Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1184/21.0T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: POSSE EM NOME ALHEIO
INVERSÃO DO TÍTULO DA POSSE
OPOSIÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Data do Acordão: 11/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 7.º DO CRPREDIAL
ARTIGO 542.º, 2, DO CPC
ARTIGOS 350.º, 1; 1253.º; 1268.º, 1; 1543.º; 1544,º; 1547.º; 1549.º; 1550.º E SEG.S E 1569.º, 1, E), DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Quem exerce a posse em nome alheio só poderá adquirir o direito de propriedade se entretanto ocorrer a inversão do título da posse, nos termos dos art.os 1265º e 1290º do Código Civil.
II – A eficácia da oposição referida no art. 1265º do C. Civil depende da prática de atos inequivocamente reveladores de que o detentor quer atuar, a partir da oposição, como titular do direito sobre a coisa.
III – Sendo que a oposição deve, além disso, ser dirigida contra a pessoa em nome de quem o opositor detinha a coisa e tornar-se dela conhecida.
IV – A condenação por litigância de má fé pressupõe o dolo ou a negligência grave (cf. art. 542º, nº2 do n.C.P.Civil), na violação do dever de boa fé processual que deve pautar a actuação da parte que litiga em juízo.
V – Sendo que só deve ter lugar uma condenação neste quadro quando seja seguro que ao alegar como alegou, a parte tenha, com dolo ou negligência grave, designadamente, “alterado a verdade dos factos”, o que significa querer a parte convencer de uma realidade que conhece ser diferente, portanto, deturpando ou corroendo aquilo que sabe que assim não é.
Decisão Texto Integral: Apelações em processo comum e especial (2013)

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            Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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            1 – RELATÓRIO

AA, NIF ...06, e marido, BB, NIF ...14, residentes na Avenida ..., ..., ...., ..., ..., instauraram ação declarativa comum contra CC, NIF ...53, e esposa, DD, NIF ...12, residentes na Estrada Nacional n.º...33, ..., ..., ..., ..., pedindo: que a Autora seja declarada proprietária o prédio urbano inscrito na matriz predial ...96 da Freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo ...98º da mesma Freguesia, composto de rés-do-chão, primeiro e segundo andares, com um pátio; reconhecer que a parte do rés do chão do prédio da Autora é delimitada, no mesmo espaço inferior, ao do primeiro andar do mesmo prédio; condenar o Réu a edificar uma parede divisória do rés do chão, no local da divisão dos dois prédios; condenar o Réu a retirar, da fachada do prédio da Autora, as caixas dos contadores da água e da eletricidade que aí colocou indevidamente; condenar o Réu a retirar os objetos que mantém em frente da fachada do prédio da Autora; condenar o Réu a retirar as tubagens para a canalização de água e as instalações de eletricidade que fez passar pela cave do prédio da Autora; condenar o Réu a não utilizar o pátio do prédio da Autora, dali retirando todos os objetos e bens que aí se encontrem; condenar o Réu a praticar todos os atos acima referidos no prazo de trinta dias e, em caso de incumprimento, na sanção pecuniária compulsória de €50,00 diários por cada dia de atraso; condenar os Réus a indemnizar os Autores por todos os danos decorrentes da sua actuação, sejam eles de natureza patrimonial ou não patrimonial e cuja liquidação relegam para eventual execução de sentença; condenar os Réus em custas e demais encargos legais.

Alegam para o efeito, em suma, que Autora mulher e Réu marido são irmãos, tendo o pai de ambos falecido a 03.03.2003 e a mãe a 02.06.2010. Apesar de fazer parte das heranças um estabelecimento comercial de mini-mercado e mercearia, tal bem nunca foi relacionado pelo cabeça-de-casal, aqui Réu marido, funcionando tal estabelecimento nos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana sob os artigos ...95 e ...96, da Freguesia .... Por escritura pública de patilha dos bens imóveis integrantes do acervo hereditário, à Autora mulher foi adjudicado o prédio urbano inscrito na matriz predial ...96, enquanto que ao Réu marido foi adjudicado o prédio urbano inscrito na matriz predial ...95. Os dois prédios são contíguos e, em vida dos pais de ambos, o estabelecimento comercial ocupava e continua a ocupar, uma parte do rés do chão do prédio inscrito ...96, ficando o Réu obrigado a devolver tal parte do prédio, edificando uma parede na linha divisória dos prédios. No entanto, o Réu tem protelado tal obrigação, inicialmente a pretexto de escoar alguns bens que lhe restavam nessa parte do estabelecimento (eletrodomésticos) e mais recentemente, negando tal obrigação.

Defendem ainda os Autores que, desde 2018 para cá, o Réu tem feito diversas intervenções no prédio da Autora, em clara violação do seu direito de propriedade: colocação de um contador de água na fachada, fazendo passar, pelo mesmo prédio, a tubagem de abastecimento de água para a sua casa (artigo ...95); passagem de tubagem de instalação elétrica, nos mesmos moldes; colocação da caixa vertical da EDP na fachada principal do prédio ...96; ocupação do pátio com estendais de roupa e outros objetos do Réu.

Por fim, alegam os Autor que as supra descritas condutas dos Réus têm-lhe causado danos, pelo que deverão ser condenados a indemniza-los.

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Citados para contestar, vieram os Réus impugnar parte do alegado pelos Autores, defendendo que as moradias, aqui em causa, serviram, em tempos, de habitação e para exploração da atividade comercial dos pais de Autora e Réu, tendo sido os mesmos a edificar a parede divisória no rés-do-chão dos imóveis, em 1990. Em 1993, os pais doaram ainda ao Réu o estabelecimento comercial, dando uma compensação monetária à filha, pelo que a escritura pública celebrada em 2016, mais não foi que uma formalização da partilha que já havia sido efectivada em vida dos pais.

O referido espaço, integrado no estabelecimento comercial, assim como este (estabelecimento comercial) têm sido utilizados pelos Réus nos últimos 25 anos, de forma ostensiva, sem oposição de ninguém, de forma contínua e na convicção de não lesarem quaisquer interesses ou direitos de outrem, na convicção de estarem a exercer sobre os mesmos, um direito próprio e absoluto.

O mesmo defendem quanto à utilização da cave, na parte existente sob o piso do rés-do-chão, quer a parte coberta virada ao exterior, com colocação de sistema de aquecimento e lavandaria, mobílias, arrumos, tomada de refeições e exercício de atividades de lazer e secagem de roupa.

Com base nesses mesmos factos, deduzem reconvenção, pedindo que sejam declarados legítimos proprietários e possuidores do imóvel de natureza urbana inscrito na matriz sob o artigo ...95º, composto por cave, com logradouro com anexo de 150m2 de área, rés-do-chão, que compreende todo o espaço utilizado pelo estabelecimento comercial, e demais divisões que lhe estão anexas no mesmo piso, até à parede colocada a norte pelos pais da Autora mulher e Réu marido, bem como de todo o 1º andar do mesmo imóvel; declarar-se que os Réus são proprietários e legítimos possuidores do estabelecimento comercial destinado a minimercado, mercearia e venda de eletrodomésticos, instalado no rés-do-chão do seu imóvel, compreendidas as suas mercadorias, mobiliário, clientela e aviamento, entre os demais elementos corpóreos e incorpóreos que integram a respectiva universalidade.

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Na réplica, os Autores/Reconvindos, impugnaram a factualidade alegada pelos Réus/Reconvintes, mantendo a posição assumida na petição inicial e pugnando pela condenação dos Réus como litigantes de má fé por pretenderem alcançar um benefício que sabem não ter direito, isto em indemnização adequada, a fixar pelo tribunal.

Marcada audiência prévia, foi tentada a conciliação das partes, dado o contraditório quanto ao pedido de condenação como litigantes de má fé, pedidos esclarecimentos às partes e admitida a reconvenção deduzida.

Em esclarecimentos solicitados aos Autores, foram os mesmos advertidos na eventual condenação por litigância de má fé, quanto ao artigo 12º da contestação que não foi impugnado na réplica, caso faltassem à verdade quanto àquela matéria (entrega de 3.000.000$00 à Autora, para compensação da entrega do estabelecimento comercial ao Réu). Os Autores responderam por articulado de fls. 58 dos autos.

Fixou-se o valor da causa em €15.672,05 (quinze mil seiscentos e setenta e dois euros e cinco cêntimos), proferiu-se despacho saneador, delimitaram-se o objecto do litígio e os temas da prova e admitiram-se os requerimentos probatórios.

Marcada data para a realização da audiência de discussão e julgamento, a mesma decorreu com respeito pelo legal formalismo, com observância do formalismo legal, conforme se alcança das respetivas atas.

Na sentença, considerou-se, em suma, que face ao quadro fáctico apurado, se impunha concluir pela demonstração do direito de propriedade da A. sobre o prédio ...96º, o que incluía a totalidade do respetivo rés-do-chão, já que os RR. não lograram demonstrar que detinham qualquer direito sobre a área ocupada pelo estabelecimento comercial detido pelos mesmos (cuja propriedade também era de reconhecer) e que ocupava o rés-do-chão daquele prédio ...96º, isto é, que o direito de propriedade dos RR sobre o imóvel ...95... não integrava a área até à parede colocada a norte (e o logradouro correspondente), assim improcedendo a reconvenção, ademais se extraindo as consequências de tal em termos de desocupação/entrega pelos RR. aos AA., e bem assim de indemnização por aqueles a estes, sem embargo de ser de concluir pela litigância de má fé dos AA., o que tudo se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”:

«VI. DISPOSITIVO

Por todo o exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e o pedido reconvencional parcialmente procedente e, em consequência:

a) Declara-se que a Autora é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial ...96 da Freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo ...98º da mesma Freguesia, composto de rés-do-chão, primeiro e segundo andares, com um pátio;

b) Reconhece-se que a parte do rés-do-chão do prédio da Autora é delimitada, no mesmo espaço inferior, ao do primeiro andar do mesmo prédio;

c) Condena-se o Réu a edificar uma parede divisória do rés-do-chão, no local da divisão dos dois prédios;

d) Condena-se o Réu a retirar, da fachada do prédio da Autora, a caixa do contador da água;

e) Condena-se o Réu a retirar os objectos que mantém em frente da fachada do prédio da Autora;

f) Condena-se o Réu a retirar a tubagem para a canalização da água que fez passar pela cave do prédio da Autora;

g) Condena-se o Réu a não utilizar o pátio do prédio da Autora, dali retirando todos os objectos e bens que aí se encontrem;

h) Condena-se o Réu a praticar todos os actos acima referidos, no prazo de trinta dias;

i) Condena-se o Réu a proceder à reparação dos danos provocados na fachada e placa do seu prédio, decorrentes da remoção do contador e da canalização de água;

j) Absolvem-se os Réus do demais peticionado pelos Autores;

k) Declara-se que os Réus/Reconvintes são os legítimos proprietários e possuidores do imóvel de natureza urbana inserido na matriz sob o artigo ...95º da matriz urbana da Freguesia ..., composto por cave, rés-do-chão e primeiro andar;

l) Declara-se que os Réus/Reconvintes são os proprietários e legítimos possuidores do estabelecimento comercial destinado a minimercado, mercearia e venda de electrodomésticos, instalado no rés-do-chão do seu imóvel, compreendidas as suas mercadorias, mobiliário, clientela e aviamento, entre os demais elementos corpóreos e incorpóreos que integram a respectiva universalidade;

m) Absolvem-se os Autores/Reconvindos do demais peticionado pelos Réus/Reconvintes;

n) Absolvem-se os Réus do pedido de condenação como litigantes de má fé, deduzido pelos Autores;

o) Condenam-se os Autores como litigantes de má fé, no pagamento de multa, que se fixa em 4UC.

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Custas por Autores e Réus, na proporção de 25% e 75%, respectivamente - artigo 527º, n.º1 e 2, do Código de Processo Civil.

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Registe e notifique.»

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Inconformados, apresentaram os RR. recurso de apelação, que finalizaram com as seguintes conclusões:

«PRIMEIRA – O Tribunal deu como assente a factualidade constante dos pontos 8.1. a 8.37. deste articulado, consignando ainda na parte da motivação que o pai da A. e do R. marido, para manter a segunda montra do estabelecimento, dividiu o rés-do-chão do 296º aí colocando uma parede de pladur em data não concretamente apurada, mas certamente antes de 2003.

SEGUNDA – O Tribunal considerou assente que há mais de 25 anos que os R.R. usam fruem e dispõem do referido estabelecimento comercial como seus exclusivos possuidores e proprietários, e que o espaço anexo tomado pelo pai da A. e R. ao art. 296º, na parte onde existe a parede de pladur aí construída pelo mesmo vem desde então sendo ocupado pelos R.R.

TERCEIRA – Considerados os depoimentos das testemunhas:

- EE, ouvida sob a referência 20220601103308 – 940423 – 2870898, considerados os trechos situados entre o minuto 6:55 e o minuto 7:21; entre o minuto 8:50 e 10:10; entre o minuto 10:12 e o minuto 11:22; entre o minuto 13:08 e o minuto 14:04; entre o minuto 14:16 e o minuto 14:22, entre o minuto 17:40 e o minuto 18:25; entre o minuto 20:04 e o minuto 20:58;

- FF, ouvida sob a referência 20220601111907 – 940423 – 28701898, considerados os trechos entre o minuto 3:32 e o minuto 4:28; entre o minuto 4:56 e o minuto 4:62; entre o minuto 6:10 e o minuto 6:34; entre o minuto 6:53 e o minuto 9:16;

- GG, ouvida sob a referência 20220601113702 – 940423 – 2870898, considerados os trechos situados entre o minuto 2:12 e o minuto 4:05, do minuto 5:21 a 6:32;

- HH, ouvida sob a referência 20220601115134 – 9401423 – 2870890, considerados os trechos entre o minuto 1:13 e o minuto 1:18, entre o minuto 1:51 e o minuto 2:28; entre o minuto 5:27 e o minuto 6:16;

- II, ouvida sob a referência 20220601120050 – 940423 – 2870898, considerados os trechos entre os minutos 3:34 e o minuto 5:38, resulta evidenciado o animus dos R.R., particularmente o do R. filho, no exercício da posse sobre o espaço em causa desde 1993/1994.

QUARTA – Das próprias declarações de parte prestadas pelo R. perante a Meritíssima Juíz sujeitas à referência 20220325160823 – 940423 – 2870898, considerados os trechos entre os minutos 7:10 a 9:43; do minuto 13:16 a 15:16; do minuto 15:21 a 18:56; do minuto 18:61 a 20:39; do minuto 21:02 a 22:12, do minuto 24:52 a 25:14; do minuto 26:34 a 26:47; do minuto 44:02 a 44:51; do minuto 46:45 a 46:48, resulta que a posse efetiva do espaço aqui em causa, que fazia parte integrante do estabelecimento doado há mais de 25 anos aos R.R., teve início em 1994, data em que o R. declarou início de atividade comercial em nome próprio nas finanças, de acordo aliás com o documento junto com o nº1 da Contestação aceite pelos R.R. e considerado na motivação da douta sentença como relevante.

QUINTA – Embora o R., na produção das suas declarações, tenha por vezes falado com longas pausas, e aparentemente de forma hesitante e vaga, tal deveu-se exclusivamente ao facto de já há alguns anos a esta parte sofrer de várias enfermidades que lhe provocam tal estado anímico, mas que não põem em causa a veracidade e fiabilidade das suas declarações, tudo conforme documentos cuja junção se requer nos termos do disposto no nº3 do art. 423º uma vez que só no âmbito da prolação da douta sentença o Tribunal levantou tal questão.

SEXTA – Tendo em conta a factualidade assente e os depoimentos evidenciados mostrar-se-ão incorretamente julgados os pontos 8, 9, 11, 12, 13, 68 na sua parte final e 71, também na sua parte final, da matéria de facto considerada provada, antes devendo tal matéria ser dada como não provada, atenta, por um lado a circunstância de o Tribunal ter dado como provados os factos supra elencados nos pontos 8.1. a 8.37., e por outro o teor dos trechos dos depoimentos supra evidenciados das testemunhas e do R.

SÉTIMA – Também por força dos sobreditos depoimentos testemunhais e declarações evidenciadas nas conclusões TERCEIRA e QUARTA, que aqui se dão novamente por reproduzidos, não deveriam ter sido dados como não provados os factos constantes das alíneas L), M), N), e O) do elenco dos factos considerados não assentes, antes devendo a mesma, por força dos concretos meios probatórios supra evidenciados, ter sido considerados provados.

OITAVA – Os A.A. não alegaram qualquer factualidade suscetível de fundamentar a sua aquisição originária do espaço em discussão pelo que salvo o devido respeito nunca poderia a douta sentença atribuir-lhe, como atribuiu, a respetiva propriedade.

NONA – Resulta da matéria assente que os R.R. há mais de 25 anos que usam fruem e dispõem do referido estabelecimento no geral, compreendido igualmente o referido espaço que o pai da A. mulher e R. marido alargou sobre a área inicial do art. 296º onde erigiu a sobredita parede de pladur sendo os R.R. quem sempre exerceu o poder de facto sobre tal espaço que está integrado no estabelecimento.

DÉCIMA – Por consequência, e independentemente de já assim decorrer da prova testemunhal e declarações de parte supra evidenciadas, decorrerá que tal exercício do corpus faz presumir a existência de animus possidendi por parte dos R.R. sobre o espaço em causa, tendo-o assim adquirido por usucapião – arts. 1251º 1252º nº2, 1287º, 1294º e 1296º, primeira parte, todos do C.Civil e neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/10/2008 Sj00810160023522 e Sj 20081016023571 de 16/10/2020; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/03/2020 relativa ao processo 281/19.6T8PRG.G1, e Acórdão da Relação de Coimbra de 25/02/2014 relativo à Apelação nº1350/11.6TBGRD.C1 –.

DÉCIMA PRIMEIRA – Tal presunção não se mostra afastada sob qualquer forma até porque os A.A. nunca tiveram a posse de tal espaço, que de resto, nem chegaram a invocar.

DÉCIMA SEGUNDA – Mesmo que se considerasse a data de 2003 como aquela em que se apurou que a parede em pladur em referência foi construída pelo pai da A. e do R, dispondo os R.R. de título de aquisição conforme decorre dos pontos 4 e 5 da matéria assente, mostrar-se-ia igualmente decorrido o prazo previsto no art. 1296º do C.Civil uma vez que a sua posse, porque titulada, se presume de boa-fé – art. 1260º nº2 do C.Civil –.

DÉCIMA TERCEIRA – Assim, em sede de direito, inobservou o Tribunal a quo as disposições constantes dos arts. 1251º, 1252º nº2, 1287º, 1294º e 1296º primeira parte, todos do C.Civil, e nº4 e nº5 do art. 607º do C.P.Civil.

DÉCIMA QUARTA – Com efeito, e ao invés, deveria o Tribunal ter considerado terem os R.R. adquirido por usucapião a totalidade do espaço ocupado pelo estabelecimento comercial, incluindo aquele que em tempos pertencia ao art. 296º, até à parede que o pai da A. e R. marido aí construiu, devendo em consequência esse colendo Tribunal determinar a revogação da douta sentença nessa parte, revogando concretamente as alíneas b) c) d) e) f) h) e i) do dispositivo.

DÉCIMA QUINTA – Nessa decorrência, deverá ainda determinar a integral procedência da alínea a) da Reconvenção, declarando-se concretamente que os R.R. são os legítimos proprietários da totalidade do espaço utilizado pelo estabelecimento comercial concretamente até à parede de pladur em referência nos autos.

DÉCIMA SEXTA – Neste circunspeto, não deverá o Tribunal condenar os R.R. nem a derrubar nem a erigir uma nova parede, nem a retirar a caixa do contador da água nem os objetos que mantém em frente a tal espaço posto que os mesmos integram o estabelecimento comercial pelo exterior, não os condenando ainda a proceder à reparação de quaisquer danos na fachada do prédio.

DÉCIMA SÉTIMA – Assim revogando a douta decisão de primeira instância nos termos supra aduzidos, farão

VOSSAS EXCELÊNCIAS

JUSTIÇA »

                                                                       *

            Apresentaram os AA. contra-alegações a esse recurso, as quais concluíram no sentido de que deve ser negado provimento ao mesmo.

                                                                       *

            Por sua vez deduziram os AA. recurso subordinado, visando a condenação da A. como litigante de má fé, relativamente ao que formularam as seguintes conclusões:

«A) Os Autores, em sede de Audiência Prévia, foram notificados, com a advertência de condenação em litigância de má fé, para se pronunciarem quanto ao alegado no artigo 12º da Contestação, ou seja, para virem esclarecer se Autora recebeu 3.000.000$00 para compensação da atribuição do estabelecimento comercial ao Réu. Em resposta, os Autores vierem esclarecer que “(…) em data que não sabem precisar, a Autora mulher recebeu, efetivamente, de seu pai a quantia de 3.000.000$00. Porém, tal quantia não se destinou a compensar a Autora mulher da “atribuição” do estabelecimento comercial ao Réu, mas antes para a compensar de idênticos valores recebidos pelo Réu”.

B) O fato da Autora mulher, em sede de Declarações de Parte, ter melhor esclarecido Tribunal, ao referir que “(…) recebeu determinada quantia em dinheiro, por metade do valor do inventário dos bens do estabelecimento comercial, para a compensar do facto do Réu ficar com o negócio dos pais.”, não significa que litigou contra a verdade.

C) A Autora admitiu ter recebido a aludida quantia, a título de compensação por idênticos valores recebidos pelo seu irmão. Ora, com o devido respeito, a Autora não faltou à verdade. O Réu recebeu em géneros e a Autora em dinheiro. Mas tal não significa que tenha sido a contrapartida pelo facto de o Réu ter ficado com o estabelecimento comercial e com os bens que o integravam. E muito menos com o espapaço físico ocupado pelo estabelecimento de Venda ao Publício, correspondente ao prédio adjudicado à Autora.

D) Com efeito, o despacho proferido em sede de Audiência Prévia foi dirigido a esclarecer a questão dos 3.000.000$00, quantia que a Autora admitiu ter recebido, a título de compensação por idênticos valores recebidos pelo seu irmão, não referindo a que título (se em géneros ou monetários), o que acabou por esclarecer em sede de Declarações de Parte.

E) A Autora não faltou à verdade. A Autora admitiu ter recebido a aludida quantia, acabando-se por confirmar, em sede de Audiência de Discussão e julgamento, que a mesma se destinou a compensar a Autora por bens já recebidos pelo Réu de idêntico valor, sem admitir ter sido esse o valor atribuído ao estabelecimento comercial.

F) Mais esclareceu que, apesar do estabelecimento comercial não ter sido objeito de partilha, quem lá tem estado tem sido o irmão e declarou nada pretender relativamente ao mesmo.

G) Acresce referir que, como é consabido, a noção de estabelecimento comercial é eminentemente jurídica e o seu valor não se confunde com o eventual valor das mercadorias ou existências que nele pudessem existir, concorrendo, para o valor do mesmo, outros fatores e variáveis que não relevam para a questão decidenda.

H) Atentos os autos, cremos não ser de manter tal decisão, considerando-se, contrariamente ao juízo sobre tal matéria desenvolvido pelo Tribunal de 1ª instância, que a aludida litigância de má fé não resulta provada, nem se manifesta nos autos, não se demonstrando qualquer atuação dolosa ou gravemente negligente da Autora, com vista a conseguir um objetivo ilegal, a impedir a descoberta da verdade, ou a entorpecer a ação da justiça, não decorrendo a verificação de atuação de litigância de má-fé, por si só, da circunstância da Juiz a quo entender que no requerimento apresentado, na sequência do despacho proferido em sede de Audiência Prévia, ter referido, de forma clara, que o recebimento da quantia de 3.000.000$00 foi para a compensar de metade do valor do inventário dos bens do estabelecimento comercial que ficaram para o seu irmão.

I) Quanto muito, a sentença recorrida, poderia entender que a Autora, em resposta ao despacho proferido em sede de Audiência Prévia, poderia ter sido mais esclarecedora, mas, com o devido respeito, não se pode aceitar, como entende a sentença recorrida, que a Autora faltou à verdade e atuou com um juízo de censura.

J) Ora, exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte (Abílio Neto, Código de Processo Civil anotado, anotações ao art.º 456º, citando Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 20/6/1990; Ac.STJ de 10/4/80; 19/9/91; 3/7/84, in www.dgsi.pt).

K) No caso em apreço, entendemos não se mostrar comprovada nos autos essa atuação, não podendo considerar-se, atento o concreto factualismo dos autos e na ausência de qualquer outro, o erro ou falta de precisão em referência como um ato de negligência grave, não decorrendo, ainda, dos autos, por qualquer forma, a atuação dolosa da Autora com vista a deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, nem, sequer, a verificação de lide temerária baseada em erro grosseiro ou culpa grave, com vista ao mesmo fim.

L) A Autora admitiu ter recebido a aludida quantia, a título de compensação por idênticos valores recebidos pelo seu irmão. Ora, com o devido respeito, a Autora não faltou à verdade. O Ré recebeu em géneros e a Autora em dinheiro.

M) Analisando a conduta processual da Autora não podemos deixar de considerar que a mesma não atuou com dolo ou negligência grave, não tendo faltado à verdade dos fatos, como supra deixamos explicado, sendo certo que a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, com dolo ou negligência grave, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, ou, a deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.

N) A sentença recorrida viola a norma constante do artigos 542º do C. P. Civil.

Nestes termos e mais de direito deverá o presente recurso ser recebido e, por via dele, deverão Vossas Excelências revogar a decisão recorrida relativamente à questão má fé.

E, assim, Vossas Excelências, como sempre, farão,

JUSTIÇA»

                                                                       *

            Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações a este último recurso [o subordinado].

                                                                       *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto dos recursos cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

da apelação dos RR.

            - impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que levou ao incorreto julgamento de factos como “provados” [a saber, os factos constantes dos pontos “8)”, “9)”, “11)”, “12)”, “13)”, “68)” (na sua parte final) e “71)” (também na sua parte final), pugnando no sentido de que os mesmos devem ser considerados como “não provados”], e bem assim que não deveriam ter sido dados como “não provados” os factos constantes das alíneas “L)”, “M)”, “N)”, e “O)” do correspondente elenco [antes devendo os mesmos ter sido considerados “provados”];

            - desacerto da decisão recorrida [mormente porquanto «Os A.A. não alegaram qualquer factualidade suscetível de fundamentar a sua aquisição originária do espaço em discussão», sucedendo, ao invés, que o «(…) exercício do corpus faz presumir a existência de animus possidendi por parte dos R.R. sobre o espaço em causa, tendo-o assim adquirido por usucapião – arts. 1251º 1252º nº2, 1287º, 1294º e 1296º, primeira parte, todos do C.Civil (…)», ademais sucedendo que «Tal presunção não se mostra afastada sob qualquer forma até porque os A.A. nunca tiveram a posse de tal espaço, que de resto, nem chegaram a invocar»]?

do recurso subordinado dos AA.

- incorreto julgamento quanto à condenação da Autora/recorrente como litigante de má fé, por não estarem “in casu” verificados os requisitos para tanto.

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.   

 Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância em termos de “factos provados”:

«1) A Autora mulher e o Réu marido são irmãos.

2) Em .../.../2003, faleceu o pai de ambos, JJ, tendo sido apresentada a relação de bens no respectivo Serviço de Finanças, com a participação do óbito e a instauração do Processo de Selo.

3) Em .../.../2010, faleceu a mãe de ambos, KK, no estado de viúva do referido JJ, tendo, também, sido participado o óbito e relacionados os bens da Herança, no Serviço de Finanças, para efeitos de imposto selo.

4) Por escritura pública de partilha, lavrada em 24/10/2016, no Notário ..., a fls.72 e 73v do Livro ....1-P, os Autores e os Réus procederam à partilha dos bens imóveis integrantes do acervo hereditário.

5) Para o que interessa para a presente acção, à Autora mulher foi adjudicado o prédio urbano inscrito na matriz predial ...96 da Freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo ...98º da mesma Freguesia, composto de res do chão, primeiro e segundo andares, com um pátio (Verba nº1 da referida escritura de partilhas), enquanto que ao Réu marido foi adjudicado o prédio urbano inscrito na matriz predial ...95 da Freguesia ... (Verba nº2 da referida escritura de partilhas).

6) Os dois prédios são contíguos.

7) Em vida dos pais de ambos, o estabelecimento comercial de mini mercado e de mercearia ocupava (tal como continua a ocupar) uma parte do rés do chão do prédio inscrito na matriz ...96 da Freguesia ..., ocupando as duas montras.

8) No entanto, a janela / montra situada à direita pertence ao prédio ...96.

9) Enquanto o estabelecimento comercial foi gerido pelos pais da Autora e do Réu, acediam ao rés do chão e primeiro andar do prédio ...96, passando pelo referido estabelecimento.

10) A porta da rua de acesso ao prédio ...96 dava directamente para o estabelecimento comercial.

11) Por tal razão e para dar mais privacidade à zona habitacional de tal prédio (rés do chão e primeiro andar), ainda em vida dos pais, foi colocada, a título provisório, uma divisória de pladur, de forma a separar a zona comercial da entrada para o artigo 296, situada no lado oposto à entrada para o artigo ...95 e para a loja (estabelecimento comercial).

12) Desde 2016 para cá, os Autores têm aguardado que o Réu proceda à edificação de uma parede que separe, fisicamente, os prédios contíguos (artigo ...95 e 296), separando o rés-do-chão de ambos os prédios, circunscrevendo o espaço comercial ao rés-do-chão que lhe foi adjudicado (artigo ...95), tal como ficou definido aquando da partilha e tal como o Réu se obrigou.

13) O Réu tem protelado tal obrigação, primeiro, a pretexto de manter o estabelecimento comercial em funcionamento e de proceder ao escoamento de alguns bens que lhe restavam, nomeadamente electrodomésticos e, mais recentemente, negando tal obrigação, recusando dar-lhe cumprimento, passando a alegar, falsamente e contra o acordado, que tal espaço lhe pertence por lhe ter sido adjudicado.

14) Os Autores residem em ... e apenas esporadicamente se deslocam à localidade de ....

15) Em Agosto de 2018, o Réu mandou colocar um contador de água na fachada do artigo 296º, fazendo passar, pelo mesmo prédio, a tubagem de abastecimento de água para o prédio ...95.

16) Entre 12 e 16 de Maio de 2019, invadiu a cave do prédio ...96 e, através da mesma, fez a canalização de abastecimento de água para o prédio ...95.

17) Com a referida intervenção, por parte do Réu, a tubagem de água quente, em tubo de borracha, do prédio ...96 foi substituída por outra em cobre.

18) Existe um buraco na placa da cave do prédio ...96 para fazer passar a tubagem da instalação eléctrica para o prédio ...95, colocando a caixa vertical da EDP na fachada principal do prédio ...96 e um buraco na placa sita no canto superior esquerdo da parede do lado da estrada para fazer passar cabos eléctricos para estabelecer ligação à caixa de electricidade da EDP, situada mesmo por cima do buraco aberto para abastecimento.

19) O pátio do prédio ...96 encontra-se ocupado com bens, estendais de roupa e outros objectos dos Réus.

20) Os Autores apresentaram reclamação, junto da Câmara Municipal ..., a 27.08.2018.

21) Entre Maio de 2019 e Junho de 2021, os Autores não voltaram ao seu prédio, sito na localidade de ....

22) Em Junho de 2021, o Autor constatou a existência de novas obras /intervenções no rés do chão do prédio: o buraco na placa da cave / rés do chão do prédio da Autora, para acesso à caixa de electricidade da EDP (no local referido em 18), foi fechado, tendo sido aberto um novo buraco, mais à direita, saindo de lá diversos tubos.

23) Como o R. marido, já ajudava o pai no exercício da actividade comercial, que aliás era já o seu metier, em meados de 1993 os pais da A. mulher e R. marido doaram a este verbalmente o estabelecimento comercial de minimercado, mercearia e electrodomésticos que aí se encontrava instalado.

24) Compreendidos as respectivas mercadorias, clientela, máquinas, mobiliário, clientes e aviamento.

25) Tendo compensado a outra filha – aqui A. – com determinada quantia em dinheiro, não concretamente apurada.

26) Também logo nesse mesmo ano foi feita a partilha em vida de forma consensual, porque acordada entre pais e filhos, de todo o património dos pais.

27) Pelo que a publica forma da partilha celebrada em 20/10/2016, e já junta aos autos pelos A.A., mais não foi do que a formalização da que já havia sido de facto efectivada ainda em vida dos pais.

28) O Réu, em conjunto com a Ré, sua esposa, há mais de 25 anos a esta parte que usa, frui e dispõe como coisa sua o referido estabelecimento comercial.

29) Aí desde então exercendo a sua actividade comercial, recebendo fornecedores, adquirindo-lhe, pagando-lhe e recepcionando as respectivas mercadorias.

30) Aí recebendo clientes, vendendo-lhe mercadorias contra o pagamento do respectivo preço.

31) Fazendo exclusivamente seu o respectivo lucro.

32) Pagando os consumíveis, como electricidade e água aí despendidos.

33) Exibindo as mercadorias em venda.

34) Pagando os respectivos impostos e taxas pelo exercício de tal actividade.

35) Publicitando-o e divulgando a sua actividade a toda a população da aldeia e outros transeuntes.

36) O que sempre fez ostensivamente, à vista de tudo e de todos, nomeadamente dos A.A., e assim de forma pública.

37) Sem oposição de ninguém, nomeadamente dos A.A., e assim de forma pacífica.

38) Uso, fruição e disposição que sempre exerceu sem quaisquer interrupções ou hiatos, e assim de forma contínua.

39) Na convicção de não estar a lesar quaisquer interesses ou direitos de outrem, e assim de boa-fé.

40) Exercendo tal poder de facto sobre o bem móvel em apreço e respectiva universalidade de forma directa e imediata.

41) Plenamente convicto de estar a exercer sobre o mesmo um direito próprio e absoluto, com exclusão de outrem, em termos de direito de propriedade.

42) O imóvel ...95 é composto por casa destinada a habitação e comércio, composta por cave, com acesso a partir da E.N. ...33, R/Chão – onde se situa o sobredito estabelecimento comercial, entre outras dependências destinadas a habitação dos R.R. – e 1º andar.

43) Destinando-se a cave, quer a parte existente sob o piso do R/Chão, quer a parte coberta virada ao exterior, à colocação de sistema de aquecimento, bem como de mobílias e arrumos.

44) Espaço a que acedem, quer a partir do R/Chão do seu imóvel, através de uma escada interior, quer a pé e com veículos automóveis a partir da E.N ...33, através de acesso sito a Norte do imóvel dos A.A. inscrito na matriz sob o art. ...66º, passando por um espaço que fica sob a cozinha do prédio ...96º.

45) Espaço que, há mais de 20 anos a esta parte que usam, fruem e dispõem em geral da sua totalidade.

46) Aí guardando uma mesa, bancos e outros bens.

47) Secando roupa em estendais, tomando refeições e vistas.

48) Limpando-o e zelando pela sua manutenção em geral.

49) O que desde sempre fizeram ostensivamente, à vista de tudo e todos, e assim de forma pública.

50) Sem discussão nem oposição de ninguém, nomeadamente dos A.A., e assim de forma pacífica.

51) Sem quaisquer interrupções ou hiatos, e assim de forma contínua.

52) Na convicção de não estarem a lesar a posse nem quaisquer interesses ou direitos de outrem, máxime dos A.A., e assim de boa fé.

53) Exercendo tais uso, fruição, disposição, e exercício do poder de facto sobre a coisa de forma directa e imediata.

54) Sem quaisquer tipos de restrições ou limitações.

55) Plenamente convictos de estarem a exercer um direito próprio.

56) Por sua vez, e no que respeita ao rés-do-chão – piso sito ao nível da E.N. ...33 – os R.R. desde pelo menos 1993 a esta parte que o vêm usando, fruindo, e dispondo de forma exclusiva.

57) Ocupando toda a sua área, até á parede aí construída pelos pais da A. mulher e R. marido.

58) Aí guardando os seus haveres pessoais, nomeadamente roupas, peças de mobiliário, loiças, electrodomésticos e artigos de arte e decoração, entre outros.

59) Aí recebendo amigos, familiares e outras pessoas.

60) Bem como a sua correspondência.

61) Sobre o mesmo desde então pagando taxas e impostos.

62) Assim como o custo dos consumos da água, electricidade, gaz e telefone no mesmo despendidos.

63) Limpando-o e zelando pela sua manutenção em geral.

64) Nele fazendo as necessárias obras de reparação.

65) O que desde sempre fizeram ostensivamente, à vista de tudo e todos, e assim de forma pública.

66) Sem discussão nem oposição de ninguém, nomeadamente dos A.A. e assim de forma pacífica.

67) Sem quaisquer interrupções ou hiatos, e assim de forma contínua.

68) Na convicção de não estarem a lesar a posse nem quaisquer interesses ou direitos de outrem, máxime dos A.A., e assim de boa fé, à excepção da área integrada no prédio ...96.

69) Exercendo tais uso, fruição, disposição, e poder de facto sobre a coisa de forma directa e imediata.

70) Sem quaisquer tipos de restrições ou limitações.

71) Plenamente convictos de estarem a exercer um direito próprio e absoluto sobre a totalidade da sua “res”, com exclusão de outrem, em termos de direito de propriedade, à excepção da área integrada no prédio ...96.

72) Os prédios ...95 e ...96 não estão constituídos em regime de propriedade horizontal.»

                                                           ¨¨

E o seguinte em termos de “factos não provados”:

«A) Parte da janela/montra situada do lado esquerdo pertence ao prédio ...96.

B) O Réus procedeu às aberturas descritas em 18) e 22).

C) Os Autores também apresentaram reclamação junto da EDP.

D) O prédio ...95 tem logradouro com parte coberta e descoberta.

E) Os Réus guardam roupas e electrodomésticos no espaço referido em 46).

F) Nele fazendo obras de reparação.

G) Fazendo a sua manutenção e delimitação.

H) Limpando-o de herbáceas e lixos.

I) Cuidando dos respectivos muros e vedações.

J) Os Réus praticaram os actos descritos de 45) a 55), com exclusão de outrem, nomeadamente, dos Autores.

K) A parede referida em 57) foi construída em 1990.

L) Na convicção de não estarem a lesar a posse nem quaisquer interesses ou direitos de outrem, máxime dos A.A., e assim de boa fé, quanto à área integrada no prédio ...96.

M) Plenamente convictos de estarem a exercer um direito próprio e absoluto sobre a totalidade da sua “res”, com exclusão de outrem, em termos de direito de propriedade, quanto à área integrada no prédio ...96.

N) O contador da água referido no artigo 15) foi implantado na parede do rés-do-chão do imóvel dos Réus, inscrito sob o artigo ...95º, onde se encontra instalado o estabelecimento comercial.

O) Parede que é de sua exclusiva propriedade pelo facto de fazer parte integrante do sobredito imóvel.

P) Quer a canalização, quer as obras para a sua colocação foram levadas a cabo apenas no interior do imóvel dos Réus, através da respectiva cave.

Q) Os Réus alegam factos que sabem ser falsos, com a intenção de obter um benefício que sabem não ter direito.

R) A quantia de €3.000.000$00 não se destinou a compensar a Autora mulher da “atribuição” do estabelecimento comercial ao Réu, mas antes para a compensar de idênticos valores recebidos pelo Réu.»

                                                           *

3.2 – Os RR/recorrentes deduzem impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que levou ao incorreto julgamento de factos como “provados” [a saber, os factos constantes dos pontos “8)”, “9)”, “11)”, “12)”, “13)”, “68)” (na sua parte final) e “71)” (também na sua parte final), pugnando no sentido de que os mesmos devem ser considerados como “não provados”], e bem assim que não deveriam ter sido dados como “não provados” os factos constantes das alíneas “L)”, “M)”, “N)”, e “O)” do correspondente elenco [antes devendo os mesmos ter sido considerados “provados”]

Vejamos um por um cada um dos apontados pontos de facto, sem prejuízo de essa apreciação ser feita conjuntamente, por razões de lógica expositiva decorrentes da fundamentação que venha a ser apresentada.

Quanto aos factos “provados” alvo da impugnação, começam por sustentar os RR./recorrentes que era de considerar o depoimento de 5 testemunhas que identificam [a saber, as testemunhas EE, FF, GG, HH e II], e tendo em atenção os concretos trechos dos respetivos depoimentos/prova gravada que individualizam (com referência aos trechos da gravação enumerados que especificam), relativamente ao que concluem com a seguinte argumentação:

«resulta evidenciado o animus dos R.R., particularmente o do R. filho no exercício da posse sobre o espaço em causa.»

Seguidamente, e para este mesmo efeito, invocam ainda as declarações de parte do R. marido [também com referência a concretos trechos das mesmas/prova gravada que individualizam, especificando os trechos da gravação que importa considerar), após o que concluem com a seguinte argumentação:

«resulta que a posse efetiva do espaço aqui em causa, que fazia parte integrante do estabelecimento doado há mais de 25 anos aos R.R., teve início em 1994, data em que o R. declarou início de atividade comercial em nome próprio nas finanças, de acordo aliás com o documento junto com o nº1 da Contestação aceite pelos R.R. e considerado na motivação da douta sentença como relevante.»

Para finalizar esta parte, aduzem os RR./Recorrentes «Por outro lado, relativamente a este espaço – que antes integraria parte do art. 296º - nem na Petição Inicial nem na Contestação à Reconvenção os A.A. alegaram sequer qualquer factualidade suscetível de fundamentar a sua aquisição originária, nunca a tendo igualmente invocado.»

Já quanto aos pontos de facto “não provados”, os RR./recorrentes aduzem linearmente o seguinte:

«Noutra parte, também por força dos sobreditos depoimentos testemunhais e declarações evidenciadas no ponto 11 e discriminadas nos pontos 8 e 9 que aqui se dão novamente por reproduzidos, não deveriam ter sido dados como não provados os factos constantes das alíneas L), M), N), e O) do elenco dos factos considerados não assentes, antes devendo a mesma, por força dos concretos meios probatórios supra evidenciados no ponto 11, ter sido considerados provados.»

Sendo certo que nada mais figura nas alegações recursivas relativamente aos ditos pontos de facto.

Que dizer?

Que, salvo o devido respeito, uma tal específica e circunscrita forma de impugnar a decisão à matéria de facto, conduz necessariamente à sua improcedência.

Na verdade, as exigências legais constantes do art. 640º do n.C.P.Civil têm uma dupla função: delimitar o âmbito do recurso e tornar efetivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).

Assim, o recorrente deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido».[2]

  E, sobretudo, porque importa não olvidar, como já doutamente foi a este propósito salientado, que o recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, «deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos. Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal de 1ª instância (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, aos restantes meios probatórios, v.g., documentos, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada e é com esses elementos que a parte contrária deverá ser confrontada, a fim de exercer o contraditório, no âmbito do qual poderá proceder à indicação dos meios de prova que, em seu entender, refutem as conclusões do recorrente», donde, neste contexto, ser compreensível que se exija da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, «ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado», face ao que, nesta perspetiva, «não cumprem as exigências legais de especificação a mera indicação, sem mais de um determinado meio de prova (salvo casos excepcionais em que o mesmo deixe dúvidas quanto ao desacerto da decisão proferida pela 1ª instância), e também se revela insuficiente no que respeita à prova testemunhal, o extracto de uma simples declaração da testemunha, sem correspondência com o sentido global do depoimento produzido de tal modo que não permita consolidar uma determinada convicção acerca de matéria controvertida.»[3].

Em contraponto, no caso vertente os RR/recorrentes não fundamentaram, concretizaram ou especificaram, por mínimo que seja, onde e porque é que a decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos em referência, padecia de erro de julgamento, nem sequer intentaram fazer a dita análise crítica das provas que invocaram

Sucede que a “motivação” da sentença recorrida se encontra particularmente elaborada de forma extensa e pormenorizada, distribuindo-se ao longo de quase 10 páginas, com uma análise crítica da prova produzida (testemunhal e documental) relativamente a cada facto (ou conjunto de factos), quer os “provados”, quer os “não provados”.

Ora, estabelece o nº 5 do art. 607º do n.C.P.Civil que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, exceto se a lei exigir, para a respectiva prova, alguma formalidade especial, o que não se verifica no caso concreto.

Por outro lado, a jurisprudência é uniforme no entendimento de que a utilização da gravação dos depoimentos em audiência de discussão e julgamento não modela de forma diversa o princípio da prova livre ínsito no direito adjectivo, nem dispensa as operações de carácter racional ou psicológico que geram a convicção do julgador.

O que bem se compreende, em virtude dos princípios da imediação, da oralidade e da concentração consagrados no nosso ordenamento jurídico, em matéria de prova, no que à decisão sobre a matéria de facto operada pelo Tribunal de 1ª instância diz respeito.

É também a jurisprudência unânime no entendimento de que a garantia do duplo grau de jurisdição não pode em caso algum subverter o princípio da livre apreciação da prova, de acordo com a prudente convicção do juiz acerca de cada facto.

Deste modo, o uso pelo Tribunal superior dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.

Dito de outra forma: só existindo um erro evidente na apreciação da matéria de facto é que devem ser modificadas as respostas dadas aos temas de prova.

O que os RR/recorrentes não intentaram sequer enunciar, limitando-se à invocação conclusiva de que tal se verificava!

Sendo certo que tal também não se evidencia manifestamente!

Ademais, consabidamente, «na impugnação da matéria de facto, ao recorrente não basta fazer uma apreciação geral de toda a prova, fazendo dela a sua interpretação e tirar a conclusão de que todos os factos impugnados devem ser dados como provados na forma por si apontada. (…) [E]sta não é manifestamente a forma de alterar a matéria de facto, pela via da impugnação ampla, ou seja com base em erro de julgamento, em que na reapreciação da concreta prova se vai constatar se a testemunha disse ou não o que foi vertido na sentença, que não tem a ver com a valoração que o tribunal dá ao depoimento. Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum. Não se verifica o vício do erro quando o tribunal, face às versões contraditórias, justifica devidamente a sua opção.».[4]

Por último, não deverá esquecer-se que a função da Relação não é a de realizar um novo julgamento de facto: «Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo; Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.».[5]

Assim sendo, na medida em que não foi evidenciado minimamente – nem se vislumbra! – erro de julgamento que sustente a reclamada alteração à decisão sobre a matéria de facto relativamente a estes referenciados pontos “8)”, “9)”, “11)”, “12)”, “13)”, “68)” (na sua parte final) e “71)” (também na sua parte final) [dos factos “provados”] e quanto às alíneas “L)”, “M)”, “N)”, e “O)” [dos factos “não provados”], sem necessidade de maiores considerações, improcede a impugnação à decisão sobre a matéria de facto quanto aos mesmos.

                                                           *

4 –  FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. - Importa no presente recurso, no que à apelação dos RR./recorrentes diz respeito, aferir e decidir do desacerto da decisão recorrida [mormente porquanto «Os A.A. não alegaram qualquer factualidade suscetível de fundamentar a sua aquisição originária do espaço em discussão», sucedendo, ao invés, que o «(…) exercício do corpus faz presumir a existência de animus possidendi por parte dos R.R. sobre o espaço em causa, tendo-o assim adquirido por usucapião – arts. 1251º 1252º nº2, 1287º, 1294º e 1296º, primeira parte, todos do C.Civil (…)», ademais sucedendo que «Tal presunção não se mostra afastada sob qualquer forma até porque os A.A. nunca tiveram a posse de tal espaço, que de resto, nem chegaram a invocar»]

Salvo o devido respeito – e releve-se o juízo antecipatório! – improcede inequivocamente esta linha da argumentação dos RR./recorrentes.

Sendo que se vai fazer a correspondente apreciação com a linearidade e sintetismo que, salvo o devido respeito, a situação justifica.

Vejamos então.

O reconhecimento da titularidade de um direito real, neste caso o direito de propriedade sobre um prédio, pressupõe a invocação do título aquisitivo, originário [como seja a ocupação, a usucapião ou a acessão] ou derivado [a invocação de que o direito já existia no seu transmitente].[6]

Sendo que no caso da invocação do título aquisitivo derivado [como foi operado pelos AA. no caso vertente, ao invocarem a aquisição por via da sucessão!] há a necessidade de se provar ter havido uma ou várias aquisições derivadas que acabem por formar uma cadeia ininterrupta a terminar numa aquisição originária do mesmo direito – ressalvada a existência de presunções atuantes no caso e não ilididas.[7]

Não obstante, com vista a facilitar tal ónus probatório, a lei estabelece presunções legais do direito de propriedade.

Assim, além da presunção da titularidade do direito derivada da posse prevista no artigo 1268º, nº 1, do Código Civil, o Código do Registo Predial, no seu artigo 7º prevê a presunção derivada da inscrição do registo.

Tal ínsito normativo, dispõe que registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.

Este preceito legal presume que o direito pertence a quem está inscrito como seu titular e  que o direito assim inscrito existe tal como o registo o revela, conquanto tal presunção pode ser ilidida, quando o seu contrário se prove, podendo derivar de dois fatores: ou do registo ser, em si,  nulo, ou, ao invés, do registo, válido em si, vir a consignar factos substancialmente inválidos, sendo certo que o ónus da prova destas invalidades assiste ao contraditor do beneficiário da presunção.

Na verdade, quem tem a seu favor uma presunção escusa de provar o facto a que ela conduz (art. 350º, nº 1, do Código Civil), basta alegar e provar o facto que serve de base à presunção, competindo à outra parte, para destruir a prova feita através da presunção, fazer a prova do contrário: ou do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido.

Volvendo ao caso ajuizado, resulta insofismavelmente da factualidade alegada e apurada que à aqui A. mulher, por escritura pública de partilha, lavrada em 24/10/2016, foi adjudicado o prédio urbano inscrito na matriz predial ...96 da Freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo ...98º da mesma Freguesia, onde está inscrita tal aquisição a favor da mesma, como resulta claramente da consulta da certidão registral que é o doc. 4 da p.i..

Sendo certo que os RR. nada disso impugnaram, isso é, não intentaram ilidir essa dita presunção.

Ora se assim é, salvo o devido respeito, nada obstava ao reconhecimento da titularidade do invocado direito de propriedade da A. mulher sobre o dito prédio/artigo matricial ...96º.

Temos presente que a presunção prevista no artigo 7º do Código do Registo Predial não abrange a descrição predial, atuando apenas relativamente ao facto inscrito, ao seu objecto e aos sujeitos da relação jurídica emergente do registo, mas já não no que toca aos elementos da descrição do prédio, que tem por finalidade apenas a identificação física, económica e fiscal deste.[8]

Acontece que os AA. lograram provar que em vida dos pais de Autora mulher e Réu marido, o estabelecimento comercial de mini mercado e de mercearia ocupava (tal como continua a ocupar) uma parte do rés do chão do prédio inscrito na matriz ...96 da Freguesia ..., ocupando as duas montras, no entanto, a janela / montra situada à direita pertence ao prédio ...96 e que, enquanto o estabelecimento comercial foi gerido pelos pais da Autora e do Réu, acediam ao rés do chão e primeiro andar do prédio ...96, passando pelo referido estabelecimento, sendo certo que a porta da rua de acesso ao prédio ...96 dava diretamente para o estabelecimento comercial e bem assim que foi por tal razão e para dar mais privacidade à zona habitacional de tal prédio (rés do chão e primeiro andar), ainda em vida dos pais, foi colocada, a título provisório, uma divisória de pladur, de forma a separar a zona comercial da entrada para o artigo 296, situada no lado oposto à entrada para o artigo ...95 e para a loja (estabelecimento comercial).

Por sua vez, os RR., de relevante para este efeito, lograram provar uma posse sobre o rés-do-chão do “seu” prédio, correspondente ao artigo matricial ...95º [cf., em especial, os pontos de facto “provados” sob “56)” a “71)”], mas dessa prova ficou expressamente ressalvada a “área integrada no prédio ...96” [cf. citados pontos “68)” e “71)”].

Ora se assim é, s.m.j., resulta inapelavelmente adquirido que a área do artigo matricial ...96º ocupada pelo estabelecimento comercial dos RR., integra o prédio artigo matricial ...96º da propriedade da Autora.[9]

Assim era no tempo em que os pais da Autora mulher e Réu marido exploravam o estabelecimento comercial em causa, posto que, sendo proprietários do conjunto dos dois prédios [295º e 296º, contíguos entre si], entenderam afetar ao estabelecimento comercial situado maioritariamente ao nível do rés-do-chão do artigo 295º, uma área complementar do rés-do-chão do artigo 296º.

Mas sem que com tal visassem um qualquer “destaque” ou “separação” dessa área do rés-do-chão do artigo 296º para a integrar no artigo matricial ...95º…

Antes resulta da factualidade apurada que a afetação ao estabelecimento dessa dita área do rés-do-chão do artigo 296º foi perspetivada como “temporária”/“transitória” – nesse sentido expressamente o que consta do facto “provado” sob “11)”.

Não resultando da factualidade “provada” que tal situação se tenha alterado após a “doação verbal” do estabelecimento comercial ao Réu marido.

Tendo sido esta a situação que Autora mulher e Réu marido encontraram no momento do falecimento dos pais de ambos (rectius, do último deles).

Aqui chegados, importa atentar no que de relevante se extrai dos factos “provados” sob “12)” e “13)” – tendo como referência a outorga da já referenciada escritura pública de partilha (lavrada em 24/10/2016) –, com o seguinte teor, respetivamente:

«12) Desde 2016 para cá, os Autores têm aguardado que o Réu proceda à edificação de uma parede que separe, fisicamente, os prédios contíguos (artigo ...95 e 296), separando o rés-do-chão de ambos os prédios, circunscrevendo o espaço comercial ao rés-do-chão que lhe foi adjudicado (artigo ...95), tal como ficou definido aquando da partilha e tal como o Réu se obrigou.

13) O Réu tem protelado tal obrigação, primeiro, a pretexto de manter o estabelecimento comercial em funcionamento e de proceder ao escoamento de alguns bens que lhe restavam, nomeadamente electrodomésticos e, mais recentemente, negando tal obrigação, recusando dar-lhe cumprimento, passando a alegar, falsamente e contra o acordado, que tal espaço lhe pertence por lhe ter sido adjudicado.»

Em nosso entender, estes pontos de facto admitem que se considere ter sido constituído uma servidão por destinação de pai de família.

Quanto a esta matéria, dispõe o art. 1549º do Código Civil que se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas frações de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas frações do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento.

São assim pressupostos da constituição da servidão por destinação do pai de família:

- a existência de dois prédios ou de duas frações do mesmo prédio que pertençam ao mesmo proprietário;

- a existência de sinais visíveis e permanentes que revelem uma relação de serventia entre os prédios;

- a separação dos prédios ou fracções quanto ao domínio;

- inexistência no documento respectivo de declaração contrária à constituição da servidão.[10]

Esta servidão constitui-se no momento em que os prédios ou frações de um determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes, sendo que in casu tal pode e deve ser situado no momento da outorga da escritura de partilhas entre Autora mulher e Réu marido – por ser esse o momento em que os dois prédios deixaram de pertencer aos mesmos proprietários e foram alvo de partilha.

Recorde-se que não era de qualificar como tal a afetação ao uso que já vinha do antecedente, pois como nos ensina o brocardo latino, “nemine res sua servit”, isto é, no tempo dos pais de Autora mulher e Réu marido, os mesmos usavam e fruíam livremente e como bem entendiam os seus prédios, não havendo qualquer “servidão” dum sobre o outro.

Dispõe o Código Civil que servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente (cf. art. 1543º), sendo que podem ser objeto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor (art.1544º do mesmo normativo).

As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família, (…) as servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos – artigo 1547º, do Código Civil.

Por força do conteúdo destas normas é lícito concluir que o leque das servidões prediais não se resume à enumeração de servidões legais previstas nos artigos 1550º e seguintes do Código Civil, existindo uma serventia de uso a favor do prédio correspondente ao artigo ...95º quanto à área/espaço [do prédio correspondente ao artigo ...96º] aqui em causa.

De referir que esta servidão constitui-se no momento em que os prédios ou frações de um determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes, sendo certo que verificados os aludidos pressupostos, a servidão constitui-se automaticamente por mero efeito da lei.[11]

Não se trata de um negócio jurídico ou de acordo tácito, como se entendia tradicionalmente, mas de «um acto voluntário e intencional do primitivo proprietário na criação do estado de facto conducente à destinação. Todavia, constituída esta situação objectiva, a sua conversão em estado de direito opera-se independentemente do concerto das partes».[12]

Sucede que também se extrai dos factos “provados” sob “12)” e “13)” supra referenciados e transcritos, que igualmente ficou acordado entre as partes outorgantes na partilha [Autora mulher e Réu marido] que a servidão, sendo temporária, era para terminar – o que se traduziu na obrigação do Réu marido de erigir uma parede entre os prédios repondo a situação dos prédios com a sua delimitação recíproca originária.

Ora se assim é, afigura-se-nos legítimo falar de uma “extinção” da dita servidão nos termos previstos na alínea e) do nº1 do art. 1569º do Código Civil, a saber, «Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente».   

Encontra-se a esta luz reforçada a conclusão que consta na decisão recorrida no sentido de que «(…) não tendo os Réus logrado demonstrar que detêm qualquer direito sobre a referida área ocupada pelo estabelecimento comercial, não existe fundamento para restringir o direito de propriedade da Autora, sobre o prédio ...96.»

Posto que, a terem tido uma servidão de uso dessa dita área do rés-do-chão do artigo 296º, a mesma se encontra “extinta” pelo decurso do prazo pela qual as partes pactuaram que ela iria perdurar!

Ademais, e tal como sustentado na sentença recorrida, temos também que os RR. não lograram provar qualquer “apossamento” ou “inversão do título de posse” relativamente à dita área do rés-do-chão do artigo 296º que utilizam na e para a exploração do estabelecimento comercial [cf., em especial, a ressalva da “área integrada no prédio ...96” que resulta dos pontos “provados” sob “68)” e “71)”].

Dito de outra forma: os mesmos não tinham qualquer “posse” dessa área, antes eram dela “detentores” ou “possuidores precários” [cf. art. 1253º do Código Civil].

Não havendo qualquer “dúvida” nos autos quanto a esse particular.

Assim, com paralelismo ao caso vertente já foi doutamente sustentado o seguinte:

«I - A presunção estabelecida no art.º 1252.º, n.º 2, do CC só actua em caso de dúvida, e não quando se trate de uma situação definida, que exclua a titularidade do direito.

II - A dúvida não existe – e, por isso, a presunção legal não funciona – se se provou que a ré ocupa o imóvel reivindicado por tê-lo adquirido verbalmente a um terceiro que, por seu turno, o prometera comprar aos autores mediante contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional.

III -Quem exerce a posse em nome alheio só poderá adquirir o direito de propriedade se entretanto ocorrer a inversão do título da posse, nos termos dos art.ºs 1265.º e 1290.º do CC.

IV - A eficácia da oposição referida no art.º 1265.º do CC depende da prática de actos inequivocamente reveladores de que o detentor quer actuar, a partir da oposição, como titular do direito sobre a coisa.

V - A oposição deve, além disso, ser dirigida contra a pessoa em nome de quem o opositor detinha a coisa e tornar-se dela conhecida.»[13]

O que tudo serve para dizer que não se deteta qualquer erro de julgamento na  sentença recorrida que se encontra conforme e em linha com o vindo de sustentar, mormente na parte em que declarou «Reconhece-se que a parte do rés-do-chão do prédio da Autora é delimitada, no mesmo espaço inferior, ao do primeiro andar do mesmo prédio».         

Donde a fatal e inapelável improcedência do recurso de apelação dos RR./recorrentes.

                                                           *

4.2. - Vejamos agora da pretensão exposta pelos AA./recorrentes, como recurso subordinado, do incorreto julgamento quanto à condenação da Autora/recorrente como litigante de má fé, por não estarem “in casu” verificados os requisitos para tanto. 

Recorde-se que na sentença recorrida, para fundamentar uma tal condenação, se aduziu a seguinte linha de entendimento:

«(…)

O mesmo não acontece com os Autores que, notificados em sede de audiência prévia, para se pronunciarem quanto ao conteúdo do artigo 12º da contestação (em como a Autora recebeu 3.000.000$00 para compensação da atribuição do estabelecimento comercial ao Réu) – com a advertência de condenação em litigância de má fé, caso faltassem à verdade – vieram os mesmos responder – no requerimento de fls.58 dos autos – que «em data que não sabe precisar, a Autora mulher recebeu, efectivamente, de seu pai a quantia de 3.000.000$00. Porém, tal quantia não se destinou a compensar a Autora mulher da “atribuição” do estabelecimento comercial ao Réu, mas antes para a compensar de idênticos valores recebidos pelo Réu».

No entanto, em sede de audiência de discussão e julgamento, a Autora acabou por admitir que recebeu determinada quantia em dinheiro, por metade do valor do inventário dos bens do estabelecimento comercial, para a compensar do facto do Réu ficar com o negócio dos pais, tendo-se dado o ponto 25) como provado.

Ora, a resposta a esclarecimentos solicitados pelo Tribunal deve ser feita com toda a seriedade devida, não existindo justificação para responder contra a verdade em articulado, apresentado de forma ponderada e com prazo de dez dias para o efeito.

O facto de não se dar como provado qual a quantia aqui em causa, não retira que os Autores faltaram à verdade quanto a esta matéria.

É ainda de referir que, não obstante não ter deduzido pedido correspondente, os Autores colocaram em causa a propriedade do estabelecimento comercial por parte dos Réus – artigo 6º da petição inicial – obrigando estes a deduzir pedido reconvencional para efeitos de reconhecimento desse direito.

Por todo o exposto, entende-se que o comportamento dos Autores deve ser sancionado, no pagamento de uma multa, que se fixa em 4UC – artigo 27º, n.º3, do Regulamento das Custas Processuais – valor este julgado justo e proporcional à infracção aqui em causa (artigo 8º do Código de Processo Civil).»

Por seu turno, tendo em vista não ser condenada por litigância de má fé a Autora mulher, sustentam os AA./recorrentes que

«(…)

4. Com o devido respeito por opinião contrária, o fato da Autora mulher, em sede de Declarações de Parte, ter melhor esclarecido Tribunal, ao referir que “(…) recebeu determinada quantia em dinheiro, por metade do valor do inventário dos bens do estabelecimento comercial, para a compensar do facto do Réu ficar com o negócio dos pais”, não significa que litigou contra a verdade.

5. Com efeito, o despacho proferido em sede de Audiência Prévia teve por fim esclarecer a questão dos 3.000.000$00, quantia que a Autora admitiu ter recebido, a título de compensação por idênticos valores recebidos pelo seu irmão, não referindo a que título (se em géneros ou monetários), o que acabou por esclarecer em sede de Declarações de Parte.

6. Ora, como melhor se pode atentar pela fundamentação da sentença, a referida quantia não se destinou a compensar a Autora pela atribuição ao Ré do estabelecimento comercial, mas sim para compensar a Autora “(…) por metade do valor do inventário dos bens do estabelecimento comercial.”

7. A Autora não faltou à verdade. A Autora admitiu ter recebido a aludida quantia, acabando-se por confirmar, em sede de Audiência de Discussão e julgamento, que a mesma se destinou a compensar a Autora por bens já recebidos pelo Réu de idêntico valor, sem admitir ter sido esse o valor atribuído ao estabelecimento comercial.

8. Mais esclareceu que, apesar do estabelecimento comercial não ter sido objeito de partilha, quem lá tem estado tem sido o irmão e declarou nada pretender relativamente ao mesmo.

(…)»

Que dizer?

Em nosso entender – e releve-se este juízo antecipatório – que assiste, no essencial, razão aos AA./recorrentes.

Senão vejamos.

Nos termos do art. 542º, nº 2, do n.C.P.Civil, «diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».

Será que os autos evidenciam efetivamente que a Autora mulher alterou a verdade dos factos ou negou factos pessoais?

Em vista da resposta a uma tal questão, importa atentar que face à sua disciplina legal, a litigância de má fé surge como um instituto processual, de tipo público e que visa o imediato policiamento do processo.

Assim, como nos foi ensinado por douto aresto jurisprudencial e à luz da melhor doutrina, alterar a verdade dos factos significa que «a parte queira convencer de uma realidade que conhece ser diferente, portanto, deturpando ou corroendo aquilo que sabe que assim não é (…) estarão, ainda, principalmente aí em vista os factos pessoais ou, pelo menos, aqueles que sejam do conhecimento pessoal da parte, e cuja prova se venha, depois, a fazer em contrário daquilo porque ela pugnara[14] 

E que significa proceder com dolo ou negligência grave?

A concretização do dolo revela-se numa intencionalidade da parte; agirá dolosamente, por exemplo, quem sabe que procede a uma descrição dos factos essenciais não coincidente com a realidade. Do ponto de vista da negligência, nem toda é relevante, mas apenas a mais acentuada, portanto, a que supõe uma atuação sem o mínimo de cautelas ou qualquer espécie de ponderação, a imprudência grosseira na atuação da parte; e agirá assim, por exemplo, aquele que, sem fazer apelo ao mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da sua desrazão, opte temerariamente por proceder à descrição dos factos, que se vêm mais tarde a revelar desconformes com a realidade apurada.[15]

Que dizer então no caso vertente?

Que efetivamente a Autora mulher in casu não “manipulou” ou “adulterou” factos, antes sucedendo que nas declarações que prestou na audiência precisou ou clarificou o sentido do que anteriormente aduzira por escrito!

Assim, não nos parece que se possa dizer que houve um propósito manifesto de falsear a realidade em qualquer dos dois momentos, nem sequer uma manifesta temeridade da atuação.

Atente-se que a versão final que veio a ser acolhida nos autos é a que proveio do esclarecimento/clarificação da própria Autora mulher, sem a contribuição da qual porventura nada se teria concluído quanto a esse particular!

Donde, em nosso entender, a censurabilidade com que poderia ser efetivamente qualificada a conduta processual dessa Autora mulher, foi “apagada” ao prestar declarações em audiência, em tempo útil para o desenlace do litígio.

Atente-se que para efeitos de litigância de má fé, alterar a verdade dos factos” significa que a parte queira convencer de uma realidade que conhece ser diferente, portanto, deturpando ou corroendo aquilo que sabe que assim não é.

O que não nos parece legítimo concluir no caso vertente!

Dito de outra forma: não é seguro que na versão que foi dada nos autos pela Autora mulher, a mesma tenha, com dolo ou negligência grave, faltado ao dever de verdade (dita al. b) do art. 542º, nº 2, do n.C.P.Civil).

Nesta linha de entendimento, entendemos não ser de manter a condenação da mesma como litigante de má fé.

Procedem, pois, as conclusões dos AA. ora recorrentes no recurso subordinado em apreciação, o que conduz ao provimento desse recurso e à revogação da correspondente decisão recorrida.

                                    (…)

                                                                       *

6 – DISPOSITIVO

            Assim, face a tudo o que se deixa dito, acorda-se em julgar improcedente o recurso principal de apelação dos RR., e em julgar procedente o recurso subordinado dos AA., em consequência do que se mantém o dispositivo da sentença recorrida nos seus precisos termos, à exceção da al. “o)” do mesmo que é eliminada.

Custas de ambos os recursos pelos RR..

                                                                       *

                                                   Coimbra, 21 de Novembro de 2023

                                                        Luís Filipe Cravo

              Rui Moura

                                                   José Fonte Ramos


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Rui Moura
  2º Adjunto: Des. Fonte Ramos
[2] Citámos o acórdão do TRP de 17-03-2014, proferido no proc. nº 3785/11.5TBVFR.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[3] Assim ANA LUÍSA GERALDES, “ Impugnação e Reapreciação da decisão da matéria de facto ”, in www.cjlp.org /Ana Luísa Geraldes, a págs. 5-6.


[4] Cf. o acórdão do TRC de 13-09-2017, proferido no proc. nº 390/14.8PCLRA.C1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[5] Assim no acórdão do TRG de 30-11-2017, proferido no proc. nº 1426/15.0T8BGC-A.G1, acessível em www.dgsi.pt/jtrg.
[6] cfr. ANDRÉ DIAS PEREIRA, in “Tutela Possessória das Servidões”, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Vol. LXXVI, 2000, a págs. 488-489.
[7] vide o acórdão do STJ, de 7.07.1999, CJ STJ, 1999, Tomo II, págs. 164 e segs., em especial a págs. 165.
[8] Cf., inter alia, o acórdão do STJ de 14/10/2003, proferido no proc. nº 03A2672, acessível em www.dgsi.pt/jstj
[9] O que, à luz dos factos “provados”, igualmente sucede quanto ao espaço que se situa sob a cozinha do prédio ...96º [por integrar o prédio ...96º (pátio), da propriedade da Autora], e bem assim relativamente à cave que se encontra imediatamente abaixo da área do estabelecimento que é o principal do litígio entre as partes [que igualmente integra o prédio ...96º, da propriedade da Autora].
[10] Neste sentido vide o acórdão do STJ de 10/04/2018, proferido no proc. nº 3546/15.2T8LOU.P1.S1, também ele acessível em www.dgsi.pt/jstj. 
[11] Neste sentido, HENRIQUE MESQUITA, in RLJ 135-151 e segs. e os acórdãos do STJ de 03.03.2005, de 13.12.2007, de 14.04.2009 e de 05.05.2015 (P. 4273/06).
[12] Assim TAVARELA LOBO, in “Mudança e Alteração de Servidão”, a págs. 149 e 150.
[13] Citámos agora o acórdão do STJ de 20/03/2014, proferido no proc. nº 3325/07.0TJVNF.P1S2, também ele acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[14] Citámos o acórdão do T.R. de Lisboa de 18.01.2011, no proc. nº 1807/08.6TVLSB-A.L1-7, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.

[15] Neste sentido, vide LEBRE DE FREITAS/MONTALVÃO MACHADO/RUI PINTO, in “Código de Processo Civil anotado”, volume 2º, 2001, a págs. 194-195.