especializada para a Propriedade Intelectual para conhecer das questões relativas a acções em que a causa de pedir verse sobre a prática de actos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial e quando a prática desses actos de concorrência desleal respeitem a direitos privativos da propriedade industrial.

        

         IV- DECISÃO

         Nestes termos decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, declarando a competência material do 5º juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, ordenando-se que nele os autos sigam os seus termos subsequentes.

         Sem custas.

                                                

                                               Maria José Guerra ( Relatora)

                                               Albertina Pedroso

                                               Carvalho Martins